• Jorge Béja
  • 07 Maio 2016

(Publicado originalmente na Tribuna da Internet)

Em seu artigo de hoje (sábado, 7/5/2016) no O Globo, o festejado, respeitabilíssimo, culto e imortal Merval Pereira (Merval é, merecidamente, membro da Academia Brasileira de Letras, ABL) demonstra que eventual recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para obter a anulação do processo de Impeachment será inócuo. E Merval alinha os motivos, aqui reproduzidos em síntese: a) a tese de que o impeachment foi instaurado por vingança de Cunha contra o PT não tem serventia, a não ser na luta política; b) os governistas convalidaram todos os passos do processo, após o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) do PCdoB, ao disciplinar a Suprema Corte o rito para a regular tramitação do processo; c) que o senador Raimundo Lira, que presidiu a Comissão no Senado “deu um nó nos governistas, permitindo que usassem e abusassem de questões de ordens. Deu a palavra a todos eles mesmo quando o regimento não permitia, e o que parecia uma leniência mostrou-se sabedoria, pois ficou impossível à oposição aguerrida alegar cerceamento de defesa e outros pretextos”.

As razões apresentadas por Merval são sólidas. Sólidas e jurídicas. Mas existe uma outra — mais a seguir exposta —de igual ou maior peso, que inviabiliza qualquer tentativa de se buscar no STF a anulação deste processo que tramita de forma regular e imparcial.

VOTOS FOLCLÓRICOS

Nem mesmo aqueles votos dos deputados que na sessão plenária aprovaram a abertura do processo e enviá-lo ao Senado, com votos carregados de dedicatórias e exaltações pessoais, justificam e são argumentos com vista a anulação do processo. Prova disso está no voto do ministro Barroso.

Na sessão do STF que suspendeu, por 11 X 0, o mandato de Cunha, Barroso, antes de dizer “acompanho o relator”, gastou menos de meio minuto para justificar seu voto. E não foi justificação jurídica. Foi metafórica. E emocionada, também. Com o seu doce e meigo tom de voz registrou o ministro Barroso: “Senhor Presidente, uma pessoa me disse assim, ministro, eu não quero trocar o Brasil por outro pais. Eu quero é um outro Brasil”.

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Há no Direito três institutos que são implacáveis e intransponíveis, que são: prescrição, decadência e preclusão. Todos dizem respeito a tempo e inércia do titular de um Direito. Se a lei estabelece prazo para exercitá-lo e o titular não recorre a Justiça dentro daquele prazo, a lei considera sua pretensão prescrita.

O mesmo acontece com a decadência. No prazo que a lei estipula, a ação deve dar entrada na Justiça. Caso contrário, a pretensão permanece, mas o Direito é fulminado pela decadência. Exemplo: contrato de locação comercial dá ao inquilino o prazo de 6 meses antes do término do contrato par ir à Justiça e renová-lo. É a chamada Ação Renovatória. Se perder o prazo, o inquilino fica na mão do senhorio, que faz dele (do contrato e do inquilino) o que bem entender: despeja ou impõe o valor que o senhorio quiser.

O terceiro e último instituto é o que interessa ao Impeachment e que aqui vai indicado como suplemento às jurídicas fundamentações do nobilíssimo Merval Pereira.

DA PRECLUSÃO

Até Aqui ninguém falou ou escreveu sobre ela, a preclusão, no tocante ao processo do Impeachment. Então, fala-se agora, pela primeira vez. Desde aquele dia do mês de dezembro de 2015 que Eduardo Cunha recebeu a denúncia subscrita por Hélio Bicudo e mais dois outros juristas, começou a contar prazo para que fosse arguída a hoje alegada nulidade por parcialidade de Eduardo Cunha .

E toda e qualquer arguição de nulidade deve ser levantada (apresentada) logo na primeira vez que a parte, a quem a nulidade beneficia, falar nos autos. Caso contrário, a preclusão se consuma e nunca mais pode ser objeto de argüição.

“A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão“, previa o artigo 245 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 e vigente em Dezembro de 2015.

Este novo CPC de 2016 também dispõe no mesmo sentido e com a mesmíssima redação (Artigo 278, CPC/2016). E Dilma, por seu Advogado-Geral da União falou — e como falou!! — nos autos muitas e muitas vezes, da tribuna do STF, da Câmara e do Senado. Neles interveio, de viva voz e por escrito e jamais alegou nulidade.

SEM ALEGAR NULIDADE

E se alegou, era obrigação de alegá-la na primeira oportunidade em que Dilma falou no processo. Na segunda e nas vezes seguintes não poderia mais.

Logo e consequentemente, eventual alegação de nulidade, nesta avançada fase em que se encontra o processo de Impeachment, nem será examinada, por que se trata de matéria preclusa.”Dormientibus Non Sucurrit Jus” ( O Direito não socorre os que dormem no processo), como nos ensinaram os Romanos.

E como é de trivial conhecimento no mundo jurídico, não se pode esquecer que os dispositivos previstos no Código de Processo Civil podem e devem ser aplicados, por analogia, a todos os procedimentos judiciais, administrativos e políticos instaurados no cenário jurídico nacional.

Além disso, prevê o artigo 3º do Código de Processo Penal Brasileiro que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. Portanto, prescrição, decadência e preclusão são princípios cardeais do Direito pátrio, seja qual for a sua especialidade ou ramo. 

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  • Jayme Eduardo Machado
  • 07 Maio 2016

 

Em tempos de mentiras, me sinto saudoso dos grandes mestres. Daqueles em quem só percebíamos verdades, ainda que eles, na sua sabedoria, por vezes delas duvidassem. E que num passado não tão distante povoaram as nossas cátedras acadêmicas.

Falo daqueles de quem transbordava muito de honestidade intelectual pelo compromisso de suas consciências com a busca da verdade, e aos quais retribuíamos em respeito, com a certeza de ganhar segurança, no mínimo para o exercício do bem pensar. E, mesmo que algo permanecesse não entendido, tal era a intensidade daquela empatia que lá adiante – neurônios mais amadurecidos-, por certo que as dúvidas se dissipariam.

Pois dentre muitas que tive, uma delas recentemente se esclareceu. Lembro de ter ouvido do mestre de Direito Administrativo Ruy Cirne Lima, há 50 anos, mais ou menos isso: “ ... o interesse público, e não a vontade do administrador, domina todas as formas de administração”. Não havendo isso ocorre o “desvio de finalidade” que a lei coíbe. Na época tal distinção me pareceu pura teoria, distante da prática possível. Ele separava, numa mesma pessoa, o “querer do homem comum” e o “querer do agente público”, coisas distintas. E uma luz acendeu quando ouvi um representante do estado a que chegamos bradar: “... o processo de impeachment é nulo por vício de origem, pois foi aberto por Eduardo Cunha, agora afastado por corrupção”. O que diria o velho Ruy? Que não foi o “querer do Cunha”, mas sim o interesse público contido na “vontade do presidente da Câmara dos Deputados” que abriu o processo de impedimento. O “homem” corrupto até pode ter agido com o sentimento pessoal de vingança, mas o “agente público” procedeu conforme o interesse público expresso na lei que o autorizava a abrir o processo. Ao contrário da nomeação de Lula para ministro, em que o “desvio de finalidade” ficou escancarado, pois o sentimento de proteção foi a determinante exclusiva do “interesse pessoal de Dilma”, inexistente o mínimo vestígio de “interesse público da presidente da República”. Na época em que ouvi a lição, senti dificuldade em entender ,mas na prática ficou mais fácil. Enfim, aprendi com o Cunha o que na teoria o professor Ruy tentava me ensinar.
 

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  • Fernanda Barth
  • 07 Maio 2016

 

(Publicado originalmente em pontocritico.com. A autora é cientista política e membro do Grupo Pensar+.)

RECONSTRUÇÃO NACIONAL
O próximo governante, Michel Temer, terá a responsabilidade histórica de aproveitar este contexto ímpar que vivemos. As reformas que o país precisa estão na geladeira há tempo demais. A crise aguda, na economia e na política, pode ser o ambiente ideal para selar um consenso para a reconstrução nacional do país através da implantação de uma agenda verdadeiramente reformista e transformadora.

UMA PONTE PARA O FUTURO
Gosto do título da palestra que Temer tem dado: UMA PONTE PARA O FUTURO. Só que quero atravessar a ponte e poder andar em terra firme, nada de pântanos ou areias movediças.

PRÉ-REQUISITOS
Antes da agenda, alguns pré-requisitos se impõem para se fazer as reformas necessárias:
1- ter uma mente guiada pela razão, ser liberal ou simpatizante e compreender que é de liberalismo e mercado livre que o país precisa;
2- ter coragem para enfrentar as corporações e os falsos movimentos sociais (cooptados e partidários), acabando com as mordomias, privilégios e desperdício de dinheiro público;
3- ter foco e saber planejar;
4- sair do campo do discurso e do diagnóstico (que todos estão cansados de conhecer) e entregar uma política de resultados;
5- saber compor, resistindo ao fisiologismo como instrumento de compra de apoio e formando uma base unida por um projeto de país.

AGENTE TRANSFORMADOR
Uma vez que o espírito de Temer esteja imbuído de ser o nosso agente transformador (termo ironicamente roubado do marxismo cultural) precisamos que ele faça a imediata e drástica redução da máquina pública, ministérios e cargos, reduzindo os custos de governo. É preciso sempre lembrar que:
1- QUANTO MAIS ESTADO, MENOS LIBERDADE.
2- QUANTO MAIS DIREITOS COLETIVOS, MENOS DIEREITOS INDIVIDUAIS.
3- QUANTO MAIS PODER POLÍTICO, MAIOR A CORRUPÇÃO.
AGENDA PARA O DESENVOLVIMENTO
A seguir é preciso que Temer promova:
1- a abertura da economia, com reposicionamento da política de comércio internacional;
2- realize uma ampla reforma fiscal com ajustes das contas públicas.;
3- um amplo programa de concessões e privatizações e de investimentos massivos em infraestrutura.
4- uma definitiva reforma tributária com redução e simplificação de impostos e taxas;
5- a reforma política com fim de reeleição, voto distrital misto e recall; e,
6- a tão necessária e inadiável reforma previdenciária.

POLÍTICAS PÚBLICAS
Mais: é preciso que Temer esteja ciente de que o país precisa de políticas de educação e planejamento familiar. É preciso, com urgência, restituir os valores morais e a ética neste país. Precisamos de governantes que sejam exemplos de conduta.
O país exige, imediatamente, o fim do foro privilegiado para crimes de todo tipo, das mordomias dos três poderes, dos cartões corporativos (sem limite e sem prestação de contas), do uso do dinheiro público, via BNDES, para bancar investimentos em outros países quando aqui nossa infraestrutura cai aos pedaços.
No Brasil pós Dilma queremos que todos os brasileiros cumpram as mesmas leis. Invadiu? Depredou? Roubou? Cadeia. Agrediu? Direito de defesa. Ameaçou com armas? Legítima defesa. A "função social da propriedade" é outra aberração que tem que ser revista. Fim da contribuição sindical obrigatória, outra prioridade.
Escola Sem Partido é super necessário e precisa ser política de Estado. Rever as últimas políticos do MEC e focar a escola no preparo técnico e científico, ao contrário do ideológico que forma alunos-militantes. A escola não deve dizer a ninguém como pensar ou agir.

NOVO PARADIGMA
O Brasil também precisará rever este excesso de direitos de nascimento (moradia, educação, saúde, alimentação, lazer (!)), garantidos por lei na Constituição Federal de 1988, mas sem nenhuma sustentabilidade.
Nossa Constituição precisa passar por ampla reforma, mas antes temos que eleger uma bancada federal mais conservadora e liberal. Por enquanto, reforma constituinte é tiro no pé.

Precisamos neutralizar as façanhas do Foro de São Paulo, deixando de ser signatários e patrocinadores. Nosso país precisa sair do debate jurássico no qual este governo petista nos jogou, levando o Brasil ao atraso de ter que debater o socialismo, quando o mundo todo já viu que o modelo marxista não funciona. Luta de classes é coisa da época da Revolução Industrial. Estamos vivendo a Revolução Tecnológica. Estas teorias estão ultrapassadas.
Vivemos um novo paradigma de trocas entre as pessoas. Deveríamos estar falando de República versus Populismo pois só se fala em Esquerda versus Direita em países subdesenvolvidos.

Enfim, o Brasil pós PT, o Brasil pós Dilma é praticamente um país que precisa ser reconstruído após uma guerra. Esta esquerda que está aí que fez aliança com as elites mais ultrapassadas do país, aquelas que remontam aos Donos do Brasil de Raimundo Faoro...banqueiros, empreiteiros, grandes latifundiários. Nenhum deles capitalista. Eles são patrimonialistas, clientelistas. Nenhum deles adepto ao livre mercado, gostam de mesadas, financiamentos, benesses de governo. Não querem competir de igual para igual. Foi com esta gente, que perpetua a miséria para se manter no poder, que os novos coronéis, agora coronelismo político, dominam o país.
 

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  • Vinicius Boeira
  • 07 Maio 2016

(O autor é membro do grupo Pensar+. O artigo foi publicado originalmente em pontocritico.com)

Em verdade, a Dilma já caiu, o afastamento é que ainda requer alguns procedimentos burocráticos. E, já que estamos sem pai (dos pobres) nem mãe (do PAC), deveríamos aproveitar para tentar consertar as coisas de maneira que o próprio organismo institucional possa se manter e fazer as depurações naturalmente.

MOMENTO ÚNICO
Esse é um momento único e novo na vida nacional, onde a participação popular está se dando por iniciativa de entidades não tradicionais da sociedade civil, por fora de sindicatos, ONG's, partidos e entidades de classe profissional. Também não é por meio de entidades do movimento estudantil.
Dessa vez, a sociedade está organizada em movimentos de interesse puramente político institucional, sem amarras do estado à exemplo do que ocorre nos EUA. Isso é novo, muito novo nesse lado do equador.

MOMENTOS RECENTES
Em momentos recentes, a população foi às ruas gritar por diretas e exigir a saída do Collor. Contudo, estava capitaneada por interesses partidários e logo que atingiu os objetivos retornou para o sofá, acreditando que seus lideres partidários e sindicais resolveriam o por vir.


APRENDIZADO
Aprendemos que isso não funcionou, como não vem funcionando os atuais sistemas de governo e eleitoral. A exposição do corpo de deputados com a votação do impeachment causou náuseas em razão da desqualificação. Há que entender que o sistema eleitoral vigente permite que sejam eleitos candidatos com menor sufrágio, afastados dos eleitores e sem conhecimento da realidade local.

GOVERNO CORRUPTO
Da mesma forma, resta evidente o trauma que causa a tentativa de afastamento de um governo corrupto. É imperioso que tenhamos uma forma rápida, legal e racional de substituição, não só para afastar desonestos mas, principalmente, para afastar ineficientes.

SISTEMA FALIDO
A saída da Dilma está provando que o sistema de governo faliu, e se faz necessário uma mudança estrutural. Agora que estamos sofrendo as dores de um parto institucional, devemos adotar o sistema parlamentarista, que separa o governo do estado, profissionaliza a administração, mantém a continuidade dos serviços públicos separados dos interesses partidários e ideológicos, permite a troca rápida e tranquila de governo, a substituição do congresso com encurtamento do mandato e força a prestação de contas perante a Câmara, já que todos os ministros serão deputados em pleno exercício do mandato.

MOBILIZAÇÃO GERAL
O momento é propício para que a população, por si, com suas novas formas de organização, se mantenha mobilizada e exija mudanças nas regras do sistema eleitoral, restabelecendo a proporcionalidade do um homem um voto, e para adotar o sistema que vegetativamente separa os maus e os ruins, preservando os competentes e bem intencionados.
O voto distrital, ou distrital misto, vincula o eleito a um território restrito e a uma parcela da população, reduzindo significativamente os custos da campanha, fidelizando partidariamente, e faz com que a cobrança dos eleitores seja efetiva.
A PEC 20-A, Proposta de Emenda Constitucional nº 20-A, de 1995, que institui o sistema parlamentarista, já tramitou nas comissões e está pronta para ser aprovada pelo Congresso. Ela têm defeitos e não é a solução de tudo. Mas, é um bom começo! Aprovar ela logo no início do governo Temer será uma mostra de que o Brasil caminha para melhores dias.
Ou é isso, e se inicia a construção de um novo futuro; com o Temer inscrevendo seu nome de maneira positiva na história do Brasil; ou voltaremos às ruas em um quarto de século para gritar , novamente, impeachment já!

* Presidente do Movimento Parlamentarista Brasileiro

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  • Josias de Souza
  • 06 Maio 2016

(Publicado originalmente em http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/)

O cronista Nelson Rodrigues ensinou que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe. Tome-se o caso de Lula. Fenece politicamente desde 2005, quando explodiu o mensalão. Mas demorou dez anos para que a Procuradoria-Geral da Repúlica providenciasse a lápide.

Veio na forma de uma denúncia e de uma petição ao STF. Na denúncia, o procurador-geral pede a conversão de Lula em réu por ter tentado comprar o silêncio do delator Nestor Cerveró. Na petição, requisita a inclusão de Lula e outras 29 pessoas no “quadrilhão”, como é conhecido o principal inquérito da Lava Jato. Nesse texto, Janot esculpiu um epitáfio com cara de óbvio:
“Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse.''

A conclusão do procurador-geral elimina uma excentricidade dos governos do PT. Está chegando ao fim a era da corrupção acéfala. Janot fez, finalmente, justiça a Lula, protegendo-o de si mesmo. A pose de Lula diante da roubalheira não fazia jus à sua fama.

O mal dos partidos políticos, como se sabe, é que eles têm excesso de cabeças e carência de miolos. O PT sofre da mesma carência, mas com uma cabeça só. Desde que empinou a tese do “não sabia”, Lula vinha renegando sua condição de cérebro solitário do PT. Reivindicava o papel de cego atoleimado.
Se aceitar a denúncia da Procuradoria, o STF não irá apenas transformar Lula em réu. Restabelecerá a lógica, acomodando o personagem no topo da hierarquia da quadrilha.

Mirando para baixo, Janot disparou várias balas que muitos davam como perdidas. Requereu a inclusão no inquérito do “quadrilhão” de vários nomões do PT, do PMDB e da vizinhança de Dilma.

Gente como os ministros palacianos Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Edinho Silva; os ex-ministros Erenice Guerra, Antonio Palocci e Henrique Alves; os senadores Jader Barbalho e Delcídio Amaral; o deputado Eduardo Cunha… De quebra, foi alvejado o principal assessor de Dilma, Giles Azevedo.

Como se fosse pouco, Janot requereu a abertura de inquérito contra a própria Dilma, o advogado-geral do impeachment, José Eduardo Cardozo e, de novo, Lula. Acusa-os de tentar obstruir as investigações.

No início de março, quando foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento à Polícia Federal por ordem do juiz Sérgio Moro, Lula reagiu com uma entrevista de timbre viperino. “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva.'' Pois bem. Janot acertou a cabeça da víbora.

Lula estava zonzo desde o dia em que o doutor Moro atrapalhou sua nomeação para a Casa Civil jogando no ventilador os diálogos vadios captados em grampos legais. Numa conversa com Dilma, a jararaca destilara todo o seu veneno:

“Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. […] Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar…”

Depois disso, a Suprema Corte avalizou o rito do impeachment, o presidente da Câmara coordenou a goleada de 376 X 137, o presidente do Senado passou a flertar com o vice-presidente “conspirador”, os parlamentares traem madame gostosamente e Lula revela-se uma cobra sem veneno. Tornando-se réu, talvez chegue a 2018 mais perto da cadeia do que das urnas.

Quanto a Dilma, ninguém estranharia se o noticiário sobre sua Presidência migrasse da editoria de política para o espaço que os jornais reservam aos avisos fúnebres. Os curiosos lêem compulsivamente, à espera de uma surpresa agradável. Jurada de morte, madame tenta se convencer de que ainda está cheia de vida. Mas todos sabem, inclusive seus aliados, que, mais dia menos dia, acaba o seu dia a dia. Tudo passa, exceto o PMDB, que é imortal.

 

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  • Miguel Tedesco Wedy
  • 06 Maio 2016

(Publicado originalmente em ZH 05/05/2016)

José Sarney assumiu o poder com a morte de Tancredo Neves. Padeceu sem legitimidade. Perdeu a guerra contra a inflação. Mas, aos trancos e barrancos, respeitou o processo constituinte e fez a transição democrática. Com seus muitos defeitos, deixou um legado: a democracia e a liberdade.

Itamar Franco assumiu sob os escombros do governo Collor. Demorou até acertar e enfrentar a inflação. Mas, enfim, apoiou com firmeza o Plano Real e deixou o seu legado: a sua integridade pessoal e um plano que domou a inflação. Fernando Henrique enfrentou crises internacionais, modernizou estruturas estatais com as privatizações, manteve o real e o controle da inflação. Deixou o seu legado: a estabilidade econômica.

Lula se elegeu com grande legitimidade popular e com desconfianças do mercado. Com notável sagacidade política, fez um ministério de respeito, deu autonomia prática ao presidente do Banco Central, enfrentou a crise de 2008, manteve a estabilidade e aprofundou os programas sociais, mesmo sem ofertar uma saída aos seus beneficiários. Saiu do governo com altos índices de popularidade. Teria deixado o seu legado: a inclusão social de milhões de brasileiros. Porém, cometeu o maior erro de sua vida: ungiu Dilma Rousseff como sucessora e continuou tentando governar, até solapar a sua própria reputação com as empreiteiras do "petrolão".

Em cinco anos, o governo Dilma destruiu aquele que seria o legado de seu mentor, atirou no desemprego mais de 10 milhões de brasileiros, descumpriu leis e mergulhou na corrupção. Mas não só, o desastrado governo ameaça os legados de Fernando Henrique e Itamar Franco, ao desconsiderar as regras mais comezinhas de racionalidade econômica. E, como se não bastasse, despreza o legado de 1988, ao instigar e fomentar, de maneira populista, ataques contra a liberdade de imprensa, o Congresso e o Judiciário, instituições essenciais para a democracia. A História registrará que o governo Dilma, embriagado de soberba e da ausência de compreensão do processo democrático, que exige o permanente e desgastante diálogo entre governo e oposição e entre o governo e seus próprios aliados, deixou apenas um trágico legado de cinzas. Será, talvez, o pior e mais irresponsável governo desde que o marechal Deodoro montou em seu cavalo e proclamou a República.
 

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