• Percival Puggina
  • 11/12/2022
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Aquarela do Brasil

 

Percival Puggina

         Telefonou-me o amigo jornalista Júlio Ribeiro, que apresenta o Boa Tarde Brasil na Rádio Guaíba de Porto Alegre. “Puggina, qual tua música brasileira preferida?”

A resposta estava na ponta da língua, mas eu precisava reler a letra e, nas horas seguintes, viajar em memórias e em reflexões sobre o desastre cultural brasileiro. “Aquarela do Brasil”, foi o nome que, por WhatsApp, enviei ao Júlio pouco depois. Talvez mais do que nunca, em tempos de tamanho desamor ao Brasil, o samba sinfônico de Ary Barroso vale por um manifesto.

Em duas ocasiões, jantando no exterior com minha mulher, noite romântica, música de fundo, aconteceu de ouvirmos os primeiros acordes de Aquarela do Brasil se difundirem pelo sistema de som ambiental. Aos poucos, as vozes foram calando, o silêncio se impondo reverente e os rostos se abrindo em sorrisos. Logo, todos marcavam compasso e balançavam os corpos numa celebração da brejeirice que é marca da cultura popular brasileira. Momentos de arrepiar, para um brasileiro “fora da base”.

A obra de Barroso fala do muito que maldosamente nos foi tomado depois. Há nela um saudável amor ao Brasil que se reforça (Brasil brasileiro), nação mestiça, do samba, do amor e de nosso Senhor.

Brasil meu Brasil brasileiro
Mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil do meu amor
Terra de nosso Senhor

Não se envergonha da história, mostra o multiculturalismo, venera a mulher.

Abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o Rei Congo no congado
Canta de novo o trovador
A merencória à luz da Lua
Toda canção do seu amor
Quero ver essa dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado

E canta as maravilhosas dádivas com que a Criação obsequiou esta porção do planeta.

Esse coqueiro que dá coco
Oi onde amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Por essas fontes murmurantes
Onde eu mato a minha sede
Onde a Lua vem brincar
Oh esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro

Perdoe-me o leitor, mas que saudade me dá! E que tristeza me causa saber que hoje, brasileiros promovem mundialmente preconceitos e boicotes contra o Brasil; saber que amor à pátria é considerado defeito de caráter, mediocridade política e fanatismo “de direita”; que o desprezo à nossa história e origem é cultivado em salas de aula por professores que coletam o lixo histórico para construir narrativas que a tanto levam.  Quem vive politicamente de gerar conflitos internos não tem escrúpulo em criar conflitos externos contra o próprio país. E faz isso.

Estaremos mais bem servidos por apátridas bandeiras vermelhas? Parece que o presidente dos EUA sinalizou o caminho das rupturas ao autorizar o hasteamento da bandeira do orgulho gay ao lado da “Stars and Stripes”, como se uma bandeira nacional não fosse de todos e precisasse de anexos. 

A divisão de um reino contra si mesmo, nas palavras de Jesus em Mateus, faz com que esse reino não subsista. Como nos é oportuno tal ensinamento!

Faça um bem a si mesmo. Depois de ler este artigo, ouça Aquarela do Brasil e assuma consigo mesmo o amável compromisso que ela inspirará.

Nota do autor: este artigo reproduz o que escrevi em 25 de maio deste ano. Julguei conveniente fazê-lo quando vejo afeições ideológicas mandarem às favas todo senso de justiça, decência e amor à pátria.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Ana Riquieri -   13/12/2022 14:12:45

Aquarela do Brasil. Linda demais. Adoro ouvir.

Enilda Dias Ferreira -   12/12/2022 20:37:54

Tu és muito especial! Muitas vezes, teus artigos respondem às minhas dúvidas. E ontem,perguntei à uma professora amiga pq esta súbita raiva e agressiva adesão às divisões raciais e sociais entre nós, professores.... E a resposta foi deprimente: sempre sofri racismo, menosprezo e abusos nas escolas que trabalhei...só agora,aos 60 anos,fui alertada por uma deputada psolista que tudo era racismo...não tenho a pele preta,me visto bem,trabalhei com sucesso e prazer,criei os filhos sozinha.....mas,agora,sei que fui muito prejudicada...perdi oportunidades... hoje denuncio isso ...sou paga bem paga ,para falar do preconceito que vivi.... eu paralisei..

Garivaldino Ferraz -   12/12/2022 18:24:51

Lindo texto. Já experimentei o mesmo sentimento, há mais de 20 anos passados, quando a serviço em Bogotá, tarde da noite adentrei com dois parceiros em uma pizaria para "jantar". O garçom percebeu que não éramos falantes contumazes do idioma espanhol nem do inglês e, ao indicarmos ser brasileiros, foi até o grupo que tentava animar os presentes com música ao vivo. O resultado foi uma hilária mas esforçada e bem intencionada tentativa de execução da Aquarela Brasileira. Os músicos saíram-se bem, mas o esforçado cantor não conseguiu ir além de um insistente refrão: "Brasil meu Brasil brasileiro/larari-larará/Vou cantar-te nos meus versos .... Brasil, Brasil/laiá-laía/Brasil, Brasil..." Mesmo assim, aquela demonstração de simpatia e carinho pelo nosso País foi suficiente para nos alegrar e ratificar a certeza de que éramos bem aceitos naquelas terras, vizinhas mas mantidas distantes pela grandeza da selva amazônica. Efetivamente, sempre é uma sensação de grande satisfação percebermos que o Brasil e seu povo são queridos "lá fora".

Heitor De Paola -   12/12/2022 12:46:34

Caro Puggina, belíssima página! Ary Barroso era um grande defensor de tudo que se referia ao nosso País. Quando o Brasil entrou em guerra com o Eixo, o povo baderneiro, não os sensatos, saiu às ruas quebrando tudo que fosse Alemão ou Italiano (os japoneses ainda não tinham emigrado em massa). A loja do meu pai, em Rio Grande, foi ameaçada mas salva por Judeus vizinhos. O importante que quero abordar é que havia um bar na Rua da Carioca (Rio), chamado Bar Adolf (o dono tinha o mesmo nome de Hitler!) e quando o atacaram Ary estava no cine Iris, quase ao lado e saiu correndo, parou a multidão que o respeitava muito (principalmente Flamenguistas!) e impediu. O nome mudou, por sugestão dele, para Bar Luís e acho que ainda existe. Há anos não vou ao centro.

Menelau Santos -   12/12/2022 10:29:13

Prezado Professor, sua menção não poderia ter sido mais sintonizada com o momento que vivemos. Até Hollywood já se curvou à esta magnífica composição. No filme "Melodia Imortal", Carmen Cavallaro e orquestra interpretam "Aquarela do Brasil" em cena inesquecível do ator Tyrone Power.

DALMA SZALONTAY -   12/12/2022 10:22:19

Belo e comovente texto mestre Puggina. Comovente e belo como é o Brasil de tantas belezas e brasilidades e riquezas. Como é esse povo miscigenado, brejeiro às vezes, e sempre acolhedor e hospitaleiro. Eu costumo dizer que no Brasil há gentes do mundo inteiro mas não tem nenhum estrangeiro...

José Roque Brugnaro -   12/12/2022 09:22:57

Bravo, Percival ! Neste momento de pouco patriotismo de alguns, você resgata nossa fé neste país chamado Brasil.

Mallu Lucchin -   12/12/2022 08:52:23

Ai que saudade que me dá do tempo que tínhamos músicas de verdade e podíamos cantar suas letras lindas.

Idico Luiz Pellegrinotti -   12/12/2022 08:34:58

Parabéns professor Puggina pelo artigo e lembranças de maravilhosos versos que as nossas musicas, recheadas de sensibilidade, representam o patriotismo e força de nossa gente. Abraços.

Vera Targa -   11/12/2022 21:15:22

Brasilidade a flor da pele. Encantador. Obrigada Puggina!

Rubilar José Bernardes -   11/12/2022 16:37:01

Ao ler este texto, em uma tarde de calor sufocante e abrasador, senti-me muito vulnerável e impotente ante o qua está acontecendo em nosso país. Ajude-nos Pai.

Ealye -   11/12/2022 16:30:23

Que o BRASILresgate a sua Liberdade! Muito Obrigado Prof.Puggina!

Ricardo Bins di Napoli -   11/12/2022 16:19:23

Bem lembrada a “Aquarela do Brasil”. Com mo eu gostava de ouvi-la no cinema, quando iniciava a retrospectiva da semana no Repórter 1000 (era isso?). Puggina, me pergunto: por que somos tão saudosistas? As crianças de hoje não assistem mais o “Pinóquio”; o menino de pau, que queria ser menino de verdade. Os pais não dão mais importância ao “grilo falante”.

Dalgita -   11/12/2022 14:17:04

Que lindo! Me emocionei. Obrigado!