Nota do Clube de Opinião do Rio Grande do Sul

Clube de Opinião do RS

16/11/2022

 

         O Clube de Editores e Jornalistas de Opinião do Estado do Rio Grande do Sul, entidade apartidária, com 20 anos dedicados à defesa permanente da liberdade de imprensa e opinião, vem a público contestar a postura do governador Ranolfo Vieira Júnior que, em tempo recorde e sem precedente conhecido em outros estados, encaminhou ao STF uma lista com 21 nomes de patriotas gaúchos que supostamente estariam na liderança das manifestações democráticas em curso no entorno do QG do Comando Militar do Sul. A acusação imputada pode acarretar consequências graves aos nossos conterrâneos integrantes da lista e seu envio deveria merecer maior ponderação das autoridades policiais e do governo gaúcho.

É sabido que ministro Alexandre de Moraes está determinado a punir criminalmente quem se recuse a aceitar os cerceamentos de liberdade que impõe ao conjunto da sociedade e tem inesgotável disposição de estragar a vida de quem o desagrade. Por isso, é reprovável cumprir pressurosamente sua determinação entregando, como se criminosos fossem, cidadãos que de modo ordeiro buscam proteção para suas liberdades.

Como se sabe, as manifestações atuais do povo brasileiro são de geração espontânea e não tem líderes. Nada mais representativo de uma expressão pura da democracia.

De modo contraditório à opção adotada pelo governo gaúcho, as manifestações em Porto Alegre são realizadas em área militar, protegidas pelo Exército em nome de sólidos valores constitucionais – liberdade de reunião e de expressão.

Ordens ilegais, senhor governador Ranolfo Vieira, não se cumprem. Todos sabemos como e onde acabam todos os que alegam o cumprimento cego de imposições ditatoriais.

Isto posto, este Clube de Opinião repele o envio da abominável lista, como também repele a nota emitida por agência do governo Ranolfo Vieira, que investe contra um dos nossos membros, no caso o jornalista Guilherme Baumhardt, que denuncia esta sequência de tropelias próprias de regimes autoritários e intoleráveis, para dizer o mínimo.

Porto Alegre, 16 de novembro de 2022

 

                                                                            Fernando di Primio

                                                                            Presidente

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Essa nota é nota dez

Percival Puggina

11/11/2022

 

Percival Puggina

         Tenho certeza de que a nota assinada pelos três chefes militares sobre os excessos praticados por ministros do TSE, em especial pelo seu presidente, deve ter acendido alertas dentro da Corte. No mínimo, a sirene tocou.

Alexandre de Moraes vinha agindo como se o Brasil fosse um faroeste e ele o gatilho mais rápido, uma espécie de xerife no Arizona, única expressão do poder local.

Não é. Através da nota, os comandantes militares,

- reafirmaram “seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil”;

- lembraram que há uma Constituição e que ela protege “a livre manifestação do pensamento; a pacífica liberdade de reunião, e a liberdade de locomoção no território nacional” (direitos que o TSE vem coibindo);

- assinalaram “não constituir crime [...] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais (idem);

- afirmaram ser igualmente condenáveis excessos de manifestantes e de agentes públicos;

- alertaram caber às autoridades da República, instituídas pelo Povo, nos termos da Constituição e da legislação, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população; (mais claro impossível)

- lembraram ao Legislativo, Casa do Povo, ser ele o destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade;

- posicionaram as Forças Armadas como vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.

Observe o leitor que essa nota não traz assinatura do Ministro da Defesa, não sendo, portanto, um documento do governo. Nas circunstâncias, isso eleva sua gravidade. Com ela, as Forças Armadas fizeram o que o profeta Natã fez com o rei Davi quando lhe apontou seus pecados. Mostraram os gritantes excessos praticados pelo TSE e a insegurança que trazem à nação.

Por fim, deixa claro ser dever das instituições promover um diálogo que viabilize saída institucional para a crise criada – agora são palavras minhas: pela leniência do Congresso e a desmedida parcialidade do Supremo.

Obviamente, as Forças Armadas entraram como players nessa que é mais uma de nossas tantas crises.

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Para baixo do tapete?

Percival Puggina

10/11/2022

 

Percival Puggina

         Não sou auditor, mas sei que o relatório das Forças Armadas sobre a atividade que seus técnicos puderam desenvolver durante o processo eleitoral não é uma auditoria. É o que lhes foi possível fazer com o que lhes foi permitido ou proporcionado. No entanto, o ofício do ministro da Defesa traz solicitações e recomendações que precisam ser lidas com atenção pela sociedade. Ele as destaca na carta de encaminhamento.

No ítem 6, o ministro solicita 1) investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos; e 2) análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas.

No item 7, o ministro sugere a criação de uma comissão específica, integrada por técnicos renomados da sociedade e por técnicos representantes das entidades fiscalizadoras.

No item 8, solicita que a Corte considere a urgência na apreciação da proposição.

Não entendo coisa alguma do que está dito no item 6, mas entendo que no item 7 o ministro recomenda que a comissão a ser encarregada da tarefa indicada inclua técnicos da sociedade e representantes das entidades fiscalizadoras. Ou seja, recomenda que a tarefa seja feita por um grupo múltiplo e independente. No item 8, urgência é palavra com um único sentido e interpretação.

Assinada pelo presidente da Corte, a brevíssima nota do TSE sobre o relatório recebido é autolaudatória e afirma, no segundo parágrafo, que “As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas”.  

Em outras palavras, o TSE não reconhece a urgência e considera inoportuno o momento atual. Cabe, então, perguntar: o relatório vai para baixo do tapete?

 

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Gazeta do Povo

Às 17 horas (pelo horário de Brasília) do dia 30 de outubro, as urnas se fecharam em todo o país e terminou o período eleitoral; acabou o tempo de fazer propaganda política e de criticar os adversários na tentativa de conquistar votos. Consequentemente, deveria terminar também a vigência das regras estabelecidas pela Justiça Eleitoral para esta campanha de 2022, que tinham o objetivo declarado de conter a epidemia de fake news que tomou conta do período eleitoral, mas que foram muito além da necessidade inegável de se conter a disseminação de informações factuais comprovadamente inverídicas a respeito dos candidatos. Neste momento, em que tanto se fala da necessidade de um “retorno à normalidade”, a maior urgência do país é restabelecer o respeito à liberdade de expressão da forma como ela sempre foi compreendida pela lei e pela jurisprudência brasileiras.

O combate à mentira factual, que deveria se pautar pelo que o ministro Alexandre de Moraes chamou de “intervenção mínima” ao tomar posse na presidência da corte eleitoral, acabou não tendo nada de mínimo. Em vez da ação pontual destinada a remover da propaganda eleitoral e das mídias sociais as informações factuais comprovadamente falsas, dezenas – talvez centenas – de cidadãos brasileiros tiveram tolhido o seu direito de se manifestar sobre qualquer tema, graças à exclusão de suas contas em mídias sociais, violando tanto a liberdade de expressão quanto o princípio da proporcionalidade. E esse tipo de intervenção desproporcional continua a ocorrer mesmo depois da realização do pleito, como acaba de acontecer com a deputada federal reeleita Carla Zambelli, que teve suas contas suspensas e foi proibida de criar novos perfis até a diplomação de Lula; e com Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal e candidato a vice-presidente em 2022 na chapa encabeçada por Soraya Thronicke, que teve suspensa sua conta no Twitter após fazer questionamentos sobre os resultados de algumas seções eleitorais em que Jair Bolsonaro não recebeu nenhum voto.

Os ministros que julgam ser possível trazer a paz e a normalização democrática por meio da restrição a opiniões legítimas se equivocam profundamente.

Esta “intervenção nada mínima” é uma violação evidente dos princípios constitucionais, diametralmente oposta à democracia que se pretende construir no país. Não há democracia quando os cidadãos se veem em estado de constante insegurança sobre o que podem ou não dizer, e críticas ou perguntas que desagradem um político ou um juiz podem render um cala-boca (aquele que já havia morrido, nas palavras de Cármen Lúcia) na forma da proibição de qualquer manifestação em mídias sociais. Não há democracia quando conversas privadas sem qualquer espécie de conspiração ou incitação ao crime dão margem para quebras de sigilo e bloqueios de contas bancárias. Não há democracia quando um tribunal ressuscita a censura prévia. Muito do que foi feito ao longo deste período eleitoral fez do Brasil não um Estado Democrático de Direito, mas algo próximo de um Estado de exceção.

O dano que todas essas medidas causaram, no entanto, não tem sido percebido com clareza por boa parte dos brasileiros, especialmente formadores de opinião e integrantes da sociedade civil organizada, que ou estavam ideologicamente comprometidos com um dos lados da disputa ou, na melhor das hipóteses, direcionaram seu olhar exclusivamente para o problema das fake news e para a necessidade de contê-las, sem avaliar criteriosamente os meios que foram empregados para esse fim. Quem não tem o mesmo posicionamento político-ideológico daqueles que foram alvos das inúmeras restrições impostas pela Justiça Eleitoral vem demonstrando grande dificuldade de perceber o tamanho do problema em que o país se colocou. Mas o fato é que, objetivamente, o nível de repressão à liberdade de expressão adotado neste período eleitoral – censura, desmonetização, proibição de criação de perfis, proibição da divulgação de fatos sabidamente verdadeiros – nos colocou mais perto das nações autocráticas que das nações livres. Opiniões perfeitamente legítimas em um regime de liberdade foram banidas pelo aparato judicial brasileiro nas últimas semanas.

*       Editorial da  Gazeta do Povo (09/11) jornal cuja assinatura recomendo a todos

**     Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/liberdade-de-expressao-prioridade-numero-um/

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Como chegamos a este ponto?

Percival Puggina

05/11/2022

 

Percival Puggina

         Aqui, no meu pequeno e humilde posto de trabalho, rodeado de meus livros me pergunto: onde foi que tudo isso começou? Quando o STF passou a abusar de seu poder, a agir contra a decisão democrática das urnas de 2018 e a interferir com desrespeitosa intensidade em decisões internas do governo? Quando essa importante instituição de Estado deixou de ser o que era e passou a ser o que vemos?

Um momento de inflexão aconteceu aos dois meses e meio contados do início do governo, quando Toffoli criou de ofício o inquérito das fake news e designou, Alexandre de Moraes para presidi-lo. Ali, ele colocou nas mãos do xerife (a expressão não é minha, mas de Marco Aurélio Mello) uma arma jurídica engatilhada, até hoje fazendo vítimas.

Abriu-se a porta do açougue. Nos meses que se seguiram, teve início uma sequência que já soma bem mais de uma centena de decisões contra o presidente e seu governo. Os abusos se tornaram evidentes e foram acionados a partir do dia 24 de junho de 2019, quando o ministro Barroso suspendeu MP de Bolsonaro que transferia a demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura. Um mês e pouco depois, o pleno confirmaria essa decisão.

E a coisa não parou mais, ora com questões irrelevantes, ora irreverentes, ora invadindo competências do Executivo. Por exemplo:

- 1º de agosto Barroso deu prazo de 15 dias para Bolsonaro explicar algo que disse sobre o pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB!

-  5 de agosto de 2019, Rosa Weber deu prazo de 15 dias para Bolsonaro explicar declarações sobre Dilma Rousseff!

-  21 de outubro de 2019, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a medida provisória que dispensava publicação de editais na grande imprensa!

-  27 de novembro de 2019, Cármen Lúcia deu cinco dias de prazo para Bolsonaro explicar o Programa Verde Amarelo!

-  13 de dezembro de 2019, Rosa Weber deu prazo de 10 dias para Bolsonaro explicar fala sobre o jornalista Glenn Greenwald!

O presidente não deveria ter atendido qualquer dessas determinações porque são, de fato, excessivas. Solicitações de congressistas sem ter o que fazer. Era preciso pôr um freio de arrumação nas relações que começavam mal. Um simples “Basta!”, apesar de soar autoritário, talvez tivesse revertido o autoritarismo que se instalava para ampla conveniência da oposição, como tratei em artigo anterior.

O autoritarismo é como um vício. Depois de instalado, passa a exigir sempre mais. E para o consórcio da velha imprensa, autoritário é o presidente...

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Percival Puggina

         Embora não esteja convencido dele (e não sou eu quem tem que estar convencido), o resultado proclamado pelo TSE alterará tudo quanto foi dito e escrito após o dia 2 de outubro a respeito da composição do novo Congresso Nacional.

Há ali um grupo de partidos que poderiam ser contados para qualquer lado porque fazem parte daquela geleia política que só sai do pote para besuntar o pão do poder.

Senti algo semelhante a um soco no peito quando Gilberto Kassab, dirigente máximo do PSD, se disse disposto a levar seu partido para o governo Lula. O PSD é um pote de geleia com 11 senadores e 42 deputados e uma das condições impostas por Kassab é a permanência de Rodrigo Pacheco na presidência do Senado. Ora, Rodrigo Pacheco permitiu que a tirania do judiciário se instalasse no país. Sua permanência no posto em 2023 era a coisa mais impensável para qualquer mente sadia ao longo destes últimos dois anos. Até a semana passada.

Não foi diferente a sensação quando li que Luciano Bivar, chefão do União Brasil, outro pote de geleia com 10 senadores e 59 deputados, não será oposição, tem uma dívida para com o PT e uma das condições para sair do pote é a eleição dele, Bivar, para a presidência da Câmara.

Junte a isso o MDB de Simone Tebet, o PSDB do compadre FHC, a ala fisiológica do PP da qual o próprio Arthur Lira faz parte, e estará pelada a coruja. Lula comprará o que precisa no varejão do legislativo. A oposição será amplamente minoritária no Senado e, dependendo do que venha a fazer com o PP, o governo conseguirá mais da metade da Câmara.

Não é suficiente para mexer na Constituição, mas todos aprendemos nestes anos que limites constitucionais são contornáveis porque, para as cabeças do STF, a Carta é um “organismo vivo” e  delas vem o sopro que lhe dá vida.  

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