• Emanuel Steffen
  • 15 Janeiro 2023

Emanuel Steffen

       Essa é a consequência de se viver na abundância. Há um fenômeno ocorrendo em comum nos países mais ricos e prósperos do mundo: os jovens afirmam ter sentimentos positivos em relação ao socialismo. Em uma pesquisa de 2017, 51% dos millennials se identificavam como socialistas, com adicionais 7% dizendo que o comunismo era seu sistema favorito. Apenas 42% preferiam o capitalismo. Em alguns casos, a defesa do socialismo ocorre abertamente, como nos EUA, onde os jovens que apóiam o Partido Democrata — principalmente Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez — abertamente se auto-rotulam como socialistas. Em outros, a defesa é menos explícita, como nos recentes protestos do Chile. Em comum, vemos jovens de países prósperos, que vivem em meio a uma abundância nunca antes alcançada na história do mundo, exigindo mais poder estatal, mais intervenções e estatizações, e menos liberdade de mercado — o mesmo mercado que lhes forneceu toda esta abundância.

O que explica essa contradição?

É tentador dizer que todo o problema se resume a uma completa ignorância tanto sobre economia básica quanto sobre história. De um lado, tais pessoas não entendem como funciona uma economia de mercado (embora vivam em uma); de outro, aparentam desconhecer por completo o histórico do socialismo. De concreto, há uma total falta de apreço por quão rapidamente suas condições materiais melhoraram.

A armadilha nutricional

Em um passado não tão distante, as pessoas não "trabalhavam duro", no sentido de longas e cansativas horas de trabalho. De certa forma, elas trabalhavam menos do que nós atualmente. E era assim não pelos motivos que os socialistas de hoje imaginam. Não havia aquele cenário cor-de-rosa de "camponeses felizes trabalhando poucas horas por dia nos campos, e então passando o resto do dia no ócio e no lazer". Todos eles eram raquíticos, muito mal alimentados e simplesmente não tinham energia para trabalhar duro. Longe de levarem uma vida idílica, ver seus filhos sofrerem de desnutrição e estar fraco demais para ajudá-los deve ter sido uma experiência tenebrosa.

Em seu livro A Grande Saída, o vencedor do Nobel Angus Deaton explica a "armadilha nutricional" que a população da Grã-Bretanha vivenciou: A população da Grã-Bretanha, no século XVIII e início do século XIX, consumia menos calorias que o necessário para as crianças crescerem ao seu máximo potencial e para os adultos manterem seus organismos em níveis saudáveis de funcionamento, o que lhes impedia de efetuarem trabalho manual produtivo e remunerativo. As pessoas eram muito magras e muito pequenas, talvez tão pequenas quanto nos períodos de tempo anteriores. Deaton explica como a escassez de nutrição afetou o organismo da população.

Os trabalhadores dos séculos anteriores não eram robustos; um físico atrofiado era o que oferecia a melhor esperança de sobrevivência: Ao longo da história, as pessoas se adaptaram a uma escassez de calorias da seguinte maneira: elas não cresciam e não ficavam altas. A atrofia corporal não apenas é uma consequência de não ter muito o que comer, especialmente na infância, como também corpos menores requerem menos calorias para seu sustento básico, e eles possibilitam trabalhar com menos comida do que seria necessário para uma pessoa mais fisicamente avantajada.

Um trabalhador de 1,85m e com 90kg teria as mesmas chances de sobreviver no século XVIII quanto um homem na lua sem uma roupa espacial.Na média, simplesmente não havia comida o bastante para alimentar uma população de indivíduos com as dimensões físicas de hoje. O britânico médio do século XVIII ingeria menos calorias do que o indivíduo médio que vive hoje na África subsaariana. Como eles não tinham o que comer, estes pobres britânicos trabalhavam poucos. Deaton prossegue:

Os pequenos trabalhadores do século XVIII estavam efetivamente aprisionados em uma armadilha nutricional: eles não tinham como ser bem remunerados porque eram fisicamente fracos, e não tinham como comer porque, sem trabalhar e produzir, não tinham o dinheiro para comprar comida. Johan Norberg, em seu livro Progresso, relata as descobertas do historiador econômico e vencedor do Nobel Robert Fogel: Duzentos anos atrás, aproximadamente 20% dos habitantes da Inglaterra e da França simplesmente não conseguiam trabalhar. Na melhor das situações, eles tinham energia suficiente para apenas algumas horas de caminhada lenta por dia, o que condenava a maioria deles a uma vida de mendicância.

E então, tudo começou a mudar. Deaton explica:

Com o início da revolução agrícola, a armadilha começou a se desintegrar. A renda per capita começou a crescer e, talvez pela primeira vez na história, passou a existir a possibilidade de uma melhora contínua na nutrição. Uma melhor nutrição permitiu às pessoas crescerem mais fortes e mais altas, o que, por sua vez, possibilitou aumentos na produtividade, criando uma sinergia positiva entre aumentos na renda e melhorias na saúde, com um se apoiando no outro. A partir do momento em que o capitalismo realmente se consolidou, as condições de vida não apenas melhoraram sensivelmente, como todo o progresso ocorreu de maneira acelerada. E isso, paradoxalmente, começou a gerar as sementes de sua própria destruição.

A ignorância da história

Ao fim de minha carreira de professor, estudantes universitários totalmente ignorantes sobre história já eram um fenômeno extremamente comum. Eles desconheciam totalmente a pobreza abjeta na qual viveu a vasta maioria da humanidade durante milênios. Eles simplesmente não acreditavam que o passado pudesse ter sido tão brutal, como foi vivamente descrito por Matt Ridley em seu livro O Otimista Racional.

Pior ainda, quando expostos a evidências concretas, alguns estudantes se recusam a questionar suas posições. Sobre isso, quem melhor explicou o fenômeno foi a sempre interessante crítica cultural Camille Paglia. Em uma entrevista ao The Wall Street Journal, ela afirmou que a atual juventude dos países mais ricos enxerga suas atuais liberdades de escolha (inéditas na história da humanidade) e a atual riqueza de bens de consumo à disposição (algo também inédito na história da humanidade) como um fato consumado, como algo que sempre foi assim e que jamais irá mudar. Consequentemente, eles estão desesperadoramente necessitados de um contexto mais rico e profundo para a própria era que eles estão denunciando.

Diz ela: Tudo é muito fácil hoje em dia. Todos os supermercados, lojas e shoppings estão sempre plenamente abastecidos. Você pode simplesmente ir a qualquer lugar e comprar frutas e vegetais oriundos de qualquer lugar do mundo. Jovens e universitários, que nunca estudaram nem economia e nem história, acreditam que a vida sempre foi fácil assim. Como eles nunca foram expostos à realidade da história, eles não têm idéia de que essa atual realidade de fartura é uma conquista muito recente, a qual foi possibilitada por um sistema econômico muito específico.

Foi o capitalismo quem produziu esta abundância ao redor de nós. Porém, os jovens parecem acreditar que o ideal é ter o governo gerenciando e ofertando tudo, e que as empresas privadas que estão fornecendo essas coisas em busca de lucro, fornecendo produtos e serviços para eles, irão de alguma forma existir para sempre, não importam as políticas adotadas. Em outras palavras, indivíduos ignorantes sobre história e economia acreditam que a abundância atual sempre existiu e sempre foi assim. Daí é compreensível que eles se sintam atraídos pela idéia de um socialismo idílico: eles genuinamente acreditam que, sob o socialismo, toda esta abundância será mantida, mas agora simplesmente será gratuita para todos. Haverá MacBooks, smartphones, roupas de grife, comida farta e serviços de saúde amplamente disponíveis a todos, e gratuitamente. Como resistir?

Acreditando que poderão seguir usufruindo toda esta fartura, eles sonham que irão conseguir ainda mais coisas caso haja um governo redistribuindo para eles a riqueza confiscada de terceiros. Paglia argumenta que a atual geração se esqueceu até mesmo do passado mais recente. Nossos pais foram da geração da Segunda Guerra Mundial. Eles tinham uma noção da realidade da vida. Já a juventude de hoje foi criada em um período muito mais afluente. Mesmo as pessoas pobres de hoje têm telefones celulares, televisores, meios de transporte e amplo acesso a alimentos diversificados. Similarmente, Schumpeter também se preocupava com a hipótese de que as pessoas vivendo sob a opulência passariam a ver sua situação como um fato consumado, e assim preparariam o terreno para sua própria destruição. Em seu livro Capitalismo, socialismo e democracia, ele prognosticou que as sociedades capitalistas seriam destruídas pelo seu próprio sucesso. Para Schumpeter, o capitalismo "inevitavelmente" se transforma em socialismo.

Seu argumento, de maneira resumida, é o seguinte: uma economia de mercado, com indivíduos fortemente empreendedores, gera um grande crescimento econômico e aumenta acentuadamente o padrão de vida das pessoas. Ironicamente, no entanto, a sociedade se torna tão próspera e tão inovadora, que passa a ignorar a fonte de toda a sua riqueza, dando-a como natural, corriqueira e automática. Pior ainda: torna-se abertamente hostil a ela. O empreendedorismo e o mercado enriquecem tanto a sociedade, que as pessoas se esquecem do quão necessária e do quão frágil a economia de mercado realmente é. Elas até mesmo começam a acreditar que os mercados — e a ordem social e cultural que mantém os mercados funcionando — são inferiores à burocracia estatal e ao planejamento centralizado. Com o tempo, a sociedade acaba abraçando idéias socialistas.

Nas palavras de Schumpeter:

Os padrões crescentes de vida e, sobretudo, o lazer que o capitalismo moderno põe à disposição das pessoas que têm emprego e renda. . . bem, não há necessidade de terminar esta sentença e nem de elaborar aquele que é um dos argumentos mais verdadeiros, antigos e enfadonhos. O progresso secular, o qual é visto como algo natural e automático, em conjunto com a insegurança individual, que alimenta a inveja, é naturalmente a melhor receita para alimentar a inquietação social. Entretanto, todo esse processo de transformação requer mais do que apenas a acumulação de riqueza: alguém tem de ativamente insuflar hostilidade às instituições da economia de mercado. Esse papel é desempenhado pelas classes intelectuais, que frequentemente abrigam um profundo ressentimento em relação às instituições empreendedoriais.

Os intelectuais incitam descontentamento entre um crescente número de pessoas cuja riqueza, em última instância, depende da produtividade do empreendedorismo, mas que, na prática, vivem majoritariamente fora da concorrência do mercado. Pessoas mais jovens são particularmente mais vulneráveis a esse preconceito anti-mercado, o qual é normalmente instilado por meio de escolas e faculdades.

Segundo Schumpeter, portanto, o capitalismo poderia se destruir a si próprio ao criar: a) uma classe de intelectuais que vituperam o progresso material e o individualismo e exaltam um eventual arranjo que seria baseado no "bem comum" (o qual seria, obviamente, definido e organizado pelos intelectuais), e b) pessoas que aceitam como fato consumado aquelas prateleiras de lojas e supermercados repletos da produtos de ampla variedade (como bem disse Paglia). Falando mais coloquialmente, nós nos tornamos gordos e preguiçosos, e passamos a ficar obcecados com a distribuição de riqueza, e não com os pilares sobre os quais sua criação é possibilitada. E é a partir daí que as tragédias começam a ocorrer. No caso do socialismo, elas tomam a forma de homicídios em massa.

Conclusão

No final, não importa se o tipo de socialismo defendido é idílico e bem-intencionado. Aquelas pessoas, normalmente adolescentes ricos, artistas e intelectuais acadêmicos, que professam idéias socialistas aparentemente não se lembram de como realmente era o mundo quando o socialismo era realmente aplicado. É fácil defender idéias socialistas quando se vive em um mundo opulento em que a comida é farta e barata. É fácil defender o regime venezuelano morando-se em um país rico.

*       Publicado originalmente em Campo Grande News (18/11/2019)

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  • Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
  • 13 Janeiro 2023

Gilberto Simões Pires      

IMPACTO DO AUMENTO DO SALÁRIO-MÍNIMO

Poucos sabem, mas segundo o Relatório de Riscos Fiscais da União, publicado em outubro de 2023, pelo Tesouro Nacional, CADA REAL DE AUMENTO NO SALÁRIO-MÍNIMO GERA, IMEDIATAMENTE, UM AUMENTO DE R$ 394,9 MILHÕES -AO ANO- NAS CONTAS DA UNIÃO.

ROMBO LÍQUIDO

Isto acontece porque 39 MILHÕES DE BRASILEIROS APOSENTADOS DO INSS - algo como 67%- recebem até um salário-mínimo. Se levarmos em conta que as contribuições previdenciárias GERAM, da mesma forma, UM AUMENTO DE R$ 6,3 MILHÕES NA ARRECADAÇÃO, o resultado, para CADA REAL DE AUMENTO DO MÍNIMO, é um espetacular -ROMBO- LÍQUIDO na ordem de R$ 388,6 MILHÕES NO RESULTADO DAS CONTAS PÚBLICAS. 

REGIME DE REPARTIÇÃO

Como o REGIME PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO É DE REPARTIÇÃO, e não houve santo que convencesse os péssimos parlamentares da necessidade de substituição por um correto REGIME DE CAPITALIZAÇÃO, o resultado aí está, de forma nua e crua: o governo petista, que liderou o fracasso da REFORMA DA PREVIDÊNCIA, insiste desesperadamente com a REONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO, na tentativa de REDUZIR O ROMBO PREVIDENCIÁRIO.  

A METADE

Diante do fracasso -semeado e colhido- o reajuste do salário-mínimo, de 6,97%, passando para R$ 1.412,00, deve inflar o rombo da Previdência em torno de R$ 28 bilhões em 2024, ou seja, algo como 10% do déficit projetado pelo governo para 2023. Neste quadro dantesco, o que chama mais a atenção é que os APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO INSS que RECEBEM PAGAMENTOS ACIMA DO SALÁRIO-MÍNIMO TERÃO REAJUSTE DE APENAS 3,71% EM 2024. Ou seja, praticamente a metade. Pode?

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  • Revista Oeste, editorial
  • 13 Janeiro 2023

 

Revista Oeste, editorial

Nota: Ao divulgar sua edição deste fim de semana, a excelente Revista Oeste envia importante análise dos fatos da semana e do endurecimento da pressão judicial e política no país.

Em defesa da liberdade, do estado de direito e da democracia apoie a Revista Oeste.

O projeto para manter o país sob o controle do Supremo Tribunal Federal e do governo Lula, sem oposição de verdade nem liberdade de expressão, e a caçada à imprensa conservadora são os destaques desta edição

No início da semana, a Revista Oeste foi notificada de que não poderia mais exibir os programas de sua grade semanal no YouTube. A proibição começou a valer na segunda-feira 9. A plataforma vai avaliar a defesa apresentada por Oeste contra a acusação de ter publicado "conteúdo violento ou nocivo" — os termos vagos usados para aplicar a mordaça. Não foi a primeira vez: no ano passado, em plena reta final da campanha eleitoral no Brasil, o Google impôs uma sanção de sete dias ao canal, depois de receber uma denúncia anônima. Tratava-se de um vídeo com imagens de manifestações do Black Lives Matter, postado em julho de 2020 — ou seja, misteriosamente, um filme que só incomodou alguém 870 dias depois.

Na época, a diretora de Redação de Oeste, Branca Nunes, escreveu um artigo definitivo sobre a escalada da censura: "A revista jamais se rendeu. Não será diferente agora". Nesta semana, por causa da punição, os programas migraram para a plataforma canadense Rumble, além de ser exibidos normalmente no Twitter e no site da revista. Em poucos dias, o diário Oeste Sem Filtro atingiu as maiores marcas de audiência da história do Rumble — média de 520 mil visualizações por dia. O número de acessos do site também se multiplicou.

É plenamente factível afirmar que há uma caçada em curso contra os conservadores, ou a criminalização da "direita", num mundo cada vez mais refém do "progressismo" — nova roupagem da esquerda depois que o marxismo cultural se enraizou, sobretudo, nos meios de comunicação. Nos Estados Unidos, a Fox News enfrenta uma batalha contra um movimento batizado de "DropFOX" (Derrube a Fox), que segue a linha do Sleeping Giants, tentando minar a sobrevivência de quem discorda. O caso é narrado no artigo de Dagomir Marquezi: "O curioso é que não existe um DropCNN".

Tudo isso ocorreu numa semana em que o país assistiu atônito a manifestações políticas que degeneraram em lamentáveis — e absolutamente condenáveis — atos de vandalismo. Prédios públicos na Praça dos Três Poderes foram depredados. A retaliação das autoridades aos crimes promovidos por uma turba extremista que se infiltrou ao grupo de manifestantes foi dura. Ainda não se sabe quem foram os verdadeiros culpados e se houve conivência de autoridades. Porém, como tem ocorrido nos últimos anos no país, a aplicação da lei pesou de forma desproporcional: 1,5 mil pessoas foram trancafiadas num ginásio de esportes em Brasília, sem a individualização de conduta, foram obrigadas a assinar uma "nota de culpa" pelo crime de terrorismo, o governador do Distrito Federal foi afastado e o ex-secretário de Segurança e o ex-comandante da Polícia Militar receberam ordens de prisão.

"Nunca houve isso em nenhuma ditadura brasileira do passado", escreve J.R. Guzzo, na reportagem de capa desta edição. "A Lei Maior do Brasil, na prática, não é mais a Constituição Federal de 1988 — é o inquérito perpétuo, sem limites e ilegal que o ministro Alexandre Moraes conduz há mais de três anos para punir o que ele, a esquerda e a mídia chamam de "atos antidemocráticos" e "desinformação."

Como afirma o diplomata e escritor Gustavo Maultasch no brilhante livro Contra Toda a Censura — Um Tratado Sobre a Liberdade de Expressão, a História mostra que o "autoritarismo cirúrgico" pode custar muito caro. A liberdade de expressão é a medida de qualidade da democracia — da verdadeira democracia, não de uma democracia tutelada.

Boa leitura.

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  • João Luiz Mauad
  • 12 Janeiro 2023

 

João Luiz Mauad 

        Ontem, a liberdade de expressão tomou mais uma paulada em Pindorama.  Três jornalistas/comentaristas da Jovem Pan e da Gazeta do Povo tiveram todas as suas redes sociais suspensas, seus passaportes cancelados e suas contas bancárias bloqueadas por ordem daquele ministro do STF – vocês sabem qual.

“Não existe direito absoluto”. Esta expressão jurídica vulgar virou lugar comum nas mesas de bar, no discurso da imprensa e de seus indefectíveis analistas e especialistas, e até mesmo nas sentenças das mais altas cortes de Pindorama, quando o assunto é liberdade de expressão.

O problema é que esta expressão nada mais é do que uma falácia, ou um grande espantalho, para ser mais exato.  Ninguém que denuncie os (cada vez mais) frequentes abusos contra a liberdade de expressão recusa os limites dela.  A questão de fundo é que, entre um direito absoluto e nenhum direito há uma enorme zona cinzenta, que jamais deveria ser refém das subjetividades e idiossincrasias de ninguém.

Por isso, o legislador enumerou uma série de exceções ao direito fundamental da liberdade de expressão – não por acaso, gravado em cláusula pétrea na CF.  São elas: ameaças à vida ou à integridade física de terceiros, injúrias, calúnias e difamações.  O mais importante é que todas as exceções previstas são puníveis (civil ou criminalmente) apenas a posteriori, depois do devido processo legal e da possibilidade de ampla defesa.  A censura prévia (ou ‘cala-boca’, nas palavras da ministra Carmem Lúcia) não está prevista no arcabouço legal de Pindorama.

A censura é expressamente vedada pela Constituição Federal em duas passagens: no artigo 5º, inciso XI, que dispõe ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e no §2º do artigo 220, que proíbe qualquer espécie de censura de natureza política, ideológica e artística.

Desses dois dispositivos depreende-se que é inadmissível qualquer tipo de censura prévia, coisa típica de países totalitários. Se houver excesso na linguagem ou ultrapassagem do limite entre a liberdade de expressão e a prática de uma infração, inclusive de natureza penal, a punição é sempre posterior. Ninguém está autorizado a antever a prática de um ilícito e calar qualquer pessoa a priori.

Até mesmo na famigerada Lei de Segurança Nacional, editada no período militar, havia dispositivo expresso que permitia a exposição, a crítica ou o debate de quaisquer doutrinas (com exceção do nazismo) – artigo 22, §3º, da Lei nº 7.170/1983.

Já a Lei nº 14.197, que substituiu a Lei de Segurança Nacional e atualmente trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, inseriu no Código Penal o artigo 359-U, que dispõe sobre a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, ressalvando que: “Não constitui crime previsto neste título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Mais claro, impossível.  O direito à livre manifestação do pensamento consiste justamente em poder dizer o que pensa sobre algo ou alguém, inclusive sobre os poderes constituídos e seus agentes, sem que isso seja considerado criminoso. Essa regra constitucional é comum a praticamente todos os países democráticos, pois a liberdade de expressão é um dos pilares do estado democrático.

Não sem razão, a lei permite inclusive opiniões contrárias à própria democracia, bem como a defesa de regimes autoritários – há gosto para tudo. Tanto isso é verdade que, desde a redemocratização do país, assistimos a manifestações diversas dos defensores de uma ditadura do proletariado sem que tais atividades jamais tenham sido criminalizadas ou proibidas.

Por outro lado e a despeito de tudo isso, testemunhamos diariamente ataques concretos à democracia e ao estado de direito sem que isto cause qualquer desconforto cognitivo nas nossas elites pensantes.  Refiro-me, evidentemente, aos inquéritos perpétuos do STF, sem competência originária e ao arrepio de princípios processuais mais comezinhos.  Sem falar dos reiterados atos de censura e bloqueios de redes sociais, inclusive de parlamentares textual e constitucionalmente imunes em relação às suas palavras e votos.

Refiro-me também a algumas decisões extravagantes do mesmo STF, as quais interferem de maneira insofismável na divisão de poderes, outro dos principais pilares de uma democracia realmente digna deste nome – como a recente autorização do judiciário para que o executivo gaste acima do teto constitucional, entre outros arroubos de um STF cada vez mais ativista e imbuído do papel (espúrio) de legislador.

Nada poderia afrontar mais a democracia do que este vilipêndio ao império da lei e ao devido processo legal.  O problema é que, em Pindorama, não é a opinião que interessa na hora de punir alguém, mas quem emite a opinião.

*         João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

**     Publicado originalmente no site do Instituto Liberal - https://www.institutoliberal.org.br/blog/sobre-liberdade-de-expressao-e-afronta-a-democracia/

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  • Valdemar Munaro
  • 11 Janeiro 2023

Valdemar Munaro
Caniços, segundo Pascal, despossuídos de consciência, movem-se à mercê dos ventos e determinismos, não 'sofrem' solidão, medo, ressentimento, trauma ou angústia, não sabem de si, nem se perguntam sobre o seu destino.

A condição humana, ao invés, guiada por inteligência e amor, é artífice de seu próprio caminho, engenheira e arquiteta, molda seu ambiente, trama artimanhas e astúcias vindas não do vigor físico ou das pulsões instintivas, mas da interioridade regida pelo espírito que tudo tempera e ilumina evitando esfacelamento e extinção.

Admirável invenção é, pois, a pessoa humana dignificada pela sabedoria e pela ordem da consciência (cum+scientia) que só Deus poderia lhe dispor. Os animais sabem, mas não sabem que sabem. Se soubessem, não seriam o que são. O homem, por sua vez, sabe que sabe e sabe também de não saber. Há, pois, um abismo metafísico entre caniços e racionais.

Embora abaixo de anjos (Sl 8), criaturas humanas se elevam, com asas de inteligência e vontade, para viver acima do achatamento materialista.

Perfeitos e simples, substâncias separadas, como são chamados por Aristóteles os seres angélicos, não carregam o peso da temporalidade e da composição. Talvez, por isso, não complicaram a mão divina no ato que os fez existir. Seres corporais, no entanto, feitos de carne e osso, exigiram 'engenharia' e 'esculturação'. Tudo o que vemos, diz S. Boaventura, é vestígio divino, mas só o homem é sua imagem e semelhança.

A sabedoria divina, portanto, se derramou na criação e contagiou os homens fazendo destes também inventores. Em épocas arcaicas quanto hodiernas, civilizações, 'engenharias' e arquiteturas esplêndidas se emolduraram em muitos lugares e tempos. A inteligência fez o homem cientista e escultor, criador de máquinas, manuseador de linguagens, colhedor de benefícios inimagináveis, domesticador de animais, utilizador do fogo, desviador de monções, construtor de pontes, palácios e templos, desbravador e aplainador de estradas, escavador de túneis, organizador de cidades e campos, prolongador da vida.

Os últimos séculos, porém, surpreendentes, esquisitas e chocantes 'forças' alteraram inspirações e inventividades. O espírito e o objetivo das engenharias vestiram novas indumentárias e a chamada modernidade se tornou ninho de balbúrdias. Alucinantes pensamentos reverberaram inchando ciências e artes de impulsos destruidores. O interior da atividade intelectual, enfeitiçada pela pressa e pelo transformismo, fez 'engenheiros' assumirem incumbências novas e radicais: alterar homens e 'mundos'.

Assim, admiráveis criações esculhambaram-se. O paradigma, exemplo estampado pelo filósofo, cientista e político inglês, Francis Bacon (1561 – 1626) no seu 'Novo Organismo' revela já, em linhas tênues e mansas, uma proposta de reformulação radical das ciências e dos seus fins. Bacon, oposto a Aristóteles (322 a. C.), organizou a atividade cientifica de modo a que estivesse estreitamente ligada a 'poder' e resultados práticos.

No rol das modernas inovações mergulhou também a atividade artística, que, abalroada no 'novo' espírito, passou, progressivamente, do ofício criativo de 'belezas' para o ofício das pedagogias e militâncias. O recinto da estética se encheu de éticas e o recinto da ética se encheu de estéticas. O novo 'paradigma' artístico veio para catequizar e moralizar antes que 'embelezar'. A arte transformou-se em denúncia e protesto desviando-se de seu compromisso original: expressar o belo.

Obras como as de Duchamp, Picasso, Miró, Oscar Niemeyer, Le Carbusier, Lúcio Costa e tantos outros, se tornaram 'criações' apriorísticas pisoteadas por botas políticas, ressentimentos e moralismos reversos. Por isso fizeram artes capengas e gélidas.

Olhemos Brasília, nossa capital artificial. Porventura, não é uma cidade humanamente 'fria', distante dos brasileiros que a sustentam, impessoal, serva e mãe de burocratas, refúgio de ladrões e corruptos?! Não é, porventura, um milagre heroico encontrar algum 'político' ou jurista íntegro, de humanidade e retidão moral conservadas na cidade desalmada projetada pelo marxista Oscar Niemeyer?

As ideologias que sapateiam e esmagam poesias, escreveu o escritor De Sanctis, produzem inevitavelmente artes carunchadas. Os cantos litúrgicos, por exemplo, introduzidos nas Campanhas da Fraternidade do Brasil nesses últimos 30 anos (promovidas pela CNBB), quais ainda o povo católico se lembra para cantar? Por que isso ocorreu? Porque eram canções infestadas de catequese e moral que embretaram a criação artística. A hidra política que os estrangulou feriu radicalmente suas inspirações.

Do novo espírito cultivado na era moderna brotou, portanto, um eticismo estético (que faz da arte uma ética) e um estetismo ético (que faz da ética uma arte), de tal modo que a vida ética acabou por se identificar com sensações e as sensações com éticas. Nesse panorama, quase torpe, embolam-se moralidades e afetos. Qualquer sentimento pode se tornar exigência moral, qualquer exigência moral, sentimento. Inspirações e obras de todo tipo reivindicam 'certificado artístico' e vice-versa.

Entretanto, dos mais graves efeitos dessa reviravolta, os piores se situam no interior da cultura e da educação, campos nos quais o transbordamento de engenharias e arquiteturas se verificou assustadoramente. Francis Bacon representou apenas o pontapé pós-medieval e inicial da nova configuração, mas o 'poder' atrelado ao saber pôs-se, inescrupulosamente, a modificar de fato mundos e sociedades.

No túmulo de Karl Marx, em Highgate, Londres, se lê o conhecido mote comunista: 'Os filósofos, até aqui, interpretaram o mundo. A questão é transformá-lo'. Esta tese, cume intencional da nova perspectiva filosófica e científica instaurada no Ocidente dos últimos séculos, veio afirmar, justamente, que as coisas existem não para serem primeiramente compreendidas, conhecidas, respeitadas e amadas, mas, antes, para serem modificadas.

Na dialética marxista, de adolescente rebeldia congênita, reside o desejo de dinamitar inteligências e vidas a fim de não haver mais conhecimentos sem relação direta com exitosas e excitadas transformações materiais e sociais. Para Marx e seus discípulos, qualquer conhecimento não destinado à revolução, é alienado e inútil. Não há lugar para 'contemplações' no marxismo. Descortina-se, pois, aqui, neste princípio, o nicho das filosofias e engenharias contemporâneas que produziram sofrimentos indescritíveis, jamais vistos na história.

Daqui nasceu a engenharia social. Os recentes séculos a engendraram em profusão. Engenheiros sociais surgem como ervas por toda parte e vêm com o objetivo de remodelar o mundo e as pessoas. São o tormento das comunidades. Quase sempre, apresentam-se doces e mansos, sedutores de ingênuos e incautos. Depois da sedução, no entanto, põem-se a destruir, confundir, cercear e matar.

Mestre por excelência dessa diabólica maquinação foi o italiano Antônio Gramsci, pensador que alimentou e ainda nutre esquerdistas latino-americanos. Gramsci tornou-se o criador dos 'sanitaristas' enganadores que se infiltraram em nossas veias culturais.

As engenharias sociais são o 'modus operandi' de todos os socialismos. Protagonistas e defensores aprenderam suas técnicas de aplicação do jacobinismo francês, do marxismo leninista e do maoísmo. O 'gourmet' manso, angélico e traiçoeiro, sutil e perverso, como já dissemos, veio de Antônio Gramsci cuja filosofia é totalmente marxista sob táticas culturais doces e sutis. O Partido dos Trabalhadores bem como todos os seus asseclas socialistas, apresentam-se com rosto político e democrático quando na verdade não são senão e somente porta vozes e portadores de engenharias sociais.

Por que 'cargas d'água' tais 'engenheiros' se metem na vida e nos jardins alheios? Não lhes seria suficiente a doméstica e pequena existência que possuem? Por quais razões 'orquestram' músicas em outros teatros? O que os leva a encarnar papeis 'visionários' e messiânicos, encharcados de hipocrisia, sob objetivos ocultos em comunidades estranhas? De onde lhes vem a arrogância tratorista que os faz arar terras não suas e plantar, com violência, sementes revolucionárias?

'Engenharias sociais' entranharam-se na nossa economia, em nosso direito e justiça, em nossa educação e fé, em nossa cultura e afeto, mudando tristemente a originalidade e o destino das ciências e das comunidades. Mudaram, exemplo, a filosofia, amor de sabedoria, para retórica transformista, a pedagogia, ciência da educação, para estratégia mutante de ambientes e pessoas, a religião, anúncio de Boa Notícia, para tobogã escorregadio de conflitivas arenas políticas.

A 'psicologia', ciência da alma, outro exemplo, nas mãos do americano John B. Watson, século XX, transformou-se em técnica modificadora de personalidades. Qualquer pessoa, pensava loucamente Watson, pode ser moldada para fins previsíveis e desejáveis. O behaviorismo, promovido por ele, via e considerava pessoas como se fossem entes mecânicos destituídos de mistério e consciência.

Os engenheiros sociais bebem, portanto, pavorosamente, de fontes antropológicas apoiadas em princípios mecanicistas, materialistas e justiceiros. Espantosas e horripilantes consequências estão à vista. Engenheiros sociais, caricaturas da 'justiça', camuflam-se nas veias de partidos políticos, nas religiões e igrejas, nos estábulos psicológicos e culturais, nas secretarias de educação, nos consultórios médicos, nas agendas globalistas, nos escritórios da ONU e UNESCO, nas escolas de economia e arte encarregando-se de missões monstruosas e irrealizáveis chafurdando existências que não lhes pertence.

Traço comum, assemelham-se em todos os lugares e tempos. O inescrupuloso e maluco Ernesto Che Guevara, por exemplo, depois de Cuba, foi guerrear nas selvas da Bolívia. Por quê? Porque se julgava um messias latino-americano, libertador e arauto de justiças. Invadiu terras de um povo que nada lhe devia. Matou e destruiu, urinou e cuspiu, comeu e defecou em jardins alheios, guiado unicamente por baterias de revolta e ódio que tiraram a vida de 70 humildes bolivianos. Os que se compadecem e se emocionam com a morte de Che, não tem, esquizofrenicamente, mesmo sentimento pelos pobres ignominiosamente assassinados por ele.

Quais razões, pois, levaram Guevara a revolucionar em Cuba, Congo e Bolívia, para além de seu 'canteiro' argentino? Justamente a engenharia social que não realiza justiças, mas suga, destrói e assassina.

Colonizadores, em outros tempos, fizeram o mesmo de modo menos cruel.
Na galeria que historicamente visitamos, os caminhos traçados por engenheiros sociais mostram sempre estreita ligação entre conhecimentos adquiridos e a excitação revolucionária. No Peru, o professor de filosofia na Universidade de Ayacucho, Abimael Guzmán (1934 – 2021) tornou-se fundador e organizador do mais violento grupo guerrilheiro da América Latina, Sendero Luminoso. A filosofia marxista-leninista ensinou a Abimael as técnicas e os princípios que moldaram sua impiedosa crueldade contra seus compatriotas peruanos.

Em Colômbia, Camilo Torres (1929 -1966), sacerdote católico, aprendeu das ciências sociais, mais do que da teologia, os princípios da revolução. Para Camilo, o Evangelho não é suficiente para mudar sociedades e pessoas. É preciso, segundo ele, acrescentar a violência. Pioneiro e inspirador da teologia da libertação, Camilo creditava à morte dos injustos o advento do Reino dos Céus. Morreu guerrilhando com fuzil nas mãos.
A teologia da violência foi também a seiva doutrinária que alimentou poetas e escritores como o brasileiro, Rubem Alves, os sacerdotes sandinistas Miguel d'Escoto, Ernesto Cardenal e Fernando Cardenal, o médico e filósofo argelino Franz Fanon, o existencialista Jean Paul Sartre e tantos outros. Muitíssimos legitimaram e ainda legitimam a violência como caminho de transformação social.

Revolucionários chamados Tupamaros convulsionaram o Uruguai entre os anos 1963 e 1972. Seu líder e inspirador foi o advogado e político, Ravel Sendic. A ele se juntaram intelectuais universitários, profissionais liberais e membros da igreja católica, gente que acreditou na guerrilha e na violência como caminho para a justiça social. Ao invés de mudar o país, porém, instauraram terror e medo naquele país.

Já o grupo extremista, Montoneros, na Argentina, com outros grupos semelhantes, eficazmente, desencadeou verdadeira guerra civil entre os anos 1970 e 1979. Seus mentores eram jovens ardentes que esperavam o retorno de Perón (exilado na Espanha). Ligações com a Igreja Católica também existiam. Carlos Mugica (sacerdote católico), sindicalistas e nacionalistas do movimento Tawara, agrupações sociais na cidade de Santa Fé e Buenos Aires, intelectuais e ativistas constituíam o estrato da engenharia social que fomentava transformações, atentados e revoltas.

Segundo Paul Jonhson, em 1975, três milhões de pessoas viviam em Phnom Penh. Foram literalmente empurradas para o campo com todos os doentes e médicos. Os livros de bibliotecas e pessoais no Camboja inteiro foram jogados no rio Mekong ou queimados. Soldados camponeses obedeciam a ordens vindas do comando anônimo denominado Angka Loeu. Os intelectuais que planejaram aquelas atrocidades jamais apareceram. Três milhões e quinhentos mil pessoas das cidades foram espalhadas pelos campos. Entre 1975 e 1977 mais de um milhão e meio de habitantes, um quinto da população, morreu forçosamente no Camboja, um massacre perpetrado por ideólogos leninistas-marxistas que imitavam Lênin e Stalin. Os líderes fanáticos da Angka Loeu – Khieu Sapham e Pol Pot – perpetraram um dos maiores horrores jamais visto e imaginado. Pol Pot foi discípulo de Jean Paul Sartre, filósofo existencialista francês que aplaudia a violência como medida assertiva à correção das rotas sociais. Tal engenharia aconteceu também no Laos e no Vietnã do sul com magnitude semelhante.

A paixão de Mao Tse Tung (1893 – 1976), além de descompensada compulsão sexual, era a filosofia. Não qualquer filosofia, porém, mas a filosofia violenta de Karl Marx. Aprendeu a ser guerrilheiro sob influência do professor de filosofia chamado Li Dazhao, fundador do partido comunista chinês. Nenhum outro país do mundo viveu realidade mais apocalíptica quanto o povo chinês nas mãos de Mao durante o século XX. Tudo em nome da engenharia social.

Coisa parecida, antes dele, pode ser vista no sofrimento inimaginável vivido pela população russa nas mãos de Vladimir Ulyanov (1870 – 1924) e Joseph Stalin (1878 – 1953). O primeiro, apelidado Lênin, formou-se em Direito, mas tinha paixão pela filosofia marxista e pelo socialismo revolucionário francês. Sempre a violenta engenharia social. O segundo, Stalin, um rebelde seminarista ortodoxo, foi medíocre intelectual, mas esperto estrategista, um maluco 'engenheiro social'. Os resultados tristíssimos daqueles experimentos podem ser verificados nos anais da história russa.

Também Fidel Castro amava a filosofia e o direito assim como o romeno Ceausescu, os líderes nacional socialistas alemães, os muitos líderes políticos de fundos psicológicos excitados pela engenhoca revolucionária social. 'Engenheiros' sociais são o pavor e o tormento das comunidades. Aonde chegam, carcomem liberdades, corrompem a alma, destroem valores e tradições e, por fim, engolem ou destroem vidas, pois, eles mesmos, são desalmados. Deles devemos nos precaver e nos afastar.

Os tempos mudaram, mas a engenharia social permanece. Sob a orientação de Antonio Gramsci, ela se aninhou entre nós de forma mansa e avassaladora impregnando a mente de nossos intelectuais e de nosso povo.

De rosto não mais velado, eles já não têm vergonha nem escrúpulos. É só observar o governo fraudulento que assumiu. Ele exprime tudo o que subjuga, corrompe e engana. Eles mesmos alteraram regras e urnas eleitorais, quebraram a ordem jurisprudente, legitimaram a desonestidade intelectual, romperam as tábuas da nossa Constituição. Seu objetivo é o poder, a aplicação 'negativa' da dialética frankfurtiana.

O Brasil, tristemente, nas mãos de engenheiros sociais não terá destino feliz, pois sua meta não é a justiça, nem o bem do país e do seu povo, mas a hegemonia cultural, a chave do cofre, o controle social, a idiotice dos cidadãos.

Hanna Arendt refugiada e filósofa dizia que os totalitarismos nunca desejaram qualificar a vida dos seus dominados. Sua meta sempre foi e será mudar almas e naturezas.

Parafraseando o general mexicano Porfírio Díaz (1830 – 1915) que exclamava: 'Pobre México! Tão longe de Deus, tão perto dos EUA!", também nós dizemos: 'Pobre América Latina! Tão magnífico continente, tão encharcado de socialismo! Pobre Brasil! Tão esplêndido país, tão lamentavelmente petezado!

Uno-me a Puggina: "Quero meu país de volta".

Santa Maria, 11/01/2023

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  • Dagoberto Lima Godoy, cidadão brasileiro
  • 08 Janeiro 2023

 

Dagoberto Lima Godoy

     Os célebres 10 mil “Imortais” da Pérsia sustentaram por mais de dois séculos o poder imperial Aquemênida, até a sua queda perante Alexandre, o Grande. Ao longo da história, muitos outros regimes autoritários se mantiveram incólumes, por certo tempo, valendo-se da couraça de suas guardas palacianas, fortemente armadas e bem remuneradas (com o dinheiro dos impostos extorquidos do povo). Por algum tempo, mas não para sempre. Alguns deles terminaram caindo por forças externas, como o de Dario III, mas a maioria acabou se destruindo internamente, tal como o câncer acaba corroendo os organismos mais fortes. Somente depois de enfraquecidos pela incompetência na gestão econômica; de incapacitados para manter políticas de pão e circo, na forma de programas assistencialistas; de dilacerados pelas disputas viscerais pelo poder; e de imersos na corrupção foi que a população oprimida pode encontrar formas e meios para derrubá-los, sendo comum que a própria guarda pretoriana se juntasse à revolta (ou até a encabeçasse).

Diante dessa retrospectiva histórica, como decifrar o quadro kafkiano da nossa situação política? Estamos diante de um governo recém-empossado, detentor de um mandato com roupagem democrática, obtido em pleito validado pelo Poder Judiciário, endossado pelo Poder Legislativo e protegido pelas Forças Armadas. Tudo indica que estão postas as condições para a longevidade do regime, não importa a multitudinária inconformidade de metade (no mínimo) da população brasileira, assombrada pela avalanche do socialismo “bolivariano” que ameaça afogar nosso continente.  

Afasto, decididamente, a hipótese de esperarmos que um outro grande Alexandre, travestido de paladino da democracia, venha impedir a consolidação do projeto neocomunista anunciado e proclamado pelo presidente, dito vitorioso nas urnas vulneráveis. E, na minha despretensiosa perspectiva, vejo três saídas para impedir que se prolonguem estes tempos de arbítrio, corrupção e dissolução dos costumes mais caros aos brasileiros.

Primeira (ardentemente desejada e de vigência imediata): o novo Congresso Nacional, a empossar-se em fevereiro, assume com patriotismo sua missão perante o povo e, como Poder legítimo, impõe aos demais poderes o restabelecimento do estado de direito, o respeito à lei e a garantia dos direitos individuais consagrados na Constituição Federal.

Segunda (técnica e logicamente previsível, a resultar das diretrizes anunciadas pelo governo): gastos públicos incontrolados, programas sociais e culturais assistencialistas, associados à insegurança jurídica, levam a inflação, aversão a investimentos, falta de crescimento econômico sustentável, crescente insatisfação popular.

Terceira (inevitável, a se manterem a degradação ética da política nacional e a disposição dos atuais governantes de “fazer qualquer coisa” para conservar o poder e concluir a proclamada revolução socialista, neocomunista ou bolivariana): a progressiva consolidação de um sistema cleptocrático, no qual a disputa pelo poder e pelos potins do saque contra o patrimônio público provoque a canibalização das lideranças espúrias.

Desperdiçada a primeira saída, qualquer das duas outras levará, cedo ou tarde, a uma nova oportunidade para que se desmonte - tomara que de uma vez por todas – o pervertido sistema político atual, de modo que o poder seja entregue às mãos do povo e aos que melhor o sirvam, com honestidade, lealdade e a devida competência.

Qualquer que seja das três saídas a que ocorra, o que se impõe à cidadania é que se mantenha mobilizada e firme na luta pela liberdade, pela restauração dos direitos constitucionais e pela prevalência da dignidade na vida nacional.

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