• Percival Puggina
  • 07/12/2022
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“Ensaio sobre a cegueira” ... que a vaidade causa

 

Percival Puggina

         Tomo emprestado, em parte, o título do livro de Saramago para humildemente escrever estas breves reflexões sobre a vaidade e suas consequências entre nós.

Os piores produtos da vaidade, esse pecado preferido do diabo, vêm quando ausentes as virtudes que a poderiam conter. Aí a coisa fica feia, muito feia. É normal que integrar um colegiado supostamente formado por pessoas sábias afague o amor próprio e faça a vaidade se manifestar. A efetiva sabedoria, porém, coloca a pessoa diante do espelho de todo dia, olhos nos próprios olhos e deles a vaidade recebe o pedagógico corretivo. Por vezes, esse colegiado concentra poderes e a tensão moral aumenta porque a vaidade reforça e irriga suas raízes.

A umas poucas pessoas é dado tudo isso e o poder que ocupam está na posição suprema da pirâmide judicial. Sua missão é lateral aos poderes políticos representativos da sociedade e com eles lhes é dado interagir. Quanto maior o poder, maior a vaidade e mais virtudes são requeridas.

Tenho grande apreço à instituição STF. À instituição, repito. Não a quero destruída, embora a maioria do Senado Federal tenha aprovado indicações que não favoreceram sua imagem. Penso que a comparação fica mais fácil quando evocamos ministros que saíram. Lembro-me, entre outros, de eminentes juristas como Célio Borja, José Nery da Silveira, Paulo Brossard, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence, Francisco Resek, Maurício Correa, Marco Aurélio Mello. Que tal? Nessa lista há pessoas (conheci algumas) certamente  envaidecidas pela nobre função, mas o peso da toga fazia as virtudes de caráter afluir e se sobrepor.

Também não desapreciava inteiramente a formação do STF quando havia manifestas divergências e surgiam altercações durante as sessões. A divergência era indício de um fragmento de pluralismo, antídoto à toxidez do protagonismo político que estava por vir, ao abuso do poder, ao império da vaidade colegiada e, enfim, à cegueira que acabou com a eficiência do espelho e levou a prudência a ser atropelada pelos fatos. Hoje, essa virtude dos sábios jaz estendida no chão para autopsia forense a ser realizada por quem se dispuser a tanto.

As tensões da hora presente, em boa parte, se devem à renitente vaidade que impediu ver o óbvio: voto é coisa que se conta, desencadeando durante dois anos o mais grosseiro festival de atropelos, abusos, arbitrariedades e decisões imprudentes por dia de serviço que já tive a infelicidade de observar.  

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

        


Menelau Santos -   07/12/2022 22:52:12

Obrigado pela reflexão Professor, e olha que Saramago é um autor apreciado pela esquerda. Mas a nossa atual esquerda aplaude exatamente o que combateram (apropriadamente) no passado. Tempos estranhos, como diria o Ministro Marco Aurélio Mello.

João Jesuino Demilio -   07/12/2022 15:59:12

Caro Percival O judiciário não pode ser um PODER! Todo poder emana do POVO. O judiciário é nomeado. Deve ser apenas um órgão de assessoramento dos poderes executivo e legislativo. Tem que ter independência para ser imparcial, mas NUNCA um poder isolado. Montesquieu era imbecil além de ser um ADVOGADO! Advogados não tem princípios, tem somente INTERESSES!!!

LUIZ CARLOS -   07/12/2022 15:38:15

EXCELENTE TEXTO, PUGGINA. COM BRANDAS PALAVRAS E SUBLIME ESCRITA, DISSE TUDO O QUE, NESTES ÚLTIMOS TEMPOS, NOSSO STF NOS IMPÕ, CONTANDO COM O BENEPLÁCITO DO CONGRESSO NACIONAL, COMO UM TODO, NOTADAMENTE DO SENADO. PARABÉNS, UMA VEZ MAIS.

Cecil Jacobsen -   07/12/2022 12:40:22

Como sempre, foi ao cerne da questão.