Percival Puggina

08/12/2024

 

Percival Puggina

         O eleitorado brasileiro que recentemente se manifestou nas eleições municipais infligindo merecida derrota a quem representasse o poder instalado no país deposita suas esperanças na eleição de 2026. No que concerne às anomalias institucionais, essa expectativa põe foco nas eleições para o Senado Federal, território das mais injustificáveis omissões desta última década.

A atual composição do Senado é herdeira dos pleitos de 2018 e 2022, período em que o plenário confiou as presidências a Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco. Sim, sim, há reincidentes nisso. Ambos permitiram que o STF passasse por “vertiginoso processo de ascensão institucional” (nas palavras do atual presidente da Corte). Quem teve olhos de ver e ouvidos de ouvir percebeu as consequências dessa vertigem em forma de ativismo e de invasão de competência do Legislativo e do Executivo (durante o governo Bolsonaro); observou as ameaças, as interdições, a censura, as prisões políticas; viu sua liberdade de tornozeleiras e ouviu de dignos senadores as vis razões da conduta pusilânime de seus pares.

Tornou-se objeto do senso comum a convicção de que, com justas motivações, os eleitores de 2026 promoverão ampla renovação no plenário do Senado. Afinal, naquele pleito, dois terços dos senadores encerram seus mandatos de oito anos. Com a disputa de duas cadeiras em cada estado, havendo claro consenso sobre a necessidade de renovar, é tida como certa a formação de nova maioria no Senado a partir de 2027. Não é o bolsonarismo, não é a direita, não é o mercado, não são os Estados Unidos nem os terraplanistas que o desejam, mas a ampla maioria dos cidadãos brasileiros.

Ante tais evidências e contra a vontade dos cidadãos, o regime busca salvar anéis e dedos. A “minuta” do plano de sobrevivência política – reeleição de Lula (presidente que não pode sair à rua) e manter a força do centrão – inclui uma artimanha para preservar a omissão do Senado. Esse casuísmo repulsivo está materializado num projeto de lei protocolado pelo líder do governo, senador Randolfe Rodrigues, estabelecendo que, embora a eleição seja para dois senadores, os eleitores deverão votar em apenas um (PL 4629/2024). Pronto! Reduz-se à metade a consequência, no Senado, dos votos da nova maioria formada no país! Isso é tomar do eleitor o poder de seu voto! As dezenas de milhões de brasileiros que – por serem maioria e de oposição – elegeriam dois senadores avessos ao atual regime entregarão um aos malabaristas da regra do jogo.

No Pacote de Abril (1977), para preservar a maioria que iria perder no Senado, o general Ernesto Geisel criou o terceiro senador (até então eram apenas dois), o senador “biônico”, eleito pelas Assembleias Legislativas. Passado meio século, a minoria de um regime que se diz democrático, sabendo-se derrotada, quer se valer de sua atual “representação” majoritária para aprovar esse projeto. É a “democracia” protegendo-se dos eleitores.

Filha da liberdade, a democracia vem sendo torturada em sucessivas sessões. É evidente que a minuta terá outros ingredientes, sistematizando lições dos pleitos de 2022 e 2024. Entre eles, a mordaça nas plataformas das redes sociais, que está sendo legislada pelo STF, nestes dias, revogando um dispositivo aprovado pelo Congresso há 10 anos...

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

05/12/2024

 

Percival Puggina

           Por vezes, se discute se tal ou qual dos totalitarismos é de direita ou de esquerda. Confesso que jamais gastei um minuto sequer em debater esse assunto; para viver e entender as tiranias do tempo presente, importa saber que todos, inclusive os totalitarismos religiosos, como nas versões radicais do islamismo político, são coletivistas. Há neles um coletivo dominante que submete a divergência e trata de afastá-la ou, mesmo, eliminá-la. Atribui-se o direito de assim agir por considerar que os dominados, os manés que perderam, que não pertencem ao coletivo, são seres de uma espécie inferior e depreciaria a si mesmo quem lhes atribuísse qualquer valor ou dignidade. 

Por isso, são comuns, nos totalitarismos, julgamentos coletivos nos quais o réu é culpado em virtude de algum atributo que compartilha com os demais. Todos são de outra classe, de outra raça ou credo; fazem parte da multidão reunida na praça; são proprietários ou intelectuais; fazem doações a determinado fim ou, como se vangloriava o demoníaco Lavrenti Beria na Rússia stalinista: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei a culpa”. Estabelecido isso, está definida a natureza política da culpa coletiva, por vezes chamada, também, de multitudinária para dar a entender que se trata de algo técnico. Nunca o será onde a tirania for manifesta. O julgamento pode até disfarçar a não individualização das condutas, pouco relevante em vista da natureza inferior do réu e de suas malignas concepções. Também por isso, onde aplicável, é aberto o arsenal dos meios de pressão para extrair delações. O objetivo é obter a gradual redução da oposição, como se constata estudando os tribunais de Hitler, Stalin e Mussolini.

É a lógica do lobo. Quando La Fontaine escreveu essa fábula, ele talvez não tivesse em mente alguma aplicação política. Afinal, ele viveu mais de meio século de vida produtiva durante o absolutismo monárquico de Luiz XIV, com quem manteve longa amizade. No entanto, é impressionante perceber quanto o lobo e o cordeiro parecem refletir o Brasil destes anos.

Na fábula, em tom ameaçador e afetando indignação, o lobo interroga o indefeso cordeiro sobre sua audácia em “sujar a água” que ele, lobo, iria beber. O cordeiro alega estar a jusante, sendo-lhe impossível turvar a água riacho acima. O lobo recorre a novo argumento: “Eu sei que você falou mal de mim no ano passado”. O cordeiro ainda tenta escapar, alegando que sequer era nascido no ano passado.

Observe o leitor que quando o julgamento é político, pouco importam os fatos ou a individualização da culpa porque o ânimo de condenar antecede a tudo mais. Por isso, o lobo retoma sua lógica perversa: “Se não foi você, foi seu irmão, o que é a mesma coisa”. O infeliz cordeirinho ainda tenta alegar, em vão, ser filho único. Nesse momento da fábula, as cruéis razões do lobo se expressam de modo sincero, listando todo o círculo de convivência do cordeiro: “Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue”. 

No reino animal, com predadores descontrolados, “no fundo da floresta”, para dizer como La Fontaine, as coisas se passam assim.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

01/12/2024

 

Percival Puggina

         Havíamos mudado para a casa nova. A saleta onde há 40 anos funciona o que denomino minha pequena “cápsula de trabalho” ainda estava sendo mobiliada e, por isso, minha escrivaninha ficava no quarto, abaixo da TV. Assim estávamos certa ocasião – eu escrevendo e minha mulher assistindo à TV – quando uma voz se ergue sobre o som normal do aparelho. A voz exclamava: “Não podem fazer isso comigo! Eu sou uma pessoa humana! Eu sou uma pessoa humana”. Aquelas palavras me fizeram olhar imediatamente a tela onde um miserável era submetido a visível constrangimento. Comentei com minha mulher: “Esse infeliz está usando em sua defesa o argumento perfeito, mais forte e sábio possível. O principal motivo para que não ajam assim contra ele está impresso em sua natureza. Ele é uma pessoa humana. E ponto. Nada mais é necessário ser dito”.

Infelizmente, costumamos interagir de outro modo. Alinhamos prerrogativas com base nas nossas credenciais. “Sou o Dr. Fulano, sou isto, sou aquilo; sou parente do Beltrano, amigo do Cicrano” e, na maior parte dos casos, funciona, embora tudo isso seja infinitamente menos relevante do que a dignidade inerente à nossa natureza.

Noventa e nove por cento do genoma humano é semelhante ao dos chimpanzés. Esses benditos um por cento fazem enorme diferença! E criam complexidades que se revelam em tensões existenciais decorrentes de nossa natureza. Somos individuais. Absolutamente individuais, únicos e insubstituíveis. Nosso DNA diz quem somos e conta nossa origem na cadeia contínua da vida. Mas temos existência social. Somos imperfeitos, mas aperfeiçoáveis e é bom termos consciência disso para não causarmos infelicidade aos outros. Somos materiais, mas somos, também, espirituais. Somos racionais, mas também instintivos.

Observe o leitor que nossa condição de “animais políticos” nas palavras de Aristóteles, decorre dos dois primeiros pares de atributos acima. Se fôssemos apenas individuais, a política seria impossível; se apenas sociais, ela seria desnecessária. Se fôssemos apenas imperfeitos, ela seria impossível; se apenas perfeitos, seria desnecessária. É perante esse par de atributos que a dimensão moral da política e de seus agentes se torna tão significativa ao bem comum. Se aqueles que exercendo o poder em nome do Estado – tendo  em mãos o monopólio da força – ignorarem a dignidade da pessoa humana e não contiverem nem forem contidos no uso dessa força, a tirania se haverá de instalar.

De onde vem, então, a dignidade do ser humano? É só pelo DNA que nos distinguimos dos chimpanzés? Muitos creem que a essência esteja na inteligência, mas isso é um erro porque somos inteligentes com coeficientes diferentes e não parece sensato criarmos uma escala de dignidade referida ao QI de cada um. Do mesmo modo, não cabe fazermos algo assim com qualquer outro atributo humano, beleza, força, idade, riqueza material, cultura e assim por diante.

Das respostas já dadas pela humanidade à pergunta do parágrafo anterior, se eleva, sobre todas as demais, a resposta da tradição judaico-cristã: somos criados à imagem e semelhança de Deus, que, no ensino cristão, se fez homem, assumiu essa mesma natureza e foi ao extremo sacrifício por amor à criatura única e insubstituível que somos.

Eis porque toda tirania é abjeta e deve ser rejeitada.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

25/11/2024

 

Percival Puggina

       Há uma tempestade de interpretações envolvendo as turbulências na Praça dos Três Poderes. Ela faz sentido, pois as piores bombas provêm de dentro dos prédios... A política brasileira, seja em nível local, seja em nível nacional não é e nunca foi um marasmo. O que está em curso, porém, vai de trepidante a desastroso.

O Congresso, feitas as devidas, honradas, ameaçadas e perseguidas exceções, mantém-se em completa alienação quanto aos anseios da sociedade por segurança jurídica e institucional, pessoal e social. Nas duas casas legislativas, ampla maioria dos congressistas trocou a representação dos eleitores pela representação de si mesmos e das próprias conveniências.

O governo petista é eterno dependente químico das alquimias do déficit fiscal, cujas consequências inflacionárias e recessivas incidirão mais sofridamente sobre os mais pobres. Empenha-se, insistentemente, em controlar as redes sociais como antes delas queria “regular a mídia” (lembram?). O “coletivo” dos ministros e dignitários com direito a chapa preta e guarda-costas bate cabeças sem prumo nem rumo. Engalfinham-se por verbas porque sem verbas não dá para fazer política.

Como afirma o catecismo neoconstitucional que praticam enquanto transformam a Carta de 1988 em caixa de ferramentas, os ministros do STF dobram aposta contra a divergência. Nas palavras do seu presidente, a Corte “vive vertiginoso processo de ascensão institucional”, deixou de ser já há um bom tempo, um departamento técnico especializado” e “passou a ser um poder político na vida brasileira”. Não é apenas dos “extremistas de direita” das redes sociais, mas do mundo inteiro que chegam notícias informando sobre os acontecimentos silenciados pela imprensa daqui. No entanto, com ares de fornida superioridade, asseguram a quem se dispõe a ouvi-los que as instituições – bem identificadas causadoras dos problemas reais da sociedade – estão sólidas e cumprindo seus papéis!

Sob lideranças deficitárias em moderação, temperança, bom senso, equilíbrio, prudência, imparcialidade, senso de proporção e noção de limites, a nação vive o drama do país numa verdadeira tempestade de ideias!  O que está acontecendo é o tema de todas as conversas. Tempestade de ideias, aliás, é o correspondente em língua portuguesa da denominação inglesa “brainstorm”, uma técnica de trabalho em grupo usada com o intuito de encontrar soluções criativas para problemas empresariais. Com método semelhante, existe outra, conhecida em inglês como “What if”. Ela propõe que as ideias surjam a partir da pergunta “E se... isto?” ou “E se... aquilo?”. Ao cogitar das respostas suscitadas pelas hipóteses levantadas, muito erro é corrigido e muito sucesso obtido.

Resulta inevitável, então, o seguinte “What if”: “E se ... o ‘golpe’ for isso que estamos vivendo, num acordo institucional sem sintonia com a sociedade?

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

21/11/2024

 

Percival Puggina

         O leitor não foi à Praça dos Três Poderes, talvez nem seja de Brasília, mas constitui, no debate sobre anistia, um “terceiro interessado”, para dizer como os advogados. Está fora, mas ela o afeta enormemente e não por motivos jurídicos, mas pelos mesmos que me levam a escrever este artigo, ou seja, razões cívicas, de natureza política no bom sentido dessa palavra.

Depois de tantas e tão recorrentes manifestações de ministros do STF contra a ideia da anistia aos presos e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, eu fico pensando se realmente não sabem que anistia é tarefa da política, com causas políticas e consequências políticas. Ou estão, de fato, dispostos a continuar fazendo política sem votos, apenas com suas canetas?

Se depender dos que, de parte a parte clamam, por justiça, jamais haverá anistia. Eu os leio e ouço diariamente. Uns sonham com julgar os julgadores; outros os apoiam incondicionalmente. Uns consideram os réus inocentes ou que sofrem penas excessivas, tratamento desumano e que a anistia seria uma admissão dos crimes. Outros, ainda falam das muitas esquisitices da eleição de 2022.

Diferentemente do que tenho lido, anistia não é esquecimento, como a palavra sugere. Esquecer, sumir da memória não são consequências de atos de vontade. A anistia de penas, diferentemente, se refere a um ato de vontade política materializado por lei editada pelo Congresso Nacional. Está no âmbito de sua exclusiva competência, que não é compartilhada nem compartilhável com qualquer outro poder. É por isso que mesmo quando o governo da União ou das unidades federadas querem conceder uma anistia tributária, ela só pode viger mediante aprovação de lei no respectivo parlamento.

Não envolvendo esquecimento, a anistia não terá o poder de fazer com que os condenados pelos atos do dia 8 de janeiro, os que tiveram suas vidas destroçadas, os que ainda pendem de julgamento esqueçam tudo por que passam. Ela tampouco faz cessar o trabalho dos historiadores. Ela simplesmente extingue as consequências penais do que aconteceu.

É bom lembrar que a Emenda Constitucional 26 de 1985, ao convocar a Assembleia Nacional Constituinte, reconheceu o perdão concedido a militantes e militares. Ela foi o ato fundador da nova ordem constitucional do país, cancelando as tentativas revisionistas tentadas à época por movimentos de esquerda. No STF, em seu voto sobre a questão (2010), o relator, ministro Eros Grau, afirmou (aqui *): “Reduzir a nada essa luta é tripudiar contra os que, com assombro e coragem, na hora certa, lutaram pela anistia. É a página mais vibrante de atividade democrática da nossa história.” Décadas mais tarde, a esquerda brasileira ainda tentaria abolir o ato quanto ao perdão concedido aos militares e reescrever a história com as pretensões da Comissão da Verdade.

Em artigo de abril de 2010, referindo-me às reivindicações da esquerda contra o caráter amplo da anistia concedida pelos atos de 1979 e 1985, escrevi e reafirmo perante o que hoje leio, vejo e ouço: “Assusto-me quando os que buscam isso dizem agir pelo Direito e pela Justiça, desconhecendo a importância da Política e o eminente valor moral, profundamente cristão, do perdão institucionalmente concedido. Há uma parcela da esquerda que foi perdoada por seus muitos crimes, mas não aprendeu a perdoar.”

*       https://www.conjur.com.br/2010-abr-28/anistia-entrou-constituicao-antes-1988-ministro-eros-grau/

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

18/11/2024

 

Percival Puggina        

        Se há um sentimento comum entre os cidadãos brasileiros é o de sua insignificância na relação com o Estado. Fora os que dele dependem para os próprios fins, a imensa maioria se sente impotente e mal representada. Os partidos políticos, aos quais corresponderia a organização das opiniões com vistas à representação, abdicaram dessa tarefa para se tornarem, nacionalmente, instituições gelatinosas, coloidais, assumindo a forma determinada pelas conveniências pessoais dos parlamentares.

Em breve síntese: os cidadãos perceberam, com suficiência de exemplos, que multidões nas ruas e praças falam às árvores, aos pássaros, aos ventos, mas são mal ouvidos por aqueles que com maus olhos os veem. Outrora, chegaram a pensar que as redes sociais, embora caóticas quanto aos meios e quanto aos fins, eram a nova praça da democracia. No entanto, espontaneamente, as plataformas passaram a prestar serviços aos que têm a ideia fixa de acabar com elas sufocando-lhes a liberdade e a liberdade de seus usuários.

Paradoxal? Sim, mas há algo ainda mais ilógico e incongruente. Aqueles que dizem combater uma certa e não identificada organização extremista de direita e falam sobre ela sem cessar são a única organização que se pode ver atuando – e pelo lado oposto – à luz do dia, na penumbra dos sigilos e ao brilho dos castiçais nas noites elegantes dos donos do poder. “Que organização é essa?” – perguntará o leitor menos atento aos acontecimentos nacionais. Pondere ele o fato bem recente descrito a seguir.

Apesar da má qualidade da câmera, o vídeo que registrou os movimentos do “terrorista” do último dia 13 deixa indisfarçada a inabilidade, o amadorismo de suas ações e o modo canhestro como ele se movimentou na cena. Embora o fato merecesse, prioritariamente, atenção pericial e psiquiátrica do Estado, aquela ação tresloucada foi pendurada num organograma! E ele envolve o 8 de janeiro, um tal golpe de estado, extremismo de direita, terrorismo, discurso de ódio, fake news e claro, decididamente, tudo sem direito à anistia.

Tenho imensa dificuldade de discernir o que uma coisa tem a ver com a outra. Não obstante, para surpresa geral da nação, a conexão é repetida com insistência pedagógica goebbeliana pelos que mandam no governo federal, pelos que neutralizam a representação política no Congresso Nacional, pelos mais falantes do STF e pelos veículos da velha e decadente imprensa.

A propósito, o que a anistia tem a ver com o senhor Francisco, também conhecido como Tio França? O cidadão comum percebe onde está palpável, visível, em alto relevo, a presença de uma organização e percebe que o acontecimento do dia 13 se dispersa na volatilidade de um impulso individual e desordenado.

O muito que tem sido dito sobre esse achado na improvável cartola dos acontecimentos é um claro exemplo de que só há uma organização política operando eficazmente no Brasil e ela é de esquerda, bem radical.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

14/11/2024

 

Percival Puggina

         Mergulhado em sufocante acúmulo de atribuições e demandas, o STF escolheu a próxima sexta-feira (15/11), mesmo dia da semana em que Jesus foi crucificado, para início do plenário virtual que colherá votos dos ministros sobre se o crucifixo exaltado em nicho próprio na sala de sessões permanecerá ou será removido. O período de votação se encerra no dia 26. Barrabás, salvo engano, foi “inocentado”; o que acontecerá, agora, com a memória do Crucificado? A decisão que o Supremo adotar terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os crucifixos em paredes públicas do país.

O politicamente correto é uma estratégia de congelamento da divergência com duas consequências totalitárias. Na mais visível, constrange quem tenha outras ideias a meter a viola no saco. Na menos visível, alinha-se com o igualitarismo coletivista, transformando toda expressão de diferença em preconceito. Se você tirar o suco ou fizer um destilado do “politicamente correto”, o que vai gotejar é o cancelamento do cristianismo e suas referências, transformados em alvos preferenciais.

A pergunta que me faço é: por que parar no crucifixo e não ir em frente, acabando com feriados religiosos, procissões, romarias, missas campais, toque de sinos? Pelas mesmas elevadas razões, por que não renomear todos os estados, municípios, ruas e acidentes geográficos que mencionam santos ou objetos de devoção? Meu Deus, como isso fica parecido com as revoluções francesa e russa! Sim, sim, aqueles fanáticos, com iguais motivos, fizeram coisas desse tipo.

Pergunto: locais públicos, mesmo num país em que 90% da população é cristã, devem ser pagãos como banheiro de aeroporto? Alega-se que se o Estado é laico, o crucifixo em local público é inconstitucional e o dedo da Constituição estaria apontando para ele, mandando arrancá-lo dali. Esquece-se que desde a Constituição de 1891 os preceitos constitucionais sobre a separação entre Igreja e Estado foram deliberados pelos redatores de nossas sete Cartas, majoritariamente cristãos! Ela é concepção da maioria e não é conquista de alguém. Podem sossegar o facho. O país nada deve ao iluminismo temporão!

De cada cem pessoas que veem crucifixos em tribunais e parlamentos, quantas ficam dispneicas, taquicardíacas ou entram em sudorese se veem um crucifixo? Nenhuma? Pois é. E quantas – na real, sem exageros – se sentirão pessoalmente injuriadas por aquele símbolo? Pois é, de novo. Perante símbolos religiosos – quaisquer símbolos, de qualquer religião! –, pessoas normais reagem com respeito ou com indiferença. Indignação, revolta, alergia escapam à normalidade.

Os adversários dos crucifixos referem-no, mas focam, lá na frente, os princípios, valores e tradições que lhe são implícitos. Muitos, como os relacionados à defesa da vida, à dignidade e aos direitos humanos, às liberdades, à família, compõem convicções constitucionalizadas no Brasil e se refletem em deliberações legislativas. É contra esse alvo que a militância “progressista” está declarando guerra e rufando tambores.

Em nome do laicismo estatal, num país onde mais de 90% dos cidadãos professam alguma religião cristã, pretendem retirar um símbolo que para esse mesmo povo representa o amor de Deus, o amor ao próximo, a Redenção e os mais elevados valores que deveriam iluminar as decisões e a justiça dos homens. Se o fizerem, deixem ao menos o nicho e o prego para memória do que foi feito.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

09/11/2024

 

Percival Puggina

         Três pilares sustentam uma construção. Quatro fazem-no ainda mais facilmente. Com apenas dois pilares só dá para fazer uma ponte ou algo com jeito de ponte. Num único pilar, pode-se colar um cartaz, apoiar as costas ou fazer alongamento de pernas.

São quatro os melhores pilares para suporte de uma boa ordem social: família, religião, escola e instituições políticas. No Brasil, há longo tempo, todas vêm sendo atacadas por grupos que agem com motivação política, ideológica, partidária e/ou econômica.

A instituição familiar tornou-se objeto de sistemática desvalorização. As uniões são instáveis e os casamentos, quando chegam a acontecer, duram, em média, 13,8 anos (em queda). Mulheres sem cônjuge são chefes de 12% das famílias brasileiras. Há um divórcio para cada dois casamentos. Vinte por cento dos casais não têm filhos. Estou falando apenas em estatísticas, sem aprofundar na análise da nebulosa qualidade dos laços e do exercício das funções parentais. É sabido, porém, que tais funções padecem na desordem dos costumes que tanto afeta a vida social nas últimas décadas. E vai-se o primeiro pilar.

A religião enfrenta notória redução de sua influência. Correntes políticas que perceberam ser impossível destruir a civilização ocidental sem revogar a influência do cristianismo atacam as religiões cristãs declarando o direito de opinião e o exercício da cidadania territórios interditos a quem tenha convicções decorrentes de fé religiosa. E o fazem em nome da laicidade do Estado. Com esse truque, reservam apenas para si o direito de opinar e intervir em relevantíssimas questões sociais e morais e encontram idiotas que julgam isso muito adequado... As mesmíssimas correntes agem de modo perversor na Igreja Católica através da Teologia da Libertação e nas evangélicas, ao que me contam, através da Teologia da Missão Integral. E vai-se o segundo pilar.

A escola e o controle das funções educacionais foram tomados por militantes mais ocupados em conquistar adeptos às causas revolucionárias do que em trabalhar talentos e habilidades para que os jovens tenham participação produtiva e ativa na vida social. Com isso, oportunidades são dissipadas pela mais rasa ignorância, nutrindo frustrações e revoltas. Professores que respondem por essa realidade reverenciam Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido que outra coisa não é senão a definitiva opressão pela pedagogia. Outro dia, um conhecido me contava de certo jovem seu parente que, aos 18 anos, sem ser imbecil, egresso do sistema de ensino, não sabia os meses do ano. Isso é opressão. E vai-se o terceiro pilar.

As instituições políticas afundam no bioma pantanoso da corrupção e do descrédito. Não apenas pesam dolorosamente nos ombros magros de uma sociedade empobrecida. Fazem questão, por palavras e obras, de deixar claro o quanto os píncaros dos três poderes existem para reciprocamente se protegerem. Vai-se, então, o quarto pilar. E ficamos, todos os demais brasileiros, pendurados no pincel.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/11/2024

 

Percival Puggina        

       No momento em que escrevo estas linhas, Trump conta 72 milhões de votos (cinco milhões a mais do que Harris) e faz maioria na Câmara e no Senado norte-americanos. Na linguagem popular, faz barba, cabelo e bigode, mas não apenas isso, pois viabilizou-me o direito de acompanhar, passo a passo, a mudança da expressão corporal e fisionômica dos repórteres e comentaristas da CNN e da Globo News. Embora assistindo à marcha da apuração pelo canal da Revista Oeste enquanto a noite avançava, de vez em quando ia apreciar o nervosismo tomando conta da militância de estúdio que faz boa parte do – assim dito – jornalismo brasileiro. O recado das urnas proporcionou gradual e fragorosa demolição das expectativas com que o pessoal havia iniciado aquela longa jornada de informação com torcida.

A verdade é que no espaço de meus próprios sentimentos, comecei e terminei a noite com uma sensação ambígua. Impossível negar que a vitória de Trump veio acompanhada de uma certa inquietação. Ainda neste momento, ­ entardecer do dia 6 de novembro, eu me pergunto: “Como é possível que Kamala Harris tenha levado o voto de 48% dos eleitores norte-americanos? Como é possível que mais de sessenta milhões de cidadãos tenham se deixado enrolar nesse discursinho do falso progressismo e do lero-lero woke?”.

Algo muito semelhante, aliás, causou-me, na eleição municipal de Porto Alegre, saber que a candidata do PT, partido que, este sim, experimentou fragorosa derrota nacional na eleição deste ano, recebeu o voto de 40% dos eleitores da capital gaúcha. Como pode?

Praticamente todas as bandeiras que nós, brasileiros, identificamos como sendo “de extrema esquerda”, são importadas dos Estados Unidos sem pagar imposto. Não existe alíquota para lixo ideológico. Então, é de lá que vem essa pretensão de controlar a palavra dos outros, o “lugar de fala”, o que pode e o que não pode ser dito, o que pode e o que não pode ser publicado ou lido e qual a “narrativa” histórica que pode ser ensinada. A extraordinária herança cultural do Ocidente deve ser “desconstruída” para geração de uma sociedade de “flocos de neve” inspirada em ideias de inclusão, acolhimento, aceitação, bondade e justiça. Seus produtos efetivos são as políticas de exclusão, cancelamento, rejeição, ódio, injustiça e cada um no seu quadrado identitário...

Não é isso o que você vê? E provavelmente já percebeu que, levada à sala de aula, a receita acabou com a educação em nosso país, fazendo sumir o futuro de pelo menos duas gerações de brasileiros. O Brasil, hoje, tem uma indústria desatualizada, um setor de serviços empobrecido por carências técnicas e tecnológicas; nossa maior riqueza é a que provém da extração dos recursos que Deus nos proporcionou como dádivas da natureza porque os recursos humanos foram capturados pelo atraso do falso progressismo.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.