• Percival Puggina
  • 11/04/2021
  • Compartilhe:

NOSSOS TIGRES BRANCOS

Percival Puggina

 

São raros, raríssimos na reduzida população de tigres, os apreciados tigres-brancos. Li, em algum lugar, que corresponderiam a 1/10000 nascimentos no conjunto da população selvagem.

Nos grandes meios de comunicação do Brasil, jornalistas com independência e coragem para nadar contra a corrente são raros como tigres brancos. Não tenho dúvida de que, se não fossem tão escassos, a nação alcançaria maior consenso, se aproximaria da verdade sobre os fatos e encontraria mais facilmente soluções para muitos dos grandes problemas nacionais.

No entanto:

  • quando o Congresso legisla para criar novos meandros nos processos penais e afastar ainda mais os criminosos do cumprimento das penas, a grande imprensa noticia e não critica;
  • quando o Congresso cria preceitos que inibem a ação dos  agentes do Estado (policiais, promotores, magistrados), a maior parte do jornalismo brasileiro noticia e não critica;
  • quando o Congresso se omite de votar sobre prisão em segunda instância (indispensável à celeridade dos processos, aos acordos de leniência e ao certeiro combate à impunidade), a grande imprensa cala num silêncio escandaloso;
  • quando senadores, deputados, ou seus partidos, admitem lisamente estarem votando contra propostas do Executivo para conseguir mais “espaço” no governo, a mídia militante silencia sobre a malícia do fato e sobre o prejuízo que ele possa causar ao país.

Por último, mas não por fim, jamais, nem por acaso ou falta de assunto, nosso jornalismo examina os erros do modelo institucional que é, este sim, a causa original da maior parte de tais condutas, males e malefícios.

O jornalista J.R.Guzzo, um desses raríssimos Tigres Brancos, em artigo de 11/04 no Estadão, chama a atenção dos desatentos e omissos, especialmente colegas, sindicalistas, juristas, entidades defensoras de direitos humanos, para o caso do jornalista Oswaldo Eustáquio. Em certo trecho, diz assim:

(...) o jornalista Oswaldo Eustáquio, indiciado num inquérito ilegal no STF, está preso há três meses e meio por crime de opinião, acusado de violar a Lei de Segurança Nacional que sobreviveu ao regime militar. Não foi preso em flagrante. Não cometeu nenhum crime descrito na lei como “hediondo” e, portanto, inafiançável. Não tem direito a nenhuma das múltiplas garantias que a lei brasileira oferece a qualquer acusado de infração penal. Não tem acesso completo às informações do seu processo. Não lhe foi dito até agora quais são, exatamente, as acusações que estão sendo feitas contra ele. Não há data para a conclusão do inquérito, e nenhuma obrigação por parte dos carcereiros de responder às perguntas dos seus advogados. Não tem culpa formada. Não foi condenado por nenhum dos 361 artigos do Código Penal. Mas está preso desde o dia 18 de dezembro de 2020, por ordem e desejo do ministro Alexandre Moraes.

Valiosos princípios e bens morais precisam estar mortos para justificar silêncios que encobrem, também, muitos disparates praticados e opiniões abusivas de quem não consegue entender os limites à conduta pública de um julgador. Como pretendem, algum dos nossos, ingressar na política sem voto, bater sem levar e se indignar com a própria impopularidade?

Os tigres brancos não salvam a mídia brasileira. Mas são um lenitivo à inteligência e uma boa régua para medir aqueles que – em meio a tantos acontecimentos graves, tanto abuso e desrespeito à Constituição por parte do Supremo – se põem a examinar, minuciosamente, cardápios e compra de lagostas.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

        


Sebastião -   17/04/2021 01:33:07

Excelente, como sempre.

ARCY JOSÉ DE ALMEIDA DIAS -   13/04/2021 21:44:11

Assistí, por duas vezes, o filme "O Processo" do livro do mesmo nome, de Franz Kafka. Não entendí nada. Repete-se minha dúvida,agora.

Gabriel M. Corradi -   13/04/2021 17:17:00

Descobri o seu site agora há pouco e já virei leitor assíduo! Saudações de Belo Horizonte!

ALCEBIADES DA SILVA SANTOS FEITAL -   13/04/2021 00:48:08

O Jornalista J.R.Guzzo é um Gigante da imprensa que se insurge contra as coisas erradas, apontando-as. Feliz é o país que tem jornalistas com valores morais da estirpe de J.R.Guzzo, Alexandre Garcia . Percival Puggina dentre outros.

José Roque Brugnaro -   12/04/2021 19:33:49

Parece que a grande mídia sofreu lavagem cerebral, só atentando para seus interesses particulares, em oposição ao desejo do país.

João -   12/04/2021 19:08:39

Caro escritor, não sei se foi a eleição do Presidente Jair Bolsonaro ou a pandemia que provocou essa derrama das máscaras da Grande mídia, políticos e outros segmentos sociais.

DIRCE MARIA HENSEL -   12/04/2021 17:45:27

Professor ; Estes tigres, têm essência feminina e por isto poderão TRAIR Bolsonaro...????????????

Isolda Torma Cestari -   12/04/2021 16:32:46

Muito triste muitas pessoas terem perdido a vergonha e honestidade, terem escolhido o crime para prejudicarem o povo que é o pagador dos impostos provenientes do seu trabalho honesto!

Paulo Antônio Tïetê da Silva -   12/04/2021 14:49:13

E a tal de oab, o que está fazendo sobre isto?

Karina Tenório -   12/04/2021 14:18:35

Nobre Escritor, que tempo é esse que vivemos? A insegurança acampa em todos os lugares.

ODILON ROCHA -   12/04/2021 13:14:49

Perfeito, caro Professor. Tanto as suas palavras como as do Tigre Branco Guzzo. Ah, se daqui a um tempo for instaurada uma Comissão da Verdade, verdadeira!

Edison França Vieira -   12/04/2021 11:32:04

Pois é, com essa atuação, sem nenhum eco, na maior parte da imprensa nacional, o que nos resta ? O medo às ações do STF?

FERNANDO A O PRIETO -   12/04/2021 08:27:39

Parabéns pela importância do tema, e pela excelente abordagem1 O fato é que temos MUITO POUCOS (quase nenhum, na verdade), veículos para nos informarmos - infelizmente, esta situação também ocorre mundialmente, e não apenas no Brasil...A população que lê, que sempre foi pequena, em boa parte sofreu "lavagem cerebral" e deve achar muito boa a atual imprensa. Que um dia possa ela perceber a verdade... Deus nos ajude!