Percival Puggina

20/12/2023

 

Percival Puggina

 

         Em certo momento de meu artigo anterior – “A liberdade pede socorro” – olhos postos na realidade brasileira, eu afirmei o seguinte:

“Por isso, devemos querer a liberdade sob uma ordem inspirada na Lei Natural, como condição indispensável para sua sobrevivência.  Uma ordem que nos permita ir e vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança jurídica.”

Sobre o tema, escreveram-me dois leitores contestando e desqualificando a Lei Natural como inspiradora do bom Direito. Na opinião deles não existe essa tal lei. Como já tratei da questão anteriormente e percebendo ser conveniente retomar o assunto, escrevi a ambos sobre o erro descomunal que o mundo pós-moderno comete ao considerar tal ideia ultrapassada e intolerável. Retomo, aqui, o fio dessa meada.

Uma sociedade pode afrontar a Lei Natural, tratá-la como papel picado imaginando que com isso a reduz ao silêncio, mas não é ela a vítima dos maus tratos. É o ser humano quem pagará a conta do estrago. Quando uma sociedade refuga a Lei Natural, ela afaga e faz requebros ao relativismo moral, primogênito da pós-modernidade, cadeira de balanço das consciências sem rumo nem prumo e cerca derrubada aos avanços do Estado sobre os indivíduos e a sociedade.

Por isso, pergunto: será sensato afirmar que nada, absolutamente nada, se deduza do ser em relação ao seu dever ser? Será que os bons pais e mães que me leem concordarão com isso ao contemplarem sua amorosa função pedagógica para com os filhos? No entanto, esse mal ataca e prospera, conduzido pela letargia das consciências que, em vez de ajustarem suas ações ao naturalmente bom e justo, buscam dar forma à lei segundo seus atos.

Se não existir um Direito cuja essência se possa buscar na natureza do ser humano, tudo será segundo o que estiver legislado, sem que haja qualquer sentido em nos interrogarmos a respeito de seus fundamentos morais. É por isso que temos ouvido falar tanto em "empoderamento", neologismo parido na maternidade do relativismo moral, infectada pelos vícios que corroem a vida social. Empoderamento é aquisição de força para impor a lei. Ele está no cerne do debate político brasileiro e dos reiterados assaltos ao Estado.

É ele que explica, também, a ação de grupos que tentam tomar a laicidade do Estado pelo seu avesso, fazendo com que ela deixe de ser uma proteção dos cidadãos e suas crenças para criar uma devoção ao Estado. Enquanto isso, convertem a laicidade em escudo protetor do Estado contra as opiniões das pessoas. Também é parte do cenário a pretensão com que alguns tentam fazer do Estado um "educador moral", coisa que ele não é, não deve ser, nem tem condições de vir a ser. Ao menos no que depender do meu consentimento.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (-), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

18/12/2023

 

Percival Puggina      

        Ela grita no tom coloquial do transeunte que me aborda na rua e grita no silêncio quando seu padecer não é assunto à mesa das famílias. E note-se, eu não sou um desenfreado que pretenda liberdade sem limites. Os cabelos que me restam, brancos e poucos, me ensinaram que é bobagem querer ser “livre como os pássaros” porque eles têm necessidades mais pungentes do que as nossas.

Livre é quem faz o que quer”, afirma um senso comum pouco esclarecido, ao qual Shoppenhauer propõe a seguinte pergunta: “Posso querer o que  quero?” Fica bem claro para a maioria das pessoas que não é possível querer a mulher do próximo ou o dinheiro da agência bancária, ou o automóvel alheio, ou suspender a projeção do filme enquanto se vai ao banheiro do cinema, por atraentes ou convenientes que tais interesse pareçam.

Lord Acton (John Dalberg-Acton, historiador britânico do século XIX) afirma algo surpreendente para quem não conhece as raízes da civilização ocidental: “Nenhuma nação pode ser livre sem religião. A religião cria e fortalece a noção do dever. Se os homens não são corretos pelo dever, devem sê-lo pelo temor. Quanto mais controlados estejam pelo temor, menos livres serão. Quanto maior seja a força do dever, maior será a liberdade.” É dele a conhecida frase segundo a qual “todo poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente; de modo que os grandes homens são, quase sempre, homens maus”.

É o que constato:

Poder excessivo costuma ter a maldade como sócia majoritária.

Essas e muitas outras reflexões apontam para a liberdade como um bem precioso. Ao mesmo tempo, sinalizam algo bastante obvio, ou seja, esse bem, como tantos outros, é frágil e corruptível. Por isso, devemos querer a liberdade sob uma ordem inspirada na lei natural, como condição indispensável para sua sobrevivência.  Uma ordem que nos permita ir e vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança jurídica.

O binômio liberdade e responsabilidade é tão natural quanto o que une qualquer ação humana à sua consequência. Inibir a liberdade do ser humano em vista da ordem, significa tirar-lhe a responsabilidade. E quando isso acontece no campo da política através da Justiça temos uma tripla violação: a da liberdade, a da responsabilidade e a constitucional. Sim, há também uma violação à representação exercida pelo parlamento.

A obediência dos cidadãos a uma lei aprovada pelo parlamento é uma forma de auto-obediência e sua legitimidade independe das virtudes ou vícios dos representantes que a sociedade tenha elegido. Em contrapartida, a imposição de uma “lei” (surja ela com o nome de resolução, regulamento ou regimento, fora do legislativo) é tirania, independentemente das virtudes ou vícios de quem as imponha. A liberdade, no Brasil, pede socorro!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

17/12/2023

 

Percival Puggina    

        De súbito, percebo que Sérgio Moro deixou de ser assunto para mim. Há tempos não vejo motivos para escrever sobre ele. Por excesso de contradições, perdeu relevância. E se ainda chama alguma atenção, é pelo resíduo de notoriedade que lhe restou dos tempos de juiz. Certamente ninguém sente saudades dele como ministro da Justiça ou como liderança política, nem admira seu desempenho como senador.

Sei, porém, que devo à Lava Jato alguns dos melhores momentos de minha vida como cidadão. Quando ela se tornou pública, a nação vinha sendo atacada por males que a agrediam de modo articulado e simultâneo. Corrupção, esquerdismo, Foro de São Paulo, corporativismo, patrimonialismo, falta de patriotismo, burrice crônica, estatismo e instituições políticas mal concebidas eram os agressores internos; guerra cultural, degradação moral e globalismo, os agressores importados. A Lava Jato serviu ao combate de alguns desses males porque o combate exitoso à corrupção criou motivação política para propagação dos ideários conservador e liberal.

Não tenho como não agradecer a Sérgio Moro seu trabalho como juiz. Suas atividades no campo da política, no entanto, só serviram para que ele, com total inaptidão e inabilidade, fosse o melhor colaborador de seus inimigos. Fez do próprio sucesso uma sucessão de fracassos. Como ministro, foi um obstáculo às políticas pretendidas por Bolsonaro e vitoriosas na campanha eleitoral de 2018 sobre armas e segurança pública. Saiu do governo atacando o presidente e sonhando com o Palácio do Planalto.

Se havia um projeto político encalhado, morto e sepultado no período anterior ao pleito de 2022 era o dele como terceira via! Numa eleição polarizada entre Bolsonaro e Lula (ou alguém pelo PT) terceiros nomes só se poderiam viabilizar para chegar ao segundo turno se subtraíssem muitos votos (mas muitos mesmo!) dos dois que representavam o antagonismo real existente no país. E Sérgio Moro, como juiz, havia desagradado profundamente a esquerda; como ministro, rompera com a direita. Onde poderia ele buscar eleitores para desbancar os dois candidatos que já entravam no pleito tendo, cada um, mais de 50 milhões de votos garantidos? Terceira via em 2022 era uma verdadeira maluquice de quem desconhecia política ou não se levava a sério, ou não sabia fazer contas. Nove candidatos concorreram com essa pretensão e a soma dos votos de todos não chegou a 10 milhões.

Não vou analisar os fatos recentes porque os considero irrelevantes. Valioso, isto sim, é convidá-lo, leitor, a pensar sobre a política como expressão do amor ao próximo que requer aprendizado e se expressa no espírito de serviço. E, por outro lado, o quanto é lesiva aos bons propósitos dos eleitores a confusão entre notoriedade e competência. Não faz diferença se a pessoa famosa é astronauta ou goleador, juiz ou pastor.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

15/12/2023

 

Percival Puggina

A mim não assustam as derrotas nem os vencedores, mas os desanimados.

        Tenho certeza de que Lula recebeu muitas sugestões no período anterior à indicação de um nome ao Senado para preencher a vaga aberta com a aposentadoria da “inesquecível” ministra Rosa Weber (aquela que pediu aos presos de 8 de janeiro aplausos para o colega Alexandre de Moraes).

Tanto o desejo de indicar alguém quanto o de ser indicado correspondem a aspirações normais. O bolso do casaco de Lula deve ter recolhido muitos cartões e, entre eles, é possível que existissem uma ou das boas sugestões envolvendo indicados que, além de reputação ilibada e notável conhecimento jurídico, acumulassem virtudes como prudência, sabedoria, empatia, humildade (ou, no mínimo, ausência de soberba).

Lula, porém, incidiu no seu erro padrão: ponderou todas as possibilidades e fez a pior escolha possível. Não é por obra e força do acaso que essas coisas lhe acontecem. Ninguém escolhe o pior quando tem diante de si um discriminado e explicitado leque de alternativas.  Sou obrigado a admitir que a escolha do menos recomendável é produto do critério adotado por Lula.

Ele sabe que tem o Senado sob seus cordéis. Foi a mais proveitosa aquisição para seu patrimônio político e ele nem pode dizer que não é dele, mas de um amigo dele. Qualquer dia vai entrar no Senado de bermudas. Ele sabe, também, que podia indicar o capeta, ou “capiroto” como o denominam no Norte do país. A sabatina exalaria cheiro de enxofre e o indicado seria ministro do Supremo.

Foi pensando assim que optou pela indicação mais desagradável à oposição para transformar sua aprovação numa provação, num castigo, a seus adversários, especialmente àquela bagatela de 58 milhões de eleitores que a mídia amestrada diz ser de extrema direita.

Todos sabem o que aconteceu em 30 de outubro do ano passado. Foi a tal “vitória do amor”, não foi? Os ativistas da esquerda proclamaram essa vitória como resposta institucional ao desejo de pacificação do país, tão repetidamente anunciado como objetivo pelos ministros do Supremo. Nada melhor, então, do que colocar no STF alguém que, ao longo do ano em curso, foi o chicote verbal do governo e se revelou uma crescente ameaça à liberdade de expressão da oposição. Sua determinação em controlar a liberdade de expressão levou-o a declarar, em audiência, falando aos representantes das plataformas das redes sociais, que deviam adotar como referência para sua conduta o que tinham vivido no ano eleitoral de 2022, ou seja: um regime que censura e multa.

Repito: a mim não assustam as derrotas nem os vencedores, mas os desanimados.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

  

Percival Puggina

13/12/2023

 

Percival Puggina

         O ministro Gilmar Mendes, falando sobre a decisão do STF que assustou até o jornalismo amestrado ao estabelecer a responsabilidade dos veículos sobre acusações criminais feitas por entrevistados, disse textualmente (transcrição, palavra por palavra do ministro, no vídeo da declaração, divulgado pelo site Poder 360°):

“Temos que ter cuidado. O caso que se discutia é um caso muito circunstancial – esse caso envolvendo o Diário de Pernambuco em que o entrevistado imputou falsamente a alguém a prática de um crime. No entanto até essa pessoa tentou, via direito de resposta, fazer esse esclarecimento e não conseguiu, junto ao veículo. Portanto, o caso é bastante circunstancial. O problema, me parece, não está na decisão, no acórdão, mas eventualmente na tese que se tenta transpor. E aí vem vários questionamentos que a imprensa tem feito. Por exemplo, em casos de entrevista ao vivo, como que se vai fazer o controle? Ou em situações nebulosas, ou muitas vezes brigas entre grupos ou facções políticas em que se faz uma imputação sabendo-se que ela é falsa. Tudo isso precisa ser tematizado e, se for o caso, esse tema pode voltar ao Tribunal em embargos de declaração para que a tese seja devidamente esclarecida. É inequívoco, todos sabem, o valor que o Tribunal dá à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Como também, a ideia de que se tem que preservar a honra, a dignidade e a imagem das pessoas. Isso está estabelecido em todos os acórdãos que o Tribunal lavrou sobre isso nesses 35 anos.”

Eis aí, por uma fresta, o panorama da insegurança jurídica causada por uma formação do STF que parece mais empenhada em “empurrar a História”, impor estratégias e visões de mundo de sua maioria menchevique e bolchevique do que em guardar e aplicar a Constituição de 1988. A consequência se mede em insegurança jurídica para a sociedade e em atropelo à autonomia e às prerrogativas dos demais poderes.

Na afirmação que fez, o ministro estampa com crueza algo que há muito deixou de ser circunstancial. Recorrentemente, o STF afirma A e, tempos depois, o contrário de A, naquilo que o ex-ministro Joaquim Barbosa, coincidentemente, definiu como “maioria de circunstância que tem todo tempo a seu favor para continuar sua sanha reformadora”.

O produto dessa conduta é insegurança jurídica, como a criada pela mudança de posição em relação ao marco temporal ou como a reversão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância (quando em três anos a Corte mudou duas vezes de opinião), ou, ainda, como fez em relação à contribuição sindical.

Por isso, cada vez que leio na imprensa matérias cujos títulos dizem “STF forma maioria para...” seja lá o que for, desconfio que de algum modo a sociedade ou os indivíduos saíram perdendo algo.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

11/12/2023

 

 

Percival Puggina

        Hoje de manhã, chegou-me um vídeo desses rapidinhos que têm uma infinidade de nomes. Plic-ploc ou algo assim. Nele, bailarina seminua rasga uma Bíblia em requebros supostamente eróticos. Admitamos ou não, trata-se de uma performance com intuito cultural, vale dizer, esteticamente não vale o furo de um tostão furado, mas a ação da moça opera no campo da cultura. A sucessão e a repetição levam à habitualidade, a moça passa a ser aplaudida e é a Bíblia que causa constrangimento...

Foi longa a discussão dos intelectuais de esquerda sobre como superar a cultura e a tradição religiosa cristã do Ocidente. O caminho encontrado consistiu em abandonar a luta de classes e mobilizar os descontentes articulando os supostamente excluídos e oprimidos.

Essa estratégia invadiu a própria estrutura da Igreja mediante a Teologia da Libertação (TL). No momento em que substituíram o pobre do Evangelho pelo excluído da TL ou pelo oprimido de Paulo Freire, proporcionaram aquilo que Fidel reconheceu como o mais inestimável serviço à revolução (palavras do ditador cubano transcritas por Frei Betto, muito orgulhoso delas, em “O paraíso perdido”).

As utopias políticas são muito sedutoras. Só eu sei o quanto escrevi e falei denunciando os perigos da TL no ambiente católico e na sociedade. Ganhei inimigos. E dormi em paz. “Diversidade na pluralidade!”, diziam-me. Sim, claro, contanto que eu não falasse e não escrevesse. Quanta celeuma causei por criticar uma tal “utopia cristã”!

No entanto, se tudo fosse uma questão de sistema, Cristo teria proposto um, em vez de perder seu tempo propondo-se a si mesmo, do modo como o fez.

A política, lembremos sempre, acontece num ambiente cultural onde estão fixados os elementos simbólicos através dos quais os indivíduos, majoritariamente, respondem de modo instintivo, emocional e racional aos estímulos que sobre eles incidem. Ciente disso, a Igreja não pode ceder um milímetro em seu papel no mundo da Cultura. Que lhe tomem à força; mas que não ceda nem conceda.

Há algo profundamente corrosivo e corruptor no arcabouço cultural do globalismo, da Nova Ordem Mundial e dessa coisa totalitária que chamo Lei Geral dos Povos. Refiro-me à negação categórica de todo absoluto. O motivo é simples: é preciso que esse poder central cultural e político unificado seja absolutizado, negue a Deus, extirpe o fundamento das religiões e as vinculantes que exercem sobre as sociedades.

O catolicismo, ao qual caberia o papel de principal antagonista desse propósito, tornou-se o mais vulnerável porque os católicos já aceitaram o relativismo como parte de suas vidas. O católico médio se tornou um relativista. Por isso, ouço: “Os dez mandamentos, a Lei de Deus, são do tempo de Jesus, Maria e José. Está claro que hoje não servem mais”. 

Sempre vale lembrar as palavras de São Paulo aos Gálatas comunicando que “quando chegou a plenitude dos tempos Deus enviou seu Filho, nascido de mulher e nascido, também, sob a autoridade da Lei para resgatar os subjugados pela Lei a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

10/12/2023

 

Percival Puggina

         Em palestra ao Ministério Público Federal, no dia 7 deste mês de dezembro, abordando o combate à corrupção com ênfase às ações preventivas, em certo momento, o ministro Alexandre de Moraes disse o seguinte (transcrição palavra por palavra do vídeo original que pode ser assistido aqui):

“[A corrupção] é uma chaga que corrói a democracia, como nós vimos nestes últimos tempos com um abalo sísmico no mundo político, que teve suas consequências - é importante dizer isso porque esse vácuo deixado teve a consequência do retorno de uma extrema direita com ódio no Brasil e quem enxerga essa sequência está falhando; talvez realmente não houvesse o que fazer – não é? – depois que se descobriu a corrupção, mas sim antes, preventivamente. Então nós temos que aprender com nossos erros institucionais e nos perguntar por que chegamos a esse ponto. Por que chegamos a um ponto em que a corrupção perdeu a vergonha na cara naquele momento do mundo político e o combate – todos os sistemas preventivos falharam – o combate à corrupção acabou criando um vácuo muito grande e esse vácuo gerou uma situação de uma polarização, ódio e o surgimento não só no Brasil, mas no Brasil principalmente, de uma extrema direita com sangue nos olhos e antidemocrática também.”

Confesso que não entendi. Deve ser Dilmês gramatical.  É fato, porém, que a corrupção foi um “abalo sísmico”; aliás, foi o primeiro de três terremotos, como veremos a seguir.

Cada um com seus fantasmas; mas as instituições de Estado não devem, elas mesmas, combatê-los ao arbitrar uma campanha eleitoral.  Instituições como o TSE não existem para si mesmas, nem para os amores ou rancores político-ideológico de seus membros. Elas existem para a sociedade que periodicamente se manifesta nas urnas. A democracia, por sua vez, não convive com censura. Ela precisa de campanhas eleitorais em que sejam livremente abordados os problemas do país. Excessos de controle que inibam o debate, apaguem o passado, proíbam temas e condenem a natural polarização inerente a uma campanha entre dois candidatos servem ao oposto da democracia.

Sem essa liberdade, a corrupção que tanto preocupa dezenas de milhões de brasileiros, entre os quais o próprio ministro, não pode ser exposta com o vigor necessário ao longo do ano de 2022. Sucessivas pás de cal jogadas pelo STF sepultaram a Lava Jato e ressuscitaram corruptos confessos e já condenados. Eis aí o segundo grande terremoto destes anos de severas frustrações cívicas.

Pouco antes de assumir a presidência do STF, o ministro Luís Roberto Barroso foi entrevistado nos EUA pelo professor Mangabeira Unger. Em certo momento, falaram sobre ativismo judicial. Barroso fez o habitual relato do que considera notáveis realizações progressistas do STF. O professor, que foi ministro de Lula e tem conhecidas posições esquerdistas, concordou com esse entendimento, mas acrescentou haver, também, um ativismo nocivo. E apontou, como exemplo, o conjunto das ações com efeito político-eleitoral do STF/TSE nos anos recentes (entrevista aqui).

Qualquer cidadão que soube “juntar os pontinhos”, como naqueles exercícios infantis de antigamente, pôde visualizar o desenho dessa estratégia sendo construída dentro dos tribunais superiores, bem como sua finalidade. Era o terceiro terremoto consecutivo em nossa história recente. Foi ele que misturou as palavras no confuso discurso do ministro Alexandre de Moraes transcrito acima e foi ele que deu origem ao constrangido sorriso do ministro Barroso ao contestar a contundente observação do professor Mangabeira Unger.

Concluindo. No nosso modelo institucional, apesar de todo meu desgosto com a maioria da nossa representação parlamentar, tarefas que possam ser definidas como “correções de rumo” e dar “empurrões na história” cabem legitimamente a quem tenha voto, ou seja, ao Congresso Nacional. O oposto é “abalo sísmico”.

(1)        Fala do ministro Alexandre de Moraes ao MPF em 7 de dezembro: https://www.cartacapital.com.br/politica/vacuo-no-combate-a-corrupcao-levou-extrema-direita-ao-poder-diz-moraes/.

(2)        Entrevista do ministro Luís Roberto Barroso ao prof. Mangabeira Unger: https://youtu.be/ZMWRUS_kccM

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

07/12/2023

 

Percival Puggina

         Era uma vez um boneco de sal que, ganhando vida, saiu a caminhar. Foi descobrindo os encantos da natureza, a beleza dos outros seres, a buliçosa energia das cidades, a paz dos campos. Subitamente, do alto de uma colina, avistou enorme vastidão de água. Era o mar. Atraído, andou até a praia e extasiou-se ante a uniforme imensidão que na cadência das ondas se desfazia em espuma e areia. Curioso, perguntou: “Quem és?” E o oceano lhe respondeu: “Vem e vê.” O boneco de sal deu alguns passos em direção ao mar e percebeu que seus pés se diluíam na água. Assustado, voltou a interrogar o oceano e obteve a mesma resposta: “Vem e vê”. Decidido a desvendar o mistério da água, continuou em sua marcha até se desintegrar por inteiro. E o oceano, então ,lhe disse: “Agora sabes quem sou porque fazes parte de mim”.

Desconheço a origem desta fábula, mas lendo comentários onde ela é narrada, fica muito clara a sedução que exerce sobre coletivistas. “Integrar-se ao outro para entendê-lo”, “Ser parte de um todo maior”, “Corrigir o individualismo” são algumas das expressões que suscita. Credo!

Para mim, o boneco de sal, curioso sobre a natureza do mar, é um sinal de alerta, apontando para um dos males que acomete o ser humano, as organizações sociais e as ideologias políticas. Por natureza, somos seres individuais com existência social e ignorar qualquer dessas duas condições costuma dar problema.

Tenho ouvido de pais e mães, insistentes relatos sobre o desarranjo psicológico causado pela integração de seus filhos aos coletivos ideológicos, políticos, ídentitaristas ou partidários que atuam na cadeia produtiva da Educação. Esse sistema de tão maus resultados aferidos pelo Pisa se empenha muito para não perder um único aluno. É contra colégios cívico-militares e contra o homeschooling como foi contra o Escola Sem Partido. Então, todo dia, alguém me escreve: “Perdi meu filho para a universidade tal!”, “Perdi minha filha para o Colégio São Fulano ou para Escola Santa Beltrana”. Inúmeras vezes são, sim, educandários confessionais, universidades pontifícias, tomados por dentro pelos seus “coletivos” – ou serão “coletives”? – onde os estudantes se dissolvem como bonecos de sal.

Alerta aos pais: Acompanhem o estudo e a vida escolar de seus filhos. Não permitam que se despersonalizem a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Isso é vendido a eles como libertação, mas é possessão. Os cordéis de tais coletivos são puxados por seguidores de pedagogos e filósofos cujo objetivo era esse mesmo: tomá-los de vocês.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

06/12/2023

 

 

Percival Puggina

         Nosso sistema eleitoral proporcional afasta o eleito do eleitor e até o voto dado a alguém que não se elegeu migra desse candidato para sua legenda, onde outra pessoa o aproveita... É ótimo para gerar desconexão e descompromisso dos candidatos com seus eleitores, mas é péssimo para o espelhamento da vontade dos cidadãos, inerente às democracias representativas. Nossa cultura política soma omissão, desatenção e esquecimento. Como consequência, a imensa maioria não acompanha a vida pública.

Com exceções sempre raras, os políticos não têm interesse em mudar esse sistema feito por encomenda para lhes proporcionar total liberdade. Um congressista pode votar contra o interesse dos cidadãos em temas como liberdade de expressão, propriedade, tributos, tamanho do Estado, porque tem certeza de que esse fato não chega ao conhecimento de quem nele votou.

Conscientes disso, os partidos de esquerda tratam de se tornar orgânicos estruturando-se na sociedade através de inúmeros movimentos. Esses organismos, denominados “coletivos”, são mobilizados em torno de pautas que reativam a luta de classes para suposto benefício de grupos “minoritários”, “oprimidos” ou “excluídos” que buscam representar. Todos reagem ao comando partidário nos temas de interesse de cada um ou da sigla. Basta ao comando assobiar para que um enxame de entidades interessadas em “empoderamento” proclame manifestos e dispare seus mecanismos de comunicação. A velha e marxista luta de classes se reconstitui, assim, através de minorias com contas a receber e maiorias com contas a pagar.

Surge, assim, o problema: como aglutinar nessa dialética o topo da cadeia alimentar, os esquerdistas de 1ª classe que se refugiam em condomínios de luxo, que rodam de SUV, que têm senha para as salas VIP e cujos filhos estudam nos melhores colégios?  No discurso que vale para todos os demais, esses companheiros são o “incluído” padrão, são o “opressor” padrão. O que fazer com eles? Suponho ter sido dessa constatação que surgiu a franquia “Para a Democracia”. Ela inclui, por exemplo, Juízes para a Democracia, Ministério Público para a Democracia, Artistas para a Democracia e, mais recentemente, Mães e pais para a Democracia, que sempre aparecem para defender a militância política de esquerda nas salas de aula onde estudam os filhos dos outros.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.