Olavo de Carvalho
Amigos e leitores pedem-me uma opinião sobre o aborto. Mas, inclinado por natureza à economia de esforço, meu cérebro se recusa a criar uma opinião sobre o quer que seja, exceto quando encontra um bom motivo para fazê-lo. Diante de um problema qualquer, sua reação instintiva é apegar-se ferozmente ao direito natural de não pensar no caso. Mas, ao argumentar em favor desse direito, ele acaba tendo de se perguntar por que afinal existe o maldito problema. Assim, o que era uma tentativa de não pensar acaba por se tornar uma investigação de fundamentos, isto é, o empreendimento mais filosófico que existe. Os futuros autores de biografias depreciativas dirão, com razão, que me tornei filósofo por mera preguiça de pensar. Mas, como a preguiça gradua os assuntos pela escala de atenção prioritária mínima, acabei por desenvolver um agudo sentimento da diferença entre os problemas colocados pela fatalidade das coisas e os problemas que só existem porque determinadas pessoas querem que existam.
Ora, o problema do aborto pertence, com toda a evidência, a esta última espécie. O questionamento do aborto existe porque a prática do aborto existe, e não ao contrário. Que alguém decida em favor do aborto é o pressuposto da existência do debate sobre o aborto. Mas o que é pressuposto de um debate não pode, ao mesmo tempo, ser a sua conclusão lógica. A opção pelo aborto, sendo prévia a toda discussão, é inacessível a argumentos. O abortista é abortista por decisão livre, que prescinde de razões. Essa liberdade afirma-se diretamente pelo ato que a realiza e, multiplicado por milhões, se torna liberdade genericamente reconhecida e consolidada num "direito". Daí que o discurso em favor do aborto evite a problemática moral e se apegue ao terreno jurídico e político: ele não quer tanto afirmar um valor, mas estatuir um direito (que pode, em tese, coexistir com a condenação moral do ato).
Quanto ao conteúdo do debate, os adversários do aborto alegam que o feto é um ser humano, que matá-lo é crime de homicídio. Os partidários alegam que o feto é apenas um pedaço de carne, uma parte do corpo da mãe, que deve ter o direito de extirpá-lo à vontade. No presente score da disputa, nenhum dos lados conseguiu ainda persuadir o outro. Nem é razoável esperar que o consiga, pois, não havendo na presente civilização o menor consenso quanto ao que é ou não é a natureza humana, não existem premissas comuns que possam fundamentar um desempate.
Mas o empate mesmo acaba por transfigurar toda a discussão: diante dele, passamos de uma disputa ético-metafísica, insolúvel nas presentes condições da cultura ocidental, a uma simples equação matemática cuja resolução deve, em princípio, ser idêntica e igualmente probante para todos os seres capazes de compreendê-la. Essa equação formula-se assim: se há 50% de probabilidades de que o feto seja humano e 50% de probabilidades de que não o seja, apostar nesta última hipótese é, literalmente, optar por um ato que tem 50% de probabilidades de ser um homicídio.
Com isso, a questão toda se esclarece mais do que poderia exigi-lo o mais refratário dos cérebros. Não havendo certeza absoluta da inumanidade do feto, extirpá-lo pressupõe uma decisão moral (ou imoral) tomada no escuro. Podemos preservar a vida dessa criatura e descobrir mais tarde que empenhamos em vão nossos altos sentimentos éticos em defesa do que não passava, no fim das contas, de mera coisa. Mas podemos também decidir extirpar a coisa, correndo o risco de descobrir, tarde demais, que era um ser humano. Entre a precaução e a aposta temerária, cabe escolher? Qual de nós, armado de um revólver, se acreditaria moralmente autorizado a dispará-lo, se soubesse que tem 50% de chances de acertar numa criatura inocente? Dito de outro modo: apostar na inumanidade do feto é jogar na cara-ou-coroa a sobrevivência ou morte de um possível ser humano.
Chegados a esse ponto do raciocínio, todos os argumentos pró-aborto tornaram-se argumentos contra. Pois aí saímos do terreno do indecidível e deparamos com um consenso mundial firmemente estabelecido: nenhuma vantagem defensável ou indefensável, nenhum benefício real ou hipotético para terceiros pode justificar que a vida de um ser humano seja arriscada numa aposta.
Mas, como vimos, a opção pró-aborto é prévia a toda discussão, sendo este o motivo pelo qual o abortista ressente e denuncia como "violência repressiva" toda argumentação contrária. A decisão pró-aborto, sendo a pré-condição da existência do debate, não poderia buscar no debate senão a legitimação ex post facto de algo que já estava decidido irreversivelmente com debate ou sem debate. O abortista não poderia ceder nem mesmo ante provas cabais da humanidade do feto, quanto mais ante meras avaliações de um risco moral. Ele simplesmente deseja correr o risco, mesmo com chances de zero por cento. Ele quer porque quer. Para ele, a morte dos fetos indesejados é uma questão de honra: trata-se de demonstrar, mediante atos e não mediante argumentos, uma liberdade autofundante que prescinde de razões, um orgulho nietzschiano para o qual a menor objeção é constrangimento intolerável.
Creio descobrir, aí, a razão pela qual meu cérebro se recusava obstinadamente a pensar no assunto. Ele pressentia a inocuidade de todo argumento ante a afirmação brutal e irracional da pura vontade de matar. É claro que, em muitos abortistas, esta vontade permanece subconsciente, encoberta por um véu de racionalizações humanitárias, que o apoio da mídia fortalece e a vociferação dos militantes corrobora. Porém é claro também que não adianta nada argumentar com pessoas capazes de mentir tão tenazmente para si próprias.
* Publicado originalmente no Jornal da Tarde, 22 de janeiro de 1998
Gilberto Simões Pires
RELAÇÃO CONSENSUAL
Ainda que milhões de brasileiros -pessoas físicas- já estejam sentindo, na carne e na mente, os danos promovidos por conta da destruidora forma PETISTA -COMUNISTA- de governar, em se tratando de -instituições-, é mais do que notória a existência de uma RELAÇÃO CONSENSUAL carregada de imenso amor, prazer e privilégios de todos os tipos e tamanhos.
BANCO CENTRAL INDEPENDENTE
No ano de 2021, mais precisamente no dia 25 de fevereiro, para felicidade geral da Nação, por força da Lei Complementar 179/2021 o BANCO CENTRAL ganhou a importante condição de INSTITUIÇÃO INDEPENDENTE, caracterizada basicamente pela "ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica". Como tal, os mandatos de quatro anos da sua diretoria deixaram de ser coincidentes com o mandato do presidente da República. Ainda assim cabe ao presidente da República indicar os nomes daqueles que vão compor a diretoria, que tem como principal objetivo -assegurar a estabilidade de preços, mas também deve zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego-.
VÍTIMA DE ESTUPRO
Ora, considerando que ganhar a condição de INDEPENDÊNCIA torna mais difícil, ainda que não impossível, o envolvimento AMOROSO -CONSENSUAL-, o fato é que se levarmos em conta as constantes afirmações feitas pelo intragável presidente Lula a -instituição- BANCO CENTRAL -INDEPENDENTE- parece ter dias contados. Como tal, de forma antecipada, uma vez que a duração do mandato da atual diretoria do BC se encerra no dia 1º de janeiro de 2024 (daqui a menos de 11 meses) até lá a -instituição- será VÍTIMA DE ESTRUPO DE VULNERÁVEL.
PRATO COMUNISTA
De novo: tomando por base -concreta- o fato de que que Lula já tem sob controle total: a MÍDIA ABUTRE, o STF, o TSE, a maioria do SENADO, grande parte da CÂMARA, o núcleo das FFAA e parcela significativa da SOCIEDADE -manipulada-, este conjunto compõe todos os ingredientes definidos pela CARTILHA DO FORO DE SÃO PAULO para servir, muito em breve, o PRATO COMUNISTA que já estava em forno brando desde 2016, quando ocorreu o impeachment de Dilma Rousseff, que para Lula e seus seguidores foi um GOLPE.
A SAÍDA OU O CAMINHO
A propósito, depois que anunciei, ontem, o FALECIMENTO DA MINHA ESPERANÇA, muitos leitores, bastante desanimados, querem saber, mais do que nunca, onde está a saída ou o caminho que, dentro do possível, pode tirar o Brasil desta grave situação. Pois, antes de tudo é preciso que a -direita- entendida por -liberais e conservadores- se organize pra valer. Neste quesito é preciso admitir que a -esquerda- é una, focada e organizada, diferente do que acontece na -direita-, que discute, discute, discute e fica apenas na discussão e nas críticas do que os socialistas/comunistas estão fazendo e propondo a todo momento.
Valterlucio Bessa Campelo
Não tenho elementos para julgar com inteireza de convicção as razões individuais do voto de qualquer senador na última quarta-feira, quando o minúsculo político mineiro de quase dois metros de altura foi reeleito presidente do Senado, mas, sinceramente, como cidadão e eleitor, eu quis o contrário, desejei que o maiúsculo homem público senador Rogério Marinho, equilibrado e experiente, fosse o escolhido, embora soubesse desde antes que ele perderia. Era patente que o Sistema que retirou um presidiário da campanha e fez tudo o que fez até declará-lo eleito, não iria agora perder esta. Enfim, ganhou o representante da ditadura judiciária que assim continua desembestada em conluio com o executivo, e perdeu o sistema de checks and balances inerente à democracia. Estão de melé solto, como diria o jogador de cartas.
Assisti atentamente o discurso pachequista após a própria eleição. Um papagaio do politicamente correto, a fala de um estuprador que quer pacificação com a estuprada, neste caso a Constituição e, por conseguinte, o povo brasileiro. De início, para fazer cena democrática, centrou seu discurso no “ataque terrorista” de 8 de maio e, depois, como se fosse uma dançarina de funk, nadou de braçadas na onda midiática, repetiu cada chavão, cada ideia pronta, cada calhordice do Sistema. Para um advogado renomado, valha-me Ruy Barbosa!
Prometeu o que a sua própria eleição nega, que é a independência entre os poderes, pois foi largamente noticiado que seus colegas receberam telefonemas e gestos de cooptação do GOVERNO e do STF para que o reelegessem. Em nenhum momento o novo presidente do senado se referiu à pauta macabra que o (des)governo lulopetista prepara. Regulação da mídia, ministério da verdade (censura), antirreformas, doação de dinheiro às ditaduras amigas, liberação do aborto, ideologia de gênero e muitas outras afrontas projetadas foram dispensadas do foco. O pachecão cingiu-se ao protocolo. Justamente agora que o país pede estadistas, nos aparecem homúnculos. Que tempos! realmente, o mar não está para sardinhas, a vez é dos tubarões.
A eleição do pachecão representa não apenas a permeabilidade do senado às sandices socializantes do lulopetismo e suas aventuras econômicas, mas, principalmente, uma concessão à sanha autoritária do STF, cujo sina ativista vem produzindo inquéritos de ofício, prisões e punições quase diárias por fora do devido processo legal, cerceamento de defesa, silenciamentos, censura e criminalização até do pensamento. Um horror.
O Sistema aplaude a situação que vivemos, incluindo o servilismo ignorante que grassa nas redações, de onde saem profusamente calços de apoio ao recrudescimento globalista e de transformação da sociedade contra a sua vontade expressa, já que o parlamento também foi emasculado. Para eles, importam os vivas! viva Lula! viva Artur Lira! viva Pacheco! viva qualquer um que fortaleça a revolução gramsciana silenciosa e, pior, dão a este parto demoníaco o nome de democracia, porque supostamente amparado no voto popular. Lembremos que Hitler também foi eleito e, curiosamente, uma semana após o obscuro incêndio da Reichstag em 27 de fevereiro de 1933, em Berlim, o que rendeu a oportunidade de prender de uma tacada 25 mil adversários políticos.
No Brasil, os referenciais do Estado que para Bastiat (A Lei, 1850) se restringia basicamente em três: proteger o indivíduo, a liberdade e a propriedade privada, foram pervertidos e postos a serviço de interesses particulares e de uma ideologia, tornando-se, então, um instrumento de espoliação. Nestes termos, já dizia o economista francês, “o Estado é uma grande ficção através da qual todos se esforçam para viver às custas dos demais”. Para ele, protecionismo, intervencionismo e socialismo são as três forças de perversão da lei. Apesar de escrito há mais de 170 anos, a temática é atualíssima.
É claro que o mundo não acaba amanhã, nem mil cortinas de fumaça como essa canalhice do senador Marcos do Val, apagarão os rastros da incúria. Aliás, o número de votos obtidos pelo senador Rogério Marinho pode, se mantida a união dos seus eleitores, servir para barrar algumas atrocidades. Erra quem exclama “that’s over, baby”, uma versão mais palatável do “perdeu, Mané”.
Logo estaremos nas ruas e demonstraremos novamente nossa repulsa à pauta empuxada pela esquerda. Embora os astuciosos manipuladores, e os ignorantes e ingênuos possam hoje se regozijar, acredito que haverá luta. Luta política, convencimento pela demonstração dos fatos, iluminação pela divulgação da verdade, sem violência, sem ilegalidades, sem abusos, sem danos, apenas com o verbo enquanto o verbo puder ser verbejado. Lembrando Thomas Jefferson: “quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever”.
Sílvio Lopes
A democracia nunca teve e nem nunca terá o significado usado pela esquerda. Ou seja: comportar e aceitar como " democráticas" unicamente suas ideias (na real, de dominação e eliminação do contraditório), para assim exercer o poder absoluto sobre um povo. Essa tal democracia dominante na esquerda está cada dia mais e mais excludente e opressora, sem ao menos dissimular suas verdadeiras e macabras intenções. Expulso do paraíso, Lúcifer rebelou-se com o dono da Criação. Vingativo, passou a desconstruir a obra de Deus – o homem – impondo-lhe as mais cruéis e humilhantes situações.
Daí a Bíblia atribuir-lhe três grandes objetivos de sua própria existência e razão de ser: matar, roubar e destruir. O que faz a nossa esquerda senão isso, o tempo todo e com deslavado sarcasmo, indisfarçável cinismo e sem o menor senso de misericórdia com suas " presas”?
O Brasil já deixou de ser um país democrático. Não mais desfrutamos de liberdades, alicerce imprescindível para definir se tal ou qual regime político merece ser catalogado como democracia.
Contestar, criticar mesmo que ungido e autorizado para isso pela Carta Constitucional, passou a constituir crime de lesa-pátria passível de perseguição e aprisionamento. Sem denúncia, e até mesmo sem o mínimo de processo legal. Tá sabendo aí OAB?
Todo ato em favor de liberdade, transparência e cumprimento da norma constitucional é taxado de antidemocrático. As arbitrariedades e os desmandos do STF e seu puxadinho, o STE, são logo justificadas como atos heroicos e " em defesa dessa democracia". Triste ver um país tão encantador e municiado por uma natureza tão pródiga e bela como o nosso, ser condenado ao ocaso antes de atingir sua maioridade plena e de inigualável esplendor.
Na verdade histórica fomos descobertos e logo explorados e extorquidos. Jamais aqui ocorreu uma vertente colonizadora de verdade que, noutras plagas, deu origem a civilizações prósperas. E verdadeiramente democráticas.
Como bem dizia o escritor Umberto Eco: "as democracias caem pelas mãos de governos civis e não pela ação dos generais. Que no geral, são precisamente os que sustentam os regimes democráticos. É bem o nosso caso presente. Deus, tenha misericórdia do Brasil.
* O autor é jornalista e economista.
Maurício Nunes
De acordo com um inexpressivo doutorando da Escola de Música da Universidade de São Paulo (USP), porém barulhento nas mídias sociais, o funkeiro MC Fióti é mais complexo que Bach.
Sim, você também não fica feliz ao ver o seu rico suado dinheiro gasto em impostos ser tão bem utilizado assim nas universidades públicas?
Se você ainda tem alguma dúvida sobre a decadência da arte pelo mundo e do culto à estupidez (não apenas em questões políticas) que se tem fomentado sobre a mente humana, fica aqui mais um simples exemplo do fato:
Este "quadro", que mais parece uma mesa de ping pong colada na parede, é considerada uma obra de arte e foi vendido pela bagatela de 43,8 milhões de dólares.
Sim, é verdade.
Esqueça os girassóis de Van Gogh, o Davi de Michelangelo, a Monalisa de Da Vinci ou o surrealismo de Salvador Dali. O maior expoente das artes modernas se chama Barnett Newman.
Sim, talvez, em sua casa, seu filho de cinco anos faça rabiscos e pinte quadros muito melhores e mais expressivos do que este "gênio", mas infelizmente seu pimpolho, assim como qualquer outro artista, vai depender da sorte de ser descoberto por um marchand.
O segredo da arte num mundo sem poesia, inteligência e quase nenhuma sensibilidade está nas mãos daqueles que a vendem em conluio com "formadores de opinião", estes seres vazios, arrogantes e presunçosos, que de alguma forma a sociedade resolveu dar voz de arauto.
Arte hoje em dia é isto, colegas.
Seja música, cinema, artes plásticas ou até mesmo opinião política, que em tempos atuais transformou políticos em novos "rock stars", são os escalafobéticos "influencers" e a nova "inprença" que ditam as regras que os ignorantes, a vasta maioria da população, absorvem.
O culto ao feio, ao bizarro e ao medíocre vem tomando proporções assustadoras e fica no ar aquela pergunta: Por que a beleza importa?
O saudoso filósofo contemporânea Roger Scruton respondeu à questão:
"Em qualquer tempo, entre 1750 e 1930, se se pedisse a qualquer pessoa educada para descrever o objetivo da poesia, da arte e da música, eles teriam respondido: a beleza.
E se você perguntasse o motivo disto, aprenderia que a beleza é um valor tão importante quanto a verdade e a bondade.
Então, no século XX, a beleza deixou de ser importante. A arte, gradativamente, se focou em perturbar e quebrar tabus morais. Não era beleza, mas originalidade, atingida por quaisquer meios e a qualquer custo moral, que ganhava os prêmios.
Não somente a arte fez um culto à feiúra, como a arquitetura se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso entorno físico que se tornou feio: nossa linguagem, música e maneiras, estão ficando cada vez mais rudes, auto centradas e ofensivas, como se a beleza e o bom gosto não tivessem lugar em nossas vidas.
Uma palavra é escrita em letras garrafais em todas estas coisas feias, e a palavra é: EGOÍSMO.
"Meus lucros", "meus desejos", "meus prazeres". E a arte não tem o que dizer em resposta, apenas: "sim, faça isso"!
Penso que estamos perdendo a beleza e existe o perigo de que, com isso, percamos o sentido da vida."
* Texto Original A Toca do Lobo
** Encontre os livros pela Editora Zelig
Gustavo Corção
A idéia de pátria e a correlata de patriotismo vêm sendo sabotadas, há séculos, pelas correntes históricas que nas últimas décadas formam o enorme estuário de equívocos que constituem o néctar, o uísque escocês dos “intelectuais” das chamadas esquerdas. A corrente anarco-socialista, bem como a marxista, sempre anunciaram em canto e prosa a Internacional, sem nunca suspeitarem que deste modo pretendiam combater uma exigência da alma humana tão profunda como a de querer constituir família.
À primeira vista, e numa análise sem vigor, parece que o amor da pátria exclui o resto da humanidade e assim se opõe ao mandamento de Deus. Na verdade, todo amor exclusivo será egoísta e defeituoso, já que o próprio do amor, ainda que inclua as mais densas dileções, é ser difusivo. E se não for difusivo não é amor; será quando muito egoísmo ou amor próprio.
Vejamos como se entende, dentro do imperativo de universalidade, o bom fundamento do amor da Pátria. É sabido que nenhum homem esgota em sua vida e com suas aptidões todas as virtualidades da alma humana. Para bem manifestar toda a grandeza e toda a beleza da alma humana, em todas as suas possibilidades, foi preciso que os homens se multiplicassem e se diversificassem. A perfeição do homem se vê na humanidade desdobrada. Mas não basta essa multiplicação. Para bem exibir diante do universo e das galerias angélicas toda a riqueza do animal-racional, ou da alma feita à imagem e semelhança de Deus, foi preciso ainda recorrer ao curso da história e ao contraponto das civilizações. E além dos desdobramentos e dos alongamentos individuais, foi preciso diferenciar os agrupamentos humanos em tipo, com línguas, costumes e cultura diversificados.
E este é o fundamento natural da pátria.
Faz parte da grande e inebriante aventura humana esse tipo de experiência que consiste em viver, num dado território e ao longo de uma história, uma vocação comum, uma cultura comum, que se exprime não apenas pela língua comum mas por todo o jogo de símbolos, de significações multiplicadas que resultam das alegrias comuns e dos sofrimentos comuns expressos na profundidade das almas por sinais comuns.
Quando eu penso com simplicidade no objeto do amor pátrio, eu penso numa grande comunidade que acabou de chegar na ponta de uma grande história e que acampou, se instalou numa imensa geografia. Tudo isso me envolve numa cercadura enorme, e tudo isso nos diz que somos portadores duma vocação, de uma parte, de uma tarefa na grande aventura humana. Toda essa cercadura, esse envoltório humano, cultural, sociológico, histórico, geográfico é um campo de forças que nos penetra, e que se cruza dentro de nós, e nos faz o que somos, o que sentimos e amamos. Curioso processo psicológico que sempre se repete para as coisas mais amplas e mais próximas. Nossos envoltórios, a família, o bairro, a pátria, são obras emanadas de nossas almas, e são elas que refluem e modelam nossas almas. Há por fora de nós um enorme Brasil exterior; há dentro de nós um Brasil interior de sentimentos e de virtudes que devem ser cultivadas e apuradas para que o Brasil exterior seja melhor e mais Brasil, e mais e melhor para formar as almas de seus filhos.
Precisamos cultivar essa piedade, esse respeito pelo grande quinhão que nos coube na prodigiosa aventura do gênero humano, não para nos excluirmos e nos fecharmos, mas para que nosso amor pátrio seja difusivo e se transforme em amor universal. Precisamos sentir e agir como se o mapa-mundi a cosmografia e a história fossem inconcebíveis sem a nossa presença.
Não há nenhum espasmo de eloqüência convencional nem sombra de orgulho nesse reconhecimento de nosso valor: haverá até um ato de humildade acompanhado de um sentimento de responsabilidade. Aprendi essa lição do valor de cada ser dentro da Criação com um pobre cego, a quem uma senhora bondosa queria confortar e de quem lamentava a triste sorte. Agradecendo a bondade, o ceguinho confortou-a com estas palavras:
— Sem eu o mundo não estaria completo. Faltaria minha cegueira...
Tudo tem valor. Que valor tremendo, terrível, não terá essa comunidade pátria? Que aleijão enorme faria no mundo a falta desse jeitão coletivo, nosso, meu, seu, vosso, que chamamos Brasil! Esse modo de sermos, de falarmos, de sentirmos, essa esparsa alma comum: Brasil.
E para não desmerecermos em tal tarefa (a de completar o universo!) precisamos friccionar nossos sentimentos e nossas virtudes, e para isto precisamos de comemorações, de sinais e símbolos já que nesta vida terrena, como disse o apostolo Paulo, vivemos entre sinais e enigmas. Daí a utilidade das bandeiras, dos hinos e das festividades cívicas que todos os povos normais sempre amaram. Mas a necessidade mais imperiosa e contínua que decorre da consciência patriótica é a do serviço prestado no dia a dia da vida profissional. Festejemos os dias da pátria, mas essas festividades seriam vazias e até falsas se não fossem sinais do desejo de servi-la.
E peçamos a Nossa Senhora da Aparecida, à onipotência suplicante da Mãe de Deus, que nos proteja sempre como recentemente nos protegeu.
* Este artigo foi publicado durante a semana da Pátria, em “O Globo”, de 05/09/1970.
** Reproduzido de https://permanencia.org.br/drupal/node/450