• Percival Puggina
  • 11/03/2022
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A EDUCAÇÃO PELO AVESSO

 

Percival Puggina

“Levantamento realizado pelo instituto Orbis com exclusividade para o site Diário do Poder revela que mais de 75% dos brasileiros são contrários à política de cotas raciais em concursos públicos, vestibulares etc. No total, 15,4% se dizem contra qualquer tipo de cota e outros 59,4% são especificamente contra as cotas raciais, mas a favor de cotas sociais, “pois somos um país miscigenado” e devemos “ter cotas e dar preferência para os mais pobres, independentemente da cor.” Apenas 25,2% dos entrevistados são totalmente favoráveis às políticas de cotas raciais como “reparação histórica perante a escravatura”. (Diário do Poder, 09/03)

           Quando o STF, em 2012, reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais (assisti à reunião inteira), os ministros falaram muito mais sobre Sociologia, História do Brasil, Antropologia e Política do que sobre a Constituição. No que a ela pudesse importar, seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Foi um legítimo “Todos apoiamos a causa, constitucionalize aí, por obséquio”.

Eu acompanhava atentamente a sessão. Era inevitável que, em algum momento, o relator interrompesse o discurso e abrisse a “Carta da República”, onde encontraria coisas como a igualdade de todos perante a lei e o preceito (quase universal no mundo civilizado) de que ninguém será discriminado, entre outras coisas, por motivo de raça. Como sairia o ministro da enrascada? Lewandowski, então, afirmou que um sistema de cotas raciais precisava ser transitório, temporário, devendo viger até que desaparecesse a situação que lhe dava causa... Não sendo assim, seria inconstitucional. Traduzido em miúdos, o conta-gotas funcionará até que o lago seque.

Mesmo tomando em conta haver uma efetiva desigualdade natural entre os indivíduos, as desigualdades sociais em meio às quais vivemos excedem, em muito, o tolerável! Nosso índice Gini (que mede a distribuição da renda nos países) é comparável ao das sociedades com desenvolvimento mais retardado. Chega a ser disparate alguém observar o Brasil nessa perspectiva e deduzir que o mal está no acesso às universidades públicas. Não está! É na base do sistema de ensino, no bê-á-bá da cadeia produtiva da Educação, que ele se aloja e opera.

Só os gênios ideologizados que regem de fato a Educação nacional não sabem o que acontece no mundo do mau emprego, do subemprego e do desemprego. Ali, onde é árduo o trabalho e baixo o salário, para cada graduado de cor negra que recebe seu diploma no último andar do sistema, dezenas de crianças estão entrando pelo térreo para padecer as mesmas deficiências que inspiraram a ideia das cotas.

Invisível ao conta-gotas racial percebido nos atos de formatura, há um imenso lago de hidrelétrica de alunos negros e pobres, recebendo o precário tipo de educação que a nação fornece a seus alunos pobres e negros. E ninguém vê isso? De nada nos servem os tantos bons exemplos de outros povos que superaram desigualdades internas maiores do que as nossas e emergiram como potências no cenário industrial e tecnológico, através de um bom sistema de ensino?

Ano após ano, as políticas de desenvolvimento social via universidade têm feito o quê? Reproduzem a estúpida estrutura, tão do agrado da elite brasileira: um bacharelado, um canudo, um título, uma festa de formatura. E está resolvido o problema dos pobres. Até parece ideia de rico de novela.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 


Carlitus -   15/03/2022 09:38:28

O fato da nossa elite intelectual não perceber essa realidade tão cristalina é evidência de que esses intelectuais são as vítimas desse sistema perverso descrito pelo Sr Puggina.

CELSO JÂNIO MOSKORZ -   14/03/2022 14:29:29

Na festa de formatura, não esquecer o discurso de empoderamento.

BEATRIZ CHERUBINI ALVES -   14/03/2022 12:10:54

Muito bem colocada e análisada. Concordo 100%

Enilda Dias Ferreira -   14/03/2022 07:45:43

Eu tenho CERTEZA que o STF quer mesmo é fazer programas para educação de RICOS de NOVELA,tipos assim: cantoras das favelas,a turma da droga,artistas do futebol e segue daí..ter um diploma já dá poder.

Menelau Santos -   13/03/2022 20:21:43

Perfeito Professor. E nesse raciocínio mataram as escolas técnicas. No meu caso, não existem mais técnicos em contabilidade, que já habilitava, a baixo custo, bons profissionais para atuar no mercado.

SILMAR BOHRER -   11/03/2022 19:41:31

VERDADEIRO, PUGGINA. ASSINADO EMBAIXO !

João Jesuino Demilio -   11/03/2022 09:57:48

Caro Percival...para a esquerda o que interessa é o DIPROMA! O conhecimento? Ah!!!irrelevante! Afinal um povo ignorante é mais fácil de ser doutrinado e domesticado!

Edna -   11/03/2022 07:42:09

Perfeito!????????????????