• Francisco Ferraz
  • 02/05/2015
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FHC: UM “PONTO FORA DA CURVA”?

(Publicado originalmente em o Estado de São Paulo de 02/05/2015)

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem-se movimentado deliberadamente para aquele local misterioso, denominado por um ministro do STF como ponto fora da curva.

Este ponto fora da curva corresponde à sua manifesta oposição ao processo de impeachment da presidente Dilma, na contramão do que defendem lideranças de seu partido. Além dessa atitude, o ex-presidente também já manifestou sinais de abertura para eventualmente “pactuar” com o governo uma saída para a crise econômica.

FHC escolheu um posicionamento pessoal, no mínimo muito singular. Fora da curva do seu partido e do presidente do partido, Aécio Neves,que vem adotando uma atitude dura com Dilma e o PT;fora dacurva do sentimento popular de hostilidade ao PT e de rejeição do governo Dilma; fora da curva do debate politico onde tornou-se oalvo de Lula, Dilma e políticos do PT à sua pessoa, à sua administração e ao legado do seu governo; fora da curva da oposição que, por mais de uma década, mostrou-se inapetente para a função e que agora deseja manter o governo e o PT enfraquecidos. Não há como saber com certeza as razões dessa sua opção. Pode-se, entretanto tentar algumas conjeturas.

FHC deve sentir-se (e tem sobradas razões para tal) muito acima da maioria dos líderes mundiais na escala dos estadistas e, muito mais ainda, dos brasileiros. Para ele Lula, Dilma, Aécio, Temer,Marina não passam de políticos voluntaristas, ambiciosos e superficiais que não estão preparados para as responsabilidades do governo de um país do porte e potencial do Brasil.

Ele deve se ver como professor, por vezes o preceptor, no mínimo como um possível exemplo para essas lideranças que, por sua imaturidade, desmontaram o país que ele com tanta competência havia consertado. Não sendo persuadidos pela razão nos bons momentos, talvez nos momentos de crise possam se abrir para uma influência mais madura e equilibrada.

Creio que essa interpretação pode não ser a mais exata, mas não deve estar muito distante da realidade.
Dir-se-á que, se verdadeira, a postura de FHC seria de vaidade e presunção, traços pessoais que,se não forem exatos, também não estarão muito longe da realidade, já que o ex-presidente não costuma “ser acusado” de humildade.
Impossível saber-se com certeza quais as razões que fazem FHC buscar este ponto fora de todas as curvas que somente favoreceria ao PT. Em situações como essas, a sabedoria da política ensina que devemos recorrer à expressão latina ‘Cuiprodest’: A quem beneficia este curso de ação?

• Não a Aécio que se cacifou para a estatura presidencial pelo combate dado à Dilma na campanha e que,com a próxima eleição marcada para daqui a 3 anos, não pode se afastar demais do sentimento popular;
• Não à Dilma que, se chegar ao fim de seu segundo mandato estará politicamente exaurida;
• Não à Lula que agora precisaria da ajuda de FHC. Do mesmo FHC cujo legado, há doze anos tenta demonizar na lembrança dos brasileiros, com agressividade, mau gosto e demagogia;
• Não à oposição que encontra agora, com os escândalos da corrupção e o desgaste de Lula, de Dilma e do partido, sua chance de derrotar o PT no Congresso, na opinião pública e nas eleições municipais de 2016;
• Não à Temer que recém ganhou protagonismo por causa do enorme desgaste de Dilma; nem ao PMDB que nada teria a ganhar com o ingresso no jogo político de um Cardeal, de elevada estirpe, reconhecida habilidade política e de uma carreira política irreprochável.
• Incidentalmente, FHC traiu-se ao usar a expressão cardeal,
numa palestra promovida pela Goldman Sachs, quando afirmou que “se a situação de Dilma piorar muito, chegará um momento em que os "cardeais” do país deverão se reunir para costurar uma saída para este governo”.
• Ao implicitamente se incluir como Cardeal, no jogo político brasileiro (termo que não vem sendo usado no vocabulário político) quis inevitavelmente significar sua posição superior em relação aos demais e sua presença como player neste jogo. O jogo político dominado por cardeais sempre visou o poder papal e só ocorria na combinação de um papa fraco com um baixo clero desqualificado.

De outro lado, não seria sensato admitir que FHC adotasse essa posição política generosa para com Dilma e o PT, num momento em que, quem pode deles busca se afastar.

Deve haver uma razão muito mais elevada que as usuais acusações de ‘murismo’, ‘covardia’ ou ‘esquerdismo enrustido’, que justifique seu comportamento e que possa compensar os riscos a que expõe sua imagem.

Esse ponto fora da curva somente pode ser ocupado por ele. Num momento em que todas as outras lideranças nacionais (Dilma, Aécio, Marina, Temer e Lula) estão derrotados ou sem chances de vir a disputar a presidência, quem vai sobrar daqui a 3 anos e meio?

Mais ainda: assim como o Lula dos tempos de glória abafava FHC, agora, o Lula desgastado pode ressuscitar FHC.
Se Aécio não sobreviver politicamente ao desgaste deste período; se Lula, Dilma e o PT estiverem inviabilizados politicamente; quem além de FHC poderá unir um PT fraco, mas agradecido pela proteção recebida no seu pior momento e um PSDB que, finalmente, com ele poderá voltar ao poder?

FHC pode (e acredito está tentando) emergir como o estadista acima dos medíocres interesses políticos ,voltado para os grandes objetivos da nação e emprestando seus talentos, sua sabedoria e sua respeitabilidade à recuperação da nação. Não lhe faltam saúde, nem condições intelectuais e, deve-se supor, nem vontade para dedicar-se a esta missão.
Talvez não seja um ponto tão fora da curva lembrar que, o povo brasileiro pode querer convoca-lo novamente para presidir o país, num regime, quem sabe parlamentarista, em mais um desafio de recuperação nacional. Por certo este não é hoje o resultado mais provável. Trata-se, entretanto, de uma hipótese que nem nós nem ele, neste momento, podemos excluir.

PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E EX -REITOR DA UFRGS
PÓS-GRADUAÇÃO CIÊNCIA POLITICA UNIVERSIDADE DE PRINCETON,
DIRETORDO SITE  www.política para políticos.com.br