Percival Puggina

03/06/2024

 

Percival Puggina

      Afinal, a quanta liberdade, segurança e dinheiro você pretende renunciar? No meu caso, zero. Não tenho vocação para vassalo. Por isso, reconheço a importância da política e de uma boa democracia. É questão de prudência.

No Brasil, as pessoas que mais falam em democracia parecem desconhecer um fato muito simples: o maior avanço em favor da democracia nos países livres aconteceu com o advento das redes sociais, possibilitando aos cidadãos um debate político com autonomia. O eixo do debate se descolou da mediação, quando não, da regência ou da “editoria” promovida pelos poderes de Estado e pela velha mídia. Que maravilha! Graças às redes sociais, as pessoas podem debater livremente, gerar opinião e se confrontar cotidianamente com o contraditório. Não surpreende, embora cause um justo mal estar, saber que aqueles cuja influência amorteceu demonstrem grande interesse em silenciá-las. Silenciá-las é silenciar-nos.

A essência de uma boa democracia não é o voto popular, ainda que ele seja indispensável. O voto é o meio (instrumento) para alcançar o objetivo (representatividade). Uma boa democracia exige correta representatividade e o mais amplo consenso possível sobre um conjunto de valores morais. Por ser a sede da representação popular em sua pluralidade, o parlamento é o coração do poder político. Essa atribuição não pode ser exercida por um poder sem voto, portanto, sem representatividade!

Por outro lado, a adesão majoritária a um núcleo de valores morais é indispensável a uma boa democracia pelo simples motivo de que não há democracia possível numa sociedade de canalhas, patifes, oportunistas, ladrões, corruptos e seus corruptores etc.

Estamos carentes nos dois aspectos essenciais de uma boa democracia. A representatividade que se obtém com o sistema proporcional de eleição parlamentar é falha e cumpre função oposta à que deveria: afasta o representante do representado, em benefício daquele e prejuízo deste. Todos os parlamentares que usam seus mandatos em benefício próprio, como alvará para operação de interesses privados – e não são poucos – têm grande estima por esse sistema. Nos seus círculos de convivência ninguém lhes cobra coisa alguma pelo que fazem ou deixam de fazer, contanto que se sintam atendidos em seus próprios interesses privados. Cidadania, porém, é outra coisa.

Quem passa uma tarde de votação na Câmara dos Deputados aprende para sempre o quanto o parlamentar é “dono” da representação e vota como bem entende ou lhe convém. Custeamos os 40 ministérios que o governo Lula rateou aos 11 partidos de sua base... Felizmente, ela não é melhor do que ele e o acompanha apenas quando o dindim aparece. Mas não é disso que precisamos. Estaremos muito melhor quando tivermos uma efetiva representação política e uma sociedade que compartilhe um bom conjunto de valores morais, capaz de discernir o bem do mal, o certo do errado, o justo do injusto.

Com isso, estou dizendo que todo bom cidadão deveria participar da vida política, minimamente como um eleitor esclarecido, e deveria, simultaneamente, ser um “guerreiro do bem” na guerra cultural em curso no Ocidente cristão.

A grande maioria de nossos congressistas, quando vão “às bases”, só conversam com companheiros, cabos eleitorais, pessoas que lhes devem ou que deles esperam favores, autoridades locais gratificadas por emendas parlamentares que lhes proporcionaram dividendo político, etc. O cidadão comum, que quer bandido preso, que não quer inflação, que deseja menos impostos, que quer liberdade de opinião, que percebe abusos de autoridade, que rejeita injustiças e assim por diante, não tem como nem a quem reclamar. Fica com seus protestos presos na garganta e vai ao “grande plenário” das redes sociais. Aí aparece alguém para silenciá-lo, tratá-lo e puni-lo como extremista.

Qual a solução? A solução é a adoção do voto distrital, tema de que a imensa maioria dos congressistas não quer nem ouvir falar. Com o território dos estados divididos em distritos e com cada distrito escolhendo um representante em eleição majoritária, esse parlamentar representa todos os cidadãos do distrito. Todos sabem quem é o seu representante e têm o direito de abordá-lo, cobrar dele as atitudes que toma ou não toma, os votos que dá ou não dá. E ele não tem como buscar votos fora do distrito, posto que só lhe servem os votos dos eleitores da circunscrição que o elegeu num pleito análogo ao do prefeito.

Assim como um prefeito não pode descartar um cidadão que não votou nele, posto que é prefeito de todos os munícipes, o parlamentar de um distrito é deputado de todos os cidadãos de seu distrito. O efeito sobre a representação (essência da democracia) é transformador em relação aos males que conhecemos muito bem no atual sistema. É sintomático saber que a maioria dos congressistas é contra.

Segure também você a bandeira do voto distrital com apuração pública. Quando ele for adotado, viabilizando o recall (manifestação periódica feita num distrito sobre manutenção do mandato de seu representante), aí podemos começar a falar sobre um sistema de governo mais inteligente do que o presidencialismo. Pense nisso!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

30/05/2024

 

Percival Puggina

         O alerta à margem da ferrovia é, também, recomendação para a vida numa sociedade política. Vivemos bombardeados pela informação, pela desinformação e pela contrainformação. A vida nos ensinou quanto é enganoso o território da política, onde há pouca vida ativa além das aparências, encenações, narrativas e mentiras mais deslavadas com vistas ao poder. O que muitos políticos fazem por conta própria em desfavor da sociedade supera de longe o que sobre eles é dito em fake news.

Anteontem, 28 de maio, o Congresso Nacional manteve o veto do ex-presidente Bolsonaro à tipificação de crimes contra o Estado Democrático de Direito, entre eles a criminalização das fake news nas eleições.

Reflita sobre os seguintes problemas reais da política e da democracia à brasileira:

  1. instituições onerosas e não funcionais;
  2. presidencialismo, em que o governo se vende aos partidos e, mesmo assim, precisa comprar votos pessoais dos parlamentares a cada deliberação no parlamento, desonrando os dois poderes;
  3. eleições de parlamentares pelo sistema proporcional, distanciando representantes de representados;
  4. fabuloso financiamento de partidos e campanhas eleitorais;
  5. sistema de apuração confidencial;
  6. intenso protagonismo político de um poder sem voto (STF/TSE);
  7. ameaças e ações contra a liberdade de expressão nas redes sociais, restringindo a propagação das opiniões e o acesso a elas.

Pare, olhe, escute. E pense! Nosso país tem, sim, gravíssimos problemas que afetam a democracia e provocam consequências políticas, sociais e econômicas. Dentre esses, dos quais não se fala para que não se deem mal os que com isso se dão bem, as notícias falsas são um problema menor! Por que geram tanta celeuma? Fica evidente que o empenho em as combater é engano ou ilusão. O que sai ferido é a liberdade de expressão! Basta observar quem mais se empenha contra elas aqui, no mundo livre e onde a liberdade já foi perdida.

Não faz sentido caçar borboletas e poupar os gafanhotos. Como explicar que, de repente, as tais fake news sejam o assunto de que mais se fala e as redes sociais tratadas como vilãs da política nacional, a atrapalhar os democráticos ditames emanados do Olimpo brasiliense? Será por acaso que essa obsessão iniciou com a propagação das ideias conservadoras e liberais através das redes sociais? “A liberdade de expressão não é um direito absoluto”, repetem à exaustão, até que não seja direito algum.

As “narrativas correm soltas! Sobre essas mentiras estruturadas, de amplo espectro, quanto papel já gastei escrevendo! De seu uso e abuso, montadas em laboratório, o atual presidente é protagonista, propagandista e mestre internacional!

Reproduzidas com o vigor dos meios culturais, as narrativas são, hoje, parte do repertório e gênero literário com que formadores de opinião do jornalismo militante na velha imprensa se dedicam a pentear as bobagens descabeladas emitidas pelo governo da União. Delas quase não se fala! Dos sigilos de que o poder se reveste, também não. Dos fatos silenciados, tampouco. Sobre fake analysis exibidas nos grandes veículos, nem um pio. Perigosas, as narrativas são, também, o invólucro ideológico com que o ambiente educacional brasileiro abastece o mercado de cabeças feitas e cérebros encolhidos. Por si sós, elas são muito mais nocivas do que as notícias falsas. E ninguém pensa em fechar os estabelecimentos de ensino devido à militante pedagogia freiriana.

A liberdade de expressão, paradigma de todo bom constitucionalismo democrático, nunca foi tão bem servida quanto após o surgimento das redes sociais. Ela envolve a liberdade de opinar e a de receber opiniões em profusão. Apesar do entulho autoritário, das ameaças e dos idiotas que propagam fake news, elas ainda são o que de melhor dispõe a sociedade para promover seu próprio debate político, com autonomia. Silenciar alguém agride, simetricamente, um direito de todos os que têm cortada essa conexão. Dispersa e compartilhada na sociedade, a liberdade de expressão rompeu a hegemonia da Rede Globo. Agora, temos censura e, em nome da democracia, há quem lute pelo direito de ampliá-la a gosto.

Quem assim tem procedido nos poderes de Estado, repito, tem usado com largueza a prerrogativa de impor sigilo sobre tudo que não quer ver exposto ao conhecimento público. Pare, olhe, escute. Pense! Não se deixe distrair por manobras diversionistas.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

27/05/2024

 

Percival Puggina

 

         Em 1883, Sir Francis Galton criou o termo eugenia para definir “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente". Nas décadas seguintes, com o desenvolvimento dos estudos sobre genética e sua aplicação ao aprimoramento de plantas e animais, cresceu a literatura científica e romanceada envolvendo a ideia de uma sociedade de super-homens geneticamente construídos. Malgrado a resistência, não demorou muito para Hitler promover o confisco de bens, o trabalho escravo e o holocausto do povo judeu com o alegado intuito de promover a “pureza racial” do Terceiro Reich.

Ao ler estas linhas, tenha em mente o que acontece no ambiente político e social brasileiro a partir da difusão dos escritos de Gramsci nos Cadernos do Cárcere e de seus estudos sobre hegemonia e conquista do poder na “longa marcha através das instituições”. Some a isso o que sabe a respeito de Goebbels, a importância política da repetição obsessiva do que se quer impor às mentes e o uso de todos os meios culturais para esse fim.

Veja agora aonde nos leva isso se, em vez de nazismo raiz com suástica e tudo, pensarmos no esquerdismo militante convencendo seus agentes de que tal condição acresce importantes polegadas à sua estatura moral, induzindo-os a olhar a divergência de cima para baixo. Cada um deles se vê como o novo Adão progressista. Em recente artigo, escrevi que esse personagem distópico, “nas suas ocupações e atividades profissionais, coloca a missão acima da função. Seja ele professor, jornalista, padre, pastor, artista, militar, burocrata, empresário – o que for – antes de tudo é um esquerdista empenhado no papel transformador e revolucionário que lhe cabe na construção da nova humanidade, bem ali, no lado esquerdo do palco das ideias”.      

A composição das ideias de Gramsci com a técnica do “publicitário” Goebbels proporciona ignição espontânea ao crescimento explosivo dessa eugenia ideológica. Dê uma olhada nas postagens e comentários de esquerdistas nas redes sociais e verá como fazem lembrar as imagens que retratam a turba apreciando execuções na Revolução Francesa. Eis o motivo que fez sumir do discurso político da esquerda e dos comentários da Globo e congêneres qualquer menção à “direita”. No vocabulário do esquerdismo militante (ou governista por amor ao caixa) só existe extrema direita antidemocrática e fascista, objeto de repressão, perseguição e punição sem muito lero-lero.

Nossos novos Goebbels de extrema esquerda, então, já andam por aí em intensa atividade. Atacam a oposição com o peito inflado de uma superioridade moral fajuta que os autoriza a impor rótulos, restrições e sanções àqueles a quem atribuem a condição de extrema direita por serem conservadores, liberais ou antiesquerdistas.

“É uma estratégia política, qual o problema?”, talvez diga o leitor. O problema está nas já nítidas consequências da suposta superioridade moral. É visível que dela deriva um desconhecimento de direitos fundamentais à opinião divergente. Instala-se uma desigualdade de direitos, torna-se comum silenciar e perseguir cruelmente os desafetos; a injustiça deixa de ser percebida e se torna-se socialmente tolerada ou, mesmo, aplaudida; uma mesma lei não vale para todos.

Conhecer o adversário, entender o que o mobiliza e sua consequente estratégia são condições indispensáveis para vencê-lo dentro das regras do jogo, que é como deve ser no tablado da política.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

26/05/2024

 

Percival Puggina     

         “Todos se recordam que bastava um cabo e um soldado para fechar o STF. O cabo, o soldado e o coronel estão todos presos e o STF aberto e funcionando”.

A lacradora frase acima, que parece recortada de um diálogo de mesa de bar onde populares de posições antagônicas trocam farpas sobre a política nacional nestes tempos bicudos, foi proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, num evento sobre Inteligência Artificial. 

O ministro foi buscar uma frase, dita há seis anos pelo deputado Eduardo Bolsonaro, para “se dar bem” com uma sentença lacradora.  Impossível não perceber nas manifestações e ações dele e de alguns colegas o desejo incontido de calçar chuteiras e entrar dando caneladas no jogo político.

As palavras do doutor Sebastião Coelho ao falar em defesa de seu cliente no primeiro julgamento dos réus do dia 8 de janeiro calaram fundo no colegiado que o ouviu (embora a palavra correta para expressar o sentimento de dezenas de milhões de brasileiros fosse “indignação”). O ministro e seus pares sabem que os sabonetes dos grandes canais de comunicação não lavam a imagem que construíram. Não é por obra das mal faladas redes sociais que o Brasil tem os corruptos mais inocentes do mundo e que a política nacional ficou do jeito que ficou. Tampouco é por obra das redes sociais sob ameaça de silêncio que o Estado se cobre de inexplicáveis sigilos. Assumiram um objetivo político como dever funcional, deram-se as mãos na roda da colegialidade e passaram a saltar olimpicamente sobre os limites e sinais de alerta que se foram acendendo nos caminhos do bom Direito.

Com a política entrando no recinto do tribunal por uma porta e a justiça saindo pela outra, cumpriu-se em nosso país o conhecido vaticínio do historiador e estadista francês François Guizot. Obviamente, quando a política não é feita por representantes eleitos e quando se pretende dirigir a informação recebida e produzida pela sociedade, extingue-se o método pelo qual é possível captar, no seu seio, a razão pública! Na opinião de Guizot, esta “é a única que deve governar”. Tenho certeza de que onze dos onze ministros sabem disso.

Até o poder instalado em Cuba há 65 anos se diz democrático porque lá se realizam eleições, mas a ninguém é dado se contrapor àqueles que realmente exercem o poder. O bem estar social, o equilíbrio, o sentimento de viver em liberdade são lesados quando há um poder que fala sozinho, que se permite “lacrar” uma pauta política qualquer e que quando formula uma frase “matadora” ou desfia narrativas e argumentos num ato público, o faz “ab autoritate”, sem contraponto.

O exercício do poder de falar sozinho sem ser contestado ou de jamais ouvir perguntas inconvenientes enquanto tenta estabelecer um lockdown das opiniões, é o antônimo do poder político legitimamente exercido numa democracia.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

24/05/2024

 

Percival Puggina

            Acredite, se puder. O portal Metrópoles informa que o coronel Jorge Eduardo Naime elogiou o ministro Alexandre de Moraes enquanto prestava depoimento ao STF, de forma virtual, no último dia 21. Disse o coronel: “Os atos [de 8 de janeiro] foram muito graves, não podemos admitir que tornem a acontecer dentro de um Estado democrático de direito. As medidas do STF deveriam ter sido tomadas, agradeço algumas inclusive. […] Precisava de uma reação do Alexandre de Moraes”.

O coronel não estava no Brasil no dia 8 de janeiro. Ficou preso durante 461 dias ao longo dos quais precisou de diversos atendimentos médicos. Em dez ocasiões, o STF rejeitou pedidos de soltura formulados por seu advogado. Ele foi finalmente posto em liberdade no dia 13 deste mês de maio.

Claro que você pode encontrar explicações para isso nos meandros da alma humana. Inclusive, um desses fenômenos, estudados pela psicologia como síndrome, ganhou nome nos acontecimentos de Estocolmo. Contudo, não se trata de um fenômeno comum, bem ao contrário. O mais frequente é que o sujeito do cativeiro desenvolva sentimentos de animosidade a quem o mantém preso.

O próprio Supremo tem emitido decisões que atribuem à Lava Jato o uso da prisão do réu como instrumento de pressão para obter colaborações premiadas úteis à investigação de fatos em torno dos quais faltassem elementos de prova à acusação. O STF dá a isso, de modo muito abrangente, o nome de tortura.

Como desconheço o fato transcorrido entre 10º e o 11º pedido de soltura (segundo deduzo da matéria do jornal Metrópoles), fico a indagar-me o que terá modificado a situação do coronel Eduardo Naime. Se não houver um fato processual, cabe a pergunta: se podia soltar no 461º dia, por que não soltou antes? Se não podia soltar antes, por que soltou agora?

Fatos como esse – e fatos como esse são tão comuns! – ofendem o senso de justiça porque parecem revelar a face escura do arbítrio, no lado reverso do estado de direito e da liberdade.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

22/05/2024

 

 

Percival Puggina

         Existem medicamentos que são usados para abortar nascituros em condições de viver fora do útero materno. O nome técnico desse procedimento hediondo é assistolia fetal e sua prática é proibida pelo Conselho Federal de Medicina para gestações acima de 22 semanas. A desnorteada e desnorteante Organização Mundial da Saúde recomenda o procedimento para abortos a partir da 20ª semana. O PSOL concluiu disso tudo que maligna e injustificável é a decisão do CFM e apelou ao "progressismo" do STF... A ação (ADPF 1141) foi acolhida pelo ministro Alexandre de Moraes em decisão que vai a plenário virtual a partir do próximo dia 31.

Ao rejeitar a decisão do Conselho profissional dos médicos, o ministro afirmou: "Verifico, portanto, a existência de indícios de abuso do poder regulamentar por parte do Conselho Federal de Medicina ao expedir a Resolução 2.378/2024, por meio da qual fixou condicionante aparentemente ultra legem (ultrapassando o que determina a lei) para a realização do procedimento de assistolia fetal na hipótese de aborto decorrente de gravidez resultante de estupro".

Se não há um limite para o assassinato de bebês, se não houver um mínimo de bom senso, se a prática da Medicina não tiver barreiras éticas naturais e racionais que imponham um non possumus! (não podemos), a mulher pode estar na sala de parto, com contrações para um parto normal e ainda ali será permitido não fazer o parto e matar o bebê. Na lógica seguida pelo ministro, impedir o procedimento seria “uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres". Apresse-se, então, a equipe para realizar a assistolia fetal antes do parto porque se o mesmo bebê for morto instantes depois, será vítima de um infanticídio brutal, criminoso, cujo conhecimento causará comoção a qualquer indivíduo com sentimentos humanos.

Parabéns ao Conselho Federal de Medicina! As barreiras éticas são da natureza e da razão. Não são próprias para exercícios de salto com vara.  

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

21/05/2024

 

Percival Puggina

         Em 1883, Sir Francis Galton criou o termo eugenia para definir “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente". Nas décadas seguintes, com o desenvolvimento dos estudos sobre genética e sua aplicação ao aprimoramento de plantas e animais, cresceu a literatura científica e romanceada envolvendo a ideia de uma sociedade de super-homens geneticamente construídos. Malgrado a resistência ética e a abolição da escravatura em Cuba e no Brasil, os dois últimos países da América que ainda a mantinham, não demorou muito para Hitler promover o confisco de bens, o trabalho escravo e o holocausto do povo judeu com o alegado intuito de promover a “pureza racial” do Terceiro Reich.

Ao ler estas linhas, tenha em mente o que acontece no ambiente político e social brasileiro a partir da difusão dos escritos de Gramsci nos Cadernos do Cárcere e de seus estudos sobre hegemonia e conquista do poder na “longa marcha através das instituições”. Some a isso o que sabe a respeito de Goebbels, a importância política da repetição obsessiva do que se quer impor às mentes e o uso de todos os meios culturais para esse fim.

Veja agora aonde nos leva isso se, em vez de nazismo raiz com suástica e tudo, pensarmos no esquerdismo militante convencendo seus agentes de que tal condição acresce importantes polegadas à sua estatura moral, induzindo-os a olhar a divergência de cima para baixo. Cada um deles se vê como o novo Adão progressista. Em recente artigo, escrevi que esse personagem distópico, “nas suas ocupações e atividades profissionais, coloca a missão acima da função. Seja ele professor, jornalista, padre, pastor, artista, militar, burocrata, empresário – o que for – antes de tudo é um esquerdista empenhado no papel transformador e revolucionário que lhe cabe na construção da nova humanidade, bem ali, no lado esquerdo do palco das ideias”.      

A composição das ideias de Gramsci com a técnica do “publicitário” Goebbels proporciona ignição espontânea ao crescimento explosivo dessa eugenia ideológica. Dê uma olhada nas postagens e comentários de esquerdistas nas redes sociais e verá como fazem lembrar as imagens que retratam a turba apreciando execuções na Revolução Francesa. Eis o motivo que fez sumir do discurso político da esquerda e dos comentários da Globo e congêneres qualquer menção à “direita”. No vocabulário do esquerdismo militante (ou governista por amor ao caixa) só existe extrema direita antidemocrática e fascista, objeto de repressão, perseguição e punição sem muito lero-lero.

Nossos novos Goebbels de extrema esquerda, então, já andam por aí em intensa atividade. Atacam a oposição com o peito inflado de uma superioridade moral fajuta que os autoriza a impor rótulos, restrições e sanções àqueles a quem atribuem a condição de extrema direita por serem conservadores, liberais ou antiesquerdistas.

“É uma estratégia política, qual o problema?”, talvez diga o leitor. O problema está nas já nítidas consequências da suposta superioridade moral. É visível que dela deriva um desconhecimento de direitos fundamentais à opinião divergente. Instala-se uma desigualdade de direitos, torna-se comum silenciar e perseguir cruelmente os desafetos; a injustiça deixa de ser percebida e se torna-se socialmente tolerada ou, mesmo, aplaudida; uma mesma lei não vale para todos.

Conhecer o adversário, entender o que o mobiliza e sua consequente estratégia são condições indispensáveis para vencê-lo dentro das regras do jogo, que é como deve ser no tablado da política.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

18/05/2024

 

Percival Puggina

         No dia 30 de abril, o Rio Grande já afundava sob as águas. Contavam-se mortos e desaparecidos quando o governador Eduardo Leite usou o Twitter para pedir ao presidente da República socorro da máquina federal:

“Presidente Lula, por favor envie imediatamente todo o apoio aéreo possível para o RS. Precisamos resgatar já centenas de pessoas em dezenas de municípios que estão em situação de emergência pelas chuvas intensas já ocorridas e que vão continuar nos próximos dias".

O episódio, ocorrido há quase três semanas, tem o ineditismo que acompanha essa tragédia, tanto de modo negativo quanto positivo. O governador gaúcho usando o Twitter para atrair a atenção do presidente num desastre climático de tão tenebrosas perspectivas? Duas semanas depois, após digressões sobre um nome melhor do que Plano Marshall para as reconstruções no Rio Grande do Sul, sugerido por Eduardo Leite, Lula retornou, com pompa e circunstância, para apresentar sua versão desse plano. Ele atende, agora, pelo apelido sinistro de “intervenção federal”. Intervenção branca, dizem os mais benevolentes; intervenção linha dura, antevejo. Afinal, o ministro designado para a função tem deixado claro que análises, interpretações e opiniões desagradáveis são imprudências que podem resultar em incômodos a quem se atreva. O toque de silêncio que vem sendo imposto à sociedade pela cúpula do Judiciário deu tom para os corneteiros do Executivo fazerem o mesmo.

Juristas já se têm manifestado contra a Medida Provisória que dispõe sobre a nova função considerando que ela viola o pacto federativo. Tanto é assim que o protagonismo das ações futuras já passou para a esfera federal.

Na vida real, ao longo de todos esses dias, milhões de brasileiros agem de modo silencioso e persistente, provendo atenção às vítimas da tragédia com suas mãos, seus braços, seus bens e seus dons. Falam quase nada e fazem muito. Frequentemente, têm que se haver com ações equivocadas dos poderes de Estado. As vidas de todos estarão, doravante, indelevelmente ungidas pelas lágrimas da própria emoção e pela atuação voluntária nos acontecimentos deste outono gaúcho de 2024. Bem perto de nós – mas tão distante em espírito! – a trupe federal se reuniu em São Leopoldo para a performance habitual, com vaivéns sobre o palco, e para a retórica política e eleitoral exibida de modo escancarado pelo próprio Lula. Tendo o presidente do STF como muda testemunha, ele lascou esta frase para a História Mundial da Bravata:

"Eu vou viver até os 120 anos, eu vou demorar. Já falei para o homem lá em cima: não estou a fim de ir embora. Preciso disputar umas dez eleições, mais uns 20 anos. O Lula de bengala disputando eleição".

Não contente, enquanto prometia novos mundos e poucos fundos, Lula quis se creditar da solidariedade que o povo gaúcho e a nação brasileira vêm demonstrando com exuberância nestes dias. Segundo ele, esse protagonismo da sociedade seria impossível no governo anterior... Falou em invulgar tom manso, supondo que ninguém perceberia a pilhagem.

Lula só poderia dizer o que disse e fazer o que fez, sob aplausos, no ambiente controlado em que ocorreu o evento. Longe – muito longe – dos voluntários cujos méritos e virtudes quis transformar em brasa para seu assado.

Por favor, senhores do poder! Pensem menos em política e em eleições. Esse Estado dos marqueteiros e da politicagem é fake! Deixem-se possuir pelo drama dos seres humanos que tiveram seus entes queridos e seus bens levados pelas águas! Há que reconstruir a infraestrutura do Estado, seus meios de produção danificados ou perdidos, sem esquecer, um instante sequer, a urgente reconstrução da dignidade de tantos irmãos nossos. Cuidado! Não podemos preservar em nosso cenário a chaga dos abrigos, como esses campos de refugiados que marcam, mundo afora, as fronteiras do abismo político e social.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

14/05/2024

 

Percival Puggina

       Sou católico e respeitoso com todas as demais religiões e manifestações exteriores de fé. Tenho alguma dificuldade, porém, em relação à fé religiosa que vejo muitos dedicar ao Estado e a seus dignitários. Essa devoção tem teologia própria, muito severa e intolerante: o único Estado que merece reverência é aquele onde eles mesmos mandam e os outros se calam.

A tragédia do outono gaúcho abriu espaço para o proselitismo dos devotos do Estado, notadamente coletivistas e estatistas. É claro que sem o apoio da União será muito mais difícil enfrentar o conjunto de problemas que restarão quando as águas retornarem ao seu nível. Há, porém, um outro lado dessa moeda: a autofagia do Estado. Ao consumir em si mesmo parcela descomunal das receitas numa luxuosa Versailles federal, tão ciosa de seus privilégios quanto ociosa em seus deveres, ele empobrece investimentos como os que amenizariam os efeitos das águas.

Os devotos do Estado dão por esquecido que, ao longo de décadas, suas ideias, alinhamento político e perfil de quadros dirigentes respondem pelas permanentes agruras nacionais. Agora, sem maiores explicações ou justificativas, aproveitam-se da crise gaúcha para cantar vitória: “Viram como o Estado é bom e generoso?”. A resposta é não! O que tenho visto é a sociedade, com recursos mínimos, fazer muito mais do que o máximo, de modo virtuoso, com cada um dando de si e a si mesmo.

Isso Estado nenhum faz!

Estado nenhum faz o que o Instituto Ling fez com apoio do Instituto Floresta e da Federasul, lançando em Nova Iorque um fundo para levantar recursos destinados às reconstruções no Rio Grande do Sul.

Cuidarei sempre de alertar sobre algo facilmente intuído pelo cidadão comum: o Estado é um ente político desalmado, que precisa ser controlado. Não o será pelos que vivem em fervorosa contemplação aos pés do sacrário do Tesouro, benzendo-se penitentes cada vez que se referem à “extrema direita”, mas pelos conscientes de que é com o produto do trabalho da sociedade que o Estado se agiganta para submetê-la a seus excessos e à sua mão pesada.

Nos últimos dez anos, no sentido inverso ao que propagam esses devotos, a expressão “poder público” adquiriu um sentido cínico. Que raios de “poder” é esse? Socorra-me o leitor: em que sentido esse poder se diz “público”? Aqui, de onde eu o vejo, esse poder instituiu uma suposta democracia contramajoritária, jamais leva em conta a opinião pública. O povo, nas ruas e praças, fala aos ventos.

Se a vida civilizada nos obriga a custear o Estado e a conviver com ele, é de todo recomendável que seja útil ao público. Isso significa que o Estado deve gastar menos consigo mesmo e mais com a sociedade, para que obras, equipamentos e serviços tenham a qualidade necessária.

A autofagia dos recursos “públicos” na sua própria cadeia de consumo responde por vários aspectos da tragédia que a nação vive a cada solavanco da natureza.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.