Percival Puggina

03/07/2023

 

Percival Puggina

         Acordamos de manhã e olhamos a previsão do tempo. Como será o clima? E amanhã? No jornal, o “El niño” preocupa os produtores rurais no sul do Brasil. É o clima. Aliás, a sexualidade humana ganha ânimo quando “pinta um clima”.

Por extensão, usa-se essa mesma palavra para designar o ambiente em que transcorrem os fatos, mostrando que o clima se inclui entre os fatores determinantes dos acontecimentos e da própria História.

Disputas eleitorais majoritárias criam seu clima. Tradicionalmente, no nosso presidencialismo malnascido e malcriado, com a proximidade de um pleito, o ambiente político é de frontal antagonismo. Coíbam-se os excessos, mas não se pretenda acabar com o passado e com o contraditório para um conforto geral das arbitragens e da República.

Parcela expressiva dos eleitores vê com desagrado as composições de nossas cortes superiores que concedem ampla maioria a ministros indicados pelos governos petistas. Os petistas aplaudem, claro, e la nave va. Privilégio do PT, reconheçamos, que lhe foi proporcionado por sucessivos mandatos presidenciais. No Brasil é assim: o presidente da hora indica quem quer. Bolsonaro fez o mesmo e errou. Já o desequilíbrio da balança da Justiça é obra dos indicados.

É uma realidade que faz seu próprio clima, põe barbas de molho e torce narizes de dezenas de milhões de cidadãos. E isso não é bom.

Assim, não vejo como pode alguém se exclamar, em tom escandalizado e considerar a fala do ex-presidente no dia 18 de julho de 2022 como ato de abuso de poder político para fins eleitorais, tendo sido aquele evento uma resposta à apresentação feita pelo ministro Fachin aos mesmos embaixadores.  Menos ainda parece adequado e proporcional que lhe sejam tomados os direitos políticos por oito anos.

“La madre della Prudenza non piangeva mai” (a mãe da Prudência nunca chorou) diz um provérbio que aprendi ser de origem italiana. Pois essa prudência e moderação no agir e falar falta nos momentos em que mais necessária se faz. Então, as "excepcionalidades" se tornam rotineiras pelas facilidades que proporcionam. As pessoas veem, as pessoas sentem, as pessoas se angustiam, as pessoas sofrem e se percebem discriminadas em seu livre pensar e livre expressar.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/07/2023

 

Percival Puggina

         Antigamente, editavam-se almanaques com intuito pedagógico destinados ao público infantil. Sempre incluíam afazeres, como o clássico “encontrar a diferença” entre duas imagens aparentemente idênticas. Outro, bem mais fácil, era o exercício de “juntar os pontinhos”. Enquanto a criança ia ligando ponto a ponto, desenhava um objeto qualquer. Na maior parte dos casos era desnecessário riscar para antever o que ali estava representado.

Penso que o brasileiro está nessa situação, juntando os pontinhos de um projeto que lhe impuseram, não se requerendo muito talento para saber que o desenho não é de boa inspiração.

Nas ditaduras e nos regimes totalitários – comunismo, fascismo e nazismo – quem está no poder diz fazer com a melhor das intenções o mal que deveras faz. Hitler organizou o estado nazista para “defender a ordem, o Direito e a Liberdade”. Stalin foi um monstro e teve seus crimes revelados por Krushchev em 1956. Contudo, em anos bem recentes, comédias e obras sérias sobre seus crimes foram censuradas sob a alegação de “depreciarem a luta contra o fascismo”. Afinal, alegam os censores russos, sob Stalin a URSS venceu a guerra contra Hitler no front oriental. O elogio em boca própria, vitupério da censura, é a falsa nobreza de suas intenções.  Em 2018, a deputada russa e ex-atriz Yelena Drakova, conclamou: “Nós devemos começar a viver com leis dos tempos de guerra”.

Juntando os pontinhos do desenho que tenho diante dos olhos, observo que os ministros de nossas Cortes, como escrevi outro dia, iniciam suas manifestações, decisões e votos, apontando como bases supostas guerras institucionais – terrorismo, golpismo, conspirações, fake news.  Bem ao gosto da deputada Yelena. São generais de uma guerra particular contra inimigos indefesos. E por aí vão novos pontinhos.

O presidente da República pontua a parte que lhe cabe com a calorosa e generosa recepção ao camarada Maduro e a proclamação do caráter relativo da democracia. Ora, tudo que é relativo atrela essa condição a algo que lhe é absoluto. É fácil entender o motivo pelo qual nenhum jornalista formulou diretamente a Lula a pergunta tão óbvia quanto urgente sobre qual a natureza desse poderoso absoluto. E vão os pontos desenhando a estrada.

Foi por coincidir com esse desenho que o Foro de São Paulo se reuniu em Brasília. Foi por isso que a presidente da sessão de abertura tanto agradeceu a Lula e que Lula declarou, entre alegres risos e aplausos, que não se importa de ser identificado como comunista. Fica bem enquadrado no desenho haver ele dito nessa manifestação oficial e formal aos camaradas presentes: “Aqui no Brasil, nós enfrentamos o discurso do costume, o discurso da família, o discurso do patriotismo. Ou seja, aqui nós enfrentamos o discurso de tudo aquilo que a gente aprendeu historicamente a combater”.  Vá juntando os pontinhos aí, caro leitor.

Novos pontos chegam e continuarão chegando cotidianamente, desenhando a perigosa estrada por onde somos conduzidos. Ponto a ponto, a esquerda festeja, e se diverte, e ressoa como o coral de Brecht na peça “A medida punitiva”. Enquanto junto pontos, leio o “Discurso da servidão voluntária”, obra de Etienne de la Boétie (1554). Com um trecho dele, encerro estas linhas e seus pontos.

“Mas ó, bom Deus! Que fenômeno estranho é esse? Que nome devemos dar a ele? Qual a natureza desse infortúnio? Qual é o vício, ou melhor, qual a degradação? Ver uma infinita multidão não apenas obedecendo, mas levada ao servilismo? Não governada, mas tiranizada?”.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

30/06/2023

 

Percival Puggina

         O site Memorial da Democracia, que está longe, bem longe, de ser um site de direita, reproduz trecho de uma entrevista do general Ernesto Geisel quando presidente. Ali pude ler, palavra por palavra, algo de que bem me lembrava porque a expressão usada ficou colada à imagem e ao governo do general. A conversa com os jornalistas aconteceu um mês depois de Geisel haver fechado o Congresso e decretado o Pacote de Abril (uma série de casuísmos como aumento para seis anos do mandato presidencial, nomeação de 1/3 dos senadores por ato presidencial – ditos biônicos –, representação mínima de 8 deputados beneficiando estados menos populosos, etc.).

Palavras Geisel aos jornalistas: “Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas. Então, a democracia que se pratica no Brasil não pode ser a mesma que se pratica nos Estados Unidos da América, na França ou na Grã-Bretanha”. Uma semana depois, em entrevista à também francesa RTF 2, reafirmou: “O Brasil vive um sistema democrático dentro de sua relatividade.

Por isso, chamou-me a atenção que Lula, na eloquente defesa que fez da ditadura iniciada por Hugo Chávez e continuada por Nicolás Maduro, tenha usado a mesma expressão.  Recordando: no último dia 29, ao receber a visita do liberticida e inclemente venezuelano, Lula assumiu a proteção do regime implantado naquele país (e que já provocou o êxodo de 6 milhões de pessoas, equivalente a 20% da população). Disse ser uma narrativa a afirmação de que a Venezuela era uma ditadura. Agora, um mês mais tarde, em entrevista a uma emissora de Porto Alegre, voltou ao tema para afirmar ao repórter que “o conceito de democracia é relativo para você e para mim”.

Lula nada disse quando o jornalista Rodrigo Lopes, durante essa entrevista, contou ter sido preso na Venezuela, assim como nada fez quando um dos esbirros de Maduro, no mês passado, soqueou uma jornalista brasileira.

O único absoluto para essa esquerda malsã e sinistra que se abateu sobre o país é a necessidade de calar a divergência onde ela se manifesta: no Congresso, nas redes sociais, no jornalismo tradicional, no ambiente cultural, na cadeia produtiva da educação, nas igrejas, e até mesmo na CPMI instalada para investigar os paradoxos e contradições do dia 8 de janeiro.

Não há mal que sempre dure, porque o inferno é noutro endereço. Para quem esteja se refestelando, lembro: não há bem que não acabe, porque o paraíso tampouco é aqui.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

29/06/2023

 

Percival Puggina

         Lula acaba de indicar ao TSE uma nova ministra substituta. Para felicidade geral do governo, o notório saber e os dotes morais e intelectuais necessários à importante missão foram encontrados praticamente dentro de casa, na pessoa da advogada da campanha de Dilma para o Senado Federal por Minas Gerais em 2022.

Eureka! Não é muita sorte? Imagina se aparece alguém para divergir da confraria em seu afã salvador da democracia, do estado de direito e da luta sem trégua aos golpistas seresteiros, aos cantores de hinos e aos piedosos devotos do divino réu julgado no Sinédrio de Jerusalém.

Há um recorrente denominador comum em muitas, se não em todas, as manifestações espontâneas, sentenças, decisões e despachos de efeito político oriundos de nossos tribunais superiores. Neles, é construído um cenário psicossocial e político sinistro. A democracia estaria a perigo, um golpe em curso, terrorismo nas ruas, as instituições expostas a toda sorte de conspirações, enquanto a verdade – límpida e serena – proclamada pelo Estado, acuada e em perigo, apanha das mentiras propagadas nas furtivas e ardilosas redes sociais.

Esse o fictício denominador comum, encimado pelo travessão sobre o qual se constroem decisões nas quais resulta impossível discernir o perfume do bom Direito. Em cotidianos tão excepcionais – que já contam cinco anos! – é sempre mais relevante salvar a pátria, a democracia, o Estado, seus poderes e suas sagradas proclamações...

Quem organiza o jogo parece não ver que esse povoamento das arbitragens por atletas ou ex-atletas do mesmo time está sendo percebido pela sociedade. No entanto, basta pensar um pouco para notar que se trata de outro sintoma do mesmo problema que afeta o ambiente cultural e educacional do país. Refiro-me à decretação da morte súbita de todo o conhecimento ou entendimento divergente, venha ele de pessoas ou de obras. A todos, o silêncio eterno, a elegibilidade suspensa, o isolamento, o gulag das restrições e o peso das multas. Mas é tudo para nossa privilegiada proteção, claro.

Modestamente, penso que as próprias Cortes, cientes do desequilíbrio que caracteriza suas composições, deveriam ter serenidade e ânimo pacificador. Ao menos na proporção que se empenham em impor à sociedade mediante sanções. A falta de qualquer divergência efetiva nos colegiados não é espelho da sociedade onde a divergência existirá enquanto houver um fiapo de liberdade e democracia por ser consequência da primeira e inerente à segunda.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

28/06/2023

 

Percival Puggina

         Não tenho algo mais fácil para indagar a mim mesmo e aos leitores? Pois é. Essa pergunta tem surgido em minha mente com uma insistência que já beira à impertinência, fazendo-me lembrar de certo professor de Matemática que confeccionava provas tão difíceis que nem ele, depois, sabia resolver.

Então, eis-me nesta condição, buscando uma resposta que não aumente minha indignação diante do que vejo acontecer com aquela consistente “maioria conservadora” (já vai assim, entre aspas) que teria saído das urnas na eleição de 2022.

Pergunto: como foi que essa “maioria” concedeu, com ampla margem, as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente ao omisso (para dizer o mínimo) senador Rodrigo Pacheco e ao Chief Executive Officer do Centrão, deputado Arthur Lira? Foi na condição de CEO desse velho e encardido bloco que Lira transmitiu a Lula o recado de que os deputados vinham impondo derrotas ao governo porque estavam “insatisfeitos”. Insaciáveis, não seria a palavra mais correta? Com os parlamentares satisfeitos, a composição da CPMI das armações fez a própria armação: 60% de seus membros são governistas que não queriam a CPMI.

A aprovação do nome de Cristiano Zanin, advogado de Lula e do PT, para integrar a confraria governista no STF é a mais recente evidência das duas afirmações que faço, ou seja, a confraria existe e se reforça, e ampla parcela da “direita” mudou-se para o aconchego de Arthur Lira e para o mundo dos negócios.

Essa sequência de desastres cívicos tem seus motivos para acontecer. Primeiro, porque fundos partidários, fundão eleitoral e emendas parlamentares viabilizam reeleições mesmo para quem manda seu eleitor catar no asfalto seus princípios e coquinhos ideológicos ou filosóficos; segundo, porque as exceções a tão triste padrão moral – e elas existem e são valiosas, embora poucas – reúnem virtudes cada vez mais incomuns: consistência intelectual e coragem moral.

Sem a primeira, o sujeito cai na conversa de qualquer líder picareta, até tornar-se igual a ele; sem a segunda, o congressista se acovarda quando o outro lado da rua rosna e mostra os dentes.

Personagem da autora inglesa Jane Austen, em Orgulho e Preconceito (1813), afirma que sua coragem sempre se ergue quando sob intimidação. Para Napoleão Bonaparte, coragem não era ter a força de ir em frente, mas ir em frente não tendo a força.

Mesmo num ambiente político de desconforto e indignação, alegra-me ver intimidados mostrar coragem numa coalisão de covardes e arrostar a força bruta com o vigor de seu caráter.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

26/06/2023

 

Percival Puggina

         Recentemente, em vídeo, contei um “causo” antigo, repetido aqui no Rio Grande do Sul sobre o acontecido em pequena comunidade de granjeiros. Gente séria, trabalhadora, partilhava suas experiências e se apoiava mutuamente. A cada safra, promovia uma exposição de seus produtos, com premiação por qualidade e produtividade, em eventos festivos que atraíam visitantes e favoreciam a comercialização.

Com o passar do tempo, dois proprietários começaram a disputar a primazia nessas premiações fazendo com que, entre ambos, a solidariedade inicial se transformasse em competitividade e gerasse um certo antagonismo. Foi nesse ambiente que se deu o tal “causo” quando um desses granjeiros foi à casa do outro pedir um favor.

- Compadre! Buenos dias! Me emprestas teu serrote que estou cortando umas estacas pra tomateiro e o meu quebrou?

O dono do serrote pensou no que dizer e saiu-se assim:

- Pois tu sabe que hoje de manhã, cedinho, minha mulher tinha que comprar uma batedeira pros doces que ela faz, pegou a caminhonete e se tocou pra cidade com meu guri que precisava vê os dente. Se foram os dois.

Disse isso e parou. O outro esperou um pouco e, diante daquele estranho silêncio, indagou:

- Que mal pergunte, compadre, o que tem a ver uma coisa com a outra?

A resposta veio seca e direta::

- Nada, quando a gente não quer emprestar qualquer desculpa serve.

Tenho me lembrado muito dessa história diante do que vejo acontecer em nosso país. Qualquer desculpa serve, qualquer explicação serve, qualquer motivo serve quando as cortes veem a si mesmas como missionárias de uma nobilíssima causa e essa causa vai para a capa dos processos e dos inquéritos. As situações “excepcionalíssimas” se tornaram rotineiras e o ar que todos respiramos impregnou-se pela fuligem tóxica das exceções e sua torrente de ameaças, censuras, multas, restrições de direitos e desforras pessoais.

Será uma conspiração em desfavor de nossos tribunais superiores, esse sentimento generalizado de que Bolsonaro será considerado inelegível porque se reuniu com os embaixadores ou porque não se vacinou e um cartão forjado diz o contrário? Ou seja lá por que for? Como pode ser tão previsível a opinião de um órgão colegiado? Não duvido de que, em breve, alguns nomes estejam disponibilizados em sites de apostas e que todos integrem o lado direito do arco ideológico contra o qual investem os missionários da democracia e do estado de direito para lá de esquerdo.          

Há uma estranha coincidência entre o ânimo desses colegiados, que sobressai do farto manancial de suas manifestações públicas, e os confessados devaneios erótico-vingativos de Lula na prisão.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

        

Percival Puggina

25/06/2023

 

Percival Puggina

         É inegável que os desajustes do nosso federalismo suscitam manifestações separatistas. Numa época em que tantos procuram deixar o Brasil, certos conterrâneos descobriram no separatismo um modo de ir para o exterior permanecendo onde estão. De lambuja, economizam a passagem, evitam problemas de imigração e, numa solução tipicamente brasileira, reabilitam o crédito mudando a razão social.

O tema, bem ao contrário do que alguns tentam fazer crer sempre que ele ganha fôlego, não se constitui em loucura, piada ou invencionice desprovida de relevância social. Basta andar pelas ruas e falar com as pessoas para perceber o germe dessa ideia. Ela se manifesta em determinados pontos de vista bem conhecidos: “Sinto-me mais gaúcho do que brasileiro”; “O Sul é o meu país”; “Moro no Brasil que deu certo”; “Estou cansado de sustentar o Norte e o Nordeste”; “Chega de ser conduzido pelas elites nordestinas”. Parece-lhe necessário muito mais do que isso para formar uma onda separatista? Muitos que alegam discordar da tese não cessam de repetir as hipóteses que a fundamentam.

É oportuno lembrar que durante 96 dos 124 anos da República o governo brasileiro esteve confiado a paulistas, mineiros, cariocas e gaúchos. Ademais, considerar a riqueza como critério definitivo de valor e supremo bem é coisa própria do capitalismo terceiro-mundista. Por essas e outras, enquanto os países da Europa se empenham em construir a unidade continental – mesmo à custa de sacrifício econômico –, outros explodem em conflitos étnicos e separatistas.

Civismo é sentimento nobre e pressupõe respeito à História, algo que falta a regionalismos dessa motivação. Numa extensão das hipóteses em que ele se fundamenta, poderíamos conceber um Estado formado pelas áreas industrializadas mais próximas de Porto Alegre, tendo por capital um município integrado apenas pelos seus bairros classe “A”. E aí - quem sabe? - repousaríamos mais tranquilos nos travesseiros de nossa insensibilidade cadastrando-nos num plano superior ao dos miseráveis de quem estaríamos, enfim, libertos.

Separatismo é tolice. O de que precisamos é de uma ampla revisão do nosso federalismo, com redefinição de atribuições e uma nova repartição e supervisão do bolo fiscal que não conviva com “arcabouços”. O modelo em vigor está esfarelando a nação, ajudando a corromper nossas práticas políticas e nossa democracia.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

24/06/2023

 

Percival Puggina

Leio no site Jota

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu uma terceira via no julgamento do piso da enfermagem. Na madrugada desta sexta-feira (23/6), ao devolver a vista do processo, o ministro acompanhou em parte o voto conjunto do relator Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, e inovou ao propor que o piso deve ser regionalizado para funcionários celetistas. Na tarde desta sexta-feira (23/6), Toffoli foi acompanhado em sua proposta pelo ministro Alexandre de Moraes, saiba mais.

Comento

Vocês perceberam o que está acontecendo? O assunto é “piso salarial da enfermagem”. A invenção do piso salarial é um achado na cartola dos demagogos. Desde que saiu a primeira, as categorias funcionais com prestígio recorrem ao Congresso Nacional para que este fixe um determinado valor como mínimo a lhes ser pago.

O parlamento discute, ouve as partes, e delibera. Só que não. No Brasil, em todo canto, de um modo quase religioso, onde dois ou mais estiverem reunidos, está, também a espada do Judiciário. Assim, o projeto votado pelo Congresso acaba nas mãos do Supremo, um colegiado formado, neste momento, por 10 membros sem voto popular algum.

Na matéria, vê-se que, de momento, quatro votos foram dados e há três entendimentos diferentes. Quase se pode dizer que, até agora, de cada cabeça saiu uma sentença. E o assunto vai ser resolvido assim?

Já vi tanto disso na vida! Em legislativos estaduais e municipais, o parlamento delibera, mas lava as mãos e terceiriza o assunto para a sanção ou veto do executivo. No Congresso, uma Casa vota, mas terceiriza o tema para a decisão da outra; muitas vezes, aprova aqui algo inviável sabendo que será rejeitado ali, ou vetado acolá.

O ativismo judicial faz esse poder funcionar como uma esponja de prerrogativas. Nossos magistrados e ministros parecem que não aprenderam a dizer: “Isso não é conosco!”. O resultado é hipertrofia de seu poder, com um verdadeiro carretel de consequências.

Para os fins que me levam a escrever este artigo, não interessa saber se a lei do piso da enfermagem pelo Congresso é boa ou má. Estou reprovando a existência desse tipo de lei e o modo como as coisas são feitas. Se o piso da enfermagem deve ser regionalizado, como sugerem os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, qual o motivo para que as outras duas dezenas ou mais de pisos existentes também não o sejam?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/06/2023

 

Percival Puggina

         Tomo emprestado o título em português (e algo mais que possa) do notável “Animal farm” de George Orwell, para escrever sobre a sessão do Senado em que o advogado de Lula teve seu nome aprovado para integrar o Supremo Tribunal Federal. Ali, Cristiano Zanin estacionará até o ano de 2050, quando meu neto já será quase sexagenário.

Assisti parte da sessão. Afora o insistente blá-blá-blá dos apoiadores, uns poucos se revelaram mais atentos ao seu papel. Falaram daquilo que hoje está no cerne das preocupações dos cidadãos que querem liberdade, democracia, estado de direito e uma justiça com a força da lei e não no querer, na visão de mundo e na posição político-ideológica do julgador. Quase ninguém mencionou os abusos de poder por parte do colegiado ao qual se irá integrar o advogado de Lula. Quase ninguém falou sobre a parcialidade, a “justiça feita pelas próprias mãos”, os misteriosos e infindáveis inquéritos, as “excepcionalidades” que se rotinizaram ou sobre a censura de textos e pessoas. No entanto, eu me pergunto: por que será que Lula perdeu um bom advogado e abre esse rasgado sorriso de satisfação?

Como não lembrar da Revolução dos Bichos? Meu amigo Esperidião Amim, experiente e competente orador, colocou o dedo na ferida exposta no corpo das instituições – a conduta abusiva do combo STF/TSE. Lavou-me a alma ouvi-lo! Mas ele se dirigiu apenas ao candidato, num discurso que tinha tudo para ser proferido, dedo em riste, ao omisso presidente do Senado e a seus pares.

De quem é a culpa pela preservação dessas anomalias no corpo institucional? Não é da grande maioria naquele plenário? Ontem, para rejeitar a indicação de Lula, não lhe bastariam as razões do próprio Lula afirmando ao país, em debate de TV, não ser a Corte lugar para amigos? E logo, indo de mal a pior, haverá mais um, e mais outro, na confraria tolerada pelo Senado.

A revolução dos bichos continua! Os porcos dominam a granja. O porco Napoleão mudou-se para a casa do senhor Jones. E me permitam o trocadilho: na nossa granja orwelliana de Brasília, o revolucionário espírito de porco se associa ao espírito de corpo inerente à própria natureza das instituições em um figurino constitucional muito mal costurado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.