Artigos do Puggina
Percival Puggina
10/12/2024Percival Puggina
“Moderação em temperamento é sempre uma virtude, mas moderação em princípios é sempre um vício” (Thomas Paine).
Tenho votado no deputado Marcel Van Hattem por reconhecer nele as virtudes que, hoje, parcela imensa da sociedade brasileira vê e aplaude.
O primeiro dos 250 artigos da Constituição só tem um parágrafo. Com esse destaque estético e ético, os constituintes de 1988 sublinharam para as gerações vindouras a relevância da afirmação que faziam ao descrever a origem do poder: “Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Se os representantes se omitem na representação, se a transformam em ativo financeiro para negócios privados ou se desligam os canais de comunicação com os representados, fazendo-se convenientemente surdos à voz das ruas, a democracia sufoca por falta de oxigênio. Em sequência, os outros 249 artigos, seus parágrafos, incisos, alíneas e itens restarão sujeitos não mais à vertente popular, mas a quem esse poder for transferido por conveniência ou omissão. Aí, tal poder relativiza quanto queira do que esteja constitucionalizado.
É por isso que passamos a ouvir, em frequência crescente, que nada é absoluto (portanto, tudo é relativo), mesmo se tiver garantia constitucional. A única exceção – realmente absoluto – passa a ser o poder sem voto em sua prerrogativa de decidir o real significado de “quaisquer” disposições da Constituição. Bom demais para uns; ruim demais para outros...
Quando a voz da sociedade é silenciada pela censura, mais relevante ainda se torna a representação parlamentar. O povo fala pelos seus representantes! Só que não. Perante o absoluto que se ergue, também suas prerrogativas serão relativizadas, também sobre eles a censura e a autocensura? Nem mesmo a inviolabilidade civil e penal dos parlamentares por “quaisquer opiniões, palavras e votos” escapará às relativizações do poder absoluto ancorado ao largo da vontade popular?
Thomas Jefferson considerava conveniente em questões de estilo fluir com a correnteza, mas em questões de princípios havia que ser firme como rocha. Marcel Van Hattem fala pelos que têm medo, pelos que cortaram a comunicação com seus representados, pelos que não estão nem aí e pelos que gostariam de falar e não podem. Fala por uma questão de princípios. É rocha na imagem de Jefferson. De seu vigor intelectual e moral sou testemunha ao longo dos anos.
Ele sabe que o tendão de Aquiles da democracia, hoje, é a liberdade de expressão dos parlamentares porque a liberdade recém começa, aqui e ali, a recuperar apoios e a contagem regressiva para um novo ciclo político inicia no próximo dia 1º de janeiro.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
08/12/2024
Percival Puggina
O eleitorado brasileiro que recentemente se manifestou nas eleições municipais infligindo merecida derrota a quem representasse o poder instalado no país deposita suas esperanças na eleição de 2026. No que concerne às anomalias institucionais, essa expectativa põe foco nas eleições para o Senado Federal, território das mais injustificáveis omissões desta última década.
A atual composição do Senado é herdeira dos pleitos de 2018 e 2022, período em que o plenário confiou as presidências a Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco. Sim, sim, há reincidentes nisso. Ambos permitiram que o STF passasse por “vertiginoso processo de ascensão institucional” (nas palavras do atual presidente da Corte). Quem teve olhos de ver e ouvidos de ouvir percebeu as consequências dessa vertigem em forma de ativismo e de invasão de competência do Legislativo e do Executivo (durante o governo Bolsonaro); observou as ameaças, as interdições, a censura, as prisões políticas; viu sua liberdade de tornozeleiras e ouviu de dignos senadores as vis razões da conduta pusilânime de seus pares.
Tornou-se objeto do senso comum a convicção de que, com justas motivações, os eleitores de 2026 promoverão ampla renovação no plenário do Senado. Afinal, naquele pleito, dois terços dos senadores encerram seus mandatos de oito anos. Com a disputa de duas cadeiras em cada estado, havendo claro consenso sobre a necessidade de renovar, é tida como certa a formação de nova maioria no Senado a partir de 2027. Não é o bolsonarismo, não é a direita, não é o mercado, não são os Estados Unidos nem os terraplanistas que o desejam, mas a ampla maioria dos cidadãos brasileiros.
Ante tais evidências e contra a vontade dos cidadãos, o regime busca salvar anéis e dedos. A “minuta” do plano de sobrevivência política – reeleição de Lula (presidente que não pode sair à rua) e manter a força do centrão – inclui uma artimanha para preservar a omissão do Senado. Esse casuísmo repulsivo está materializado num projeto de lei protocolado pelo líder do governo, senador Randolfe Rodrigues, estabelecendo que, embora a eleição seja para dois senadores, os eleitores deverão votar em apenas um (PL 4629/2024). Pronto! Reduz-se à metade a consequência, no Senado, dos votos da nova maioria formada no país! Isso é tomar do eleitor o poder de seu voto! As dezenas de milhões de brasileiros que – por serem maioria e de oposição – elegeriam dois senadores avessos ao atual regime entregarão um aos malabaristas da regra do jogo.
No Pacote de Abril (1977), para preservar a maioria que iria perder no Senado, o general Ernesto Geisel criou o terceiro senador (até então eram apenas dois), o senador “biônico”, eleito pelas Assembleias Legislativas. Passado meio século, a minoria de um regime que se diz democrático, sabendo-se derrotada, quer se valer de sua atual “representação” majoritária para aprovar esse projeto. É a “democracia” protegendo-se dos eleitores.
Filha da liberdade, a democracia vem sendo torturada em sucessivas sessões. É evidente que a minuta terá outros ingredientes, sistematizando lições dos pleitos de 2022 e 2024. Entre eles, a mordaça nas plataformas das redes sociais, que está sendo legislada pelo STF, nestes dias, revogando um dispositivo aprovado pelo Congresso há 10 anos...
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
05/12/2024
Percival Puggina
Por vezes, se discute se tal ou qual dos totalitarismos é de direita ou de esquerda. Confesso que jamais gastei um minuto sequer em debater esse assunto; para viver e entender as tiranias do tempo presente, importa saber que todos, inclusive os totalitarismos religiosos, como nas versões radicais do islamismo político, são coletivistas. Há neles um coletivo dominante que submete a divergência e trata de afastá-la ou, mesmo, eliminá-la. Atribui-se o direito de assim agir por considerar que os dominados, os manés que perderam, que não pertencem ao coletivo, são seres de uma espécie inferior e depreciaria a si mesmo quem lhes atribuísse qualquer valor ou dignidade.
Por isso, são comuns, nos totalitarismos, julgamentos coletivos nos quais o réu é culpado em virtude de algum atributo que compartilha com os demais. Todos são de outra classe, de outra raça ou credo; fazem parte da multidão reunida na praça; são proprietários ou intelectuais; fazem doações a determinado fim ou, como se vangloriava o demoníaco Lavrenti Beria na Rússia stalinista: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei a culpa”. Estabelecido isso, está definida a natureza política da culpa coletiva, por vezes chamada, também, de multitudinária para dar a entender que se trata de algo técnico. Nunca o será onde a tirania for manifesta. O julgamento pode até disfarçar a não individualização das condutas, pouco relevante em vista da natureza inferior do réu e de suas malignas concepções. Também por isso, onde aplicável, é aberto o arsenal dos meios de pressão para extrair delações. O objetivo é obter a gradual redução da oposição, como se constata estudando os tribunais de Hitler, Stalin e Mussolini.
É a lógica do lobo. Quando La Fontaine escreveu essa fábula, ele talvez não tivesse em mente alguma aplicação política. Afinal, ele viveu mais de meio século de vida produtiva durante o absolutismo monárquico de Luiz XIV, com quem manteve longa amizade. No entanto, é impressionante perceber quanto o lobo e o cordeiro parecem refletir o Brasil destes anos.
Na fábula, em tom ameaçador e afetando indignação, o lobo interroga o indefeso cordeiro sobre sua audácia em “sujar a água” que ele, lobo, iria beber. O cordeiro alega estar a jusante, sendo-lhe impossível turvar a água riacho acima. O lobo recorre a novo argumento: “Eu sei que você falou mal de mim no ano passado”. O cordeiro ainda tenta escapar, alegando que sequer era nascido no ano passado.
Observe o leitor que quando o julgamento é político, pouco importam os fatos ou a individualização da culpa porque o ânimo de condenar antecede a tudo mais. Por isso, o lobo retoma sua lógica perversa: “Se não foi você, foi seu irmão, o que é a mesma coisa”. O infeliz cordeirinho ainda tenta alegar, em vão, ser filho único. Nesse momento da fábula, as cruéis razões do lobo se expressam de modo sincero, listando todo o círculo de convivência do cordeiro: “Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue”.
No reino animal, com predadores descontrolados, “no fundo da floresta”, para dizer como La Fontaine, as coisas se passam assim.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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O lobo e o cordeiro é uma deliciosa fábula sobre certas condutas políticas.
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