Percival Puggina
Governos petistas não têm o hábito de levar a sério imposições da razão. Entende-se. Grupos políticos de extrema esquerda são sempre irracionais. Embora digam defender a ciência, rejeitam as mais elementares lições da ciência econômica, antropológica, sociológica, política, etc. O critério ideológico é determinante, até mesmo, da escolha do jardineiro e dos ingredientes gastronômicos. Camarões de esquerda. Lagostas trotskistas. Pato de Pequim. E, claro, conselheiros chineses. Por vezes, o que um extremista de esquerda diz corresponde ao que algumas pessoas desejam, mas o que ele faz, nunca encaixa no que disse. É o miserável leito das grandes burradas, como as que nos trouxeram às atuais dificuldades, e a causa da doentia ansiedade de controlar as opiniões e seu trânsito no corpo social.
Depois de 2011, como consequência das sucessivas eleições de petistas para a presidência da República, a esquerda radical nunca teve menos de seis representantes entre os 11 ministros do Supremo. Com a adesão de ministros indicados por outros governos, como Gilmar Mendes (por FHC) e Alexandre de Moraes (por Michel Temer) chega-se à atualidade, quando a minoria conta com apenas dois e eventualmente com três dos 11 votos.
Era inevitável que o STF atravessasse a linha vermelha. O petismo não brinca com ideologia nem com o que possa afetar seu acesso e permanência no poder. Assim, com ares missionários, cobrando silêncio e submissão do rebanho, o STF se tornou uma esponja de prerrogativas, drenando-as do Parlamento, espaço legítimo da representação popular.
O advento das redes sociais pôs fim a um tempo em que essa maioria “era feliz e não sabia”, para dizer como o ministro Luís Roberto Barroso, hoje visivelmente infeliz, desejoso de ir embora. De fato, as redes sociais acabaram com a intermediação da opinião pública pelas grandes emissoras e grandes jornais. Como ela passou a se expressar de modo vigoroso pelas vozes próprias dos cidadãos em proporções que se revelaram decisivas na eleição de 2018, para elas confluiu parte expressiva das verbas publicitárias.
Selou-se assim um compromisso dos “editores da nação” no STF com os editores da velha mídia, repetindo juntos, à moda Goebbels, sem cessar, narrativas à margem dos fatos. Os editores da nação usam e abusam da intimidação proporcionada por mandados de busca e apreensão, celulares escrutinados, bloqueios de contas, supressão de direitos; muita gente pra prender e multa pra aplicar. Os editores da velha mídia agem como trombonistas da banda oficial, controlando música e letra à vontade dos donos. Fora isso, restam as redes sociais, porque tudo mais, no Brasil de hoje, é apenas paisagem.
Ao observar pela primeira vez uma decisão ser tomada pelo STF em frontal antagonismo com teor explícito da Constituição, sob silêncio do Congresso e da mídia, redigi este prefácio do futuro em artigo publicado por Zero Hora.
“Foi escancarada a porta para o totalitarismo jurídico. Passou o bezerrinho. Atrás vem a boiada. Doravante, se um projeto de lei não tiver guarida no Congresso, recorra-se ao Supremo. Sempre haverá um princípio constitucional para ser espremido no pau-de-arara das vontades presentes.”
Corria o ano de 2011. Quanto eu quis estar errado!
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.