• Percival Puggina
  • 08/07/2016
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DO PORTO DE CUBA AO CARTÃO CORPORATIVO DE ROSEMARY

 

 Quanto mais segredo, menos confiança e, obviamente, maior proteção a atos ilícitos. Há quantos anos engordam as suspeitas sobre irregularidade nas obras e no financiamento do porto cubano de Mariel? O BNDES emprestou US$ 682 milhões àquele empreendimento da firma Castro & Castro Cia. Ltda. (também conhecida como República de Cuba). Por envolver informações que seriam sigilosas e que precisariam ser mantidas assim até o ano de 2027, esse contrato foi classificado como secreto pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Pois no último dia 7, o juiz Marcelo Rebello Pinheiro, da 16ª Vara Federal do Distrito Federal atendeu pleito do advogado Adolfo Saschida que pretende usar a informação como subsídio para eventual ação popular. Segundo o magistrado, os indícios de irregularidades se sobrepõem ao dever de sigilo. Não tenho certeza, contudo, de que decisão do juiz será cumprida. A valer a tradição, é muito grande a possibilidade de que ela caia em grau de recurso.

A proteção ao crime sob o véu do silêncio funciona como a burca. Ele está ali, mas é só o que se sabe. Há 60 dias, por exemplo, duas ou três pequenas notas na imprensa informavam que o misterioso cartão corporativo da senhora Rosemary Póvoa Noronha, amiga íntima e companheira de viagens de Lula, tinha seu sigilo parcialmente quebrado. Durante mais de dois anos, o jornalista Thiago Herdy Lana e a Infoglobo vinham tentando, em juízo, obter acesso aos dados desse cartão. Em 4 de maio, uma decisão de Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, manteve o sigilo sobre as despesas relativas a período de gestão da presidente atualmente afastada, liberando o demais. Mesmo assim, do período anterior a 2011, até agora nada veio ao conhecimento público!

Tomei estes dois fatos aparentemente isolados para mostrar que estão conectados por um efetivo ânimo protetor, que circula entre a legislação e as cortes, e que muito favorece a prática de atos ilícitos. Como tenho reiteradamente afirmado, as gavetas do STF estão entre os melhores esconderijos do país.

Por outro lado, não devemos desconhecer que a própria imprensa brasileira, ao mesmo tempo em que realiza notáveis trabalhos de jornalismo investigativo, tem demonstrado muito pouco empenho em se associar à população nas reivindicações por transparência em tantos casos. Recentemente, por exemplo, não mais do que pequenas notas registraram e comentaram o afastamento de três delegados da força-tarefa da Lava Jato. O pouco interesse da mídia levou um dos afastados a gravar um vídeo comentando a situação! Aparentemente, já que ninguém se interessou em ouvi-lo, o delegado tratou de falar por conta própria.

Não raro, o que num outro país e noutras circunstâncias poderia ser "normal", adquire, no Brasil, uma anormalidade gritante.