Percival Puggina
09/12/2022
Percival Puggina
Os manés são seres humanos
Em nome da defesa do estado de direito passaram a fazer oposição e a interferir no governo. Conceberam um fantasma e alegando combatê-lo agiram como a oposição real a um governo real. Restringiram liberdades, instalaram a censura e nos jogaram num estado de exceção. Agora enfrentam as consequências de todos os excessos praticados. Os manés, descobriram, são seres humanos!
Estado de exceção
Sei o que digo quando falo em estado de exceção porque leio a Constituição, já vivi sob regime autoritário, já vivi em tempos de liberdade, vi e senti o totalitarismo em Cuba. Percebo as diferenças. O que torna ainda mais sombria nossa situação é o fato de a imprensa dita “tradicional” ter largado de mão sua longa defesa da liberdade de opinião e passado a exaltar as excepcionalidades do regime desregrado que nos está imposto.
Nem a obrigação mínima
Repito: sirvam-nos democracia, liberdades, respeito à Constituição e à vida privada, eleições lisas e justas e estaremos bem atendidos! Afinal, o estado oneroso que custeamos não teria, como obrigação mínima, que nos proporcionar isso?
O perigo das democracias populares
Só que não é bem assim. Há quem crie os próprios fantasmas. Foram eles que serviram para nos trazer a um estado de exceção e para o perigo iminente de nos transformarmos numa “democracia popular”, nome comercial das ditaduras instituídas por revolucionários de esquerda. Elas podem nascer nas democracias mal costuradas, como as ibero-americanas, contando com apoio, em proporções demográficas, de egressos das cadeias produtivas da educação onde operam os mecanismos de acefalia em massa.
A trilha do capeta
O capeta, só pode ser coisa dele, infiltrou entre nós o mapa desse roteiro, em marcha batida para o abismo. É uma trilha aberta a facão, fora da estrada asfaltada nos tempos do estado de direito, do devido processo, do cada macaco no seu galho. Ao longo dessa trilha foram criados os inquéritos cujo titular opera como um aspirador de prerrogativas, poderes e competências excepcionais. Estou falando de uma dupla trapizonga chamada “fake news” e “atos antidemocráticos”, de conceituação subjetiva, em cujos inquéritos vale tudo para quem acusa e vale nada para quem é acusado.
Alexandre do bem, o Garcia
Se você acha que estou exagerando, acredite: até a OAB Nacional chegou a balbuciar alguma coisa sobre direito de defesa e direitos dos advogados. Alexandre do bem, o Garcia, em artigo de ontem (08/12), escreve sobre o caso do prefeito cujo mandato foi baleado pela fumegante caneta do ministro sniper. Ao final, conclui magistralmente:
"Deve ter alguma coisa certa nisso tudo, porque do contrário a OAB iria reclamar. Se não reclamasse, a mídia brasileira reclamaria. Se não fosse a mídia, o Senado brasileiro abriria processo. Mas deve haver alguma coisa além da Constituição que paira sobre nós, e nós não estamos sabendo".
É preciso dar um basta.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/12/2022
Percival Puggina
Tomo emprestado, em parte, o título do livro de Saramago para humildemente escrever estas breves reflexões sobre a vaidade e suas consequências entre nós.
Os piores produtos da vaidade, esse pecado preferido do diabo, vêm quando ausentes as virtudes que a poderiam conter. Aí a coisa fica feia, muito feia. É normal que integrar um colegiado supostamente formado por pessoas sábias afague o amor próprio e faça a vaidade se manifestar. A efetiva sabedoria, porém, coloca a pessoa diante do espelho de todo dia, olhos nos próprios olhos e deles a vaidade recebe o pedagógico corretivo. Por vezes, esse colegiado concentra poderes e a tensão moral aumenta porque a vaidade reforça e irriga suas raízes.
A umas poucas pessoas é dado tudo isso e o poder que ocupam está na posição suprema da pirâmide judicial. Sua missão é lateral aos poderes políticos representativos da sociedade e com eles lhes é dado interagir. Quanto maior o poder, maior a vaidade e mais virtudes são requeridas.
Tenho grande apreço à instituição STF. À instituição, repito. Não a quero destruída, embora a maioria do Senado Federal tenha aprovado indicações que não favoreceram sua imagem. Penso que a comparação fica mais fácil quando evocamos ministros que saíram. Lembro-me, entre outros, de eminentes juristas como Célio Borja, José Nery da Silveira, Paulo Brossard, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence, Francisco Resek, Maurício Correa, Marco Aurélio Mello. Que tal? Nessa lista há pessoas (conheci algumas) certamente envaidecidas pela nobre função, mas o peso da toga fazia as virtudes de caráter afluir e se sobrepor.
Também não desapreciava inteiramente a formação do STF quando havia manifestas divergências e surgiam altercações durante as sessões. A divergência era indício de um fragmento de pluralismo, antídoto à toxidez do protagonismo político que estava por vir, ao abuso do poder, ao império da vaidade colegiada e, enfim, à cegueira que acabou com a eficiência do espelho e levou a prudência a ser atropelada pelos fatos. Hoje, essa virtude dos sábios jaz estendida no chão para autopsia forense a ser realizada por quem se dispuser a tanto.
As tensões da hora presente, em boa parte, se devem à renitente vaidade que impediu ver o óbvio: voto é coisa que se conta, desencadeando durante dois anos o mais grosseiro festival de atropelos, abusos, arbitrariedades e decisões imprudentes por dia de serviço que já tive a infelicidade de observar.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
05/12/2022
Percival Puggina
Deixei de usar o estrangeirismo “fake news”, que se tornou a mais vadia das expressões correntes em nosso vocabulário. Como a Geni de Chico Buarque, ela dá para qualquer um o que cada um quiser e, em seus momentos sádicos, tortura a verdade.
Na noite de 30 de outubro de 1938, milhões de ouvintes norte-americanos, sintonizados à CBS, ouviram a transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos”. Durante uma hora, Orson Wells narrou uma invasão alienígena como se estivesse em curso na costa Leste dos EUA, espalhando pânico e, ao mesmo tempo, alçando sua carreira ao nível das estrelas de maior grandeza na luminosa abóboda hollywoodiana. O programa entrou para a história do rádio como um de seus capítulos mais notáveis.
Mentiras fazem parte do nosso cotidiano. Têm data própria no calendário anual. Mentem-nos tanto que acabamos desenvolvendo intuições que nos protegem de muitas. Por outro lado, a verdade, não raro, é produto de uma trabalhosa escavação, seja dos acontecimentos de hoje, seja nas cinzas da história. A política só é o habitat de tantos mentirosos porque muitos eleitores preferem ouvi-los. Na lei de Deus, a mentira é pecado; na lei dos homens, não é crime (salvo em situações muito particulares previstas em lei).
Rejeitemos a falsidade e a mistificação. Protejamo-nos, inclusive, do autoengano. Afastemo-nos dos mentirosos. Busquemos a verdade. Querer acabar com a mentira, contudo, é devaneio autoritário de quem sonha com um Ministério da Verdade e este é mais nocivo do que aquela.
O STF e seu braço eleitoral tantas fizeram com a expressão fake news, tanto dela abusaram para transformá-la numa espécie de crime hediondo, que acabaram por depreciar o emprego que dela fazem. Esqueceram-se da frequência com que alguns de seus ministros relativizam a Constituição, recuam das próprias verdades já explicitadas em trabalhos acadêmicos, atividades profissionais anteriores e até em decisões pretéritas como membros da corte. Aqueles que deveriam nos proteger dos abusos das plataformas, delas não se valem para sancionar quem os contraria?
No transcurso de uma campanha eleitoral, quem impôs como verdade inquestionável a inocência de Lula – a maior mistificação da década – perdeu a autoridade para imputar falsidade às afirmações alheias. Desculpem-me os divergentes, mas me sinto moralmente vinculado às minhas percepções, principalmente se do lado oposto observo, ademais, graves violações ao estado de direito.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/12/2022
Percival Puggina
Disse alguém, não sei quem: “Cuidado com o que toleras. Podes estar ensinando os outros sobre como devem te tratar”.
É na esteira de sucessivas tolerâncias que a tirania avança no Brasil. Não preciso mencionar o longo caminho percorrido. Enquanto o ministro Alexandre de Moraes operava seus sigilosos, ameaçadores e inconclusos inquéritos, alegando agir em defesa da democracia e do estado de direito, a tirania estendia as mãos sobre os demais poderes do Estado e sobre a liberdade de opinião dos cidadãos.
As redes sociais haviam sido o principal instrumento através do qual a direita democrática, conservadora e liberal vencera o pleito de 2018. Era preciso minimizar essa influência. Opiniões “perigosas” sobre liberdade e valores tinham que ser contidas. O cidadão comum, com essas ideias, cuja propagação se viabilizara com as plataformas, era o adversário a ser combatido. E foi o que se viu. Queda de perfis, bloqueio de contas bancárias, desmonetizações, multas astronômicas, investigações criminais abertas para assim ficarem, etc. Os fatos e números da repressão foram pingados como “gotas de colírio” nos olhos até de quem não os queria ver.
“Fake news” foi a expressão vadia do vocabulário para justificar tudo, inclusive o silenciamento ou a negação da verdade.
Há meses não se consegue publicar uma nota sobre assunto de viés político sem que surjam insistentes advertências sobre o TSE como fonte de informações ou sobre o TSE e o resultado final da eleição. Para que raios a onipresença do Estado e de sua corte eleitoral em todos os conteúdos políticos das redes sociais? Que coisa mais ostensivamente cubana!
A situação que descrevo não é antidemocrática? Não é antidemocrática a conduta de um Congresso que não defende os direitos dos cidadãos e que cala perante a censura? Não é antidemocrático suprimir o acesso às redes sociais? Não é antidemocrático contratar empresa para soltar cães farejadores no espaço digital? Não é mais antidemocrático ainda cancelar redes sociais de congressistas, suprimindo-lhes os meios modernos para o pleno exercício da representação constitucionalmente a eles atribuída?
A cada avanço, um recuo. A cada abuso tolerado, mais um trecho da estrada dos abusos é pavimentado e aberto ao tráfego. Até que um dia a casa cai. É o que ensina a longa história dos povos.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
01/12/2022
Percival Puggina
Quando ministros do Supremo Tribunal Federal passam nas sabatinas e são reprovados no exercício de sua atividade;
quando o Estado se agiganta sobre os bons cidadãos e a expressão “soberania do povo”, por perda de significado, mais parece nome de boteco;
quando milhões clamam contra a corrupção e a Justiça do país lhes entrega um ladrão como presidente;
quando ministros das altas cortes proclamam a transparência de um objeto aparafusado e lacrado, tão opaco quanto uma urna eletrônica, e a ela cobram fé e devoção;
quando, por permissividade e omissão do Congresso, o poder de estado se expressa apenas em canetas fumegantes nas mãos de ministros do Supremo;
quando o topo do Poder Judiciário dispara ameaças aos cidadãos e contrata empresas para atuar como cães farejadores do que é dito e escrito no ambiente digital;
quando restrições de direitos, inclusive sobre os próprios bens, são impostas aos cidadãos, sem possibilidade de defesa, por suposto cometimento de crimes sem leis que os definam;
quando o exercício do direito de expressão assegurado pelo mandato parlamentar pode levar um deputado à prisão, e a Câmara dos Deputados, pela maioria de seus membros, admite convalidar isso;
quando o STF e o TSE, seu braço e chicote eleitoral, rotinizam o crime de ameaça e reintroduzem a censura no país;
quando essa censura atinge a mais radical de suas expressões, alcançando não apenas uma opinião ou informação, mas atingindo, mediante cancelamentos e restrição de direitos, a própria pessoa, seus bens e os bens da família;
quando o STF absorve num único inquérito as funções da delegacia de polícia, ministério público e jurisdição, passando-se anos sem que essas funções se cumpram, em clara evidência de que sua única intenção é dar curso à ameaça, à coerção e à punição antecipada;
quando não parece haver limites para a sanha punitiva aos que, em nome da liberdade e do estado de direito, se expressam contra ela mediante manifestações e protestos pacíficos;
quando jornalistas são presos, veículos silenciados e matérias censuradas sem sequer serem vistas;
quando a maioria do tribunal que dirige o processo eleitoral tem candidato na eleição e, em pleno debate político, impede a mera menção à repulsiva biografia de um candidato enquanto permite a calúnia, a injúria e a difamação do outro;
quando a maioria dos membros do tribunal eleitoral deve o cargo que ocupa ao partido de um dos candidatos e proíbe até mesmo a reprodução de declarações comprometedoras que ele proferiu de própria voz;
quando recursos a sanções impostas devem ser decididos pelo mesmo poder que as impôs e quando esse círculo fechado sobre si mesmo, ante a inação do Congresso Nacional, se transforma no poder político efetivo do país, sobrepondo-se a tudo e a todos;
quando a imprensa não apenas escolhe lado – o que é de seu direito – mas pelo silêncio se torna cúmplice dos abusos de autoridade;
então, a realidade aqui sintetizada caracteriza a falência multilateral e orgânica do Estado de Direito, com o consequente surgimento de um estado de exceção, e só resta à sociedade ir às portas dos quartéis, últimos canteiros de onde pode brotar sua esperança porque a outra leva a bem conhecido inferno na terra.
Sirvam-nos uma boa e confiável justiça, eleições transparentes e arbitragem isenta, democracia e liberdade e estaremos supridos em nossas singelas demandas cívicas. É por rejeição a arreios e chicotes, senhorios, subserviências e toda forma de tirania que ali se vai.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
29/11/2022
Percival Puggina
Sempre de cócoras e de olho nos negócios, o Congresso mais irresponsável e indigno de nossa história vai, realmente, aprovar a invenção de dinheiro para atender os delírios de Lula e seus amiguinhos. Se a loucura prosperar, eles estarão autorizados a gastar um dinheiro que não existe e que, por isso, terá que ser “inventado”. Bem mais do que eles querem já perderam em valor as empresas brasileiras! Não obstante, querem isso por quatro anos para que lá, na ponta de 2026, em seus currais, contem com essa moeda de chantagem contra seus adversários.
Sinto-me voltando ao ano de 2007. Então, o sucesso subira à cabeça de Lula. Ele era o cara que projetara o país à dianteira da fila de espera para ingressar no Primeiro Mundo, o cara que ansiava por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, o cara que se julgava capaz de resolver qualquer encrenca internacional, o cara que tornava o Brasil autossuficiente em petróleo, o cara por quem José Dirceu se sacrificara para que saísse incólume do mensalão. O cara que na eleição do ano anterior colocara novamente no peito a faixa presidencial...
Nesse jogo, porém, Lula tinha muito a agradecer e pouco a oferecer. A prosperidade da economia brasileira, que permitiu saltos na arrecadação, no mercado de trabalho e nas exportações tinha tudo a ver com o espetacular e súbito crescimento do mercado chinês, que elevou o preço das nossas commodities. E nada a ver com competência administrativa. O presidente não dispunha das virtudes necessárias a um bom gestor. Sempre foi, isto sim, um político conversador, populista e oportunista. Deveria agradecer aos que, antes dele, assumiram o sacrifício político de colocar o país nos trilhos da responsabilidade fiscal. Mas não.
Ah, se Lula tivesse sido um bom gestor! Com os recursos de que dispôs, com o apoio popular que soube conquistar, com o carisma que Deus lhe deu, teria preparado as bases necessárias a um desenvolvimento sustentável. Nenhum outro presidente, em mais de um século de república, navegou em águas tão favoráveis. Contudo, do alto de sua vaidade, embora fosse apenas um mero e pouco esclarecido barqueiro, ele acreditou ser o senhor dos mares e das marolas (expressão que uso quando as consequências passaram a bater à porta).
Em 2007, a euforia era tal que Lula, consumidor de manchetes, importou a Copa de 2014 e começou a negociar os Jogos Olímpicos de 2016. Lá se foram R$ 66 bilhões em autopromoção e elefantes brancos. Sobrou dinheiro para o supérfluo, mas faltou para o básico.
"Vaidade! Definitivamente meu pecado favorito", confessa o personagem representado por Al Pacino em O Advogado do Diabo. E a vaidade de Lula aquecera as brasas que iriam arder nos governos de Dilma.
Hoje Lula é, novamente, o cara. O cara por quem presunçosos ministros do STF sacrificaram suas biografias. O cara por quem o jornalismo brasileiro renunciou às próprias responsabilidades. O cara por quem tantos congressistas traíram seus eleitores. O cara sob cuja sombra 300 pessoas da equipe de transição, apostando contra a esperança de tantos patriotas, disputam com avidez recursos para suas sesmarias.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
27/11/2022
Percival Puggina
Tenho me lembrado muito de um conhecido filme de terror, produzido no final dos anos 80. O que era brincadeira de meninas adolescentes, um trote telefônico em que diziam “Eu sei quem você é e sei o que você fez” a quem atendesse a um número qualquer discado, se transformou em pesadelo. A fatalidade, de repente, colocou um assassino do outro lado da linha.
A lembrança me vem porque não percebo nas atitudes e palavras dos ministros do STF a consciência de que imensa parcela da sociedade viu o que fizeram e assistiu ao crescente protagonismo do Supremo nos últimos quatro anos. Talvez por isso, os ministros lidam com as reações sociais como se proviessem de um grupelho fanático, terrorista, criminoso, “selvagem”. Não! Não somos cativos em terras de Borba Gato! Somos dezenas de milhões de cidadãos que acompanharam os fatos. Milhões que, nas redes sociais, resistiram a quatro anos de manipulação das suas opiniões pelos interesses financeiros do consórcio da "imprensa tradicional". Milhões que evoluíram da preocupação para o medo e do medo para o pavor em relação ao próprio futuro.
Nós distinguimos a nobre instituição Supremo Tribunal Federal desse estamento judicial esquerdista legado por José Dirceu, Lula e Dilma àquele poder de Estado. Rapidamente, saímos da antevisão para a observação e, desta, para o padecimento das consequências!
Vimos a reversão das prisões após condenação em segunda instância, a anulação de penas impostas em Curitiba e a credibilidade dada a um hacker contra três respeitáveis instâncias do Poder Judiciário.
Vimos o controle policialesco do espaço público e a invasão do espaço privado.
Vimos o princípio do juízo natural ser usado para cessar as comprovadíssimas condenações dos crimes apurados em Curitiba. E vimos o mesmo princípio ser desprezado, logo após, como barata morta, para o ministro Toffoli confiar o inquérito do fim do mundo, em bandeja de prata e guarnição de linho branco, à truculência do ministro Alexandre de Moraes.
Vimos inquéritos abertos para assim permanecer, mesmo depois de a PGR promover seu arquivamento por ausência de quaisquer achados que justificassem sua continuidade. E vimos o disparate de a mesma pessoa togada que se tem por vítima, acusar e julgar o réu.
Vimos o fenômeno social das fake news ascender à condição de crime do qual passaram a decorrer supressões de direitos, sem lei que disponha sobre isso. E vimos a frequente violação da liberdade de expressão pela prática da censura nua e crua, em forma violenta. Vimos a sanção judicial incidindo não só sobre o conteúdo, mas atingindo a pessoa a quem é atribuída culpa, cancelando-lhe o direito de acesso a seus meios de comunicação através das redes sociais. É o “cancelamento” do acusado sem direito de defesa! É o desligamento sumário das suas “rotativas” digitais! Tão absurdo quanto real.
Vimos um parlamentar ser encarcerado e condenado a oito anos e nove meses de prisão por ações que, num foro ungido com a indispensável neutralidade, se resolveriam mediante indenização e cestas básicas. Vimos deputados serem privados de seu acesso às redes sociais, numa brutal violação de suas prerrogativas constitucionais. E vimos um parlamento de cócoras autorizar a prisão do deputado e silenciar sobre os direitos de seus membros.
Vimos a borracha jurídica apagar o prontuário criminal do réu que os nomeou; vimos o tratamento desigual concedido a dois candidatos; vimos o nascimento do conceito de “desordem informacional” para evitar que verdades, reconhecidas como tal, fossem mal interpretadas em prejuízo de Lula, é claro. E vimos demandas desse candidato serem atendidas prontamente enquanto as de seu adversário eram tratadas aos pontapés e arquivadas embaixo do tapete.
Vimos multas de cem mil reais por hora (!) estabelecidas por quem ou não tem noção do valor do dinheiro ou deixou a razão em casa e saiu apenas com a caneta de afrontar quem o contrarie.
Isso e muito mais que isso já sob a poeira dos anos explica a presença de tantos às portas dos quartéis, buscando a proteção e atenção que noutros lugares não teriam.
O descrito até aqui caracteriza um estado de exceção! Na mesma fogueira de vaidades em que arderam as urnas com impressora, o estado de direito e a Constituição, queimam, também, nossa liberdade, nossa dignidade como cidadãos e nossa esperança de um Brasil melhor. As saídas de emergência foram fechadas! Alguém aí não sabe o que vem depois? Então, os manés resistem!
Foi o Brasil empurrado às piores mãos, que passarão a trabalhar juntas? Cuidem-se às Forças Armadas, pois serão elas o objeto de infiltração da vez. No cenário atual, são o que nos distingue da cartilha política venezuelana. Os manés a tudo viram e entenderam. Têm fundamentos mais do que suficientes para pedir socorro. Não adianta fazê-lo ao Rotary ou ao Lions. Nem ao arcebispo de Aparecida. Ora essa!
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
25/11/2022
Percival Puggina
“As coisas desmoronam e acontecem por estupidez e descuido.” (John Sanford)
Se você, cidadão consciente, conservador e liberal, patriota, considera parte de seu dever de casa dar uma espiada nas vitrines da concorrência, provavelmente já percebeu que o Congresso Nacional a ser empossado em fevereiro não será notavelmente diferente do atual. O mercado está aberto para as mercadorias da política nacional.
A perspectiva de que Lula – oh céus! – seja empossado na presidência já comanda as decisões das agremiações políticas. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco negociam as respectivas reeleições. A “maioria conservadora” perdeu a totalidade do centrão. Há sinais claríssimos de que as melancias ideológicas se vão reacomodando na carroça brasiliense e os cargos, se não existem, vão sendo criados para atender a demanda. Certo como a morte, o prejuízo será nosso.
Independentemente do que venha a acontecer no curto prazo, e o prazo encurta no tic-tac do relógio, considero indispensável que a janela da realidade, ou o palco, ou o picadeiro (como queiramos) sirva para ver toda a malícia de um sistema político que não funciona para a democracia, mas para os agentes políticos, ou atores, ou acróbatas (como queiramos). É graças a esse sistema que os eleitores trocaram uns por outros, mas – surpresa! – não deu muito certo. Mais uma vez, é reduzido o número de parlamentares de quem se pode dizer com admiração – “Esse me representa!”.
O que me dá uma canseira na alma é tão poucos darem importância a um problema desse tamanho! A inteira campanha eleitoral transcorreu num verdadeiro caos institucional, mas quase ninguém escolheu seu congressista levando em conta a necessidade de reformar as instituições. A imensa maioria dos cidadãos considera tratar-se de “caveira de burro” azarenta, sempre presente. No entanto, é pura e simples subordinação do jogo à regra do jogo. E tudo se agrava porque, mais recentemente, o juiz do jogo também gosta de bater sua bolinha, tem time do coração, entra em campo e dá botinada no adversário.
Não bastasse isso, sob o ponto de vista do poder político, nossa “democracia” é comandada pelos interesses de uns poucos. No Congresso, as decisões são tomadas pelos presidentes do Senado e da Câmara, e por uma dúzia de líderes em cada uma das duas casas. São 26 pessoas que regem 596 congressistas. Ponha mais sete ministros que formam a maioria politicamente alinhada no STF e o presidente da República e verá que 36 pessoas dirigem o show. Nota: se isso lhe parece desproporcional, não perca de vista o fato de que hoje uma, apenas, dirige tudo e só se aposenta em 2043.
Não tenho espaço neste artigo para discorrer sobre reforma política, tema sobre o qual tanto já escrevi. Apenas aproveito a cena do “acidente” para dizer que ele não é casual. Há motivos institucionais mais do que suficientes para se reproduzir indefinidamente.
É o que acontece quando quase ninguém se importa.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
24/11/2022
Percival Puggina
A generosa multa aplicada pelo piedoso Alexandre de Moraes ao PL é uma representação, em números, da enfurecida régua com que o presidente do TSE mede as sanções impostas a quem o desagrada ou contraria. Esquece sua excelência que a inquietação política do país tem como causas principais, a atual composição do STF e do TSE, as decisões pessoais dele como presidente da corte eleitoral, a teimosia de vender como transparente um sistema absolutamente opaco, que transformou a votação e a apuração num debate entre peritos em ciências da computação. Não há como atribuí-la ao presidente da República, cuja quietude não serve para assombrar as madrugadas das cortes.
A enfezada atuação do STF e do TSE no jogo político presidencial criou a mais desigual disputa que já presenciei neste meu “tão longo andar”, para dizer como Quintana. Elas proporcionaram rígida proteção ao candidato Lula e lhe franquearam todos os ataques a seu adversário. Bolsonaro trazia para a campanha as vicissitudes naturais de qualquer governo agravadas pela pandemia e pelas equivocadas determinações impostas pelo STF. A ele estavam autorizados todos os rótulos e xingamentos; ao ex-presidente, eram vedadas referências a seu passado e, até mesmo, às suas amizades no comprometedor circuito do Foro de São Paulo. Era como um jogo de futebol onde o juiz não apenas tivesse lado e jogasse, mas desse botinadas no adversário e marcasse gols “de caneta”.
As relações entre Lula, sua trupe e as “democracias” do Foro são tão notórias que se poderia dizer notariais, autenticadas por fontes primárias. Os Castro Brothers, os joroperos e salseros Chávez y Maduro e o chichero Ortega, cada um a seu tempo, formou com Lula o núcleo duro dessa banda ibero-americana das esquerdas radicais. Não é por outro motivo que a secretária-executiva do Foro, Mônica Valente, faz parte do grupo de transição de Lula. Aparentemente, porém, operando no TSE, os negacionistas do passado do ex-presidente mandam evidências às urtigas e consciências às favas.
A história desses regimes, para quem os conheceu, os estudou e leu jornais aciona todas as sirenes de prevenção quando se observa o Brasil. Os governos petistas nos deixaram uma corte constitucional majoritariamente vinda da militância esquerdista. Como as universidades e a máquina pública, aquele poder foi infiltrado, para usar a palavra tecnicamente adequada. Por isso, submete a seus fins a Constituição, os Códigos de Processo e os próprios precedentes, abraçando o consequencialismo e o ativismo a ponto de intervir diretamente no jogo político.
Não é difícil prever o futuro com um novo governo Lula. Alguém aí aposta um tostão no retorno de nossas liberdades de opinião e expressão? No fim da censura? Na preservação da autonomia do ensino militar? Na não criação da prometida Guarda Nacional? No não aparelhamento e no zelo pela hierarquia nas Forças Armadas? Na não adoção de uma política reestatizante? No respeito ao direito de propriedade? Na obediência aos princípios fundamentais da administração pública? Pois sim!
Nicolas Maduro governa a Venezuela desde 2013 em virtude da morte de Chávez, reeleito e morto antes da posse. Maduro assumiu como vice-presidente interino, marcou eleição e superou seu opositor Capriles por 50,61% contra 49,12%. Coisa muito parelha, para variar. Seu governo é um desastre social, político e econômico. Em nome da proteção dos pobres, criou a pobreza extrema e extensa. Impopular, perdeu a eleição parlamentar de 2015 e imediatamente, através da ... da... sim, Suprema Corte e dos Tribunais Eleitorais, e com apoio do estamento militar, já muito bem aparelhado por Chávez, o Tribunal Superior de Justiça assumiu as funções da Assembleia Nacional... Em 2019, com êxodo se instalando no país, com o governo desaprovado por 71% dos eleitores, Maduro venceu um pleito em que a abstenção atingiu 54%.
Imagino que dois ou três leitores destas linhas concordem comigo quando percebo semelhanças entre os dois cenários.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.