• Márcio Luís Chila Freyesleben
  • 01 Março 2020


 

 O Presidente Bolsonaro divulgou vídeo em seu Whatsapp que convoca a população a participar das manifestações de rua programadas para 15 de março, em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

A reação foi imediata. O Ministro Celso de Mello veio a público demonstrar inconformismo. Afirmou que o Presidente havia cometido um "ataque às instituições". Insinuou que o ato tipificaria crime de responsabilidade. Para o Ministro Celso de Mello, o Presidente Bolsonaro "desconhece o valor da ordem constitucional" e "ignora o sentido fundamental da separação de poderes". A divulgação do vídeo, segundo o Ministro, "traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático". Celso de Mello ainda afirmou que o presidente da República, "qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo".

Afinal de contas, o que há por de trás de tanta indignação? A Revolução de 64 foi um movimento cívico-militar contra uma revolução comunista em curso: naqueles idos, o cenário encaminhava-se para a ditadura do proletariado. Os militares puseram cobro ao intento e, durante 20 anos, tiveram de se haver com subversões que iam da guerrilha ao terrorismo. Os militares só não se houveram bem com a revolução cultural. Enquanto enfrentavam os subversivos nas ruas e no campo, uma linha de ofensiva se desenvolvia, livre e impune, no meio cultural, em especial nas universidades e no meio artístico. Ao término do Regime Militar, um exército de intelectuais de esquerda havia ocupado as redações de jornais, as cátedras universitárias, a burocracia estatal e a política.

Na chamada Nova República, não existia partido político que não fosse de esquerda. Foi nesse cenário que emergiu a Constituinte. A Constituição, salvo por uma pequena reação do Centrão, foi a consolidação de um bem sucedido projeto socialista. Emergia, também, um novo Direito, agora de matriz sociológica, como instrumento de efetivação do socialismo. É nesse contexto que nasceu a expressão Estado "Democrático" de Direito. Eu já afirmei alhures que a esquerda se apoderou de tudo, principalmente do vernáculo para emprestar às palavras novos significados, não raro diametralmente opostos (é a novilíngua do politicamente correto).

A palavra democracia é o melhor exemplo: ser democrático, hoje, não é outra coisa senão a manifesta adesão à pauta socialista. É nesse sentido que deve ser entendido o Estado "Democrático" de Direito, cuja ênfase é a participação popular no processo político, nas decisões de Governo e no controle da Administração Pública. Outrossim, no Estado "Democrático" de Direito, o princípio da legalidade é mitigado: a lei formal (direito positivo) cede lugar aos princípios fluidos e lacônicos. Assim que a esquerda chegou ao poder, os mecanismos do Estado "Democrático" de Direito entraram e ação, notadamente o da participação popular. O povo deveria ser ouvido sempre. O Governo do PT, por intermédio de sindicatos e movimentos organizados (MST, p.ex.), manipulava um cenário de demandas populares que, em verdade, eram manobras do Governo que visavam à concretização do sonho da ditadura do proletariado, aos moldes latino-americanos.

Lembre-se que foi por consulta popular que Hugo Chaves legitimou-se ditador. Atender aos anseios da população passou a ser a tônica dos governantes de esquerda, a partir do que conferiam uma aparente legitimidade à sua pauta de governo. Tudo isso estava indo muito bem, enquanto a tática, ou seja, a falácia do Estado "Democrático" de Direito, era manipulada pela esquerda.

Eis que – para desespero de nossa "elite bem pensante" –, o jogo virou. O povo, cansado das promessas fracassadas da utopia socialista, decidiu eleger um candidato conservador, um homem que falava diretamente ao povo e que representava o que havia de mais tradicional no País. Para agravar, o novo Presidente vale-se das redes sociais para falar diretamente com a população, assim furando o cerco do patrulhamento ideológico da grande mídia. Tudo isso parecia intolerável para a nossa "elite". Mas o ponto realmente insuportável veio quando o presidente conservador resolveu utilizar, em proveito próprio, daquele instrumento criado pelo Estado "Democrático" de Direito: a participação popular no processo político e nas decisões de governo.

O povo organiza-se para ir às ruas protestar contra o Judiciário e o Legislativo, porque ambos, sistematicamente, vêm sabotando os projetos que, desde a campanha, fizeram parte das promessas do presidente eleito. Aquilo que, na mão da esquerda, era uma ação legítima e democrática, agora se transformou em um "ataque às instituições". Com efeito, o verdadeiro ataque às instituições tem sido praticado justamente por aqueles que acusam.
O STF vem legislando desde 1999, por vezes contra a própria Constituição, para criar direitos e tipificar crime a partir de princípios, dando ensejo à maior onda de ativismo judicial já vista; e ninguém acha que isso é atentado às instituições.

O SFT, em nome de princípios, impõe à população brasileira a pauta da ONU, da Unesco, etc., em visível oposição aos preceitos da tradição nacional (aborto, casamento gay e, no prelo, liberação das drogas, dentre tantas outras); e ninguém acha que isso é atentado às instituições.
O STF imiscui-se em todos os assuntos da administração pública, ignorando completamente aquilo que era consagrado como interna corporis.
O STF está legislando e administrando o Executivo e o Legislativo; e ninguém acha que isso é atentado às instituições.

Os Ministros do STF, quaisquer que sejam eles, embora possam muito, não podem tudo – Senhor Celso de Mello. Não, não é o Presidente Bolsonaro que atenta contra as instituições. Ele apenas está aplicando aos derrotados uma dose do veneno deles. No mais, o Ministro Celso de Mello brinda-nos com adminículos do jus esperniandis.

*Márcio Luís Chila Freyesleben é Presidente do MP Pró-Sociedade
 

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  • Darcy Francisco Dos Santos
  • 29 Favereiro 2020

 

Historicamente, não podendo fazer as reformas que agora estão sendo feitas, o estado do RS sempre atribuiu as CAUSAS de sua crise a fatores externos, o que é verdade apenas em parte. E, em decorrência, esperava sempre a solução por parte do governo federal.

Quem não lembra do ressarcimento das estradas federais, que sempre constavam dos orçamentos, como a panaceia que equilibraria as contas do exercício? Pois, depois de incansáveis cobranças, o governo estadual acabou recebendo seu pagamento (R$ 258 milhões à época), que serviu para pagar o 13° salário do ano de 2002, para o que não dispunha de recursos.

De alguns anos para cá, a escolhida é a Lei Kandir, e não é só por nosso Estado, mas por todos. Para quem não sabe, essa lei, cujos postulados foram constitucionalizados em 2003, isenta do ICMS a exportação de mercadorias, o que inclui produtos primários e semielaborados. Antes eram isentos somente os industrializados.

Para a maioria, isso passou ser a causa da crise dos estados. O estado do RS, entre 1970 e 1998, formou um déficit médio anual de 15%, sendo a causa primária do atual endividamento. A Lei Kandir é do final de 1996, portanto, sua influência foi de dois em 28 anos.

Embora pareça que os recursos estão concentrados da União, 67% de sua receita líquida é vinculada à Seguridade Social, onde foram despendidos 81% em 2018, alcançando todos os estados. Então o que resta para atender a mais de 30 ministérios e todos os demais órgãos é apenas 19%.

Mas não é só isso, o País necessita formar superávit primário para pagar nem que seja uma parte dos juros, sem o que a dívida pública explode. Em 2019, o déficit primário foi de R$ 79 bilhões, depois de ter sido R$ 160 bilhões em 2016. O déficit fiscal chegou a R$ 515 bilhões em 2015 e está em R$ 388 bilhões.
Por isso, a União não tem como ressarcir os estados. E, se o fizer, será mediante criação de mais impostos. Então, se precisa de mais impostos, que os estados o façam e recebam as consequências resultantes, boas ou más. Afinal, não querem mais Brasil e menos Brasília?

Isso não é uma apologia à criação de impostos. Quero apenas mostrar que essa reivindicação como vem sendo feita é impossível. E que temos que ter em mente que como gaúchos ou de qualquer outro estado, somos também brasileiros. E a ninguém interessa o desequilíbrio federal.

* Publicado originalmente no Jornal do Comércio.

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  • Olavo de Carvalho
  • 29 Favereiro 2020

 

Boa parte do noticiário da semana passada descrevia os debates sobre a passeata gay em Roma como um confronto entre o movimento homossexual e a “extrema-direita”. É típico exemplo de manipulação de vocabulário, que, adotada em escala mundial, tem mais força persuasiva do que qualquer argumentação ou campanha de publicidade explícita.

O deslocamento semântico da “extrema-direita” cada vez mais para o centro visa a criar na opinião pública, por meio da sugestão irracional repetida, uma associação entre a imagem hedionda do nazi-fascismo e a de qualquer resistência, por mais mínima e discreta, que se oponha aos caprichos e exigências da militância enragée.

Extremismo é, por definição, o emprego de meios violentos para impor mudanças ainda mais violentas, como por exemplo leis raciais darwinistas ou a supressão forçada da religião. Quando a imprensa em massa, com o maior ar de inocência, passa a chamar de “extremista” qualquer cidadão pacífico que se apegue aos mandamentos de sua velha religião em vez de curvar-se com veloz solicitude às exigências repentinas de revolucionários histéricos, estamos diante de um caso óbvio de manipulação, destinada a forçar a rápida implantação de novos hábitos e valores por meio do engodo, eludindo os riscos do debate honesto e franco.

Se alguém dissesse, com todas as sílabas, que ser contra casamentos de machos com machos é nazismo, a mentira grotesca se denunciaria no ato. Embutida em frases de noticiário, passa como obviedade inofensiva. Repetido o truque algumas vezes, já se pode proclamá-la em voz alta sem risco de contestação: o hábito introjetado bloqueia as objeções conscientes.

A maior parte da Humanidade não tem defesa contra esse ardil. Espremidos entre a hipótese de ceder às novas palavras de ordem e a de tornar-se suspeitos de nazismo, quantos cidadãos terão o tempo e a prudência de tomar um recuo, de rejeitar a formulação do problema, de desmontar a armadilha lógica preparada para limitar sua visão dos fatos e sua capacidade de escolha? A maioria simplesmente aceitará a opção que lhe impõem. É verdade que cada concessão, isolada, significa pouco. Mas o efeito acumulado de milhares de pequenas concessões é o comprometimento integral da alma, a completa abdicação do juízo crítico. Não se pode nem chamar isso de servidão voluntária: é a servidão hipnótica.

Uma imprensa que submete seus leitores a esse tratamento não tem a menor idéia do que sejam democracia e liberdade de opinião, pois se esforça para liquidá-las no ato mesmo em que alardeia defendê-las. Não há debate possível sem o acesso consciente aos problemas em disputa. Tanto quanto a censura ostensiva, a transferência proposital das escolhas para o reino nebuloso das reações inconscientes é um abuso de autoridade, uma prepotência cínica que suprime o direito de saber, fundamento do direito de opinar.

A falsa rotulação de extremismo é só um exemplo entre milhares. Ninguém, hoje em dia, pode se dizer um cidadão livre e responsável, apto a votar e a discutir como gente grande, se não está informado das técnicas de manipulação da linguagem e da consciência, que certas forças políticas usam para ludibriá-lo, numa agressão mortal à democracia e à liberdade.

Essas técnicas são de emprego maciço, constante e pertinaz nos meios de comunicação e nas escolas. Apesar de sua imensa variedade, todas têm por princípio básico a distração induzida, o bloqueio sutil do julgamento consciente. Opiniões que, expostas com nitidez, suscitariam a mais obstinada oposição, são facilmente aceitas quando apresentadas de maneira implícita e envoltas numa névoa de desatenção. Há publicações inteiras, programas de TV inteiros, livros didáticos inteiros que são, de ponta a ponta, desatenção planejada.

Até a década de 70, quando a maior parte das técnicas a que me refiro estava ainda em fase de estudos em laboratório, os intelectuais se interessavam pelo assunto, investigavam, discutiam a imoralidade e a periculosidade da ameaça iminente que elas representavam para a democracia.

Charles Morgan deu o alarma em “Liberties of the Mind”, Aldous Huxley em “Regresso ao admirável mundo novo”, Arthur Koestler promoveu congressos internacionais para discutir o perigo, Ivan Illitch fez pesquisas memoráveis sobre a manipulação das consciências pelo establishment médico e educacional.

De súbito, as discussões cessaram e as técnicas denunciadas foram entrando, uma a uma, sem a menor resistência, no uso cotidiano de jornais, escolas, canais de TV. Não é de estranhar que essa mudança tenha sido acompanhada de um vasto recrutamento de intelectuais “progressistas” para organismos internacionais, ONGs, serviços secretos e outras entidades interessadas em conduzir a discreta mutação psíquica dos povos. Hoje praticamente não há mais intelectuais independentes. Todos se cansaram de “interpretar o mundo” e aceitaram ser bem pagos para “transformá-lo”.

A elite de intelectuais ativistas que hoje maneja os cordões é tão cínica que chega a inventar as mais artificiosas justificativas ideológicas dessa manobra maquiavélica. É inútil argumentar racionalmente, proclama Richard Rorty: tudo o que podemos fazer, diz ele, é “inculcar sutilmente nas pessoas os nossos modos de falar”. E Antonio Gramsci, antecipando-se aos tempos, já tinha criado toda uma teoria da “revolução passiva” para demonstrar que a sonsa indiferença da multidão distraída vale por adesão explícita e basta para provar que a tomada do poder pelos comunistas foi uma escolha democrática do povo.

Como não enxergar a dose extraordinária de malícia, de presunção arrogante, de desprezo pela liberdade de consciência, que há nessas doutrinas de farsantes e tiranetes.

* Publicado originalmente em O Globo, 15 de julho de 2000
 

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  • Alper Tadeu Alves Pereira
  • 28 Favereiro 2020


“Chinês é tudo porco. Não é à toa que as doenças vêm de lá”, advertia um indivíduo em altos brados em uma mesa povoada de funcionários de alguma empresa de tecnologia com seus crachás à mostra. Não houve discordância, pelo contrário. Todos balançaram a cabeça efusivamente sincronizados com o noticiário que veiculava as últimas notícias da China. Imagens mudas, apenas com as legendas que enfatizavam o número de mortos e hospitalizados.

Algumas pessoas que saiam do restaurante também paravam diante da televisão com um ar de perplexidade, como se estivessem à beira do precipício. A tragédia humana, quando se transforma em show midiático, amplifica os pensamentos mais lúgubres, do tipo será que é dessa vez que eu vou embarcar?

Otto Friedrich tratou do tema de forma brilhante ao escrever O Fim do Mundo, no qual descreve as catástrofes que se abateram sobre a humanidade, desde os tempos bíblicos ao holocausto nuclear, cujo medo ancestral é ressuscitado a cada vez que os bárbaros forçam os portões e teme-se que as muralhas não resistam a cada tempestade, terremoto ou epidemia, seja a peste negra ou a Aids. (Editora Record, 2000)

Enquanto esperava na fila parta pagar a conta, já com certo mal-estar pelas reflexões, outros crachás com seus celulares a tiracolo chegavam para ocuparem as mesas recém esvaziadas, em uma dança ininterrupta e frenética. Naquele instante, quando o silêncio se tornou absurdo, da matilha uma voz de barítono ecoou: “os chineses só servem para fazer pastel e encher os camelôs de bugigangas”. Risadas generalizadas planando pelo salão.

Pronto! Uma epidemia que vem se espalhando, segundo os meios de comunicação, em progressão geométrica, transformou os chineses em inimigos públicos número 1. O bom selvagem ficou para trás, desde que Edgar Allan Poe nos mostrou com A Narrativa de Arthur Gordon Pym (Editora LP &M, 2002) a faceta sinistra dos nossos antípodas. É isso!

Como a maioria desconhece e jamais irá viajar pela Ásia, é preferível imaginar o modelo ancestral, em que milhares de bicicletas se espremem entre carros e ônibus, em uma verdadeira alegoria dos horrores. Essa é a visão, creio eu, que deve vigorar no imaginário coletivo. A escola de Maniqueu deu frutos!

Essas elucubrações foram interrompidas quando a moça do caixa insistia em me perguntar se era no crédito ou débito, embora eu fosse pagar em dinheiro. O meu celular recebeu uma mensagem. Os crachás resolveram sair na mesma hora, se acotovelando na fila, paralisada por mim, visto que não havia troco. Com o impasse resolvido ganhei as ruas, entrei em uma cafeteria para recuperar o fôlego a fim de retornar ao escritório.

Para minha surpresa, a mensagem que havia recebido era um alerta de um amigo meu sobre os últimos acontecimentos na China em primeira mão, pois o Governo estaria impedindo que a verdade fosse divulgada. “É para evitar pânico!”, alegava a narrativa, acompanhada de um vídeo no qual as pessoas, como em um filme do M. Night Shyamalan, sem qualquer motivação aparente, de súbito caiam no chão, como se fossem abatidas em um jogo de videogame.

Se eu fosse imprudente ou mecânico, trataria de imediatamente disparar as mensagens a todos aqueles que eu reputasse importantes para compartilhar o fim do mundo. Mas antes de disparar o gatilho, preferi fazer uma busca rápida na internet. E voilá! O vídeo era uma farsa e não guardava nenhuma relação com o vírus demoníaco.

Pedi ao amigo que me enviou que fizesse uma crítica antes de replicar mensagens de cunho apocalíptico. Ele resumiu com um emoji, gargalhando. Fiquei sem entender se ele estava reconhecendo o vacilo ou se escarnecia, porque o fim estava próximo, e eu era um incrédulo. O fato é que viajo para Ásia há mais de 20 anos e, ao longo desse tempo, pude acompanhar a evolução dos países, nos seus diversos aspectos, e a verdade é que estão a passos largos a caminho do século XXI, enquanto o nosso País estagnou.

O gigantismo da China é realmente impressionante, e os amigos chineses com quem mantenho contato me asseguraram que estão bem, e que a histeria coletiva é passageira. Não será dessa vez que o mundo irá acabar. A lucidez do diálogo com pessoas que nasceram e vivem lá me tranquilizou. Afinal, somos produtos do meio.

Lembro que em um encontro com chineses, sabedores da minha residência no Rio de Janeiro, queriam entender como bandidos sorriam impunemente nas favelas portando fuzis de última geração, e porque eu não tinha medo. Que eu saiba, não fizeram nenhuma piada com a minha origem e nacionalidade, atestando que o “brasileiro serve somente para o futebol, samba e caipirinha”.

No último gole de café, olhei ao redor para me certificar que todos estavam absortos em seus celulares, inclusive os atendentes. Sísifo está no meio de nós! Fui para o escritório a fim de ouvir Leonard Cohen cantar Everybody Knows.

* Alper Tadeu Alves Pereira nasceu em 1968, no Rio de Janeiro. É advogado e autor do Livro Marte morreu porque os marcianos quiseram, lançado em 2019 pela Chiado Books.
    

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  • Fernando Fabbrini
  • 27 Favereiro 2020

 

 

“E não venham com papo de cidadania,
respeito, limites, essas babaquices.
Já disse a Greta:
como ousam vocês, adultos, roubar nossos sonhos?”

Comentei aqui, na semana passada: o bloco da repressão politicamente correta soltou suas advertências contra cocares, menções étnicas, turbantes, bandanas ciganas e demais tolices. Porém, foram apenas delírios ideológicos. E o autoritarismo da resistência libertária alcançou meia-dúzia de cabeças-feitas, como geralmente sucede nessas revoluções de costumes que duram uma semana.

Apesar disso, atento à liberdade de expressão, fiquei de olho nos reflexos da medida durante as caminhadas pela vizinhança no feriado. E constatei que, de fato, novas fantasias substituíram as proibidas e fizeram o maior sucesso.
Talvez para compensar o “não pode” subliminar, a grande favorita dos jovens foi a fantasia do “pode-tudo”, simples e de baixo custo. No caso dos rapazes, basta uma bermuda, sandálias Havaianas e um caneco pendurado a tiracolo. Para as moças, um saiote, brilho no rosto e a indispensável caneca mais enfeitada.

Assim vestida, a garotada usou e abusou das alegorias do “pode-tudo” exercendo seus direitos de folião impune. Posso beber cerveja, pinga, catuaba, gim, vodca e uísque o dia inteiro, mesmo sendo menor de idade? Pode! E posso encher de novo a caneca e a cara toda hora? Pode! E aí, quando der vontade, posso mijar na parede mais próxima, apesar de o banheiro químico estar ao lado? Pode! E cocô? Também pode! Vomitar na calçada? Claro que pode!

No “modo galera” (usuários da “pode-tudo” divertindo-se em grupo) a fantasia ainda permitiu dar porrada no teto de ambulância com sirene ligada, transportando doente em emergência através da Savassi, fazê-la fugir de ré e não deixá-la atrapalhar o Carnaval. Ou descer a Bias Fortes na segunda-feira à noite chutando carros estacionados, quebrando placas de trânsito, abrigos de ônibus e outros alvos que se interpunham no trajeto do alegre grupo – coisas que vimos por aí.

Teve mais. Podia bloquear as portarias, impedir que moradores entrassem e saíssem dos prédios, berrar palavrão em coro contra quem reclamasse, atirar latinhas nas janelas das residências, provocar a polícia? Podia, liberdade é isso. Podia dar umazinha com a gata e largar a camisinha no passeio? Podia! E não venham com papo de cidadania, respeito, limites, essas babaquices. Já disse a Greta: como ousam vocês, adultos, roubar nossos sonhos?

Mergulhados na fantasia empoderada, a moçada se sentiu dona de um mundo legal onde tudo é permitido, um mundo só deles e de mais ninguém. E onde se situa Belo Horizonte, entregue à selvageria pelo populismo, pela cumplicidade demagoga, pela irresponsabilidade. Algum burocrata municipal considerou o gigantesco universo de moradores prejudicados de várias formas nesses quatro dias de zona total?

Um detalhe curioso das fantasias “pode-tudo” veio das cintas onde penduram as canecas. Reparei que várias eram patrocinadas por universidades; ideia dos DAs faturando uma graninha no início do ano letivo. Estavam lá os nomes engenharia, medicina, direito e outros, identificando o curso do pobre universitário que caminha rumo à carreira duvidosa provida pela educação de hoje no país. Ou, pior: como alertam as estatísticas, caminhando a passos trôpegos rumo ao alcoolismo crescente entre os jovens brasileiros. Por tudo isso, até achei bastante coerente e oportuno o merchandising do acessório: o ensino superior virou mesmo uma folia que se encerra numa apoteose grotesca – os espetáculos carnavalescos nos quais se tornaram as cerimônias de colação de grau.

Daqui a um ano tem mais. Vão todos vestir de novo a fantasia infantil de não cair na real. Pobre futuro nosso, quando os que acham que podem tudo virarem adultos.

* Publicado originalmente em O Tempo/MG

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  • Maria Lucia Victor Barbosa
  • 27 Favereiro 2020

 

   O Estado Democrático de Direito onde existem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para que não haja concentração de poder em apenas um deles, surgiu ao longo do tempo através das obras de grandes pensadores como Montesquieu e da evolução do Liberalismo. Desse modo, prevalece nas sociedades onde há o Estado Democrático de Direito a democracia com suas liberdades inerentes e não o despotismo, presente especialmente em sistemas totalitários como o comunismo, o nazismo e o fascismo.

No momento, certos acontecimentos nos levam a indagar como funcionam os Poderes Constituídos em nosso país. Comecemos por perguntar: Temos uma democracia? Apesar de que nesse mundo nada é perfeito, devemos responder que, sim. Afinal, temos pluralidade partidária, eleições livres, liberdade de pensamento (em que pese o detestável politicamente correto), liberdade da mídia, liberdade de reunião. Entretanto, existem falhas graves em nossa democracia.

Só para citar um exemplo, temos a esquisita fórmula matemática do quociente eleitoral, através da qual um deputado federal, estadual ou vereador que obtenha um grande de número de votos arrasta consigo vários candidatos que, assim, ascendem ao Legislativo sem voto e, portanto, sem legitimidade.

Além disso, se nossos Poderes Constituídos sempre estiveram longe da ética e da eficiência necessárias, agora estão sofrendo mutações para pior. O Supremo Tribunal Federal deu em legislar, intrometendo-se no Legislativo; acentua a parcialidade e a demora nos julgamentos (exceto quando existem interesses mútuos em jogo); usa a lei não para os honestos em causas justas, mas para os bandidos (exemplo, fim da prisão em segunda instância). Por essa e por outras o STF tornou-se um Poder tão detestado quando o Legislativo que está funcionando como uma espécie de parlamentarismo que avança sobre o Executivo no intuito de inviabilizá-lo.

O Congresso Nacional tem legislado em causa própria e contra o povo; desfigurou as necessárias reformas do Executivo; estraçalhou o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro; inventou a Lei do Abuso de Autoridade; juntamente com o STF não admite a prisão em segunda instância e quer fazer surgir um juiz de garantias junto com o juiz de primeira instância. Portanto, colaborando com a violência os legisladores indicam que é proibido prender, especialmente os de colarinho branco.

  Tais atos antidemocráticos não param aí. A toque de caixa foi aprovado o Fundo Eleitoral. Serão bilhões tirados do bolso do povo através dos impostos para custear as eleições de suas excelências e, quem sabe, outros custeios mais.

Tem mais, o dinheiro do Orçamento que iria para a Saúde, Educação e outras necessidades sociais corre o risco de servir para aumentar o estrondoso lucro dos parlamentares, que o gastarão nos seus currais eleitorais e, sabe Deus, em que mais. Isso porque, através do Orçamento Impositivo, o Congresso está rejeitando o veto do presidente no sentido de reduzir a parcela que vai para as emendas parlamentares que possibilitam a barganha. Suas excelências são insaciáveis e não se satisfazem com 15 bilhões, querem 30 bilhões. Sobra, então, basicamente 3% da receita livre do governo para tocar seus projetos. Na prática, o Congresso está inviabilizando o Executivo. Afinal, como disse o deputado federal e sindicalista Paulinho, da Força, "não podemos deixar Bolsonaro fazer coisa nenhuma, senão ele se elege para um segundo mandato".

Em comentário particular o general Heleno disse: "Não podemos deixar esses caras chantagearem a gente o tempo todo"

Essa verdade causou grande melindre nos presidentes da Câmara e do Senado e o Centrão avisou: "a partir de agora o governo que arque com as consequências dos seus atos porque propostas enviadas pelo Planalto serão derrubadas".

Portanto, somos todos reféns das chantagens e abusos do Congresso Nacional. Consentimos com nosso voto a ascensão de pelo menos parte dos que tomam decisões em nosso nome, mas vivemos na dependência de sua ganância e irresponsabilidade para com o país. Parece que o Legislativo está inventando uma nova modalidade de poder: o parlamentarismo despótico. Isso não pode ser permitido porque, nesse caso, nossa democracia será uma completa farsa.

Não se trata de negar a importância dos Poderes Constituídos, eles são essenciais, o problema está na distorção que deles fazem seus membros. Nesse sentido é que a sociedade deve reagir. Afinal, "o poder emana do povo e em seu nome será exercido".

* Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga
 

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