Percival Puggina

21/08/2023

 

Percival Puggina

         Quando postulam em juízo contra a desigualdade de condições a que consideram expostos seus clientes, os advogados usam a expressão “disparidade de armas”. Usarei então esse bordão para apontar o que vejo acontecer no Brasil com a liberdade de expressão no exclusivo e patrulhado território da opinião política.

O problema já começa por aí. Você pode opinar livremente sobre economia, psicologia, filosofia, temperatura dos mares, arquitetura esquimó, inteligência artificial ou boçal, mas se for falar sobre política nacional, quanto mais seus pés forem mantidos firmes no chão dos fatos, maior será o zelo de sua mente em relação ao que vai dizer. Na minha opinião, isso é muito ruim para a democracia.

O leitor deve lembrar que durante a campanha eleitoral, a censura funcionou a pleno. Verdadeira multidão de influenciadores digitais foi penalizada. Empresas de comunicação digital, não alinhadas com as ideias da esquerda, foram submetidas a várias formas de censura (inclusive prévia), ameaças, multas, desmonetizações e cancelamento de seus espaços, sob a alegação de estarem influenciando de modo indevido a opinião pública em detrimento de um dos candidatos.

Por quê? Porque há na lei eleitoral um impedimento ao custeio de campanhas por empresas privadas. Então, produções que gerassem benefícios de opinião a um candidato (sempre o mesmo) eram equiparadas a um aporte financeiro. As empresas que não quisessem um governo de esquerda, então, que não tratassem mais de política, enquanto as demais seguiram com sua campanha.

Desde o período eleitoral de 2018 e nos anos subsequentes, as mais poderosas empresas de comunicação do país agiram em aberta campanha contra um dos lados que se antagonizaram politicamente. Eu nunca vira algo tão intenso e escancarado. Foi assim durante a totalidade do mandato de Bolsonaro e assim seguiu durante a inteira campanha eleitoral. A memória nacional não registra, durante quatro anos, qualquer fiapo de matéria produzida pelo grupo conhecido como o “Consórcio” que contivesse meio adjetivo favorável ao então presidente da República. Nem se fale em “paridade de armas”.

A patrulha era realmente zarolha. As lunetas dos snipers da censura patrulhavam o espaço digital em busca de palavras porque estavam ali seus alvos: as malditas redes sociais que haviam levado Bolsonaro ao poder.

Sempre deixei claro que considerava isso muito ruim para a democracia, porque ela não prescinde da liberdade de opinião.

Houve quem, ingenuamente, imaginasse que findo o pleito, consolidada a situação conforme desejada pelos donos do poder, a liberdade de expressão poderia retornar à normalidade própria das democracias. No entanto, para isso, seria imprescindível haver uma democracia.

As duas melhores provas de que ela morreu à míngua são:

1ª - as propostas já formalizadas para acabar com o que ainda resta de relevância nas redes sociais, únicos veículos utilizáveis pelos eleitores oposicionistas;

2ª – o fato de que agora, em tempo comum, os líderes da oposição, que falam por 59 milhões de eleitores, são ignorados pela velha imprensa  e só são entrevistados pelos mesmos canais que foram politicamente silenciados durante o processo eleitoral.

De modo bem visível por quem tem olhos de ver, a liberdade e a democracia se aviltam com a disparidade de armas e aos golpes dos que se proclamam seus defensores.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

20/08/2023

 

Percival Puggina

         Somos cotidianamente assediados por organizações criminosas e por operadores autônomos dessas atividades. Já me ligaram pedindo dinheiro para soltar familiar supostamente sequestrado e para mandar dinheiro a outro que estava na estrada, sem cartão de crédito, precisando de urgente socorro mecânico. Duas ricas senhoras indianas já morreram sem herdeiros e me escolheram, por essas coisas do “karma”, para receber as respectivas heranças mediante pequeno pagamento de custas. Bancos onde não tenho conta me enviam mensagens pedindo que ligue para tal ou qual número sobre um gasto que não fiz. Encomendas não solicitadas aguardam pagamento de taxas que não existem. Basta que eu procure por certas mercadorias na internet para que inacreditável barganha surja, tentadora, na minha palma da mão. Tudo obra de estelionatários, profissionais da dissimulação e da mentira.

Os cuidados, a prudência, os bloqueios, os “deletes” vão descartando tais incômodos, mas os safados renovam suas estratégias, furam bloqueios e exigem camadas adicionais de informação e prevenção. Seus persuasivos truques têm o objetivo de chegar ao dinheiro de suas vítimas através das fissuras que encontrarem nos respectivos mecanismos de proteção. São exploradas fragilidades como a ganância, a imprudência, a ignorância e a desatenção da vítima, bem como o susto ou medo que os criminosos suscitam. Agem por dinheiro e tudo que fazem está tipificado no Código Penal, mas como incomodam à sociedade e não ao Estado, entran na cadeia por uma porta e saem pela outra.

***

Agora, o tema deste artigo, cuja simetria com o que acabei de escrever acima salta aos olhos: há uma outra atividade, que também consiste em “passar os outros para trás” de modo enganoso ou furtivo, tão corrente e frequente quanto as que descrevi. Ela se desenvolve no campo da política. Neste caso, os “estelionatários”, integram um projeto político.

Quem quer passar os outros para trás nesse ramo não busca diretamente o dinheiro de suas vítimas. Delas, o embusteiro quer o voto, o voto popular, que faz com que seus golpes raramente possam ser tipificados como crimes. Na maior parte, suas ações são impróprias ou imorais, mas isentas de cominação penal. Na política, enganar os outros, apresentar-se alguém como o que não é, para seduzir e ludibriar os eleitores, não dá nada. Os votos recebidos pelos finórios da política são os objetivos de seus estelionatos eleitorais. Com tal produto, conquistam as cadeiras e as desejadas fontes de receita obtida com a tarifação de seus próprios votos em plenário. Quando apertam as teclas sim ou não, tilintam moedas em suas registradoras. Os eleitores que caíram na conversa que se danem e paguem o prejuízo que certamente virá.

Nem tudo, claro, é sempre assim tão pouco sofisticado. Existem especialidades, como as que envolvem a inserção de “jabutis” em projetos alheios ou a venda do mandato inteiro, zero quilômetro, “in the box”, ao adversário combatido na campanha eleitoral. Estelionatários! (Coloquem o chapéu aqueles em quem servir).

Poucos meses após a posse, os bons congressistas já se percebem minoritários... Por essas e por outras, eu digo e repito que não gosto de política. É por sabê-la necessária e ter tantas razões para meu desgosto com o que observo ser feito em meu país que dedico muito de meu tempo a ela, a seus mistérios e às lesões que nos causa.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

18/08/2023

 

Percival Puggina

      Na tarde do dia 8 de janeiro e nas horas seguintes, diante das cenas exibidas à nação, dezenas de milhões de brasileiros pressentiram que o filmado e exibido não estava bem contado. “Aí tem coisa!”, pensaram. No STF, o ministro Alexandre de Moraes, tuitou:

“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos. O Judiciário não faltará ao Brasil!”.

Na noite do mesmo dia, no Inquérito 4.879, o ministro apreciou vários pacotes de solicitações. Eram pedidos da AGU, do senador Randolfe Rodrigues, do Diretor Geral da PF e da Assessoria de combate à desinformação. Na decisão, ainda referindo o episódio num contexto de ataques terroristas, determinou a desocupação e prisão imediata dos ocupantes de todos os acampamentos, a prisão de Anderson Torres, Secretário de Segurança do DF e aplicou a Ibanez Rocha, governador do DF, a pena alternativa de afastamento do cargo, ocasionando a subsequente intervenção federal.

No dia seguinte, a senadora Soraya Thronicke (UB-MS) formalizou o pedido de CPI para investigar os atos da véspera. A medida contava com apoio, entre outros, dos senadores Jacques Wagner, Randolfe Rodrigues, Humberto Costa, Eliziane Gama, Katia Abreu. 

Enquanto a banda afinada do jornalismo brasileiro tudo registrava num foco muito fechado, desatenta às contradições presentes nas cenas, dezenas de milhões de brasileiros, seguiam comentando, também uníssonos: “Aí tem coisa!”.

Na 4ª feira 18 de janeiro, o presidente Lula, atribuindo a Bolsonaro a incitação àqueles atos, declarou ser contra a CPI solicitada pela senadora Soraya: “Nós temos instrumentos para fiscalizar o que aconteceu nesse país. Uma comissão de inquérito, ou seja, ela pode não ajudar e ela pode criar uma confusão tremenda. Nós não precisamos disso agora”.

Ouvido o presidente, outros milhões de cidadãos se juntaram à multidão dos que murmuravam a seus botões: “Aí tem coisa!”.

A oposição também apoiava a CPI. Contudo, embora já assinada por mais de 40 senadores, o ativo e determinado presidente do Senado (surpresa!) acabou sepultando-a com a alegação de que em janeiro de 2023 e antes da posse da nova legislatura em 1º de fevereiro todos os seus signatários eram “da legislatura anterior”. Cumpria-se o desejo do governo e morria a já então indesejada CPI. Sim, havia alguma coisa ali.

Três meses – três inteiros meses! – já tinham transcorrido quando, em 19 de abril, vazaram as cenas do general G. Dias e de outros integrantes do Gabinete de Segurança Institucional circulando e, biblicamente, dando de beber a quem tinha sede durante a invasão do Palácio do Planalto. Sim, sim, havia alguma coisa ali.

Os rumores que partem do silêncio longamente internalizado, escrevi outro dia, precisariam de um “sismógrafo” como os que registram os primeiros estertores vulcânicos. A exemplo deles, os rumores sociais acabam vindo à superfície e se transformam em fatos. Nasceria, assim, a CPMI dos atos do dia 8 de janeiro. Na “bacia das almas” onde se negociam as consciências, porém, a CPMI já veio ao mundo com maioria governista...

Sem a nobreza das performances circenses, sem o talento dos atores de teatros mambembes, sem o profissionalismo que caracteriza as operações desinformação, a CPMI não ouviu e não ouvirá o general G. Dias nem o ministro Flávio Dino. Aí tem! Esquecem-se os senhores de baraço e cutelo dessa coisa teratológica em que se transformou a política brasileira, que uma comissão parlamentar de inquérito não é um instrumento das minorias “nos legislativos”, mas é um instrumento da sociedade! CPIs não são do legislativo para o legislativo ou para os parlamentares, mas para a nação! Que raça de políticos e de representantes é essa? Mais uma vez esquecem que são apenas representantes e não negociantes dessa representação?

A cadeira da representação parlamentar não é uma cadeira das que se vende. Temos ainda um Congresso ou ele já virou um brechó?

Comprando votos parlamentares na “bacia das almas”, com número crescente de congressistas afundado ns assentos do plenário, apertando teclas em obediência a ordens dos donos dos partidos, vendidos à base do governo, fecha-se a tornozeleira no pescoço da verdade!

Não sei o que é mais desolador:

- o que uns e outros fazem com os fatos;

-  o modo de não mais julgarem necessário ocultar o que fazem;

- o modo como a velha imprensa relata o que convém como lhe convém;

- o fato de o STF tomar esse jornalismo serviçal, cuja opinião prescinde dos fatos, como referência para impor disciplina e acabar com a liberdade das redes sociais.

Mas que aí tem coisa, tem!

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

15/08/2023

 

Percival Puggina

 

         Volta e meia me deparo com textos em que o autor abraça a tese exposta por Ayn Rand no livro “A virtude do egoísmo”. Em síntese, segundo a obra, egoísmo é bom e faz bem.

Não caia nessa! O egoísmo não se confunde com o zelo pelo interesse próprio característico das pessoas prudentes. Consultórios de psicólogos e terapeutas estão lotados de pessoas egoístas, inaptas para o amor. E de suas vítimas.

Leão XIII, na profética Rerum Novarum (1891), deixa claro, quando condena o comunismo, que a ausência do interesse próprio levaria esse sistema ao fracasso por "privar de seus estímulos o talento e a habilidade” e, como consequência, “por estancar as riquezas em sua fonte”. Em seguida, aponta o inevitável resultado: “em lugar da igualdade tão sonhada, tem-se a igualdade na indigência e na miséria”. Isso foi escrito um quarto de século antes da Revolução Russa e de seu consequente fracasso! Ou seja, o Papa anteviu o que, décadas após, se tornaria óbvio para quem tem juízo.

Por outro lado, o amor ao próximo não envolve, necessariamente, um sentimento afetivo. Sua melhor expressão está na narrativa evangélica do Bom Samaritano, que socorre um viajante assaltado, ferido e jogado à beira da estrada. Alguns passaram por ali e nada fizeram, mas o samaritano agiu efetivamente em seu favor. Eis o sentido efetivo do amor ao próximo. O samaritano sequer conhecia a vítima do assalto. Numa situação como essa, quem só cuida do seu próprio interesse e julga realizar assim a perfeição do próprio ser, segue o exemplo do levita e do sacerdote que passaram pela pessoa ferida e seguiram adiante porque o problema dela não lhes dizia respeito.

Se o egoísmo fosse uma virtude, o Estado brasileiro seria o ente mais virtuoso sobre a face da terra porque este só cuida bem de si mesmo.

Vá à praça dos Três Poderes e dê uma olhada à sua volta. Ali vive a alma do absolutismo, a mesma essência presente em cidades imperiais como Viena, Praga, Budapest e São Peterburgo, por exemplo. Contudo, a substância política que nelas se percebe como algo que um dia foi e passou, em Brasília é tempo presente. Tudo feito para mostrar a grandeza do Estado, num entorno onde o cidadão é o exemplo vivo de uma impotência cada vez mais real.

Na Praça dos Três Poderes, o egoísmo está presente na forma e na substância. Presente na arquitetura monumental, escultórica; presente nas grifes que vestem a nudez de tantas insignificâncias; presente nos corporativismos e nas barganhas; presente nas vaidades, nos ambientes de confraria e no total desprezo ao sujeito a pé, olhando em volta, no centro da praça (ou aos milhões desde o nascer caídos à beira da estrada da vida).

Nos palácios do entorno da praça, as poucas dezenas ali animadas à conduta virtuosa têm um trabalho indispensável e quase impossível. Precisam do ânimo dos 300 de Esparta ou dos também 300 de Covadonga. Alguns a quem conheço sabem o quanto aquele ambiente faz rarear a virtude do espírito de serviço, que vai aparecer de modo muito mais visível no mundo dos negócios, onde o sucesso depende de bem servir ao próximo, que atende pelos nomes de cliente ou freguês.

Vejam que é bem ao contrário do que pensa uma parte da direita sobre o egoísmo e a totalidade da esquerda sobre o Estado.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

14/08/2023

 

Percival Puggina

 

         O sistema político brasileiro é uma panela de pressão. Como não há poder legítimo para resolver impasses, vive-se uma inquietude a gerar permanente instabilidade e insegurança. Os caminhos assinalados para o processo eleitoral, que seriam a saída por via democrática para uma trajetória de normalidade, só agravam o quadro pois, de modo sistemático, beneficiam a representação e não os representados. E esse é o problema principal do Brasil hoje. Uma democracia que lembra frango congelado, sem pé nem cabeça, onde o povo é visto como um mal perigoso e dispensável.

Friedrich Hayek, em Direito Legislação e Liberdade, adverte que o poder ilimitado dos organismos estatais representativos leva a uma democracia de negociações que se afasta das concepções comuns do eleitorado. Nessa trilogia escrita há cinquenta anos, o autor austríaco mostra que a necessidade de compor maiorias rompe o cordão umbilical que liga representantes e representados (no caso ele foca os parlamentos) e cria o novo absolutismo das conveniências comuns e seu corolário: arbitrariedade, discricionariedade, corrupção, ineficiência, parasitismo, irresponsabilidade e limitação da liberdade individual.

O problema apontado é antigo, bem antigo. Contudo, eu nunca vi nas instituições esse mesmo ânimo antipovo em períodos supostamente democráticos. Respeitava-se até o “povo” das invasões a propriedades públicas e privadas, o “povo” dos arrastões e o “povo” dos showmícios e grupelhos, comprados por lote ou cabeça, a dez reais, sanduíche e tubaína.

Que o Estado sempre faz o que bem lhe convém, a gente sabe. Nestes tempos taciturnos, sem cores nem sons, há uma alarmante novidade: dezenas de milhões de brasileiros estão conscientes de que sua posição política é malvista pelo Estado e seu chicote de sanções que vão da censura à prisão ou ao exílio, passando pela tornozeleira, apreensão de bens e bloqueio de contas.

Apenas 25 países do mundo têm uma população superior a esse contingente de 58 milhões de brasileiros cuja cidadania está contida e sob permanente inspeção. Suas convicções e opiniões, individualizadas ou compartilhadas, estão submetidas a uma campanha difamatória que já conta seis anos, comandada pelo jornalismo companheiro ou camarada.

Divergir tornou-se pecado. O que se observa no jornalismo, nas manifestações de ministros do combo STF/TSE, ou do ministro da Justiça, não é diferente do que acontece em ambiente de berreiro quando, nas universidades, se apresenta algum audacioso professor ou palestrante conservador ou liberal. Quem pensa fora da caixinha da esquerda ali não é admitido. Foi o que se observou durante a campanha eleitoral no tratamento dispensado aos grandes veículos de comunicação, em escancarada campanha contra Bolsonaro e citados como referência de credibilidade; ao mesmo tempo, via-se o cancelamento de canais digitais sob a acusação de uso de empresa privada em desfavor de Lula ou a favor de Bolsonaro.

Ou será que nesta democracia sem pé nem cabeça, sem povo nem ovo, só eu vi isso?  

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

12/08/2023

Percival Puggina

Não raro, petistas escrevem para me criticar, sem perceber que sugerem temas importantes. É o que fez o leitor que, comentando meu artigo “O silêncio de uma nação”, pediu:

Professor faça um texto com uma reflexão sobre as joias e o Cid e o general pai, enfim, as muambas que se desvendam diariamente. Este assunto que o sr. passa à margem não condiz com uma pessoa que se diz intelectual e de bem.

Muito mais importante do que responder ao leitor que não "me digo intelectual", por saber que não sou mais que mero aprendiz, é explicar como uma pessoa “de bem” se conduz, em sua comunicação social, perante casos como esse em que ele gostaria de colher apressada opinião.

Apenas uma vez na vida cometi o erro que o leitor deseja que eu repita. Há trinta anos, embarquei, ingenuamente, na campanha de difamação movida pelo PT contra Alceni Guerra, ministro da Saúde no governo de Collor de Mello. A mídia companheira triturava o governo, já em decadência rumo ao impeachment. Denúncias de corrupção pipocavam envolvendo a pessoa do presidente e o caso contra Alceni (superfaturamento na compra de bicicletas para agentes de saúde) era um prato cheio para minhas ironias e sarcasmos.

A vítima daquela difamação trilhou um longo caminho até o reconhecimento de sua inocência e restauração de sua vida como prefeito de sua cidade e como parlamentar honrado e respeitado. Passadas três décadas, esse caso pesa em minha consciência, deixando uma linha divisória que nunca mais ultrapassei: não conjeturar sobre a honra alheia e não verbalizar um conceito antes de decisão competente que o estabeleça. Jamais pelo noticiário da hora!

A vida me ensinou quanto são afobados, instrumentalizados e irresponsáveis os juízos prévios na vida pública. E como são hipócritas os espalhafatosos censores da conduta alheia. São hipócritas porque especulam sobre a honra dos adversários, mas votam em ladrões, se os ladrões forem companheiros.

Esclareço. Suponhamos que ao cabo das investigações, dos trabalhos de acusação e defesa, se acumulem contra o ex-presidente provas como as que levaram às condenações do atual presidente da República. Bolsonaro nunca mais terá meu voto. Então, e só então, me sentirei autorizado a emitir um juízo moral e verbalizar minha indignada decepção. Jamais gastarei meu pobre português para escrever textos como os do noticiário de hoje, nos quais, em meio às gravíssimas suspeitas investigadas, se entremeiam adjetivos como “supostos”, “possíveis”, etc., usados por salvaguarda de uma prudência habitualmente em falta no almoxarifado dos fatos.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

09/08/2023

 

Percival Puggina

         Prestem atenção, ouçam o silêncio. O Brasil emudeceu. Durante quatro anos, o povo foi sendo alertado sobre a própria irrelevância. Erguendo bandeiras que expressavam seu amor à pátria, ele ia às ruas e às praças de onde clamava inutilmente contra excessos de uns e omissões de outros. Aos tribunais superiores, os excessos; ao Congresso Nacional, as omissões. Quem como eu subiu em tantos carros de som ao longo de dez anos sabe do que fala ao afirmar que quanto mais se avantajava o “contramajoritário” poder das altas Cortes e se expandia o baixio dos interesses parlamentares, mais as instituições mostravam seu desdém à nação.

Por fim, o silêncio, a quietude de uma democracia deserta, sem povo. Muitas vezes penso que os senhores do poder se veem como representação política num deserto onde, aqui e ali, esqueletos cívicos testemunham a ação destruidora que os vitimou.

Só que não. A nova tirania, tirania é. Quem tem olhos de ver sabe o que vê. Tornozeleiras não inibem opiniões nem a percepção de injustiças e abusos. Consciências bem formadas doem e se condoem na dor alheia. Um sismógrafo que captasse emoções perceberia o ruído nesse subterrâneo dos sentimentos. A democracia relativa, contramajoritária, bem ao gosto das cortes e dos plenários, talvez não consiga captá-lo como tampouco o percebe um jornalista que me escreveu outro dia,

Ele é militante da tirania real combatendo os fantasmas das narrativas petistas.  Ele crê no que lhe dizem em detrimento do que os olhos capturam da realidade e por isso, após ler meu artigo “8 de janeiro, a narrativa e os fatos” (aqui), escreveu-me perguntando se não me envergonhava de afirmar o que afirmei. A seu modo, perante fantasmas ensinado a combater com lança-chamas retóricos, comentou cada parágrafo questionando os limites dessa minha falta de vergonha.

Constrangimento em forma explícita, que preferi não responder porque preferi tratar do assunto aos olhos e discernimento dos meus leitores.  Caríssimos, vergonha eu teria se calasse, se me sujeitasse, se conferisse meu silencioso consentimento àquilo que vejo. Aí sim, eu teria vergonha de mim! Jogo a democracia pela regra do jogo, não pelas regras dos tiranos e seus aprendizes. Nada há na Constituição de 1988 que iniba meu direito de opinar sobre os acontecimentos nacionais, os protagonistas de nossa política e as impropriedades de nosso modelo institucional.

Quando toda divergência for silenciada só se ouvirá o coro da tirania no velório da liberdade.

Como me disse certa feita em Havana um médico com quem conversei e me falou das dificuldades que a ditadura lhe impunha: “Solo el Señor es mi  señor”.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

        

Percival Puggina

07/08/2023

 

Percival Puggina

     Durante o governo Bolsonaro, sempre que surgia a necessidade de conter as despesas dentro dos limites da responsabilidade fiscal, a solução vinha do corte de verbas orçamentárias.

Amigo leitor, dê uma pesquisada no Google e verá o modo como isso era tratado pelos meios de comunicação, pelos setores atingidos e pela militância estudantil (quando a tesoura passava perto dos sensores nervosos da moçada). Ali estava servido o prato cheio para o trabalho de intriga e maledicência a que esse tipo de agente político se dedica de modo implacável.

Pois eis que o governo Lula cortou verbas orçamentárias do MEC! Foram R$ 332 milhões atingindo a totalidade dos recursos para o desenvolvimento da Alfabetização, segundo levantamento da Associação Contas Abertas com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop). A tesoura também pegou a compra de veículos para transporte escolar e bolsas de pesquisa no ensino superior. Silêncio!

Pelo mesmo motivo – ajustar as despesas às disponibilidades do Tesouro – o governo cortou R$ 262 milhões do Auxílio Gás. Você provavelmente não sabe o que significa esse auxílio no orçamento das famílias mais pobres, às quais Lula da campanha eleitoral acenou com três refeições diárias, picanha e cervejinha. Como serão preparadas essas refeições sem gás? E mesmo assim, silêncio.

Por outro lado, em tempos de corte na educação, na pesquisa, no transporte escolar, no gás de cozinha, o dinheiro para emendas parlamentares, em cifras bilionárias, tem tratamento privilegiado.

O Brasil tornou-se o país do silêncio medroso e do silêncio cúmplice. O primeiro imposto a cadeia, multa e tornozeleira, e o segundo comprado mediante favorecimentos incompatíveis com a propalada responsabilidade fiscal.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/08/2023

 

Percival Puggina

       Do presidente ao sindicalista, do ministro ao barnabé, são antiliberais na política e na economia. São contra a propriedade privada (dos outros) e contra a expressão pública das crenças religiosas e das ideias não autorizadas pelo partido. Em outras palavras, são antiliberais onde a liberdade faz bem, mas usam argumentos liberais onde ela faz mal: aborto, questões de gênero e temática sexual nas escolas e, para ficar numa lista curta, maconha e outras drogas.

É destas últimas que quero tratar aqui. A dependência química, todos sabem, não afeta apenas o usuário. O dependente adoece sua família inteira e atinge todo seu círculo de relações. Ao seu redor, muitos padecem males físicos e psicológicos. A droga é socialmente destrutiva e a sociedade não pode assumir atitude passiva em relação a algo com tais características.

O que de melhor se pode fazer em relação a esse mal é adotar estratégias educativas e culturais que recomponham, na sociedade, valores, tradições, espiritualidade, disciplina.  Desenvolver hábitos de estudo, trabalho, prática esportiva e a vida de família. Como se sabe, porém, essa receita que robustece a virtude contra o vício é considerada intolerável e "politicamente incorreta" pelo poder hegemônico. Resta, então, ampliar o que já se faz, ou seja, mais rigor legal e penal contra o tráfico, mais campanhas de dissuasão ao consumo, mais atenção aos dependentes e às suas famílias, mais atenção à ciência e menos a palpiteiros, fumadores e cheiradores.

A relação direta de causa e efeito entre o consumo de drogas e a criminalidade impulsiona a ideia da legalização. Seus proponentes sustentam que se o consumo e o comércio forem liberados, os produtos serão formalmente disponibilizados, inviabilizando a atividade dos traficantes. Extinto o comércio clandestino, dizem, cessariam os lucros que alimentam o crime organizado e se reduziria o nível de insegurança em que vive a população. Muitos alegam ainda, como se fossem sinceramente liberais, do tipo laissez faire, que a atual repressão agride a liberdade e o livre arbítrio. Entendem que os indivíduos deveriam consumir o que bem entendessem, pagando por isso, e que os valores correspondentes a tal consumo deveriam ser tributados. A aparente lógica dos argumentos tem muito forte poder de sedução.

No entanto, quando se pensa em levar a teoria à prática surgem questões que não podem deixar de ser consideradas. Quem vai vender a droga? As farmácias? As mesmas que exigem receita para uma pomadinha antibiótica passarão a vender heroína sem receita? Haverá receita? Haverá postos de saúde para esse fim? Os usuários terão atendimento médico público e serão cadastrados para autorizações de compra? O Brasil produzirá drogas? Haverá uma cadeia produtiva da cocaína? Uma Câmara Setorial do Pó, da Pedra e da Erva? Ou haverá importação? De quem? De algum cartel colombiano? Os consumidores que ocultarem a dependência vão buscar suprimento onde? Tais clientes não restabelecerão, fora do mercado oficial, uma demanda que vai gerar tráfico? A liberação não aumentará o número de usuários e dependentes? Os de poucos recursos arrumarão dinheiro para o vício no crime organizado ou no desorganizado? Haverá bolsa para erva, fumo e pó?

"Qual a solução, então?", perguntou-me um amigo com quem falava sobre o tema. Respondi: “Quem pensa, meu caro, que todos os problemas sociais têm solução não conhece a humanidade”.

Alguém aí acredita que, legalizado o tráfico e vendidas as drogas em farmácia ou coffeeshops, todos os aparelhos criminosos estruturados no circuito das drogas se transmudarão para o mundo dos negócios honestos? Que seus chefões se tornarão CEOs de empresas com código de ética corporativa e políticas de compliance? Que os traficantes contribuirão para a previdência social e terão carteira assinada? Os líderes das facções cantarão nos corais das igrejas?

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.