• José Antônio Giusti Tavares
  • 11/05/2015
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O POPULISMO ENTRE A ESPERTEZA E O CRIME


(Este site foi brindado com a divulgação, em pré-lançamento do livro, com o texto de introdução a "Democracia Totalitária: Natureza e Origens", em breve nas bancas). 

No subcontinente latinoamericano, o populismo revolucionário empenha-se em converter, com o apoio ativo de Cuba, democracias constitucionais e representativas aparentemente sólidas em democracias plebiscitárias, que funcionam na verdade como antessalas de democracias totalitárias.

A Venezuela vive hoje um momento de extrema gravidade: ao longo de dois anos do governo, Nicolás Maduro conduziu o país ao desabastecimento, à fome e, lamentavelmente, à violência anômica – não à guerra civil – pois se de um lado o regime não consegue sequer reter a imagem de uma ditadura estável, as aposições estão divididas e quase fraturadas. Recorrendo à imagem hobbesiana, a sociedade reduziu-se a uma espécie moderna de estado de natureza, onde a vida é incerta e violenta, e o ditador recorre ao velho chavão do imperialismo para culpar um inimigo externo pelo desastre da própria incompetência. Evidentemente, os governos protocomunistas da América Latina e, em particular, do Brasil, não silenciam; ao contrário, com a exceção recente do pronunciamento do Chanceler do Uruguai, apóiam claramente a ditadura. Nos dias que correm Bolívia e Equador são os exemplos mais evidentes, mas os menos evidentes, embora mais eminentes, são a Argentina e o Brasil. O governo de Cristina Kirchner, como se verá ao longo deste livro, é responsável pela ocultação do ato terrorista que, comandado pelo Irã, resultou na destruição do prédio da Associação Mutual Israelita em Buenos Aires e a morte de 85 pessoas que se encontravam no local, bem como, ulteriormente, pelo homicídio do Procurador da República Alberto Nisman, poucas horas antes do momento em documentaria a denúncia do duplo delito diante do Congresso do país.

Os presidentes Luiz Inácio da Silva e Dilma Roussef tentaram simplesmente, o primeiro nos últimos dias de seu segundo mandato e a última em 2014, transformar por decreto-lei a ordem constitucional brasileira, fundada na democracia representativa, em uma democracia plebiscitária, como se verá também neste livro: recuaram envergonhados diante das reações lúcidas e vigorosas da intelectualidade e de parte da classe política brasileira; mas os textos das tentativas ainda existem para documentar a vilania protocomunista. Lamentavelmente os cinco governos ora referidos ainda passam bem e parecem consolidar-se através de seus sucessivos desastres.

Este livro contém o primeiro intento de explicar as tendências, ideologias, movimentos, partidos, governos e mesmo regimes totalitários existentes no subcontinente latinoamericano, recorrendo à categoria específica da democracia totalitária, introduzida em 1945 pelo filósofo político francês Bertrand de Jouvenel no capítulo XIV de sua obra O Poder: História Natural de seu Crescimento e examinada na perspectiva da história da idéia pelo professor Jacob Loeb Talmon, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em seu livro de 1951 As Origens da Democracia Totalitária, que inaugurou a sua trilogia clássica sobre o tema.

Concluiria aqui a Introdução. Contudo, este livro já se encontrava em momento final de edição quando a Revista Época divulgou a notícia, confirmada pelos órgãos oficiais da República, de que o Núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria da República no Distrito Federal indiciara e investigara o Ex-Presidente Luiz Inácio da Silva por tráfico internacional de influência associado ao tráfico de influência junto ao BNDS entre 2011 e 2014, em benefício da Odebrecht, empresa que apenas em 2014 recebera 848 milhões em operações de crédito para financiamento de obras públicas em Cuba, Venezuela, República Dominicana, Angola e Gana.

A contratação das obras obedecia a um padrão uniforme: a Odebrecht contratava o Ex-Presidente e Presidente do Instituto com o seu nome para proferir palestras naqueles países, paralelamente às quais o Ex-Presidente contatava com o Presidente do país visitado e, com a intimidade da cultura e da ideologia que possuíam em comum, acertava previamente o contrato de obras com a empresa brasileira, acenando com a garantia de financiamento do BNDES. A identidade entre Luiz Inácio e aqueles seus amigos pode ser avaliada pelo fato de que o presidente de Gana, John Dramani Mahama, lançou no Brasil em 2014 o seu livro sugestivamente intitulado Meu Primeiro Golpe de Estado.

A Procuradoria da República definiu em dois artigos do Código Penal os crimes pelos quais indigita o Ex-Presidente: 337, b e c – crimes por corrupção ativa e tráfico de influência em transação comercial internacional – , e 332, tráfico de influência contra a administração pública nacional.

Ao concluir essas páginas, informaram-me os jornais que o ex-presidente Mujica, do Uruguai, relatou em seu recente livro de memórias que o colega brasileiro lhe teria revelado que não fora possível governar o Brasil sem cometer atos imorais: trata-se da culminância do mau caráter, atribuir a própria perversidade ao povo que dela sofre as conseqüências.

Custou-me muito tempo até entender o sucesso político aparentemente imorredouro e a imunidade moral do ex-presidente. Ocorreu involuntariamente ao surgir-me à mente o personagem surreal e desconcertante do romance publicado em 1928 por Mário de Andrade: Macunaíma, que o autor definiu como o "herói sem nenhum caráter", retrato idealizado da esperteza do homem comum brasileiro. A imagem pode explicar muito bem a popularidade e a leniência de que desfrutava Luiz Inácio. Mas há uma diferença fundamental entre o personagem idealizado e o homem real que ainda parece governar o país e comandar um exército popular para defendê-lo do que deve às decisões da Justiça, há uma diferença entre a esperteza e o crime: o ex-presidente é um homem real embora não um homem comum; é um homem público nocivo, sem consciência moral.

A consciência moral dos criminosos clássicos é descrita pela história e pela literatura como ocupada pela tormenta da culpa sem fim. Imagino a consciência moral de Luis Inácio como uma lixeira vazia e sua história civil é a da corrupção, do crime e da impunidade permanentes. Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra ? Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência ? (Cícero, no Senado, denunciando o demagogo Catilina, que conspirava contra a República Romana, no século I a.C.).

* Cientista Político