Percival Puggina

14/05/2024

 

Percival Puggina

       Sou católico e respeitoso com todas as demais religiões e manifestações exteriores de fé. Tenho alguma dificuldade, porém, em relação à fé religiosa que vejo muitos dedicar ao Estado e a seus dignitários. Essa devoção tem teologia própria, muito severa e intolerante: o único Estado que merece reverência é aquele onde eles mesmos mandam e os outros se calam.

A tragédia do outono gaúcho abriu espaço para o proselitismo dos devotos do Estado, notadamente coletivistas e estatistas. É claro que sem o apoio da União será muito mais difícil enfrentar o conjunto de problemas que restarão quando as águas retornarem ao seu nível. Há, porém, um outro lado dessa moeda: a autofagia do Estado. Ao consumir em si mesmo parcela descomunal das receitas numa luxuosa Versailles federal, tão ciosa de seus privilégios quanto ociosa em seus deveres, ele empobrece investimentos como os que amenizariam os efeitos das águas.

Os devotos do Estado dão por esquecido que, ao longo de décadas, suas ideias, alinhamento político e perfil de quadros dirigentes respondem pelas permanentes agruras nacionais. Agora, sem maiores explicações ou justificativas, aproveitam-se da crise gaúcha para cantar vitória: “Viram como o Estado é bom e generoso?”. A resposta é não! O que tenho visto é a sociedade, com recursos mínimos, fazer muito mais do que o máximo, de modo virtuoso, com cada um dando de si e a si mesmo.

Isso Estado nenhum faz!

Estado nenhum faz o que o Instituto Ling fez com apoio do Instituto Floresta e da Federasul, lançando em Nova Iorque um fundo para levantar recursos destinados às reconstruções no Rio Grande do Sul.

Cuidarei sempre de alertar sobre algo facilmente intuído pelo cidadão comum: o Estado é um ente político desalmado, que precisa ser controlado. Não o será pelos que vivem em fervorosa contemplação aos pés do sacrário do Tesouro, benzendo-se penitentes cada vez que se referem à “extrema direita”, mas pelos conscientes de que é com o produto do trabalho da sociedade que o Estado se agiganta para submetê-la a seus excessos e à sua mão pesada.

Nos últimos dez anos, no sentido inverso ao que propagam esses devotos, a expressão “poder público” adquiriu um sentido cínico. Que raios de “poder” é esse? Socorra-me o leitor: em que sentido esse poder se diz “público”? Aqui, de onde eu o vejo, esse poder instituiu uma suposta democracia contramajoritária, jamais leva em conta a opinião pública. O povo, nas ruas e praças, fala aos ventos.

Se a vida civilizada nos obriga a custear o Estado e a conviver com ele, é de todo recomendável que seja útil ao público. Isso significa que o Estado deve gastar menos consigo mesmo e mais com a sociedade, para que obras, equipamentos e serviços tenham a qualidade necessária.

A autofagia dos recursos “públicos” na sua própria cadeia de consumo responde por vários aspectos da tragédia que a nação vive a cada solavanco da natureza.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

11/05/2024

 

Percival Puggina

      Meu amado berço sulino vive sua hora mais amarga sob o múltiplo bombardeio das águas. Num repique da enchente que o vitimou, elas ainda caem enquanto escrevo. Penso no Rio Grande geográfico, com a sedutora Serra Gaúcha e sua riqueza hídrica, nos rios do planalto e da planície ... cobertos de água e lama. Penso no Rio Grande da história e no povo gaúcho. As guerras e revoluções do passado influenciaram muito o tipo humano que agora terá que se haver com as consequências da tragédia.

Subitamente, já no ocaso da minha existência, estou testemunhando a esperança nascer ante a face mais virtuosa desse caráter. A reação da sociedade gaúcha está registrando uma nova epopeia para a história desse povo. E o faz em poucas palavras, mas em tantas imagens quantas a tecnologia hoje permite.

Acionados pelo nobre impulso interior da solidariedade se moveram e se comoveram. Tudo aconteceu tão de repente quanto subiam as águas. Foi como se todos dissessem – “São meus irmãos, é a nossa gente, sitiada e levada pelas águas. Agora é conosco, pessoal!”. Quase se ouvia o zumbido nas redes sociais febricitantes nos grupos de WhatsApp e de toda parte já chegavam os botes à água, os abrigos abriam. Com o que podiam trazer, vinham médicos, enfermeiros, maqueiros, viaturas, motoristas, jipeiros e os preciosos trilheiros. Água potável, lanches, lâmpadas, lanternas! Utilidades chegavam e continuam a chegar, demandando verdadeira multidão de “estivadores” para a faina diuturna de carregar e descarregar pacotes de doações.

Ninguém! Ninguém ali invoca qualquer tipo de identidade racial, sexual, social lá o que seja tão determinante para os ídentitaristas. A mão estendida não tem cor nem conta bancária. Os helicópteros particulares e os óbolos das viúvas são expressão do mesmo amor ao próximo.

A brava gente do Rio Grande há muito tempo não chorava tanto diante das imagens que nos chegam diariamente mostrando que essa solidariedade mobilizou o país inteiro. Ela viaja em abençoados caminhões provenientes de empresas e municípios dos quais, muitas vezes, nunca ouvimos falar. E se mobilizaram por nós! Por nós, distantes! É tão flagrante serem essas cargas puro amor em fardos que os caminhões em comboio partem ao som de canções motivadas por corações felizes, cantadas com vozes embargadas.

Que Deus proteja a todos vocês e os gratifique por tão expressivo bem feito. Está valendo muito, pessoal!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

09/05/2024

 

Percival Puggina

 

         Escrevo baixinho, quase sussurrando as letras no papel, com todo cuidado para que nada escape pelas margens. Preciso falar muito reservadamente sobre o sigilo que, ele sim, ostensivo e ruidoso, bateu portas e cerrou janelas em nossa vida republicana.

Eu tinha uma ideia diferente sobre como deveria ser a vida numa democracia representativa, de modo especial num período privilegiado em que os meios de comunicação e informação estão na palma da mão dos cidadãos.

A alegada e justa preocupação com o direito dos eleitores à livre opção política e eleitoral tem levado a um impertinente e antinatural controle das opiniões que, por todas as razões, parece descrer das capacidades do eleitor e ser alérgica à liberdade de expressão.

Por exemplo. Foram inseridos no TSE, sem aprovação legal, mecanismos estranhos ao Poder Judiciário e à Justiça Eleitoral. Um deles investiga o que está sendo dito nas redes sociais e o outro delibera sobre o que pode e o que não pode nelas ser publicado. Tudo muito estranho numa época em que, loquazes, ministros do STF replicam com desenvoltura, o vocabulário empregado pelo governo para atacar a oposição.

Ao mesmo tempo em que convivemos com a censura por aleatórios discursos de ódio, desordem informacional, desinformação, desestabilização das instituições e sei lá mais quê, convivemos com sigilos impostos sobre tudo que possa gerar desconforto à oligarquia: agendas, pautas de reuniões entre personalidades dos poderes, viagens, estranhos eventos, jatinhos, inquéritos e processos de cunho político.

Nossa “democracia” está cada dia mais circunspecta e ensimesmada. Calado, o povo observa.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

08/05/2024

 

Percival Puggina

 

       Apesar da importante sugestão no sentido de que o lucro de 3 bilhões proporcionados pelas operações de Itaipu binacional fossem destinados ao Rio Grande do Sul, Lula anunciou apenas R$ 534 milhões, ao mesmo tempo em que mandou R$1,3 bilhão ao governo parceiro do Pará. Ao mesmo tempo, a ministra do Planejamento disse que o Rio Grande não precisava de dinheiro porque com as cidades submersas não dava para saber o que estava destruído pelas águas.

Agora, o governo uruguaio quis mandar uma aeronave com drones, lanchas e apoio técnico e Lula dispensou, alegando que não teria onde pousar... A pista de Canoas está em operação e há ainda outros aeroportos do Estado que poderiam receber a aeronave uruguaia, que foi comprada do Brasil, reformada e está em uso. Causou péssimo efeito no Uruguai a afirmação de que o Brasil tem aeronaves maiores em uso (aqui).

O site Aeroin, informa que a Argentina também ofereceu um avião, três helicópteros e uma equipe de busca com cães, que igualmente foram recusados por Brasília, mas sem justificativa oficial.

Haja “narrativa” para explicar toda essa animosidade do governo federal em relação ao Rio Grande do Sul. Ideologia em estado bruto.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

06/05/2024

 

Percival Puggina

 

Senti vontade de dizer ao Guaíba como Fernando Pessoa disse ao mar das Grandes Navegações: Quanto de tuas águas são lágrimas do Rio Grande do Sul!

       Era madrugada de domingo 5 de maio em Porto Alegre. Fui acordado por novas trovoadas que antecederam a forte chuva que sobreveio. Olhei para o relógio. Quatro horas da manhã. Levantei-me para verificar se a casa estava bem vedada e pus-me a pensar sobre o sofrimento de tantos gaúchos neste que é o quarto desastre climático que se abate sobre o Rio Grande do Sul em menos de 12 meses e é o maior de sua história. Impiedosa, prosseguia a chuva no que parecia um líquido e aéreo bombardeio. Vem daquelas reflexões noturnas o conteúdo deste artigo.

O fotogênico Guaíba – que sempre foi rio, mas era um estuário e modernamente, juram os geólogos, é um lago – em complô com os cinco rios que a ele contribuem, expandiu seus domínios sobre todos os baixios rurais e urbanos no seu entorno.

Penso sobre o Estado e o tal “poder público” – tão pouco público! De modo sistemático, ao longo de décadas e em todo o país, o dinheiro da sociedade, pagadora das contas, vem sendo usado, preferencialmente, para robustecer a máquina e para os projetos de poder político (quando não, também, “otras cositas mas”). Já pensaram o montante a que chegaríamos capitalizando apenas 20% disso ao longo de décadas? Como resultado, a potência do poder público se dissipa em si mesmo e ele fica sem meios para atender suas atividades fins. O resultado se expressa em ações insuficientes, obras raras e “baratas”, tecnicamente modestas e frágeis. O dinheiro é escassíssimo até para prevenir, inspecionar e conservar o que já se tem, mas para o núcleo da máquina, não.

Seria impossível não escrever sobre a tragédia que se estendeu por todo o Rio Grande do Sul. Até agora, 340 de seus 497 municípios são vitimados por ela. Nesta manhã de segunda-feira 6 de maio, contam-se 83 mortos, 101 desaparecidos, 120 mil pessoas desalojadas de suas moradias. Porto Alegre inundada numa proporção e extensão simplesmente inimaginável. As cenas exibidas pelos noticiários parecem captadas de alguma distopia barrenta.

Vivo aqui desde 1959, ou seja, cheguei quando passavam 18 anos da maior enchente já registrada, a de 1941. Nela, o Guaíba, esplêndido lago que abraça Porto Alegre, alcançou a cota de 4,75 metros. Alguns prédios do centro da cidade tinham na parede a marca do nível então alcançado pelas águas.

No início dos anos 70, como arquiteto, participei do projeto de um porto, no Rio Taquari, cujo cais ficava a poucos metros da rodovia que hoje aparece submersa. Prolongados estudos de hidrologia foram feitos sobre uma possível repetição da enchente de 1941, que tangenciaria o nível das instalações portuárias que projetávamos. Conclusão: aquela enchente teria um período de recorrência de cem anos. Ou seja, havia a possibilidade de que uma enchente, por século, atingisse o cais do porto que estudávamos. Provou-se bem ajustado o trabalho dos nossos peritos de então: transcorreram 83 anos até que esta nova enchente atingisse e derrubasse a marca de 1941 – lamentavelmente para ultrapassá-la em mais de meio metro.

No bairro onde moro, estamos numa cota bem superior à da área de inundação. Mas, como a maior parte da cidade, estamos e estaremos nos próximos dias vivendo o drama comum e fazendo a experiência dos camelos, sem água tratada para qualquer aproveitamento humano.

Acima da imprudência no gasto do Estado, acima da imprudência das ocupações ribeirinhas, acima dos erros de engenharia, acima de quatro tragédias de origem climática em menos de 12 meses, ergue-se, gigantesca, a solidariedade. Em comovente mobilização, o Rio Grande inteiro, o Brasil e os países vizinhos acorreram para a atenção às vítimas. As benditas redes sociais, essas mesmas que tanta indignação causam aos espíritos que apreciam o povo silencioso, têm sido instrumento importante para levedar e ampliar a extensão da solidariedade que mobiliza a todos em torno do drama gaúcho.

Há uma multidão silenciosa que gostaria de repercutir seu agradecimento e pede orações e apoio para reconstrução de suas vidas.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

03/05/2024

 

Percival Puggina

 

         “Devemos condenar publicamente a ideia de que homens possam exercer tal violência sobre outros homens. Calando o mal, fechando-o dentro do nosso corpo para que não saia para o exterior, afinal semeamo-lo.” Soljenitsyn

         Quem diria!? Nós temos nossos gulags.

A experiência humana mostra que os mais mal tratados criminosos da história sempre foram os acusados de crimes políticos. Desagradar ao monarca ou, a quem encarnasse o Estado, custava caro. Pior ainda se o desagradado cuidasse do réu e da pena. Tal situação cobrava seu preço concentrando sobre o acusado os piores sentimentos do julgador. Não era incomum que orgulho, vaidade, medo, desejo de vingança cobrassem reparação que se cumpria nos padecimentos impostos ao réu e se prolongavam na condenação. Tudo tão medieval quanto perene...

Os gulags (campos de trabalhos forçados surgidos na Rússia tzarista com o nome de kengires) foram reintroduzidos pelo stalinismo e rapidamente se multiplicaram pelo país, povoados por presos políticos. O conhecimento sobre seus horrores chegou ao Ocidente com a obra de Alexsandr Soljenitsyn, ele mesmo um sobrevivente dessas instituições penais. Recentemente a editora Avis Rara entregou aos leitores o livro de outro russo que conseguiu sair vivo dessa sina – Wladimir V. Tchernavin, autor de “Nos campos de concentração soviéticos”. Em certo momento, quando iniciava sua trajetória em direção ao arquipélago de Soljenitsyn, ele descreve o próprio abandono ao perceber que seu destino e sua vida estavam inteiramente entregues à animosidade e ao total desprezo de um agente do Estado.

Instituições análogas foram ou ainda são habituais nos países comunistas.  Em Cuba se chamavam UMAPs (Unidades Militares de Ajuda à Produção), atrás de cujos arames farpados homossexuais, lésbicas, cristãos e opositores ao regime eram recolhidos para trabalho e correição. Esses campos foram pedidos a Fidel pela União dos Jovens Comunistas que não toleravam conviver com colegas não revolucionários. Que novidade! Muito piores, claro, eram os campos de concentração e de aplicação da “solução final” durante o nazismo.

Por que o título deste artigo fala em “nós e os gulags”? O que temos nós com isso? Trato, aqui, de uma analogia que me veio à mente ao pensar sobre o que acontece nos registros da história quando a sensação de superioridade moral, revolucionária, intelectual ou política leva ao desprezo da condição humana do divergente ou diferente. A escravidão veio daí e muita prisão política vem daí.

Uma universidade, por exemplo, pode se transformar num gulag onde se encarcera até a morte autores inconvenientes e se promove a extinção do pensamento divergente. Note bem: há todo um imenso “arquipélago gulag” na educação brasileira pós Paulo Freire. O identitarismo progressista, por seu turno, criou arquipélago próprio, de falsos amores e verídicos rancores.

Há inquéritos de gênese política abertos no STF cujos bolos de aniversário já contam diversas velinhas e se desdobram em outros inquéritos que já formam gulags e se assemelham a arquipélagos. Quem entra sofre uma espécie de morte cívica. Ali, no interior da cerca farpada dos sigilos, centenas de brasileiros entendem o sentimento que o russo Tchernavin descreveu.

Um pingo de sensatez não resolve mais o estresse institucional do Brasil. De tutores e mentirosos crônicos estamos fartos. Nada podemos esperar dos profissionais da isenção nem dos que transformam o diploma de seu mandato em alvará de empreendimento comercial para venda de votos, nem dos que, sendo menos lúcidos que Pirro, ainda festejam vitória. É com os outros que podemos contar para as lições e a prática da sensatez e da justiça, para as nossas liberdades e para a retificação de um estado de direito que anda bem torto. Sei que não nos faltarão em número e em inspiração. Que Deus os ilumine e guie seus passos.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

29/04/2024

 

Percival Puggina        

         Os recorrentes ataques ao conservadorismo com base na laicidade do Estado guardam relação apenas periférica com temas religiosos. O esquerdismo militante hoje oficial no país entendeu o que as pesquisas de opinião mostram: parcela crescente da sociedade percebeu os descaminhos por onde os “progressistas” a conduzem com muito más consequências. O argumento de que o “Estado é laico” não pega mais. A “progressista” CNBB se encarrega disso. Por fim, os limites entre Igreja e Estado já foram objeto de deliberação: em reta conformidade com a sintética determinação de Jesus, o Estado é laico, sim. A Deus o que é de Deus e a César o que é de César.

O rufo de tambores que ouvimos são os de uma guerra nada santa, a guerra pela completa anulação da influência do Cristianismo na cultura e nos valores morais dos indivíduos na Civilização Ocidental. Quem se dedica ao ateísmo militante, sabe que: 1º) é quase impossível "desconverter" as pessoas de uma fé em Deus para uma fé no Nada Absoluto; 2º) é inaceitável pela sociedade a ideia de um Direito moralmente isento, estéril ou que ignore os princípios e valores compartilhados pelos membros da sociedade.

Diante de tais dificuldades, os militantes do ateísmo cultural propuseram-se a algo muito mais sutil – querem esterilizar a moral nos próprios indivíduos. Como? Convencendo você, leitor, por exemplo, de que os princípios e valores que adota são, na origem, tão religiosos (e por isso mesmo tão pessoais) quanto a própria religião que porventura professe. Integrariam, então, aquele foro íntimo no qual se enquadrariam a religião e suas práticas. Pronto! Segundo o princípio da laicidade do Estado, tais princípios e valores só teriam vigência na sua vida privada.

As investidas contra símbolos religiosos são apenas a ponta do rabo do gato. O felino inteiro é muito mais amplo e pretensioso. Seu intuito é laicizar as opiniões e, principalmente, os critérios de juízo e decisão. Portanto, toda a conversa fiada sobre supostas infrações à devida separação entre o Estado e a Igreja precisa ser entendida como aquilo que de fato é: atitude de quem deseja alijar as opiniões majoritárias porque adotou o Estado, e só o Estado, por fonte de todo bem, baliza perfeita para o certo e o errado e vertente dos valores que devem conduzir a vida social. Convenhamos, é uma tese. Mas – caramba! – qual é, precisamente, a moral do Estado? Na prática, a gente conhece... Na teoria, é a que a sociedade majoritariamente determine, excluída a que moldou a civilização ocidental. Ou seja, aquela que deriva do Cristianismo, proclamada inadmissível perante a laicidade do Estado, blá, blá, blá.

Tal linha de raciocínio não resiste ao menor safanão. Precisa de reforços e apoios propiciados pelo relativismo moral. Cabe a esse filhote da pós-modernidade mostrar que a moral majoritária é apenas uma das tantas que andam por aí através do tempo, do espaço e da miséria humana. Saem às ruas, então, representações desse moderno mundo novo – Parada Gay, Marcha das Vadias, Marcha pela Maconha, ideologia de gênero para crianças.  Escandalosos? Escandalosos perante qual senso moral? O totalitarismo pós muro de Berlim, tipo Foro de São Paulo, precisa do ateísmo cultural e do relativismo para derrogar o cristianismo cultural e o Direito Natural, resíduos empobrecidos do Cristianismo.

Nada contra a liberdade, mas tudo contra o deliberado desvirtuamento moral da sociedade pelos meios institucionais. Destruídos os valores que as fundamentam, a liberdade, a democracia e a própria civilização acabam porque que não se sustentam numa sociedade sem princípios, sem valores e sem vergonha.

*         Artigo publicado em 11 de agosto de 2013, com pequenas atualizações.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

25/04/2024

 

Percival Puggina

         O esquerdismo militante convence seus agentes de que isso acrescenta importantes polegadas à sua estatura moral, induzindo-os a olhar a humanidade de cima para baixo. Cada um deles é o novo Adão que emergiu das trevas da injustiça, das opressões e das exclusões que até então “encobriam a superfície do abismo” (para usar a expressão bíblica).

Em suas ocupações e atividades profissionais, o esquerdista militante coloca a missão acima da função. Seja ele professor, jornalista, padre, pastor, artista, militar, burocrata, empresário – o que for – antes de tudo é um esquerdista empenhado no papel transformador e revolucionário que lhe cabe na construção dessa nova humanidade, bem ali, no lado esquerdo do palco das ideias.        

Em todas as muitas experiências históricas e atuais, essas premissas e seus fundamentos ideológicos levam, isto sim, a uma nova eugenia. A tal de direita (sempre dita “extrema”) precisa ser sufocada para perder expressão política. Há que quebrar esses ovos para a omelete da revolução. Daí a censura que sai do texto, da obra, e atinge o autor, a família e o ordenamento jurídico do país, com sucessivas e crescentes restrições de direitos. Daí termos modernos gulags nos tais inquéritos sigilosos. Daí, também, serem os alunos, os pacientes, os fiéis, os presos, os pobres, os negros, os pardos, os gays, os leitores e o público de esquerda os únicos merecedores de atenção e defesa. Infelizmente, de tanto ver, entendi, mas preferia não ter visto.

O ministro Luís Roberto Barroso, em recente encontro da OAB Nacional, fez uma série de afirmações que exigem reflexão (assista aqui). Disse ele, em síntese, que:

- a democracia enfrenta uma onda de populismo autoritário, anti-institucional e antipluralista que vem representando um risco em muitas partes do mundo;

- a referida onda se torna perigosa por ser “autoritária, xenófoba, racista, homofóbica e misógina”;

- o populismo autoritário é o responsável por uma divisão política “nós e eles”;

- no Brasil e noutras partes do mundo, a comunicação direta by-passa instituições intermediárias como o Legislativo, a imprensa, a sociedade civil, e com muita frequência elege as Supremas Cortes como adversárias;

 - as Supremas Cortes têm o papel de limitar o poder político das maiorias políticas;

- a articulação global extremista de extrema direita se utiliza das plataformas digitais para espalhar ódio, desinformação, teorias conspiratórias e destruir reputações.

O ministro parece ter retomado nesse pronunciamento o múnus ideológico e o esquerdismo militante que assumiu no último Congresso da UNE. O raciocínio, o vocabulário e a rotulagem dos opositores como “autoritários, xenófobos, racistas, homofóbicos e misóginos” o revelam.

Se há algo que conservadores e liberais não têm é uma articulação internacional que funcione em seu favor! Estaria o ministro se referindo a Elon Musk e à plataforma X quando menciona “articulação global da extrema direita”? Nesse caso, porém, não deveria levar em conta a atuação no sentido oposto dos notórios Facebook, YouTube, Instagram, Google, etc., que já reprimiam por conta própria e gosto os perfis e páginas de direita bem antes de serem instados a isso pelo STF e pelo TSE?

Esse by-pass às instituições intermediárias criticado pelo ministro não seria, em palavras mais claras, simplesmente a livre busca da verdade? Não seria o mero direito que assiste cada cidadão de interpretar e se expressar a respeito dos acontecimentos com liberdade, independentemente do que proclamem os oráculos oficiais?

Quando li sobre a tal “articulação global extremista de direita” me lembrei de que essa articulação sempre foi marca da extrema esquerda, com suas muitas e sucessivas “Internacionais” que até um belo hino próprio têm há um século e meio: (“De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!"). Ademais, como desconhecer o Foro de São Paulo, o Sul Global, a Pátria Grande e outras articulações semelhantes? Como ignorar o movimento Woke? Onde ficam, nessa narrativa, a Nova Ordem Mundial e seus bilionários promotores?

Por fim, num país onde o presidente proclamado eleito é petista, tem maioria de 9 a 2 no STF, compra maioria no Congresso, conta com ampla cobertura do jornalismo militante das grandes redações e comanda com o tilintar das moedas o setor cultural, o ministro vê necessidade de controlar o poder político das maiorias! E essa maioria – surpresa! - não é a maioria governista, mas a ameaçada e silenciada oposição.

Infelizmente, entendi, mas preferia não ter entendido.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

22/04/2024

 

Percival Puggina

        Está em curso no Brasil um câmbio radical nas relações entre a nação e o Estado. Na vida real, longe das enganosas narrativas e torcidas populistas, resta apenas um fiapo do ânimo que levou Ulysses Guimarães a identificar como “Constituição Cidadã” a carta de 1988. A entusiasmada definição dada pelo idoso e experiente político paulista, deputado federal por 11 legislaturas, refletia a expectativa de ter sido estabelecida a prioridade da nação sobre o Estado. No entanto, com um modelo institucional errado, saiu tudo ao reverso das expectativas.

Passados 35 anos, o cidadão – perdoem-me por dizê-lo – é o último pau do galinheiro nacional. Vive em servidão, a custear mordomias e disparidades infinitas com o suor de seu rosto sob um Estado que se cobre de sigilos enquanto lhe restringe as liberdades. A opinião dos brasileiros é a suprema inutilidade nacional, objeto de desprezo por parte daqueles que, seguindo o “Waze” de Gramsci, chegaram ao poder pela “longa marcha através das instituições”.

No trajeto, os princípios constitucionais foram transformados em massa de moldar manuseada segundo a estética das circunstâncias. No tempo do general Golbery, isso era chamado “casuísmo”.

Com o advento das redes sociais, os cidadãos erguidos em 1988 à condição de fonte da qual o poder emana puderam se expressar com eficácia. Na semana passada, porém, ficou-se sabendo que tais redes vieram acabar com a felicidade dos membros da oligarquia instalada. Que dó que dá! Em nome dessa felicidade habitual, as redes sociais ganharam mordaça, usuários pagaram multas e restrições de direitos, outros carregam tornozeleiras ou foram para o exílio. O ruído da senzala perturba o sossego da Casa Grande.

Hoje, querem nos convencer que o Estado é o oráculo, o deus da religião civil de Rousseau – onisciente, onipotente e onipresente. Ademais, alguns de seus sacerdotes veem a si mesmos como Charlotte, a última bolachinha do pacote.

Com o espírito abalado nos últimos dias por saber que nossa própria realidade política e institucional precisou ser escrita em inglês e descrita com sotaque, participei no último fim de semana, em Londrina, do 4º Fórum Educação, Direito e Alta Cultura. Falei sobre o “Eloquente silêncio de uma nação”.

O convite para ali estar me proporcionou uma experiência maravilhosa, desde o impacto causado ao ver, do alto, aquela metrópole que nasceu no início do século passado e já conta 600 mil habitantes. Acrescida de seu entorno, vai além de um milhão.

Durante o Fórum, realizado pela Editora E.D.A., com a amável e criativa regência de Cláudia Piovezan, vi a trajetória institucional e social brasileira ser esmiuçada por personalidades como Ricardo Vélez Rodríguez, Roberto Motta, Pe. Antônio Fiori, Sandres Sponholz, Filipe Regueira de Oliveira Lima, Ludmila Lins Grilo, Diego Pessi, Isabelle Monteiro, Araceli Alcântara e Henrique Cunha de Lima. Uau! Londrina me cativou e renovou meu ânimo. Quanta gente boa, não por acaso na terra do casal Edson e Cláudia Piovezan, de Paulo Briguet, de Bernardo Küster, de Silvio Grimaldo e tantos outros!

Que o Salvador os abençoe pelo bem que fazem, conduzidos pela fé legítima, a fé que conta, no Deus de amor.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.