• Ricardo Garcia de Mello
  • 05/02/2016
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O PT DO PODER É O PT ESCANCARADO

Algumas objeções à entrevista do sociólogo José de Souza Martins às páginas amarelas da Veja de 03/02/2016.

A entrevista do professor José de Souza Martins intitulada O PT do Poder demonstra o posicionamento da esquerda intelectual que pretende descolar o pensamento de esquerda e os movimentos sociais do Partido dos Trabalhadores governista, afirmando que o PT do Poder não é o PT dos movimentos sociais, colocando o Partido dos Trabalhadores do Poder como um partido católico. Esta visão de mundo expressa pelo sociólogo Martins é resultado da necessidade de resgatar a capacidade de direção intelectual e moral da esquerda ilustrada, que conseguiu fazer por um certo tempo com que sua visão de mundo tenha superioridade sobre as demais, conseguindo a supremacia na organização da cultura, sobretudo acadêmica. E é justamente esta primazia esquerdista que os intelectuais não querem perder, por isto que diante dos escandalosos de corrupção, tentam descolar a imagem da esquerda do PT.

O PT se apresenta como uma alternativa socialista ao próprio socialismo e não uma oposição. Ele se diferencia dos demais partidos comunistas do Brasil pelo fato dele apostar numa estratégia de poder diferente da luta armada, a tática-política democrática e legalista. Com isto eu quero dizer que a esquerda e o PT não são democráticos e nem legalistas, somente enveredam pela legalidade e pela democracia como formas mais convenientes de alçar o poder. A democracia e a legalidade são o instrumental ou melhor a arma de conveniência para chegar ao poder, em vez de optar pelas armas de fogo o PT optou pela via eleitoral e crítica moral da corrupção para chegar no poder.
  A democracia e a legalidade são para o PT um meio de se chegar ao poder, assim como metralhadora, não são um fim em si mesmas e ainda menos um princípio, só tem valor tático-político. Portanto o PT das Lutas Sociais é o PT do Poder.

O PT não é um partido antiquado como afirma Martins, mas um partido de esquerda tipicamente moderno aos moldes da New Left e da Socialdemocracia. Aos moldes da New Left por incluir além da luta de classes, a luta racial, étnica e LGBT, e se equivale a socialdemocracia por se utilizar dos meios democráticos e legais para chegar ao poder.

O PT é um partido esquerdista aclimatado aos novos tempos, antes de ser uma organização de classe, é um órgão aglutinador capaz de unir movimentos sociais, grupos e personalidade de diversos segmentos da sociedade, nele está presente os movimentos de moradia rural e urbana, LGBT, movimento negro, indigenistas, feministas, sindicatos, intelectuais, celebridades, evangélicos e católicos de esquerda. Por isto que a dicotomia e a ambivalência fazem parte do jogo de linguagem política do PT para garantir a maior quantidade de eleitores e até mesmo de adeptos, representando assim uma frente política de esquerda, a união dos “progressistas” da sociedade.

O PT em sua raiz é tudo menos um partido católico e conservador como quer demonstrar o sociólogo José de Souza Martins. O PT do ponto de vista formal só é um partido católico para um adepto da teologia da libertação, o PT é sobretudo uma Hidra vermelha, não são dois PTs o PT do poder e o PT das lutas sociais, mas são vários os PTs reunidos sobre o PT de Lula. O PT não é um partido duas caras, mas de diversas facetas, para o pobre o PT é assistência social, para o católico ele é caridade do político, para o Negro a luta pela igualdade, para a Mulher a igualdade de gênero, para o trabalhador aquele que melhora sua condição de vida, e assim por diante, o PT tem muitas mascaras.

O PT não é um partido católico porque a doutrina social do PT não é a doutrina social da Igreja que tem por base a Encíclica Rerum Novarum, sobre a condição dos operários de 15 de maio de 1891 do Papa Leão XIII. Que foi resumido por João Paulo II como princípio de Solidariedade que é o princípio elementar da fraternidade humana que possibilita a existencial social; não existe sociedade sem solidariedade. Nós termos de João Paulo II: “A solidariedade é também uma verdadeira e própria virtude moral, não «um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos». A solidariedade eleva-se ao grau de virtude social fundamental, pois se coloca na dimensão da justiça, virtude orientada por excelência para o bem comum...”
É por isto que o PT não realiza uma mediação conservadora das lutas sociais, como afirma Martins, o PT é uma mediação esquerdista e governista das lutas sociais, sua lógica de mediação não se pauta na solidariedade social que é um dos pilares da doutrina social da igreja, mas no antagonismo social; o ato de agudizar as contradições entre brancos, mestiços, índios e negros, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, com a intenção de transformar as contradições em antagonismos através do seu discurso de ódio.

Caro Professor Martins o PT é de esquerda sim, nele se articulam as diversas bandeiras ditas “progressistas”.
O PT demoniza o adversário político, não por estar influenciado pela visão de mundo Deus e Diabo da igreja católica como afirma Martins, mas por possuir um raciocínio político típico do marxismo como expressa Lenin, Gramsci, Trotsky e Lukács, que não basta demonstrar ter supremacia econômica e militar é necessário demonstrar a superioridade intelectual e moral, portanto é necessário falar que o seu adversário é um burro truculento, analfabeto político e além disto que ele é racista, fascista e sexista. Para o PT o adversário político não é um concorrente, mas um inimigo que deve ser vencido, por isto que o PT não concorre com o seu adversário, mas faz guerra contra seu inimigo, ele só não pega em armas, porque a democracia e a legalidade são uma tática mais conveniente para a esquerda vencer, como já provou a história para os guerrilheiros.

A Esquerda só é democrática e legalista por conveniência e limitações. Por limitações porque existe Constituição e forças armadas que freiam as vontades arbitrarias. E por conveniência porque a democracia e a legalidade são instrumentos menos perigosos para alcançar o poder político.

Já a relação entre Lula e PT é de coexistência, apesar de Lula preponderar nesta relação toda a sua biografia é marcada pelo PT, sendo a sua popularidade e mesmo o seu sucesso pessoal condicionado pela presença deste partido, e vice-versa. Ainda que a personalidade de Lula queira ficar por cima de todos os acontecimentos, no final das contas Lula não existe sem PT e PT não existe sem Lula.

Numa definição sintética, capaz de captar as facetas da hidra vermelha, o PT é o partido político que associa o caudilhismo e a filantropia com o aparelhamento ideológico e burocrático da sociedade.

Para o sociólogo Martins o PT deveria ter se mantido na missão de fiscal do poder corrupto, e nunca ter aspirado ao poder político, no fundo Martins acha que o PT das Lutas Sociais foi corrompido pelo sistema, como um ser angelical que foi desviado pelos vícios. Mas caros Ilustrados Uspianos o PT não é um santo decaído num bordel.

 * Sociólogo