• Leo Iolovitch
  • 06/08/2015
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PROCURANDO ESTRELAS


Era criança e ficava com meu pai contemplando as estrelas, eu admirava extasiado aqueles minúsculos pontos brilhando no céu. As luzes da cidade impedem que se veja com a mesma nitidez, do que quando se está num local afastado, onde é escuro e olhar o céu torna-se um espetáculo deslumbrante. Na escuridão da noite passávamos algum tempo admirando a lua e as estrelas. Eu fazia perguntas e mais perguntas e o pai paciencioso respondia, desfrutando o prazer daquele diálogo.
Uma ocasião ele pediu que eu escolhesse uma estrela, identificasse uma dentre todas aquelas que eram objeto de nossa contemplação. Fiquei em dificuldade, mas ele insistiu: “fixa o olhar e escolhe uma, não precisa me mostrar”. Levei algum tempo, me detive numa e falei que já tinha escolhido. Perguntou se eu sabia bem qual era ela, ao que respondi afirmativamente. Ele esperou um pouco e disse a partir daquele momento aquela estrela era minha. Percebendo minha incredulidade ele reafirmou com a inquestionável autoridade paterna, dizendo que como existiam muitas, bastava eu querer que ela seria minha, ele estava me assegurando, usando um tom persuasivo tão convincente como um título de propriedade.

Sempre que olhava para o céu ficava buscado a “minha” estrela, mas com alguma incerteza, de como poderia ser dono de algo que não podia tocar, que era intangível. Talvez estivesse precocemente intuindo uma questão de Direito Civil, de uma propriedade sem título, nem posse. Porém, a assertiva paterna afastava ou pelo menos diminuía minha dúvida de natureza dominial. Ademais, a questão era quase um segredo, entre eu, meu pai e aquela estrela, que fazia com que me sentisse rico; sem que - naquele tempo - soubesse aquilatar a dimensão daquela riqueza.

Passaram-se os anos. Na adolescência eu ri do episódio, quando me lembrei dele e o coloquei na conta de um pai que ludibriou o filho com uma conversa fiada, que poderia ter agido melhor dando uma bola ou uma bicicleta. Com a irreverência própria da juventude, me permiti pensar que o velho fora um sacana.

Mas o tempo passa, as coisas mudam e nós mudamos também. Porém, o céu permanece igual. O que pode mudar é a forma de observá-lo, que permite identificar coisas que outros não conseguem perceber.

No silêncio e na escuridão da noite posso desfrutar o privilégio da contemplação do firmamento, acalentar o gozo da minha riqueza extraordinária de ser o dono de uma estrela, que não necessita título, nem posse e, muito menos, obrigação de declarar no imposto de renda. É um patrimônio secreto que me exige apenas o exercício de procurá-la na imensidão do céu, localizá-la no meio da noite, para reafirmar o quanto é inquestionável a minha propriedade sobre a aquele tesouro, que recebi do meu pai.

Ao fazer este relato, estou desvelando parte de um segredo, mas que se revela apenas parcialmente, pois não disse onde ela fica e nem pretendo contar. Quem sabe talvez um dia, ou melhor, uma noite, possa localizá-la para os meus netos, se quiserem - ao meu lado - procurar estrelas no céu.