Artigos do Puggina
Percival Puggina
19/01/2025
Percival Puggina
Durante um quarto de século, o palco político nacional foi hegemonizado pelo PSDB e pelo PT, numa estratégia que ficou conhecida como teatro das tesouras. A expressão também serve para designar a relação entre bolcheviques e mencheviques durante as preliminares da revolução russa. Eles se combatiam reciprocamente, mas queriam a mesma coisa: a queda do czarismo e a implantação do comunismo – esse fazedor de infernos nascido do casamento do marxismo com os objetivos políticos de Lênin. O comunismo, naqueles dias da tragédia russa, era como cafezinho, podia ser servido amargo à bolchevique, ou adoçado à menchevique.
Na versão dessa peça em língua portuguesa para o teatro brasileiro as duas siglas e seus militantes se combatiam como se Fernando Henrique Cardoso e Lula não fossem bons amigos que trocavam abraços nos bastidores durante as encenações. A peça era muito bem montada e a hegemonia das duas forças partidárias no âmbito das eleições nacionais era absoluta. Por seis vezes consecutivas, elas ocorreram no ambiente que polarizavam, sem dar chance ao surgimento de uma candidatura viável no segmento conservador e/ou liberal. Quem não fosse extrema esquerda votava no candidato saído da convenção do PSDB. Era o que se tinha para comprar nas bilheterias da realidade eleitoral, até surgir Bolsonaro.
Foi graças a esse teatro que Lula assumiu a presidência em 2003 e não mais se ouviu falar das denúncias que seus companheiros faziam a seu adversário motivando os muitos pedidos de impeachment encaminhados contra ele. Também graças ao teatro, em 2006, com o escândalo do mensalão dominando as manchetes, FHC desautorizou o pedido de impeachment de Lula, viabilizando com isso a reeleição do amigo.
Faço esse breve sumário para trazer à lembrança o longo período durante o qual se firmou essa hegemonia que proporcionou ao PT quatro mandatos consecutivos e uma bancada numerosa no STF. O sumário serve, também, para expressar meu contentamento cívico com dois fatos recentes: a) o outrora poderoso PSDB se encaminha para uma fusão que o liberte da incômoda condição de partido “nanico”; e b) o PT, em 2024, se encontra com a verdade das urnas nas eleições municipais. O partido saiu do pleito de outubro passado em nono lugar pelo número de prefeituras conquistadas e em sétimo pela população total dos municípios administrados. Fecham-se as portas do teatro.
Os dois principais partidos trabalharam levando o país para a esquerda. Café amargo com o PT; adoçado com o PSDB. De 1996 para cá, em 29 anos, governaram o país por 24. Todos esses anos, com um fio de continuidade por ação ou omissão, arrastaram o país para tempos trágicos. Qual a tragédia? Subdesenvolvimento econômico e social, corrupção e degradação dos costumes, decadência política, miséria cultural, educação paulofreireana e insegurança física, patrimonial e jurídica. Some a isso, mais recentemente, trambolhões cotidianos na liberdade e na democracia, censura escancarada, prisões políticas, representação parlamentar intimidada e sociedade ameaçada.
Alguém que viveu sob o totalitarismo afirmou algo que pode ser parafraseado aqui com a devida solidariedade e reverência: Nós sabemos que eles mentem e eles sabem que mentem. Eles até sabem que nós sabemos que eles estão mentindo, mas mentem assim mesmo (*).
Um dia, obviamente, essa casa cai.
* Frase semelhante é atribuída a Soljenitsin e/ou também a Elena Gorokhova.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
17/01/2025
Percival Puggina
O PT é o partido de uma suposta elite intelectual, de uma suposta elite burocrática e de uma suposta elite sindical. Ou seja, o grupo político que quase conseguiu hegemonizar a política brasileira não tem a menor ideia de como vive o povo que não está no mercado formal de trabalho e não se contenta com viver da miserável ajuda proporcionada pela assistência social pública.
Foi contra esses milhões de trabalhadores que um governo de burocratas de carreira decidiu agir e sente-se à vontade para fazê-lo porque é a turma do contracheque, do bom dinheiro na conta no fim do mês, preferivelmente creditado pelo Estado, esse bom patrão de quem lhe lambe os pés. Por isso e só por isso, são tantos fazendo política em tempo integral.
O governo petista agiu frontalmente contra o homem e a mulher brasileiros que “se viram” para proporcionar à família a melhor condição possível com as mínimas condições disponíveis. O brasileiro na informalidade é um bravo e merece respeito. Em sua imensa maioria vive perto do mundo do crime e da miséria e diz não a ambos! É um bravo e merece respeito. Não quer as correntes de ouro que adornam o pescoço do bandido nem o prato vazio de quem se conformou com a indigência pela mão do Estado. Ele acorda toda manhã e vai ao mercado – esse mercado do qual o PT fala tão mal – operar em seu nicho habitual, na esquina, no ponto, na banca; vai cuidar de torneiras que pingam e de ventiladores que não funcionam. De fato, não pagam o imposto de renda; a dureza da vida, a rotina da informalidade lhes proporcionou isso.
Políticos e burocratas com maior ou menor poder, que deixaram a alma em algum lugar do passado, realmente não tinham a menor ideia da extensão dos danos que causariam a tantos seres humanos e ao Estado. Agora, em vez de examinarem a própria consciência, esbravejam ameaças contra quem lhes apontou o erro e, como de hábito, os denunciam como culpados pelo caos que eles mesmos produziram. É para poderem agir sem contestações que precisam, tão insistentemente, de múltiplos instrumentos de censura.
Como não lembrar de Roberto Campos quando definiu o PT como o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam?
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
11/01/2025
Percival Puggina
A frase de Homer Simpson – “A culpa é minha e a ponho em quem eu quiser” – é expressão máxima do realismo cínico e narcisista, frequentemente apropriada por indivíduos, empresas, corporações, instituições e poderes de Estado. Trata-se de um vício moral ruinoso, cultivado na infância e, como qualquer outro, potencialmente capaz de criar dependência. Cuide-se, leitor amigo, de quem atribui a outros os próprios erros. Cuide-se, também, de quem jamais reconhece uma incorreção, de quem nunca se desculpa, de quem sempre encontra nos outros motivos para os próprios maus resultados, de quem se permite mudar de princípios sem dar quaisquer explicações e de quem, mormente tendo poder, perde a paciência com perguntas desconfortáveis.
A extrema esquerda é medalhista nessas categorias. Em qualquer tempo e lugar – seja em Cuba, Rússia, China, Brasil ou Venezuela – essa esquerda criaria um paraíso não fosse a último governo do adversário, não fossem seus opositores atuais, não fossem circunstâncias externas ao seu controle, não fossem sinistras traições e/ou conspirações. É por culpa dos outros que só conseguem criar infernos na terra. Como todo vício, também esse, cria dependência. Do mesmo modo como precisa do poder para consolidar suas posições, a extrema-esquerda a que o atual governo brasileiro se integra depende de opositores e inimigos externos nos quais descarregar as próprias culpas e os piores adjetivos do dicionário político.
O problema é que, tendo opositores e aplicando a eles essa prática abusiva, o partido acaba aborrecendo verdadeira multidão de eleitores. Demora um pouco, mas é inevitável que, por saturação, mesmo cidadãos desatentos percebam o que está sendo feito e se sintam desrespeitados pelo mal que tais práticas causam. Não é comum a insensibilidade ante a injustiça praticada ao próximo ou ante a perseguição a um congressista opositor, ou quando uma rede de comunicação fica parecida com agência governamental tratando seu público como um “coletivo” tão descerebrado quanto ela se empenha em ser.
Vi o mesmo acontecer lá atrás, no começo do século. Antes das redes sociais, “quando eram felizes e não sabiam” nas palavras de um ministro do STF, governos petistas quiseram manipular a fita tape da censura para silenciar as opiniões divergentes por meios diretos e indiretos. Entre os primeiros estavam a tentativa de estabelecer o “marco regulatório da imprensa” previsto no famoso PNDH-3 e a tentativa de criar os conselhos nacional e regionais de jornalismo. Entre os meios indiretos, incluía-se o esforço de dominar a linguagem impondo os mandamentos apócrifos do “politicamente correto”, as “analogias penais” e as medidas excepcionais criadas pelo STF/TSE...
Tais práticas funcionam por algum tempo e com algumas pessoas, mas não por todo o tempo nem com todas as pessoas, principalmente após a ruptura dos monopólios da comunicação com o surgimento das redes sociais, que se tornaram os mais óbvios e viáveis escoadouros dessas inconformidades.
Começa, então, o jogo das apostas dobradas. O regime entra com a censura. O mundo civilizado se escandaliza. O regime abre inquéritos em sigilosos pacotes. Eles são tantos que se tornam exaustivos e insuficientes. O regime ameaça e multa as plataformas. A oposição cresce sem cessar. O regime reage com prisões preventivas eternas e desproporcionais condenações. Por fim, é como se vivêssemos tempos bíblicos: até os cegos veem, até os mudos falam, até os surdos ouvem, o apoio ao governo despenca e 2026 entra, em contagem regressiva, no horizonte das esperanças.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Outros Autores
Dr. Armando Pancorbo (Miami)
16/01/2025
A censura é consequência de um Estado que quer impor suas opiniões à sociedade.
E preciso entender isso para trazer à luz o que está em curso no Brasil.
Como podem falar em estabilidade democrática em meio a tão repetidas crises políticas, como se vivessem num nirvana particular?
Essa invulgar "harmonia" dos três poderes...
Enquanto a Extrema Esquerda promove a sistemática destruição de nossos princípios e valores e o Centrão não se importa com isso, é a Direita que assume o encargo de defendê-los nos parlamentos e junto à opinião pública.
O lobo e o cordeiro é uma deliciosa fábula sobre certas condutas políticas.