• Rafa Bandeira
  • 10 Abril 2015

Dia 15 de março foi um dia histórico. Em todo o país, milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra os desmandos de um governo que perdeu a confiança do povo de uma maneira poucas vezes vista na história do Brasil.

O Movimento Brasil Livre tem orgulho de fazer parte dessa história. Nunca pretendemos posar de “donos” dessas manifestações, que foram a maior mobilização popular da história do Brasil. Somos estudantes, trabalhadores assalariados, empresários, profissionais liberais, funcionários públicos – somos brasileiros indignados com os rumos da política nacional e dispostos a gastar nosso tempo e energia para que possamos viver em um país melhor. Nosso objetivo foi e segue sendo o de atuar como um grupo que influencie positivamente a pauta dos protestos, defendendo sempre a democracia, as liberdades individuais e o Estado democrático de direito. Somos contra qualquer ditadura, seja de cunho político ou econômico.

Fomos às ruas no dia 15 de março e voltaremos no dia 12 de abril. Nossa pauta seguirá sendo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Trata-se de um mecanismo democrático garantido por nosso ordenamento jurídico e visa a resguardar a instituição da Presidência da República em situações extremas envolvendo o ocupante do cargo.

Foi utilizado para remover Collor por seu envolvimento em um escândalo de corrupção. Os baixíssimos índices de popularidade da presidente Dilma também lembram os de Collor na antevéspera do impeachment e são um reflexo da justificada insatisfação popular que vem tomando conta do Brasil.

Em Porto Alegre, foram 120 mil pessoas saindo às ruas por um Brasil melhor, mais justo e verdadeiramente livre e democrático. E hoje entendemos que a construção do país em que queremos viver passa pela abertura do processo. O povo brasileiro não permitiu que fosse feito de bobo em 1992, e certamente não permitirá em 2015. Essa é a pauta que nos anima, movimenta o Brasil e que está nas ruas.

*Porta-voz do Movimento Brasil Livre no RS
 

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  • Demétrio Magnoli
  • 10 Abril 2015

(Publicado originalmente em O Globo)
• Sem a cumplicidade brasileira, o governo venezuelano não teria meios para persistir no rumo da implantação de uma ditadura

Fidel Castro costumava jogar basquete. Logo mais, pela primeira vez, a NBA fará uma visita a Cuba, promovendo um seminário sobre o desenvolvimento profissional do esporte na Ilha. Amanhã, no Panamá, abre-se a VII Cúpula das Américas, que assinala o retorno de Cuba ao Sistema Interamericano. Contudo, o drama histórico, possibilitado pelo reatamento entre Washington e Havana, será desfigurado pela ópera bufa da crise venezuelana. No lugar de um debate apontado para o futuro, a América Latina experimentará, novamente, uma reencenação da farsa anti-imperialista. Só será assim porque o Brasil aceitou reduzir-se ao papel de sentinela diplomática do regime moribundo de Nicolás Maduro.

Havia espaço para falar sobre uma Cuba pós-castrista, capaz de reconhecer o princípio da pluralidade política. Premido pela crise na Venezuela, Raúl Castro convenceu-se do imperativo de acelerar as reformas econômicas cubanas, eliminando gradualmente o sistema de preços fixados centralmente, as cadernetas de racionamento e o câmbio duplo. Na Ilha, aos poucos, florescem os pequenos negócios familiares e o trabalho por conta própria, enquanto surge um mercado imobiliário. O reatamento com os EUA obedece à finalidade estratégica de estimular um fluxo sustentado de investimentos estrangeiros. As democracias latino-americanas tinham a chance de dizer a Castro que o embargo americano já não pode ser usado como pretexto para calar a divergência política.

Cuba conhece uma tímida, oscilante, abertura política. Levantaram-se as restrições a viagens ao exterior, a internet começa a decolar e os dissidentes, ainda reprimidos, operam mais ou menos publicamente nas redes sociais. A publicação digital “14Ymedio”, criada pela blogueira Yoani Sánchez mas ainda bloqueada pelos servidores da Ilha, oferece aulas diárias de jornalismo para os cinzentos veículos oficiais. Rosa Maria Payá, filha do falecido líder oposicionista Oswaldo Payá, viajou ao Panamá e participa de um fórum pela democracia paralelo à Cúpula das Américas. Era a hora de pressionar Havana a saltar um novo degrau, admitindo que as liberdades econômicas devem ter sua contrapartida nas liberdades políticas. Mas, sob o signo do lulopetismo, o Brasil figurará como cúmplice da tirania sem futuro do sucessor de Hugo Chávez.

Acossado pelo desastre econômico, o regime venezuelano apela à truculência aberta, encarcerando oposicionistas eleitos e instaurando um estado de exceção no qual Maduro governa por decreto. O objetivo do que resta do poder chavista é evitar uma provável catástrofe eleitoral no pleito legislativo previsto para o segundo semestre. Semanas atrás, uma delegação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) visitou Caracas pedindo garantias de que as eleições serão realizadas. Vergonhosamente, porém, a Unasul não solicitou a libertação dos presos políticos, entre os quais se encontram o líder opositor Leopoldo López e o prefeito da capital, Antonio Ledezma. A reação de Barack Obama foi a imposição de sanções pessoais, meramente simbólicas, contra algumas autoridades venezuelanas, o que deflagrou a ópera bufa.

No Panamá, Maduro protestará contra a “ingerência imperialista”, secundado por governantes que fazem do antiamericanismo uma ferramenta para silenciar sobre a violação das liberdades públicas. O jogral “anti-imperialista” terá a participação ativa de Cuba: na ordem de prioridades de Castro, a defesa do princípio ditatorial tem precedência sobre os interesses da abertura econômica. Mas ele só se sustenta porque conta com as vozes das duas grandes democracias do Mercosul, que são o Brasil e a Argentina. A relevância de Dilma Rousseff é, obviamente, muito maior que a de Cristina Kirchner. Sem a cumplicidade brasileira, o governo venezuelano não teria meios para persistir no rumo da implantação de uma ditadura. Por uma triste ironia, a ex-presa política que ocupa a cadeira presidencial no Palácio do Planalto funciona, de fato, como carcereira dos opositores venezuelanos.

A posição brasileira torna-se menos sustentável na razão direta do agravamento da crise do chavismo. O antigo primeiro-ministro espanhol Felipe González anunciou que se engajará pessoalmente na defesa dos presos políticos venezuelanos. Os ex-presidentes Fernando Henrique, do Brasil, e Ricardo Lagos, do Chile, aceitaram o convite de González para constituir um grupo empenhado na libertação de López e Ledezma. Na mesma linha, Aécio Neves invocou o Protocolo de Ushuaia, do Mercosul, para cobrar de Dilma uma atitude compatível com os compromissos internacionais do Brasil.

A leniência com a escalada autoritária já não conta com o silêncio unânime dos governos da América Latina. “Há mais de 30 anos, o Uruguai viveu as mesmas condições que parte dos venezuelanos está vivendo hoje”, constatou o uruguaio Rodolfo Nin Novoa, ministro das Relações Exteriores de um governo de centro-esquerda que não admite medir a liberdade com a régua da ideologia. Os presidentes do Uruguai, do Chile e da Costa Rica foram convidados por Obama para uma reunião, durante a Cúpula das Américas, que certamente discutirá o impasse na Venezuela. Ao mesmo tempo, Washington articula um projeto de cooperação energética com países caribenhos envolvidos pela política chavista de fornecimento subsidiado de petróleo.

O conceito de América Latina tem uma longa história, mas sempre expressou o desejo de separar os EUA do restante do continente. No cenário geopolítico atual, a cunha não serve para acelerar a modernização econômica ou afirmar a soberania política das nações latino-americanas. Ao contrário, funciona unicamente como muralha protetora de regimes autoritários. Dilma, a carcereira, consumirá os próximos dois dias na defesa de um tirano sem futuro. Falará como representante de um partido e de uma ideologia, não como presidente de todos os brasileiros.

* Sociólogo
 

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  • Enio Meneghetti
  • 09 Abril 2015

Nota publicada na última edição da revista Época traz a informação de que, finalmente, estaria para começar a mais temida das delações premiadas da operação Lava Jato. A Procuradoria-Geral da República já teria acordado com o engenheiro Ricardo Pessoa, da UTC, os termos de sua delação.

Coordenador do cartel das empreiteiras, Pessoa é o personagem que faltaria para expor Lula, Vaccari e José Dirceu. Pessoa já revelou a pessoas próximas que pagou despesas pessoais do ex-ministro José Dirceu, deu 30 milhões de reais em 2014 a candidaturas do PT, incluindo a presidencial de Dilma Rousseff – tudo com dinheiro desviado da Petrobras. Além disso, seria o grande conhecedor da atuação do cartel de empreiteiras nos demais órgãos do governo.

Ele já teria começado a falar tudo o que sabe, mas o conteúdo explosivo só tem valor processual após a homologação do acordo pelo relator do processo da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki.

Na outra ponta, Dilma teria confidenciado a interlocutores que estariam próximas a acontecer a soltura dos presos preventivamente pela operação Lava Jato, entre eles o próprio Ricardo Pessoa.

A avaliação é de que, se essa previsão se confirmar, a tendência seria os empresários abandonarem as negociações com os procuradores, tornando praticamente nulas as possibilidades de colaborarem com as apurações.

Dilma fez tal prognóstico ao se referir ao julgamento que a Segunda Turma do STF fará, nos próximos dias, do pedido de libertação do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC.

Como ela teria conhecimento de decisões ainda não proferidas pela mais alta corte do país, é algo que não se sabe.

Vamos analisar os fatos: embora Dilma esteja com apenas 12% de aprovação, o governo não deve estar assistindo inerte os fatos acima descritos. Usará todos os meios – republicanos ou não – que tiver a seu alcance de evitar esses fatos, que tem potencial avassalador.

Nos meios políticos já se comenta, abertamente, que a Força Tarefa do Ministério Público Federal tem indícios para implicar pessoas do último pavimento. Principalmente aquele que já teve foro privilegiado e hoje não o detém.

Até onde irão a motivação, as condições e a vontade de Dilma para continuar no Palácio do Planalto com aprovação de 12 % e em queda, é uma grande dúvida.

O potencial de traição e debandada do barco de Dilma é óbvio ululante.

Some-se a isto a crise econômica em curso. Falta pouco para o Brasil evoluir de uma recessão já visível para uma depressão.

Com a crise política se intensificando, resta saber de que lado será o primeiro personagem a enfartar.

Esse poderá ser o melhor indício de para o qual o lado a balança irá pender.

www.eniomeneghetti.com

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  • Nivaldo Cordeiro
  • 09 Abril 2015

Se as manifestações do domingo vindouro forem da envergadura com que estão previstas, Dilma Rousseff terá que sair do poder.

O dia de ontem mostrou o tamanho do desastre da desarticulação política da presidente Dilma Rousseff. Sua inabilidade e falta de realismo levou-a a um beco sem saída. Para piorar, está colhendo os frutos dos graves erros de decisão que tomou desde que a campanha eleitoral foi encerrada, refletidos nos índices de preços e da produção. A irritação dos brasileiros com seu governo está expressa nas elevadíssimas taxas de rejeição que ela sofre, as maiores desde que são medidas.

A coincidência da elevação dos índices de preços com a impopularidade não é ao acaso. Dilma Rousseff errou profundamente ao fazer realinhamento de preços do setor elétrico. Não é possível imaginar que houvesse um descompasso de 50% nos preços e a decisão ficou parecendo como a uma maneira de extorquir os contribuintes com mais impostos indiretos. Ocorre que a conta de luz é democrática e chega a cada um dos lares. Ninguém se esquecerá facilmente desse tarifaço. Parece óbvio que o mais sensato teria sido um reajuste paulatino, sem tentativa de arrecadar mais com os preços de monopólio.

Essa decisão, ao lado das eloquentes revelações dos processos do petrolão, são os dois ingredientes decisivos na derrocada da popularidade de Dilma Rousseff. Já a relação deteriorada com o Congresso Nacional se deve a um fator exógeno ao PT: a vitória parlamentar do PMDB nas últimas eleições, que foi feita às custas do PT. E também porque o Congresso se deu conta do regime semi parlamentarista em vigor, tendo passado a exercer seus plenos poderes constitucionais. O Executivo fragilizou-se imediatamente. Ainda ontem a presidente parece ter abdicado da palavra final das coisas do Governo ao conceder a Michel Temer que a Casa Civil não terá a palavra final sobre os acordos políticos. O ministro deveria se demitir depois dessa.

Há ainda um outro fator determinando a queda da popularidade: o preço dos combustíveis. Toda gente sabe que a cotação do petróleo no mercado internacional caiu à metade, enquanto que a Petrobras, surrupiada pelo PT, pratica os maiores preços do planeta, absorvendo margem desproporcional. O fato está refletido nos índices de preços e nas pesquisas de opinião. Podemos dizer: o povo não é bobo.

O governo de Dilma Rousseff, enquanto proposta articulada para o país, acabou ontem, com a abdicação de seu poder sobre as decisões políticas. Michel Temer virou uma espécie de regente, à espera do desenlace final de um eventual processo de impeachment. A história ensina que um governo não sobrevive sem o apoio de seu próprio povo. As manifestações do próximo dia 12 de abril deverão servir de marco no rumo de uma eventual transição de poder.
O PT esgotou-se de tanto mentir. A propaganda eleitoral de Dilma Rousseff, dizendo que não haveria ajuste fiscal para, em seguida, fazê-lo corroeu as bases da legitimidade do poder. Foi uma traição direta aos seus eleitores. Um desastre de comunicação dessa envergadura só pode ocorrer se se achar que as pessoas não perceberiam o abismo entre a prática e o discurso de véspera. O povo não é bobo, não.

Agora é esperar os próximos passos. Se as manifestações do domingo vindouro forem da envergadura com que estão previstas, Dilma Rousseff terá que sair do poder, por bem ou por mal. Até porque as manifestações não serão esgotadas no domingo. Outras virão, agora provavelmente em meio dos sintomas mais tenebrosos da crise econômica, a começar pela elevação da inflação e do desemprego. O PT perdeu qualquer legitimidade com suas mentiras.
Quem viver verá.

 

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  • Carlos I.S. Azambuja
  • 09 Abril 2015

"Quando teníamos todas las respuestas se cambiaram las perguntas" ( frase pichada em um muro, em Quito, Equador, logo após a queda do socialismo real )


"O Furor e o Delírio" é o título de um livro escrito por Jorge Masetti, editado em 1999 na Espanha. Jorge Masetti, nascido na Argentina, é filho de Ricardo Masetti, jornalista argentino que chegou a Cuba em 8 de janeiro de 1960, com sua mulher e filho, então um menino, no mesmo dia em que Fidel Castro entrava em Havana à frente de seus guerrilheiros.

Nesse mesmo ano Ricardo Masetti fundou a agência de notícias "Prensa Latina", que existe até hoje. Tornou-se amigo de Che Guevara e, em 1965, foi mandado para chefiar um grupo guerrilheiro em Salta, Argentina, onde foi morto.

O menino Jorge Masetti, então com 9 anos, tornou-se um protegido de Manuel Piñero Losada, responsável pelos Serviços de Inteligência de Cuba. Posteriormente, ainda muito jovem, com 17 anos, recebeu treinamento armado e passou a integrar o Departamento América (órgão de Inteligência vinculado ao Comitê Central do Partido Comunista Cubano), sob as ordens de Piñero.

Durante toda sua vida desempenhou atividades clandestinas em diversos países da América e África, bem como lutou na Nicarágua junto às forças da frente Sandinista de Libertação Nacional.

Um dos capítulos do livro (páginas 134 a 137), refere-se às suas atividades no México, nos anos de 1981. Esse relato revela a estratégia empregada pelo Departamento América e o apoio aos grupos guerrilheiros de então, na América Latina, bem como as atividades desenvolvidas para conseguir dinheiro, "de qualquer jeito".

"Minhas tarefas foram diversificadas cada vez mais. Fui encarregado de conseguir contatos que nos emprestassem seus nomes para abrir contas bancárias que utilizaríamos para depositar o dinheiro que obtínhamos com o que chamávamos de "centrífugas", operações que consistiam em facilidades a todos os que viajavam a Cuba através do Departamento, fornecendo dinheiro mexicano para que comprassem os 500 dólares autorizados pelo governo. Eu trocava esses dólares no câmbio negro e os depositava nessas contas e, após, comprávamos dólares novamente. Então, a diferença entre o preço do dólar oficial e o negro era de quase cem por cento. Viajavam a Cuba cerca de 20 a 30 pessoas por semana.

Posteriormente, começamos também a utilizar essas contas para depositar o dinheiro que as organizações revolucionárias da América Latina colocavam aos cuidados de Cuba.

Essa era uma forma de conseguir autofinanciamento para complementar o estreito orçamento oficial. Desde Cuba, as pressões eram cada vez maiores para que conseguíssemos, de qualquer maneira, divisas. A partir de então, começamos a desenvolver todos os tipos de atividades, cada vez mais comprometedoras.

De Havana recebemos ordem para prestar apoio técnico a grupos guerrilheiros latino-americanos que operavam no México. Desde assaltos a bancos até a joalherias. O responsável em Cuba era Armando Campos, Primeiro Vice-Chefe do Departamento América ( Armando Campos Ginestra responde, até hoje, por uma das chefias do Departamento América ).

O êxito de algumas operações montadas por esses grupos em outras latitudes estimulou Cuba a lançar-se, indiscriminadamente, a esse tipo de atividades, dando apoio financeiro e logístico em qualquer país. O México, por suas facilidades para emigrar, ineficiência policial, pela densidade da sua população e pela presença de um numeroso exílio, apresentava vantagens excepcionais.

Aquilo que começou sendo uma atitude conjuntural converteu-se em tarefa permanente e. por que não admití-lo, em um fim em si mesmo. Houve companheiros que se especializaram nesse tipo de missões, gerando o desenvolvimento de uma bandidagem revolucionária. Essas ações outorgavam um poder, uma capacidade de manipulação e uma autonomia de recursos muito acima das que dispunham o restante dos militantes, inclusive aqueles que se encontravam em uma verdadeira situação de clandestinidade em seus países.

Essas operações permitiam a Cuba não só reduzir a ajuda que desembolsava, como, também, como administradora desses fundos, arrogar-se ao direito de dispor de maiores orçamentos para apoiar o movimento revolucionário que desejasse e, inclusive, financiar os deslocamentos dos funcionários do Departamento América. A princípio, a colaboração não era de grande envergadura. A mala diplomática era utilizada para introduzir o armamento necessário, mas logo começou a colaboração em matéria de informações e, inclusive, colocávamos em contato grupos de origens distintas para desenvolver operações de maior alcance e estimulávamos aquelas organizações que ainda não estavam implicadas nesse tipo de atividades a preparar grupos especiais. Nós, do escritório do México, em mais de uma oportunidade lhes demos apoio e facilitamos contatos.

Recordo que uma vez um dos funcionários que trabalhavam com Armando Campos viajou ao México e tentou recrutar-me para que me incorporasse diretamente com um desses grupos, o que não foi aceito pelo meu chefe imediato na embaixada: "Alejandro" ( Armando Coma. Seria Fernando Pascual Comas Perez, até hoje integrante do Departamento América ).

Nós dávamos apoio e entregávamos aos grupos operacionais o que chegava de Havana: armas, dinheiro para a montagem das operações e passagens, caso algum deles tivesse que viajar a Cuba para entrevistar-se diretamente com Armando.

Recordo de uma vez, quando entregamos armas. Nessa mesma semana foram assaltados dois bancos que estavam na mesma esquina, em Concepción Beistegui com Avenida Coyoacán. A imprensa comentava que, pelo nível de especialização e sangue frio dos atacantes, só poderia tratar-se de ex-policiais afastados. Nós sabíamos de quem se tratava e, poucos dias depois, obtínhamos a confirmação quando a pessoa à qual havíamos entregado as armas nos passou uma soma de "traveler's checks" em banco para que os negociássemos.

Os assaltos continuaram e, na mesma medida, a introdução de armas e as viagens dos funcionários que trabalhavam com Armando.

Em uma ocasião, também, demos apoio a um grupo de "Los Macheteros", que lutava pela independência de Porto Rico".

Posteriormente, em 1988, em Havana, "Tony de La Guardia" ( como era conhecido o Coronel Antonio de La Guardia, com cuja filha, Ileana, Jorge Masetti posteriormente se casou ), que lutara no Líbano e na Nicarágua e que no Chile, durante o Governo Allende, chefiara um grupo cubano das Forças Especiais, dirigia um grupo que dependia da DGI ( "Direción General de Informaciones" ). Esse grupo tinha por tarefa tentar romper o bloqueio norte-americano obtendo tecnologia para os diversos ramos da indústria e da medicina. Devia também buscar divisas de qualquer forma, pois Cuba não contava com o orçamento necessário para a aquisição do abastecimento de que precisavam os diversos ministérios. O nome da seção especial dirigida por "Tony", no seio da DGI, era MC, que significava “moeda conversível", ou seja, Fidel Castro lhe havia outorgado uma espécie de "patente de corsário" para buscar dinheiro.

Antonio de La Guardia viria a ser julgado e fuzilado em 1989, em Havana, pois na sua busca por "moeda conversível", para atender às necessidades cada vez maiores do Estado cubano, foi acusado de "ligação com o narcotráfico".

Em 1990, Jorge Masetti e Ileana exilaram-se na Espanha, onde vivem atualmente.

No final do livro, Jorge Masrtti faz uma autocrítica demolidora:

"Quando observo o que foi a minha vida e a de tantos outros, caio em conta de que a revolução não foi mais que um pretexto para cometer as piores atrocidades tirando-lhe todo vestígio de culpabilidade. Escudávamo-nos na meta de buscar fazer o bem à humanidade, meta que era uma falácia. Éramos jovens irresponsáveis, aventureiros. Éramos uma casta à parte, inclusive à parte dos revolucionários que operavam localmente em seus países, os quais se viram obrigados a adotar a luta armada pelas circunstâncias políticas. Nós, em troca, éramos uma mescla de James Bond com umas gotas de marxismo muito superficiais, aos quais tudo era permitido, sobretudo viver de maneira diferente de como o faziam os militantes que realizavam o obscuro e anônimo trabalho de massas para construir uma organização política. Éramos a vanguarda da revolução cubana, os meninos mimados de Fidel e de Manuel Piñero, que não fomos eleitos nem por nossa inserção nas massas nem por nosso espírito de sacrifício cotidiano. Éramos eleitos por não pertencer a nada, sem religião nem bandeira, com uma capacidade de aventura muito desenvolvida e com um grau de cinismo não menos importante. Hoje, posso afirmar que por sorte não ganhamos, pois, caso contrário, tendo em conta nossa formação e o grau de dependência com Cuba, teríamos afogado o continente em uma barbárie generalizada. Uma de nossas palavras de ordem era fazer da Cordilheira dos Andes a "Sierra Maestra" da América Latina, onde, primeiro, teríamos fuzilado os militares, depois os opositores, e logo os companheiros que se opusessem ao nosso autoritarismo. Eu sou consciente de que atuaria dessa forma.

É muito cômodo invocar o argumento de que fomos manipulados, como é muito cômodo, também, escudar-se por trás das lutas contra as ditaduras militares para justificar os abusos. É necessário revelar a parte obscura, essa parte inconsciente relacionada com a fascinação pelo poder, vizinha da tendência de praticar a crueldade, porque não só tratamos de destruir nossos inimigos, como destruímos nossos companheiros, nossos filhos e os colaboradores. Em realidade, durante todos esses anos de luta, destruímos sem construir nada. Nós vivíamos num mundo fechado entre nós, freqüentando lugares especiais onde só íamos nós. Eu não ia a pizzarias, onde come todo o mundo. Eu freqüentava os restaurantes onde comiam os chefes. Esse era o meu mundo.

O que eu vivi desde minha chegada a Cuba será sempre uma ferida aberta. Uma fratura entre o antes e o depois. Entre as ilusões do furor guevarista, o delírio da luta armada e a época do desencanto".

No livro de Jorge Masetti podem ser encontradas as raízes, em 1982 / 1983, no México, da estratégia dos Serviços de Inteligência de Cuba no apoio a "operações" em toda América Latina, a fim de buscar equilibrar os orçamentos do país. São essas as origens dos seqüestros de Abílio Diniz, do banqueiro Beltran Martinez e dos publicitários José Salles, Geraldo Alonso e Washington Olivetto, no Brasil; de Christian Edwards Del Rio ( filho do dono do jornal "El Mercurio"), no Chile; e outros, no Panamá e no México, todos utilizando a mão-de-obra ociosa de antigos revolucionários do continente. Nesses seqüestros, como não é segredo, os Serviços de Inteligência de Cuba sempre atuaram nos bastidores.

 

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  • Olavo de Carvalho
  • 07 Abril 2015

Os liberais e conservadores deste país nunca hão de tirar o pé da lama enquanto continuarem acreditando que nada mais os separa dos esquerdistas senão uma divergência de idéias, apta a ser objeto de polidas discussões entre pessoas igualmente honestas, igualmente respeitáveis. A diferença específica do movimento revolucionário mundial é que ele infunde em seus adeptos, servidores e mesmo simpatizantes uma substância moral e psicológica radicalmente diversa daquela que circula nos corações e mentes da humanidade normal. O revolucionário sente-se membro de uma supra-humanidade ungida, portadora de direitos especiais negados ao homem comum e até mesmo inacessíveis à sua imaginação.

Provar que o esquerdista esta errado, não significa nada. Você tem é de mostrar como ele é mau, perverso, falso, deliberado e maquiavélico por trás de suas aparências de debatedor sincero, polido e civilizado.

Quando você discute com um esquerdista, ele se apóia amplamente nesses direitos, que você ignora por completo. A regra comum do debate, que você segue à risca esperando que ele faça o mesmo, é para ele apenas uma cláusula parcial num código mais vasto e complexo, que confere a ele meios de ação incomparavelmente mais flexíveis que os do adversário. Para você, uma prova de incoerência é um golpe mortal desferido a um argumento. Para ele, a incoerência pode ser um instrumento precioso para induzir o adversário à perplexidade e subjugá-lo psicologicamente. Para você, a contradição entre atos e palavras é uma prova de desonestidade. Para ele, é uma questão de método.

A própria visão do confronto polêmico como uma disputa de idéias é algo que só vale para você. Para o revolucionário, as idéias são partes integrantes do processo dialético da luta pelo poder; elas nada valem por si; podem ser trocadas como meias ou cuecas.

Todo revolucionário está disposto a defender “x” ou o contrário de “x” conforme as conveniências táticas do momento. Se você o vence na disputa de “idéias”, ele tratará de integrar a idéia vencedora num jogo estratégico que a faça funcionar, na prática, em sentido contrário ao do seu enunciado verbal. Você ganha, mas não leva. A disputa com o revolucionário é sempre regida por dois códigos simultâneos, dos quais você só conhece um. Quando você menos espera, ele apela ao código secreto e lhe dá a rasteira.

Você pode se escandalizar de que um desertor das tropas nacionais seja promovido a general post mortem enquanto no regime que ele desejava implantar no País o fuzilamento sumário é o destino não só dos desertores, mas de meros civis que tentem abandonar o território. Você acha que denunciando essa monstruosa contradição acertou um golpe mortal nas convicções do revolucionário. Mas, por dentro, ele sabe que a contradição, quanto menos explicada e mais escandalosa, mais serve para habituar o público à crença implícita de que os revolucionários não podem ser julgados pela moral comum. A derrota no campo dos argumentos lógicos é uma vitória psicológica incomparavelmente mais valiosa. Serve para colocar a causa revolucionária acima do alcance da lógica.

Você não pode derrotar o revolucionário mediante simples argumentos. A eles é preciso acrescentar o desmascaramento psicológico integral de uma tática que não visa a vencer debates, mas a usar como um instrumento de poder, até mesmo a própria inferioridade de argumentos.

Em cada situação de debate é preciso transcender a esfera do confronto lógico e pôr à mostra o esquema de ação em que o revolucionário insere a troca de argumentos e qual o proveito psicológico e político que pretende tirar dela para muito além do seu resultado aparente.

Mas isso quer dizer que o único debate eficiente com esquerdistas é aquele que não consente em ficar preso nas regras formais num confronto de argumentos, mas se aprofunda num desmascaramento psicológico completo e impiedoso.

Provar que um esquerdista está errado não significa nada. Você tem é de mostrar como ele é mau, perverso, falso, deliberado e maquiavélico por trás de suas aparências de debatedor sincero, polido e civilizado. Faça isso e você fará essa gente chorar de desespero, porque, no fundo, ela se conhece e sabe que não presta. Não lhe dê o consolo de uma camuflagem civilizada tecida com a pele do adversário ingênuo. *Olavo de Carvalho 

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