Padre José Eduardo
Recebi, dias atrás, vídeo dum frade em trajes de lamúria — coitado, queixo encolhido, mas atento à política, e como! — reclamando que Leão XIV proferira um sermão “de piedade, muito para dentro da instituição”, quando, ao seu ver, o Papa deveria ter pintado caminhos para a inserção da Igreja no mundo.
Parece, na mente desse venerando octogenário, que o Pontífice deva comportar-se como embaixador de comunidade e não como pastor: lembrar-se sempre de falar ao mundo laico, mas esquecer-se de que, antes de tudo, fala ao seu próprio redil.
Tal raciocínio é, na verdade, um espelho invertido. Não é o Papa que se recolhe aos confins do Vaticano; são esses teólogos de botequim que só palram entre si, trocando “eclesiastiquês” hermético, codificado em novilíngua inacessível ao cidadão comum. Enquanto isso, o povo — esse bicho real, com boletos para pagar e contas a ajustar — ignora o gueto teológico e prefere crer em profeta-mirim – “the king, the power, the best” – que lhe prometa cura instantânea, mesmo sem oferecer um fragmento de verdade evangélica.
Há, pois, um universo paralelo onde “pastoralistas” e “teóricos” de ocasião se exibem como estrelas de um palco artesanal: falam de missão e diálogo social, empunhando jargões como quem empunha troféus de importância mútua. A sensação de realismo advém apenas do eco entre iguais, pois, se nada compreendem do mundo lá fora, basta imitarem uns aos outros para se convencerem de que “bate” com a realidade. Mas não bate.
Enquanto isso, os católicos de carne e osso — guardiões do batismo, camponeses da graça — buscam espiritualidade genuína, prática de virtudes e caridade que não se esgota em discurso de auditório. Alheios a bandeiras partidárias e a demagogos de comício, vivem o Evangelho como se vive a própria respiração: sem furor, mas com ardor.
O povo real quer pastores que anunciem a salvação em Jesus Cristo e não fiscais do Ibama, sindicalistas ou agitadores políticos de gabinete. Quer fé como resposta à graça, não “programa pastoral” maquilado em sociologia. O bom senso — esse guia discreto de todos os corações — exige que cada um fique onde lhe cabe: quem não tem autoridade técnica nem finalidade institucional, que se abstenha de querer dirigir o navio que nem conhece.
Assim, enquanto os autoproclamados arautos da modernidade se enclausuram em sua bolha de convenções insólitas, o Papa Leão XIV ruge — ainda que de mansinho — para a Igreja Católica inteira. E eis a decepção: eles esperavam retórica de praça pública e encontraram palavra sacerdotal. Que escândalo, não? Que descortino tão banal: um Papa católico, falando de coisas católicas, a crentes católicos. Tragédia! Ironia! E o povo, ao contrário, sorri: afinal, não há nada mais óbvio, nem mais necessário.