• Percival Puggina
  • 14/09/2023
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O império da lacração

 

Percival Puggina

        

         Outro dia, dei-me conta de que um novo mal havia acometido o país e que eu apresentava, por vezes, sintomas desse mal. Refiro-me à “lacração” como peça do debate político.

A lacração não é uma síntese, um concentrado de sabedoria. Ela é um diminutivo da Razão, que ganha R maiúsculo, estatura necessária e cumpre papel importante na formação de ideias quando, no conteúdo e na forma, se expressa apta e consistente para o natural contraditório.

Por conta desse vício, as ideias ganham o tamanho da frase com que se apresentam. Forma-se o hábito da brevidade. Do textão para o textinho e do textinho para a frase lacradora que em segundos de leitura arranca um sorriso ou uma gargalhada. Nesses poucos segundos, de algum modo, o debate político se atrofia.

A lacração é parente muito próxima da maledicência, que é outro vírus que infesta o ambiente nacional, tendo seus principais hospedeiros na comunicação social e no mundo político. Desqualificar o adversário tornou-se o dever número 1 de quaisquer antagonismos como forma de vencer sem ter razão.

Esse é um terreno perigoso, moralmente desastroso se a epidemia se alastra e toma conta do ambiente acadêmico e cultural, porque a pessoa humana é um ser em construção. Ela deveria buscar, pelo exercício da liberdade, a perfeição de sua natureza. Quando negligenciado esse dever, com o abandono da leitura de bons autores, porque uma tuitada é a coroa da verdade que se quer apresentar, há uma perda individual com consequências sociais.

Deus nos fez dotados de inteligência que nos permite conhecer o bem, de liberdade que nos possibilita escolher o bem, e de vontade para resistir a tudo que nos pode afastar do bem. Sim, caros leitores, a palavra vontade tanto designa aquilo que queremos quanto significa a força para renunciar ao que queremos para fazer aquilo que devemos. Comumente chamamos a isso de força de vontade. Muito embora a primeira regra moral afirme que devemos evitar o mal e buscar o bem, quem evita o mal está cumprindo a metade mais neutra e mais comum da regra. Difícil é fazer o bem; e mais difícil, ainda, é fazer todo o bem que se possa. Na vida pública, isso é especialmente significativo. Ali, não fazer o mal – tarefa dos medíocres, segundo José Ingenieros – já é difícil. Fazer o bem é a missão de estadistas, dos quais estamos tão carentes! Os que temos, por poucos que são, não atendem a demanda nacional.

Por isso, me desgosta vê-los, tantas vezes, perdidos em lacrações que valem tanto quanto duram. A vitória dos conservadores e dos liberais só terá a extensão necessária se as respectivas ideias e as correspondentes ações alcançarem com clareza os corações e as mentes que andam por aí, vazias por falta de quem lhes proporcione bons conteúdos.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 


roberto lima de almeida neves -   17/09/2023 22:39:05

Mais uma vez parabéns pelo novo e brilhante artigo "lacração"

Ademar Pazzini -   16/09/2023 19:44:08

Teremos que aprender a conviver com essa nova realidade do Sec XXI, que o extraordinário Puggina chama de "lacração". Antes das redes sociais havia o assassinato de reputações, normalmente levado a cabo pela esquerdalha tupiniquim, muito bem explicitado no livro de Romeu Tuma Jr. "Assassinato de Reputações". Já naqueles tempos a velha imprensa ajudava nessa tarefa de destruir possíveis adversários do petralhismo, sem como estes fazerem o contraditório, o que hoje ocorre nas mídias sociais.

marisa van de putte -   15/09/2023 12:05:10

O que aconteceu com os partidos politicos brasileiros? Parece-me que existe uma chusma sem eira nem beira de desunidos que acovardam-se perante uma mafia que tomou conta do pais no inicio deste seculo. Onde estao os tucanos? Alckmin? Este e um carrapato, e sabe-se la qual foi o acordo feito com a mafia. Desculpem-me, mas nao vejo saida.

Decio Antonio Damin -   15/09/2023 11:04:33

Discorrer sobre acontecimentos específicos tomando "ab inicio" uma posição impede o fluxo de ideias novas e criativas...! Olha-se em volta e não se encontra aquela figura a quem entregaríamos,sem qualquer restrição, o nosso destinos como nação. "Primum non nocere" é um principio caro para a Medicina e extensível a todas as atividades humanas... Daí a fazer o bem há que percorrer um longo e tortuoso caminho...pois para os medíocres, "os culpados sempre são os outros!"

MARIA DA GLÓRIA FRITSCH NUNES -   15/09/2023 09:38:11

Caro Puggina Aprendo muito ,aqui,bons conteúdos para os corações e mentes vazias que me rodeiam,inclusive este:"forma de vencer,sem ter razão= lacração " Abraços

GERSON CARVALHO NOVAES -   15/09/2023 09:38:05

Durante toda a minha vida fui vítima, tentei me proteger e lutei como pude contra a molecagem. Hoje, esse espírito desgraçado governa o meu país...

Germano Brendler -   15/09/2023 08:54:38

Sobre a carência de estadistas, acredito que temos centenas ou milhares deles entre nós. Por coincidência, ontem, ao assistir o pronunciamento dos advogados defensores dos dois primeiros presos políticos, pensei justamente nisso. Eu já duvidava da capacidade dos advogados, que parecem acuados diante do STF. Se esses advogados sabem colocar tão bem as palavras e tem coragem de enfrentar a tirania do STF, devemos ter muitas pessoas capazes de dirigir a nação para o caminho da prosperidade.

Germano Brendler -   15/09/2023 08:47:07

Perfeito, Professor Puggina. Circulam na internet, lacrações sobre o 08 de janeiro, que tratam todos os manifestantes como "terroristas". E pior, que na vida real tem uma pessoa me acusando ser uma delas por ter ido ao acampamento ao lado do 3º Exército em Porto Alegre.