Percival Puggina

19/09/2024

 

Percival Puggina

        

        Já não falo nas liberdades perdidas nem na privacidade entregue à rabugice de uns e à sabujice de outros. Já não falo das leis construídas longe da representatividade dos parlamentos nem dos parlamentos flácidos de uma sociedade exangue. Falo de uma nação que, consciente da falta de alternativas, parece aceitar seu destino, capturada por uma rede como lambari de córrego. Já não se comove nem move. E como já sequer lembra o que foi, sequer sabe o que é.

Comecei este texto assim, falando do que me vai na alma, para chegar à falta de representatividade que asfixiou a democracia brasileira, cujas “décadas de estabilidade” contadas da Constituinte de 1989 são festejadas pelos senhores que manejam a rede.   

A “democracia brasileira” é uma democracia de palanques e encenações com convidados, coquetéis e jantares, privilégios, sortilégios e sacrilégios. Tem mais partidos do que ideias, mais cargos do que funções. É sem povo porque o povo está na avenida e a avenida está tarrafeada. No Brasil desta década triste, o povo não tem querer e fala a ouvidos surdos. É a democracia da amnésia, do olvido – o eleitor esquece em quem votou e o eleito esquece os deveres que tem e quem o elegeu. Mandato tornou-se patrimônio político amplamente conversível em patrimônio material. O sistema de votação exige um ato de fé em quem suscita mais temor que confiança. De onde vier um sopro de esperança, ali aparece a rede.

Capturado, o eleitor olha súplice para o Congresso Nacional. Ali, pouco mais de uma centena de bravos encara com coragem as malhas que a tudo envolvem. A situação é curiosa pois o governo e a oposição são minoritários.  O centrão faz a maioria para onde soam as moedas. Cada caso tem sua cotação e a nação paga por acordos que não resgatam sua liberdade.

Agora mesmo, a presidência da Câmara dos Deputados, onde quem sentar preservará o poder de decidir sobre o que será votado e o que será engavetado, tem três candidatos viáveis – dois baianos e um paraibano. Você entendeu, não? Nenhum candidato do sudeste, do centro-oeste ou do sul terá votos necessários para substituir o alagoano Arthur Lira. Esta é outra face da hegemonia.  

No Senado, será diferente? Muito improvável. Rodrigo Pacheco, ao reassumir em 2023, disse, a quem quisesse ouvir: “Um Senado que se subjuga é um Senado covarde. Não permitiremos. Nós devemos cumprir nosso papel de solucionar problemas através da nossa capacidade e dever de legislar.” Foi o que não se viu. Agora, dentro de poucos meses, salvo surpresa, Pacheco devolverá a Davi Alcolumbre, senador pelo Amapá, a cadeira e as gavetas que dele recebeu em 2021.

Rogo aos céus que em 6 de outubro o eleitor tenha em mente a situação nacional ao atribuir poder político a 5.570 prefeitos e a 60.300 vereadores. E que os eleitos cumpram seu papel como líderes de suas comunidades amantes da Liberdade, da Democracia e do bom Estado de Direito.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

16/09/2024

 

Percival Puggina

 

         Com frequência me perguntam o que se pode fazer para dar um jeito no Brasil antes da vaca ir para o brejo. Alegam, com razão, que o tempo é curto e o bicho parece ter pressa.

O fato é que não existe solução vapt-vupt. Aliás, existe, sim, mas muitos daqueles que a podem adotar no Congresso Nacional têm estranhas motivações para não o fazer. Nos parlamentos, não deliberar é uma deliberação. 

Independentemente dessas condicionantes, impostas pelo lado esquerdo do estado de direito que cuida de si e dos seus, há algo que podemos fazer já agora, durante as próximas três semanas. Se tal passo não for dado nestes dias, se ficarmos parados sobre o pé canhoto, o passo consecutivo, com o pé direito, só poderá ser dado daqui a quatro anos.

Explico. Dentro de três semanas, no dia 6 de outubro, o Brasil elege 5.570 prefeitos e 60.300 vereadores. A escolha dos prefeitos se faz por eleição majoritária (vence o mais votado) dentro de um número pequeno de opções. Nesse caso, o primeiro filtro é o do caráter, da honradez; o segundo nos leva a votar em quem for mais capaz de derrotar o lulopetismo, o candidato do sistema de poder instalado no país. Ponto. Obviedades dispensam explicações: uma administração municipal nas mãos da esquerda é um aparelho a serviço dos adversários da nossa liberdade.

É principalmente sobre a escolha dos vereadores que desejo falar. Essa é uma eleição proporcional. Um quarto de século de intensa vida partidária até o ano de 2013, me ensinou que as comunidades não atribuem o devido valor a tão importantes mandatos num país que precisa desesperadamente de lideranças (ditas assim, no plural). Em eleições municipais, a nação tem deixado à margem líderes de verdade, líderes positivos, capazes de propagar as boas ideias e combater as más, cumprindo uma função pedagógica em suas comunidades.

Perdoem-me os tipos populares, com visão apenas local. Isso é o mínimo obrigatório, mas fica muito aquém do que a cidadania exige nesta hora: líderes formadores de opinião.

Assim como todo cidadão vive num município, todo munícipe é um cidadão brasileiro e sofre as consequências da marcha da vaca rumo ao brejo.   

Todo cidadão se angustia com a liberdade que perde e com a injustiça que testemunha. Todo cidadão percebe o direito de opinião lhe ser suprimido, a informação lhe ser negada, os recursos lhe serem tomados, o direito à propriedade sendo ameaçado, a justiça se afastando da virtude, o poder cada vez mais se concentrando em Brasília. Todo cidadão sabe o quanto a educação padrão Paulo Freire vulnerabiliza a nação. E por aí vai a vaca.

Qual a opinião do candidato em quem você pretende votar sobre o que está acontecendo ao Brasil no lulopetismo? Seu candidato assina, entre outras fontes, a Gazeta do Povo? A Revista Oeste? É membro do Brasil Paralelo? Assiste o programa Oeste sem Filtro? A Rádio + Brasil? Ou se “informa” pela Globo e suas subsidiárias?

Aproveitemos a oportunidade de uma eleição local, onde as pessoas se conhecem, para proporcionar espaço, mandato e projeção a líderes autênticos, formadores de opinião, que percebam o andar da vaca e ajudem a sustar sua marcha para o brejo.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

13/09/2024

 

Percival Puggina

         No Brasil, quando se diz que alguém é dotado de espírito público, o que se está afirmando, comumente, é que essa pessoa tem sensibilidade para os reclamos da opinião pública. No exercício do poder, fará o que o povo quer. Eis aí o nascedouro de problemas que podem transformar tão sensitivo cidadão num perigo à solta, numa bomba-relógio com caneta e chefe de gabinete. Os motivos são vários, mas destaco dois.

O primeiro diz respeito à enorme diversidade contida no conceito de “povo”. Embora seja designado por uma palavra no singular, o povo é absolutamente plural em tudo, inclusive em aspirações e carências. Portanto, sendo sensível aos reclamos do povo, o tal cidadão, se dotado de espírito público à moda da terra, pode estar ouvindo e atendendo demandas excessivas e quase sempre contraditórias entre si e com o interesse público. É uma realidade pela qual já passamos inúmeras vezes na história. Além de arrasar o país sob o ponto de vista financeiro, ainda deforma a nação sob o ponto de vista da cultura política.

O segundo ponto, diz respeito às consequências. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nasceu no ano 2000 para conter os malefícios desse tipo de “espírito público”, que outra coisa não é que gestão irresponsável dos recursos alheios, muito frequente nas esferas de Estado ou onde o dinheiro não é de quem gasta. Se dinheiro na mão é vendaval, dinheiro sem dono é furacão. O PT se opôs à LRF, mandou-a às favas quando chegou ao poder (2003) e encontrou admiradores em número suficiente para lhe garantir três reeleições sucessivas. Até que a inevitável consequência explodiu na vida de todos. A gastança gera uma conta amarga, a ser paga no curto, no médio e no longo prazo.

No curto prazo, os impostos sobem, no médio prazo a inflação se eleva e, no longo prazo o endividamento compromete as gerações futuras. Foi assim que Lula começou a quebrar o Brasil e que Dilma achou possível continuar governando. Lembre-se de que quando não tinha mais de onde tirar dinheiro, ela começou a distribuir, em concorridas solenidades, até o que ainda não existia – os royalties do pré-sal. Tudo seria canalizado para a Educação e para a Saúde. As duas áreas vivem as carências que se conhece e sequer cabe alegar boas intenções.

Sob o ponto de vista da cultura política, esse conceito de “espírito público” estabelece, na sociedade, de modo extensivo, uma dependência em relação ao Estado, convertido no mais cobiçado empregador e no almoxarifado provedor compulsório de todas as necessidades. Pelo viés oposto, o verdadeiro espírito público, onde o bem está disponível entre as possibilidades, sabe escolher o bem maior; onde o bem não estiver disponível, escolherá o mal menor.

O verdadeiro espírito público é animado por um senso real de justiça e por um sentido de história. Distingue direito de privilégio. Sabe elencar prioridades. Pessoas assim são estadistas e não demagogos vulgares, rastaqueras, como é grande parte de nossos políticos animados por esse falso “espírito público”, tão ao gosto dos formadores de opinião e do eleitorado brasileiro.

De volta ao poder, o Lula investiu novamente contra a LRF, criou o tal “Arcabouço fiscal” para repetir a dose, gastar mais do que pode e desencadear as forças destrutivas dessas bombas de efeito retardado.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

07/09/2024

 

 

Percival Puggina

 

         Você lembra que nós, brasileiros, não tínhamos o hábito de expor apreço à bandeira? Pois é. Havia, inclusive, um grupo político que sapateava sobre ela, tirava fotos em que o verde e o amarelo apareciam ardendo em chamas. Lembra em que ocasião renasceu seu valor simbólico? Foi no longínquo e esquecido ano de 2013, quando foi empregada para, literalmente, separar o joio do trigo. Sua simples presença nas manifestações apartava os arruaceiros que protestavam contra os vinte centavos a mais nas passagens de ônibus urbano e se infiltravam no movimento com a habitual truculência... As bandeiras do Brasil produziram efeito análogo ao de mostrar crucifixo para vampiro.

Hoje é sábado, 7 de setembro, feriado nacional e Dia da Pátria. Nestes tempos em que nos movemos ao ritmo dos trambolhões, brasileiros nascidos e criados no chão em que pisamos, têm da “Pátria” uma ideia mal formada. Maus políticos e maus educadores fizeram desse conceito a chave do cofre dos sentimentos políticos. Para esses, o 22 de abril de 1500 foi a data de uma catástrofe histórica, o dia em que o colonialismo “comeu a maçã” e o paraíso se perdeu. Foi aí que começou o fogo no mato. Foi isso que trouxe para cá São José de Anchieta, aquele predador cultural...

Os jovens alienados e digitalizados devem pensar na Pátria como um lugar no Google Earth, um espaço grandão no entorno da cidade onde vivem. Os mal humorados a percebem como madrasta, uma terceira pessoa do singular, animada por más intenções. Os pessimistas a têm como endereço de sua desesperança, uma dívida eterna, uma encrenca em que foram metidos pelo destino. Os otimistas falam de um encontro com o futuro logo ali adiante, mais ou menos como quem tropeça em uma dádiva caída do céu.  

Ao reverso destes e de tantos outros cujos sentimentos se poderiam acrescentar, eu sempre a vi suficientemente minúscula para ser um lugar no coração. Não tenho dúvida alguma: ela entra ali quando aprendemos ser ela a guardiã de nosso passado, no aconchego de ancestrais e tradições, de cultura e de fé. Porque lhe reservei esse lugar em mim mesmo, ela se apresenta como meu berço e meu túmulo.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

        

Percival Puggina

06/09/2024

 

Percival Puggina

Tá lá o corpo estendido no chão.

Em vez de rosto, uma foto de um gol.

Em vez de reza, uma praga de alguém.

E um silêncio servindo de amém.

(João Bosco)

         Os versos de João Bosco cruzam minha mente com frequência nestes últimos anos. Leio a manchete do dia e a canção me ressoa, triste. Há algo morrendo em nosso país, não é pouca coisa e não, não vou falar dos cada vez mais improváveis e difíceis gols de um futebol que perde qualidade. Afinal, a qualidade, como tudo mais, está indo embora assim que pode.

 

Outro dia, escrevi sobre a necessária aprovação da anistia para os presos e condenados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Houve dois tipos de objeção: uns consideraram a anistia injusta porque deixaria impunes demasias e injustiças praticadas contra os réus; outros consideraram inconveniente a impunidade dos crimes de grave lesão ao patrimônio público que todos presenciamos. São confusões que se explicam com a autópsia destes exóticos tempos políticos. A democracia exige o olhar zeloso do cidadão sobre as ações do Estado. Se essa atitude ainda exibisse sinais vitais, todos perceberiam que anistia é um instrumento da Política e não da Justiça. Se ficarmos discutindo Justiça com os justiceiros de qualquer banda, jamais haveria anistia e as crises se perpetuariam. Já contamos dezenas delas em nossa litigiosa vida republicana!

“Pode a Justiça atender à conveniência política e abrir mão de sua obrigação de punir?”. Se essa pergunta está sendo formulada pelo leitor eu sugiro que saia das narrativas e leia os fatos dos últimos anos. Por outro lado, o bem comum, o bem de todos – a que se acrescem os bens naturais, materiais, culturais, institucionais e civilizacionais de uma nação – cria a proximidade e o necessário diálogo entre o Direito e a Política.

O histórico do recente caso das determinações e sanções por descumprimento impostos à plataforma X, proibindo-a no país, faz pensar. É no exercício desse direito que pondero notável desproporção entre o fato gerador da sanção (o descumprimento de uma ordem judicial) e a consequência que deixou mais de 20 milhões de cidadãos, empresas e serviços públicos sem acesso aos serviços prestados, também, pela Starlink.

Que digam os juristas: não há limite no plano das consequências? Afinal, a plataforma é fonte de serviços e fonte primária mundial de notícias, onde os fatos chegam pela palavra de seus agentes – chefes de Estado, o Papa, governantes, pessoas de ciência e saber, comunicadores e, até mesmo, ministros do STF. E se fosse abastecimento de água ou energia, ou bens essenciais ao consumo? Qual a essencialidade do direito à informação?

Não terá chegado a hora de olhar para quanto já tombou e está lá, estendido no chão, como parte do conjunto de bens que já tivemos e estamos perdendo sem entender bem por quê?

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

          

Percival Puggina

31/08/2024

 

Percival Puggina

         O Foro de São Paulo nasceu como “coletivo” de políticos e organizações partidárias de extrema esquerda cujo objetivo era a conquista do poder ou a manutenção, em caráter permanente, do poder conquistado. Alguns já haviam conseguido esse objetivo de modo pleno, como ocorreu em Cuba, com a revolução sandinista da Nicarágua e viria a ocorrer na Venezuela. Outros foram transitórios, como nos casos da Bolívia, Peru, Honduras, El Salvador, etc.

Essa corrente política nunca faz autocrítica (suas críticas são sempre dirigidas ao adversário). A regra é clara: governo companheiro não critica governo companheiro. É bom lembrar que Lula, seu governo e sua base parlamentar se alinham com qualquer corrente política adversária do Ocidente, vale dizer, dos Estados Unidos, da União Europeia e de Israel. Ao mesmo tempo, Irã, China, Rússia e movimentos terroristas islâmicos têm tratamento privilegiado. Quando não há mais explicações possíveis, atribuem caráter canônico ao “respeito à autonomia dos povos”, quaisquer que sejam os males produzidos por seus líderes aos respectivos povos...

Lembro que em 2010, mais precisamente no dia 24 de fevereiro daquele ano, Lula desembarcou em Cuba para uma visita oficial aos irmãos Castro. Para azar dos azares, na véspera, ao cabo de uma greve de fome que se prolongara por inacreditáveis 85 dias, falecera o preso político Orlando Zapata Tamayo. A greve pela libertação dos presos políticos do regime tivera grande repercussão na imprensa das nações livres e democráticas. Ouvido sobre o episódio, Lula disse: “Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano de deter as pessoas em função da legislação de Cuba” [1].

No país que ele visitava, Fidel Castro, autonomamente, chegara ao absurdo de criar as UMAPs (Unidades Militares de Apoio à Produção), que eram, na verdade, campos de concentração para submissão dos jovens rebeldes às práticas comunistas. Nem por isso, líderes brasileiros de esquerda deixavam de exaltar as maravilhas do regime ali instalado. Agora, meio século depois, Maduro prende 120 menores de idade venezuelanos inconformados com a fraude eleitoral e os encaminha a um campo desse tipo, sob rigorosa disciplina militar.

Lula se meteu numa encrenca incomum quando, pessoal e publicamente, aqui no Brasil, aconselhou Maduro a “construir sua própria narrativa”. Pois bem, foi o que o venezuelano fez: perdeu a eleição, comemorou a vitória, disse que os inconformados serão presos e quer prender o candidato que o derrotou.  

Enrolado na camisa de força de suas bravatas, promessas e más parcerias, Lula não assinou a nota da OEA pedindo auditoria internacional das atas eleitorais. Agora, vem a público dizer que era amigo de Chávez, não de Maduro, e que não reconhece a vitória deste nem a da oposição. Em junho, o Papa pediu a Lula que interviesse junto a Ortega para a libertação dos bispos católicos, mas o ditador nicaraguense sequer o atendeu. Lula lidera o que e a quem, exatamente?

[1] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1003201001.htm

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

28/08/2024

 

 

Percival Puggina

         Leio e releio em angustiada inconformidade a nota do jornalista Cláudio Humberto em sua coluna no Diário do Poder: “Entre os 30 assuntos mais buscados na internet no Brasil nos últimos sete dias, 29 têm conexão direta com futebol. O último da lista é a Fórmula1. Eleições, reforma tributária, STF, etc., não aparecem”.

O que fizeram com esse povo? Se há uma revolução política em curso no Ocidente, como percebo haver, esse é um de seus resultados no campo da cultura aqui no Brasil. Essa é a formação da consciência crítica, esse é o produto da pedagogia do oprimido, esse é o efeito da nova estética sob os sistemas visuais e auditivos da sociedade, essa é a consequência das lições e exemplos de ética ministrados pelas elites nacionais.

Já ouvi falar muito na “selva urbana” entregue às feras. Diante da informação prestada por Cláudio Humberto, começo a pensar menos na selva e mais nas tabas de concreto onde a informação chega abundante e não encontra mentes educadas para a tarefa de pensar e extrair relações de causa e efeito, levando a opções políticas.

O que me impressiona não é intensidade com que o assunto futebol atua sobre os interesses individuais na internet. Sou brasileiro e gosto de jogos com bola, principalmente de futebol, em cuja prática, quando jovem, nunca cheguei sequer no nível da mediocridade. O que me preocupa são os “não assuntos” dessa imensa maioria de cidadãos que votam e são, querendo ou não, os sujeitos do processo democrático.

Fica muito fácil entender, assim, que tantos parlamentares descartem com uma sacudida de ombros temas relevantes como a democracia, as liberdades dos cidadãos, o virtuoso serviço da justiça, a qualidade da representação política, a boa governança, a imagem do país e as próprias prerrogativas dos parlamentares.

Se o eleitor está de olho na bola e não vê o resto, Nero incendeia Roma e Calígula decide quem vive ou morre, contanto que o povo tenha circo.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

22/08/2024

 

Percival Puggina       

         Escrevi certa feita que o Brasil, em sua história republicana, mediante trabalho de sucessivas alfaiatarias institucionais de má qualidade, veste um corpo social cuja estrutura tem deformações. Ou seja, o produto final resulta semelhante ao que acontece quando o alfaiate é ruim e o freguês, digamos assim, está fora do esquadro.

A Constituição de 1988, aquela de capinha verde e amarela que Ulysses Guimarães ergueu com as duas mãos sobre a própria cabeça, reproduz os pecados capitais de suas antecessoras e acrescenta a elas o excessivo nível de detalhes, constitucionalizando minúcias e preceitos que poderiam muito bem ser tratados em legislação ordinária. É possível que os constituintes quisessem aprumar o corpo social com a multiplicidade de preceitos, mas criaram mais problemas do que soluções. É por isso que, hoje, dificilmente se pega um jornal que não tenha, nas chamadas de capa, algum texto mencionando a sigla PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Sempre há algo a ser mexido na Carta de 1988 para que a vida nacional vá em frente.

Governar é encaminhar PECs ao Congresso Nacional. Constitucionalismo a marteladas: PEC, PEC, PEC. Ser candidato é levar no bolso algumas PECs a serem apresentadas se eleito. Ser parlamentar é propor PECs. As melhores vão para o desterro dos arquivos mortos; as piores são votadas em regime de urgência, em dois turnos sucessivos, altas horas da noite.

Sob o ponto de vista institucional, federativo, político e jurídico, construímos, aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para baixo. Um dos mais importantes princípios da organização social é o princípio da subsidiariedade, inspirado no conceito de que a prioridade das iniciativas deve ser atribuída às instituições de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as demais, subsidiariamente, na medida da necessidade. Em modo resumido: a União só age naquilo que os Estados não possam agir; estes só atuam naquilo para que os municípios estejam incapacitados de atuar; dentro do município, a prioridade das iniciativas flui, pela mesma regra, para o distrito, para o bairro e para o cidadão.

O princípio da subsidiariedade, vê-se logo, é um princípio moral, na medida em que preserva a autonomia da pessoa humana e sua liberdade. É um princípio jurídico porque estabelece – e estabelece bem – a ordem das competências. É um princípio político porque delimita – e delimita bem – a ação do Estado. E é um princípio de administração porque vai organizar as competências, encurtar os caminhos e os vazamentos do dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e orientar a ação do governo de modo a fazer parcerias com a sociedade.

Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário disso tudo, ouvir os discursos do Lula bancando motorista do caminhão do Huck, quando distribui por aí, em enfeitados frascos publicitários, fragmentos da dinheirama que o poder público coleta em caçambas.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

18/08/2024

 

Percival Puggina

 

         A França que conheci não existe mais. Aquela França que pelo batismo de Clóvis (496) fez jus ao título de “Filha dileta da Igreja” não responde à pergunta: “O que fizeste de teu batismo?”. Essa questão, levantada certa vez por São João Paulo II, se converteu em interpelação constante entre os cristãos que visitam o país por onde tanto andei e aonde não mais voltarei. Por certo, tampouco a reconheceria como sua o meu querido São Bernardo de Claraval.  

Recebi um desses vídeos que nos veem de todos os lados e pelos quais passamos sem dar muita atenção. Este, porém, num relance, atraiu-me por conter diálogo travado no senado francês sobre o cartaz de divulgação dos Jogos Olímpicos. Cinco minutos depois, eu aplaudia, no silêncio de casa, as luminosas palavras do senador Roger Karoutchi. Compartilho-as com meus tão estimados leitores.

A cena abre com o senador se dirigindo ao presidente da mesa: “Que diferença faz vosso governo entre uma cruz e uma flecha?”. O assunto, o cartaz em questão, era uma alegre mistura de marcos visuais da capital francesa, reunidos num pequeno espaço gráfico, tudo misturado como naqueles hotéis-cassinos de Las Vegas. O cartaz principal que chamava aos Jogos Olímpicos de Paris, escamoteara a cruz instalada no alto do Hotel des Invalides, substituindo-a por uma flecha ou coisa que o valha. A cultura dessa França enferma reage como vampiro à vista de uma cruz.

A ministra dos Esportes, Amélie Oudéa-Castéra, procurou explicar o sumiço, sublinhando as muitas diferenças entre o desenho da peça publicitária e a realidade dos marcos da cidade nela incluídos. Disse que não se tratava de uma reprodução, mas era o que o artista livremente produzira, sem comando do Estado. Era a cidade reinventada. O cartaz, enfim, era a França, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

Em sua resposta, o senador Roger Karoutchi foi certeiro e sábio, negando que o cartaz seja a França e os Jogos Olímpicos. Transcrevo sua fala:

“Não, desculpe, não são a mesma coisa. Você pode pintar a Torre Eiffel da cor que quiser, mas não pode remover a cruz da cúpula do Hotel des Invalides, que existe desde Luís XIV. Não se pode mudar a história da França.”

Em seguida, discorre sobre o sentido de nação: “(...) somos a nação de um modo provisório porque nós tivemos predecessores e teremos sucessores. Esta nação se orgulha de organizar os Jogos Olímpicos. Mas ela não quer ser apagada, não quer que seus símbolos e a história que a fizeram sejam apagados, renegados. Podeis usar as cores que quiserdes, mas há 350 anos existe uma cruz sobre o Domo dos Invalides! E há uma cruz no cume da torre de Notre-Dame.”

“Os símbolos da França e a história da França fundam a nação. Sem ela não há república, sem ela não há evolução, sem ela não há solidariedade. Quaisquer que sejam as posições políticas, se quisermos fazer evoluir a nação, nós não podemos apagá-la porque se o fizermos desapareceremos. Nações não são eternas, assim como estados e impérios.  Fazei a nação, toda a nação; fazei a república, toda a república; fazei a França, toda a França, mas não apagueis nossos símbolos.”

Que a experiência francesa nos sirva de conselheira em momentos tão adversos aos bens e valores culturais que constituíram nossa própria nação.

*       A íntegra desse diálogo pode ser assistida aqui: https://www.publicsenat.fr/actualites/parlementaire/affiche-des-jo-amelie-oudea-castera-defend-la-liberte-dun-artiste-neffacez-pas-nos-symboles-demande-roger-karoutchi

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.