• Olavo de Carvalho
  • 15 Janeiro 2018

 

O clamor obsessivo dos intelectuais, dos políticos e da mídia pela "supressão das desigualdades" e por uma "sociedade mais justa" pode não produzir, mesmo no longo prazo, nenhum desses dois resultados ou qualquer coisa que se pareça com eles. Mas, de imediato, produz ao menos um resultado infalível: faz as pessoas acreditarem que o predomínio da justiça e do bem depende da sociedade, do Estado, das leis, e não delas próprias. Quanto mais nos indignamos com a "sociedade injusta", mais os nossos pecados pessoais parecem se dissolver na geral iniquidade e perder toda importância própria.

Que é uma mentira isolada, uma traição casual, uma deslealdade singular no quadro de universal safadeza que os jornais nos descrevem e a cólera dos demagogos verbera em palavras de fogo do alto dos palanques? É uma gota d'água no oceano, um grão de areia no deserto, uma partícula errante entre as galáxias, um infinitesimal ante o infinito. Ninguém vai ver. Pequemos, pois, com a consciência tranquila, e discursemos contra o mal do mundo.

Eliminemos do nosso coração todo sentimento de culpa, expelindo-o sobre as instituições, as leis, a injusta distribuição da renda, a alta taxa de juros e as hediondas privatizações.

Só há um problema: se todo mundo pensa assim, o mal se multiplica pelo número de palavras que o condenam. E, quanto mais maldoso cada um se torna, mais se inflama no coração de todos a indignação contra o mal genérico e sem autor do qual todos se sentem vítimas.

É preciso ser um cego, um idiota ou completo alienado da realidade para não notar que, na história dos últimos séculos, e sobretudo das últimas décadas, a expansão dos ideais sociais e da revolta contra a "sociedade injusta" vem junto com o rebaixamento do padrão moral dos indivíduos e com a consequente multiplicação do número de seus crimes. E é preciso ter uma mentalidade monstruosamente preconceituosa para recusar-se a ver o nexo causal que liga a demissão moral dos indivíduos a uma ética que os convida a aliviar-se de suas culpas lançando-as sobre as costas de um universal abstrato, "a sociedade".

Se uma conexão tão óbvia escapa aos examinadores e estes se perdem na conjeturação evasiva de mil e uma outras causas possíveis, é por um motivo muito simples: a classe que promove a ética da irresponsabilidade pessoal e da inculpação de generalidades é a mesma classe incumbida de examinar a sociedade e dizer o que se passa. O inquérito está a cargo do criminoso. São os intelectuais que, primeiro, dissolvem o senso dos valores morais, jogam os filhos contra os pais, lisonjeiam a maldade individual e fazem de cada delinquente uma vítima habilitada a receber indenizações da sociedade má, e, depois, contemplando o panorama da delinquência geral resultante da assimilação dos novos valores, se recusam a assumir a responsabilidade pelos efeitos de suas palavras. Então têm de recorrer a subterfúgios cada vez mais artificiosos para conservar uma pose de autoridades isentas e cientificamente confiáveis.

Os cientistas sociais, os psicólogos, os jornalistas, os escritores, as "classes falantes", como as chama Pierre Bourdieu, não são as testemunhas neutras e distantes que gostam de parecer em público (mesmo quando em família se confessam reformadores sociais ou revolucionários). São forças agentes da transformação social, as mais poderosas e eficazes, as únicas que têm uma ação direta sobre a imaginação, os sentimentos e a conduta das massas. O que quer que se degrade e apodreça na vida social pode ter centenas de outras causas concorrentes, predisponentes, associadas, remotas e indiretas; mas sua causa imediata e decisiva é a influência avassaladora e onipresente das classes falantes.

Debilitar a consciência moral dos indivíduos a pretexto de reformar a sociedade é tornar-se autor intelectual de todos os crimes – e depois, com redobrado cinismo, apagar todas as pistas. A culpa dos intelectuais ativistas na degradação da vida social, na desumanização das relações pessoais, na produção da criminalidade desenfreada é, no seu efeito conjunto, ilimitada e incalculável. É talvez por eles terem se sujado tanto que suas palavras de acusação contra a sociedade têm aquela ressonância profunda e atemorizante que ante a platéia ingênua lhes confere uma aparência de credibilidade. Ninguém fala com mais força e propriedade contra o pecador do que o demônio que o induziu ao pecado. O discurso dos intelectuais ativistas contra a sociedade vem direto do último círculo do inferno.

* Publicado originalmente no Jornal da Tarde, 13 de abril de 2000
 

Continue lendo
  • Fabio Costapereira, Proc. de Justiça
  • 14 Janeiro 2018

 


O que acontece quando a prática e a Teoria se cruzam? Das duas uma: ou a teoria é validada no teste de realidade ou ela se mostra absolutamente inútil, devendo ser descartada. Pelo menos é o que o pensamento lógico aconselha.

Persistir no erro, pretendendo que a realidade se adapte à teoria, além do inevitável desperdício de tempo e dinheiro, é sandice, pois da reiteração de erros jamais sobrevirá um singular acerto.

Exemplos claros da persistência do erro, do sobrelevar a teoria em detrimento das evidências empíricas, podem facilmente ser encontrados na área da segurança pública no Brasil.

Muito embora o Brasil seja o país da impunidade, assolado por endêmica violência e criminalidade, os teóricos de plantão apontam, como soluções para estas Chagas que fazem sangrar a nação (em sentido literal), o abrandamento das penas, o desencarceramento em massa, o incremento de medidas alternativas à prisão entre outras medidas mais brandas.

Segundo eles, aumentar o contingente policial, ser duro em matéria de imposição e cumprimento das penas , bem como o encarceramento, não funcionam.

O que funciona, para nossos especialistas, é a diminuição da desigualdade social, o investimento em inteligência e a concentração dos esforços estatais na resolução dos crimes mais graves.

Apesar da explosão da criminalidade em solo pátrio ter assumido escala industrial a partir do ano de 2002, período em que o país passou a viver prosperidade econômica, pleno emprego e inclusão social como nunca dantes vista na história, o discurso teórico, calcado na desigualdade social como propulsora da criminalidade, permaneceu inalterado.

Mais uma vez a realidade, que desmentia o discurso dos nossos teóricos, foi solenemente ignorada.

As experiências de combate à criminalidade em NY e em Londres nos últimos anos, comparadas em reportagem do The Telegraph, veiculada em outubro de 2017, culminaram por sepultar o credo laxista e desencarceramentista que domina o imaginário dos nossos especialistas.

NY, a partir do mandato Prefeito Rudolph Giuliani, adotou um modelo de severidade no combate à criminalidade, intolerância com os pequenos delitos e aumento da presença policial nas ruas e a sua integração com a comunidade.

Londres, em sentido oposto, passou a concentrar os seus recursos, tanto materiais quanto econômicos, em inteligência e na elucidação dos crimes mais graves. Os crimes entendidos como de menor gravidade foram deixados em um segundo plano

Resultado, em Londres a criminalidade cresceu exponencialmente e, em NY, diminuiu.

Apesar da experiência de NY estar aí para quem quiser ver e aprender, o Brasil fez questão de a ignorar, optando por seguir o mesmo caminho teórico que embasou a práxis Londrina

Os resultados dessa equivocada escolha estão aí a nos assombrar: mais de dois milhões de roubos todos os anos, cerca de 130 mulheres estupradas por dia, sessenta e um mil homicídios em 2017 e muito mais.

Infelizmente não há nenhum indicativo de que o curso do Titanic da Segurança Pública venha a ser alterado.

O iceberg da anomia, do completo domínio da criminalidade e da falência do Estado como um todo está logo ali adiante a nos espreitar.

Estamos em rápida rota de colisão.

A primeira classe desta nau à deriva, composta por aqueles que comandam o país ou que tem como fugir das consequências da Violência urbana com os seus carros blindados e seus seguranças particulares , quando a fatídica colisão ocorrer, aguardarão no deck, ao som de violinos, regado a champanhe e caviar, o luxuoso bote salva-vidas que irá lhes conduzir para bem longe deste país.

Nós, infelizmente, a patuleia, com os destroços do navio, seremos levados para as abissais profundezas do caos que nos espera.

Não há, a persistir o domínio das abstrações teóricas, em detrimento da realidade de sucesso, saída para a Segurança Pública brasileira.

Que Deus tenha piedade de todos nós!


• - https://www.facebook.com/Movimentodecombateaimpunidade/
 

Continue lendo
  • Fábio Costapereira, Procurador de Justiça
  • 13 Janeiro 2018

 

Hoje, mais uma vez , parte de mim morreu. Não morreu, foi executada. Meu nome é Fábio, tenho dois filhos e sou orgulhoso funcionário público.

A fortuna quis e permitiu que eu, hoje, depois do trabalho, voltasse para casa.

Outro Fábio, no Rio de Janeiro, meu xará, funcionário público e pai de dois filhos como eu, hoje não teve a mesma sorte. Ele jamais voltará para casa.

Cometeu o grave Crime de ser funcionário público que trabalha na área da Segurança Pública. Era Delegado de Polícia de raiz.

Os bandidos que o capturaram (os fatos ainda estão meio nebulosos), ao descobrirem de quem ele se tratava, não perdoaram e executaram-no sem nenhuma clemência.Os sanguinários sicários abreviaram a carreira de um jovem Delegado que estava em ascensão, tanto em sua vida profissional quanto pessoal.

O pior, no entanto, é que o enterro do Fábio não terá pompas e nem circunstâncias. Os Direitos Humanos não farão protestos. As principais avenidas do RJ não serão interrompidas por movimentos sociais, e ONGs não soltarão pombinhas brancas em nome da paz.

Afinal de contas ele era só um funcionário público cumpridor da lei.Quantos Fábios como eu terão que morrer para que este país desperte? Para que bandidos não assumam o papel de heróis e heróis não sejam mortos e enterrados no anonimato?

Muitos outros, infelizmente, até o despertar acontecer (se acontecer), ainda morrerão.

Em dias como hoje o cansaço e a tristeza tomam conta de mim. Sinto apenas um profundo lamento. Sinto o sofrimento dos filhos que jamais verão o pai outra vez e da viúva que terá que carregar o fardo de criá-los sozinha.

Não vejo mais saída para o Brasil.

Parafraseando Fernando Pessoa,cansaço, cansaço, cansaço...só o que eu sinto é cansaço.

Descansa em paz, Fábio!

 

Continue lendo
  • Francisco Ferraz, Estadão
  • 12 Janeiro 2018

 

O que pretendem Lula e a esquerda com a despropositada e aberta contestação à legitimidade da Justiça para julgá-lo no recurso que encaminhou ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4)? A pergunta faz sentido porque:


? quem provocou esta fase processual foi o próprio Lula, usando um direito seu de recorrer da decisão de primeira instância;

? antes desta fase, Lula participou das anteriores, sem contestar o direito/dever que o juiz singular tem de sentenciá-lo;

? o ex-presidente certamente não se esqueceu de que, ao tomar posse, jurou solenemente cumprir e fazer cumprir a Constituição que agora está afrontando;

? Lula e seus advogados sabem que estão contestando um princípio geral do Direito que é um dos fundamentos da ordem jurídica: “ninguém pode ser juiz em causa própria” (nemo iudex in causa sua). Derrubado este princípio, a sociedade retrocede para o estado de natureza hobbesiano, isto é, quem detiver o poder político também terá o poder de julgar, inclusive de julgar em causa própria;

? além disso, ao desafiar e ameaçar os juízes de maneira tão agressiva, está criando um sentimento de autodefesa institucional inevitável, que em nada contribui para seu objetivo de revogar a decisão que o condenou;

? ao escolher o Poder Judiciário como inimigo, aposta numa estratégia anti-institucional, antidemocrática e possivelmente autodestrutiva que até agora não funcionou. Ataca e constrange quem vai julgá-lo, sem saber o resultado do julgamento. Diante deste tipo de ataque, amplificado pela inusitada mobilização política para o dia do julgamento, como seria visto o Judiciário, se viesse a acolher seu recurso? Para muitos, pareceria que se acovardou. Embora essa situação hipotética não deva afetar a decisão de um tribunal que preza sua independência, como é o caso do TRF-4, por certo abala os argumentos de recurso, transladando seu autor da condição de vítima para a de agressor;

? este aspecto da estratégia adotada só faz sentido se ele está convencido de que: 1) vai ser novamente condenado neste julgamento; ou 2) sabe que este talvez seja seu “canto do cisne” e que não terá outra oportunidade tão favorável para produzir um ato político de grande envergadura em seu apoio. Esses dois aspectos implícitos em sua decisão são decorrências lógicas da opção por este curso de ação;

? Lula, ao agir assim, deve também saber que o País e as instituições não vão cair de joelhos e pedir-lhe desculpas, atitude de que, segundo ele, é merecedor. Como tal, seu comportamento revela, ainda, seu pessimismo quanto ao desfecho do julgamento.

Entretanto, como hábil político que inegavelmente é, sua opção pela contestação da independência do Poder Judiciário e até mesmo da legitimidade da democracia indica a opção por uma estratégia vitimista. Em caso de condenação, o ressentimento deverá ser a base emocional para a mobilização política no pós-julgamento. É a opção política própria do derrotado: voltar-se contra o regime político sob o abrigo do qual “seus inimigos” o derrotaram.

A ser correta essa análise, fica evidente que Lula, o PT e as esquerdas continuam falando “para dentro”. Discursam para quem lhes garante o aplauso certo; escrevem e criam fatos para convencer os que já estão convencidos.

Estrategicamente, a manifestação em Porto Alegre não é uma batalha jurídica, e sim uma batalha publicitária que busca – pelo tamanho do público, oratória, slogans, comportamentos e cobertura midiática – manter eleitores fiéis e atrair indefinidos. Batalha publicitária paga, entretanto, com danos causados à já severamente comprometida institucionalidade democrática brasileira.

Sempre será possível reunir militantes e simpatizantes provindos de todo o País num único lugar. Não é difícil, havendo recursos e relações pessoais, atrair políticos, intelectuais e simpatizantes de outros países, e é fácil trazer artistas e intelectuais, professores e alunos.

O profissionalismo e a competência dos responsáveis pela Lava Jato tisnaram o PT com a marca da corrupção. As derrotas políticas e eleitorais no País e de regimes de esquerda na América Latina, sobretudo a situação trágico-patética da Venezuela, não levaram o PT e as esquerdas a repensar criticamente sua situação.

Num exercício de “faz de conta que”, optaram pela negação da realidade. Essa negação, porém, colidiu com a consciência da realidade pela população e acabou se tornando o discurso único da esquerda. A insistência em falar “para dentro” resulta da insegurança e da incerteza no resultado político de falar para “os de fora”, além da perturbadora desconfiança sobre a consistência e permanência dos resultados das pesquisas.
Foi a pesquisa que trouxe oxigênio para a sobrevivência política, e com ela a esperança, já que sem ela o quadro político seria muito diferente. A posição de liderança de Lula nas pesquisas eleitorais trouxe a esperança de uma recuperação e até, quem sabe, a esperança de um perdão.

Há dois fatores, entretanto, que, não obstante a qualidade das pesquisas, podem provocar mudanças nos seus principais resultados: o fator tempo e o fator grau de conhecimento dos candidatos pelo eleitor.

Estamos ainda distantes da campanha presidencial. Nem os atuais pré-candidatos nem a posição relativa de Lula devem ser encarados como definitivos. Grande parte dos eleitores se decide durante a campanha. Além disso, acredito que há pelo menos dois possíveis candidatos que ainda não estão na disputa.

O segundo fator diz respeito à variável conhecimento. Eleitor não vota em candidato que não conhece. É óbvio que nesta fase inicial há uma enorme diferença entre o grau de conhecimento de Lula e o dos demais pré-candidatos. Com o andamento da campanha e o crescente conhecimento dos demais candidatos, este quadro inicial de preferências pode mudar.

Considerações como estas certamente não são ignoradas pela equipe política de Lula e devem justificar a necessidade de politizar seu julgamento, de mantê-lo no centro do processo eleitoral por via de controvérsias, mesmo que não possa concorrer.

*Professor de ciência política, ex-reitor da UFRGS, é criador e diretor do site ‘Política para políticos’

 

Continue lendo
  • Renato Sant’Ana
  • 12 Janeiro 2018


A "grande mídia" não fala disso (por que será?): no meio jurídico, já não se discute se Lula é inocente ou não, mas, isto sim, se as provas conseguidas contra ele são suficientes para condená-lo.

A situação dele é clara. Citando apenas três fatos, (a) Lula teve cerca de R$ 10 milhões (em dinheiro) bloqueados na Lava Jato, além de imóveis; depois, (b) o MPF pediu o bloqueio de outros R$ 24 milhões na Operação Zelotes. E (c) no inventário dos bens de sua falecida esposa, Marisa Letícia, viu-se que ela deixou cerca de R$ 11 milhões e meio para os herdeiros. Só aí chega-se à incrível soma de R$ 45 milhões e meio, cifra cuja existência a família Lula da Silva não contesta.

Lula foi sindicalista e presidente da República. E Marisa era só empregada do sindicato, quando se casou com ele. Qual é o assalariado que consegue, por meios honestos, fazer tamanha fortuna? Como foi que a família Lula da Silva conseguiu chegar ao topo da elite econômica?

Está claro quem ele é. Mas terá a condenação confirmada no tribunal? voltando à frase do início: não basta o investigador estar convicto de que determinado sujeito praticou um crime. É preciso apresentar provas. Senão, o criminoso será absolvido. Mas, frise-se, absolvição por insuficiência de provas não dá atestado de inocência a ninguém: "absolvido" não é o mesmo que "inocente".

No caso de Lula, que responde a oito processos (já com uma condenação), excetuando seus advogados e juristas partidários, ninguém tenta tapar o sol com a peneira. Prevalece no meio jurídico a noção de que ele praticou vários crimes, ainda que se questione a qualidade das provas. Com efeito, entre os que leram a sentença de Sergio Moro, predomina a opinião de que há, sim, fundamentos jurídicos de sobra para condenar.

Só que a maioria dos brasileiros, por motivos explicáveis, não chegou nem perto de ler o que Moro escreveu. A essa maioria, os profetas do lulopetismo tentam impingir a "narrativa" da perseguição e condenação sem provas, propagando o "mito da honestidade de Lula" e do "cordeiro perseguido". Falso! Aliás, forjar versões sempre foi um estratagema para
manipular massas desinformadas.

Fato é que, ao julgar o recurso em 24/01/18, o tribunal não vai discutir se ele é inocente ou não, mas se bastam as provas juntadas ao processo.

• Renato Sant'Ana é Psicólogo e Bacharel em Direito.

• Publicado originalmente em alertatotal.net
 

Continue lendo
  • Mateus Bandeira
  • 11 Janeiro 2018

 

 A conhecida imagem do copo meio cheio, meio vazio pode ser a melhor representação de 2017. Dependendo do observador, foi o ano do recomeço. Ou do aprofundamento da crise.

 Certo é que a tragédia brasileira não foi gestada por alienígenas. Resultou da soma de uma tremenda imperícia administrativa, um voluntarismo econômico irresponsável e um acirramento político que, de tempos em tempos, sacode o Brasil.

 Do segundo trimestre de 2014 até o final de 2016 regredimos 8,2%. Por detrás do torvelinho que esmigalhou nosso PIB, a vida real produziu mais de 13 milhões de desempregados e quebradeira empresarial sem precedentes.

 Inflação baixa, juros em queda, estatais em processo de saneamento animam. Dívida mobiliária ascendente e desequilíbrio fiscal rumo ao sufocamento orçamentário desalentam.

 Ainda que oscilante, há uma chama de esperança para 2018 que pode ser avistada em tímidos, porém, importantes indicadores. O emprego começou a voltar, os investimentos passaram a ser desembrulhados como num prenúncio natalino.

Opção pelo atraso

 Chegamos aonde chegamos porque nossos governantes, eleitos pelos brasileiros, escarneceram de lições econômicas consagradas. Lastreados em partidos carcomidos pela corrupção, perseveraram (perseveram) em desenterrar cânones desgastados.

 Em vez de usar como molde países com desenvolvimento social consolidado, buscaram o padrão dos que fracassaram. Defenderam que toda a salvação vem do Estado forte, sufocaram o direito individual de acertar e errar, bloquearam a livre iniciativa.

 Equilíbrio fiscal não existe como bibelô a enfeitar a mesa do ministro da Fazenda. Ele é o caminho seguro e retilíneo dos investimentos indispensáveis em saúde, educação e infraestrutura.

 Dogmas políticos bagunçam a gestão pública. Economia em frangalhos acirra a luta política. Ambos se retroalimentam.

 O retrocesso que vivemos tornou-se mais agudo diante da grandiosidade da corrosão partidária revelada pela Lava-Jato. A corrupção não era apenas mais uma característica do meio político como se presumia, mas a razão da existência de siglas concebidas para roubar.

 O contraponto ao desânimo é a lei que, aos poucos, começa a ser aplicada para antes poderosos intocáveis. A corrupção revelou-se como uma infestação de ratazanas. Desta vez, porém, o raticida foi aplicado com inédita eficiência.

A escolha do futuro é nossa

 Se nos propusermos a olhar a crise com equidistância veremos que a economia melhora lentamente. Ao mesmo tempo, constataremos que nosso recrudescente voo de galinha não alçará ares mais altos se reformas imprescindíveis, com a previdenciária e a tributária, não forem encaradas com um mínimo de desapego ideológico.

 A política, cujo lado podre foi desnudado como nunca, pode degenerar numa nova leva de aproveitadores e ladrões. Pode, por outro lado, dar espaço a um modo novo de encarar a vida pública.

 O copo não vai (e não deve) encher de vereda. Se quisermos alcançar o desenvolvimento sustentável, a igualdade de oportunidades e a fraternidade que uma nação precisa para avançar precisaremos ter a paciência e a persistência de ver gota a gota a água do copo chegar à borda.

 Ao chegarmos a 2018, ano da maioridade do século 21, precisamos deixar o século 20 nos livros de história. Nossa principal resolução de Ano Novo deve ser apoiar as mudanças estruturais que alicerçarão nosso futuro, passo decisivo e imprescindível para conquistarmos uma economia saudável, caminho para o progresso e a prosperidade.

 Escolher quem serão os timoneiros dos novos tempos é tarefa intransferível da cidadania. As escolhas que faremos em 2018 vão indicar a senda do retrocesso ou a do crescimento.

 Mostrarão, enfim, se aprendemos com os erros do passado. Revelarão nossa opção entre a velha e a nova política, entre o velho e o novo Brasil. Como de outras vezes, a escolha será nossa.

* Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento do RS
 

Continue lendo