• Leonardo Giardin de Souza, promotor de Justiça.
  • 19 Janeiro 2018

 

O grande Percival Puggina, em recente publicação (1), trouxe à colação alguns excertos ilustrativos do pensamento da corrente ideológica hegemônica no Brasil em matéria de criminologia, direito penal e segurança pública. Alguns dos soi disant arautos da “tolerância”, da “democracia” e da “liberdade” foram acolherados em um único artigo, com o perceptível objetivo de que seu discurso de proveta, uniformizado e reproduzido em intermináveis operações de clonagem, adquirisse a aparência externa de um consenso dogmático revestido da mais absoluta cientificidade, fruto de sincera busca dialética da verdade, liberto de quaisquer ranços ideológicos. Malgrado, no entanto, esse verniz “científico”, a “disposição” para o debate desses “tolerantes” denuncia-se no título autoexplicativo do artigo: “A sanha punitivista e/ou a boçalidade do discurso da impunidade” (2).

Quem quer que leia o texto, assinado por Leonardo Yarochewsky, será imediatamente tomado pela sensação de que alguém está substituindo realidade por discurso: ou há uma “sanha punitivista” irracional e despropositada, movida por um mórbido e um tanto sádico “desejo” de jogar pobres e desvalidos em calabouços, ou tenta-se soterrar a realidade sob um sem-número de palavras-gatilho, clichês e chavões, a fim de gerar uma confusão dos demônios, desqualificar os pensadores antagonistas e desviar o foco do coitado do assunto.

Com acuidade e finíssima ironia, o professor Puggina limitou-se a transcrever, para nosso “deleite”, alguns cacos desse latão pseudocientífico banhado no ouro de tolo de títulos acadêmicos. Permite, assim, que o leitor julgue por si o conteúdo. Entretanto, permito-me tecer algumas considerações sobre o material generosamente trazido pelo brilhante escritor gaúcho ao conhecimento do público em geral. Evito, desse modo, ser confundido com os que, olimpicamente, passam ao largo do pensamento alheio, substituindo-o convenientemente por rótulos e etiquetas, calculados para inibir o incauto leitor de travar qualquer tipo de contato substancial com o que querem proibir.

Em sua compilação, Yarochewsky, advogado criminalista e doutor em Ciências Penais, “denuncia” algo que nomeia “criminologia midiática”. Para ele, o “discurso” da impunidade contribui “para o avanço do Estado autoritário e para a cólera do punitivismo”, o que geraria uma “tendência” à proposição de leis “com viés autoritário, conservador e reacionário.” Yarochewski, confiante no impacto a ser causado por conta do costume arraigado no nosso mainstream de torcer o nariz para o termo “conservador”, coloca o maltratado epíteto convenientemente ao lado de termos aterrorizantes como “reacionário” e “autoritário”.

Na monumental obra “A Corrupção da Inteligência”, Flávio Gordon explica - por meio de uma analogia com o conceito de “marcação” da linguística estrutural - como a classe falante brasileira “normaliza” sua própria visão sobre determinados assuntos, dando ares de logos dogmático a perspectivas francamente minoritárias em comparação com o que pensa o cidadão comum. Este, sem meios de expressar coletivamente seu pensamento, acaba por sentir-se um fragmento “anormal” que boia caoticamente em um oceano de unanimidade. Os pontos de vista “não marcados” são o “padrão”, referenciados de forma neutra, e os pontos de vista “marcados” passam por específicos e parciais. Eis o estratagema utilizado por Yarochewsky: “marcar” quem não comunga de seu ideário como “conservador”, “autoritário”, “reacionário”, “punitivista” e “colérico” para, em seguida, valer-se de um velho e surrado clichê, dado como pressuposto científico indiscutível: a prisão se destina aos “criminalizados” por um “processo de estigmatização, segundo a ideologia e o sistema dominante”. Reverbera o discurso pueril da criminologia crítica marxista - todo ele baseado em inversão de causa e efeito e sua confusão com condições e influências.

Yarochewski cita Ricardo Genelhú, que, brandindo o título de pós-doutor em Criminologia, afirma que “o discurso contra a impunidade tem servido de motivo para uma suposta restauração da ‘segurança social’”, mas não passa de “desculpa para a perseguição ao “outro” (...) com seu ensaio neurótico promovido por pessoas com onipotência de pensamento”, servindo mais “para ‘justificar’, ‘ratificar’ ou ‘manter’ a exclusão dos ‘invisíveis sociais’, tragicamente culpados e, por isso, incluídos por aproximação com os ‘inimigos’ (parecença), do que para demonstrar a falibilidade seletiva e estrutural do sistema penal antes e depois que um ‘crime’ é praticado, ou enquanto se mantiver uma reserva delacional publicizante, seja porque inafetadora do cotidiano privado, seja porque indespertadora da cobiça midiática." A primeira ideia que me veio à mente ao travar contato com esse estilo intragável, pedante e de pouca inteligibilidade ao vulgo, foi o indefectível diagnóstico de Roger Scruton, para quem “o jargão afetado e sem sentido é muito mais eficaz na propagação das opiniões de esquerda e progressistas do que os argumentos bem fundamentados”, em razão de que “quando afirmadas explicitamente, expõem-se à ameaça de refutação, algo a que elas nem sempre sobrevivem”(3) . Quando ao jargão afetado une-se o manjadíssimo truque “xingue-o do que você é, acuse-o do que você faz”, a coisa assume ares de escandaloso golpe contra o debate racional. É até ofensiva a desfaçatez de alguém que, arrogando-se a condição de dono da verdade e demonstrando verdadeiro horror à divergência, aponte no outro, e não em si, “neurose” e “onipotência de pensamento”. Acresce-se a isso a audácia de falar em “perseguição ao outro”, embutida em um sujeito que demite o delinquente de sua própria condição humana, ao negar-lhe capacidade decisória fundada na autoconsciência e na liberdade individual. Ao mesmo tempo, objetifica a vítima como instrumento de busca de bens materiais pelo “excluído social” que ele mesmo, ao fingir defender, despersonaliza e equipara a um animal que age movido apenas por instintos e reflexos condicionados. Dividir o mundo entre “nós” e “eles”, prática indissociável dos intelectuais marxistas, implica assumir a visão de um mundo de objetos, sem sujeitos, cuja consequência necessária é falta generalizada de empatia com o próximo. Eis o perfil real de certos intelectuais que denunciam atentados à “outridade”, e que, quando convém, utilizam a palavra crime entre aspas.

Yarochewski prossegue invocando Salo de Carvalho, advogado e professor, que diz haver um “sintoma contemporâneo” que denomina “vontade de punir”. Nada pode ser mais projetivo: ao medir o outro com sua própria régua, o citado jurista não faz nada além de criar um espantalho com quem brigar, de pronto decalcando-lhe na testa o oposto de seu ideário laxista (a vontade férrea de não punir bandidos que não respeitam nenhuma “outridade”). Por meio dessa variante da cosmovisão “nós x eles”, retira providencialmente o debate do campo da discussão sobre a necessidade de punição para a seara da voluntariedade. Note-se que é exatamente essa a condição mental na qual surge a decisão de cometer um crime. Carvalho parece identificar-se com esse voluntarismo, para o qual quer atrair, na base de um tu quoque invertido, os que defendem resposta adequada e proporcional à conduta de um malfeitor. Essa postura intelectual abre campo a uma discussão que resultará inexoravelmente na escolha do tipo de arbítrio que deve prevalecer. Daí porque o próprio Salo nos impõe um dilema, sem notá-lo, entre dois tipos de arbítrio: o da “democracia substancial” (marcação “neutra” ou com aparência científica), que blinda a decisão de delinquir sob uma carapaça causal-determinista, ou o “das macropolíticas punitivistas (populismo punitivo), dos movimentos políticos-criminais encarceradores (lei e ordem e tolerância zero) e das teorias criminológicas neoconservadoras”, marcados com rótulos de intenção de significado infamante, que nem de longe refletem o apelo à justa retribuição que embasa o pensamento “analisado”.

Por fim, Marildo Menegat, pós-doutor em Filosofia, sob aplausos efusivos de Gramsci e Alinsky desde algum círculo profundo do inferno, clama pela “politização” do debate, “o único caminho para pôr termo, quem sabe aos martírios e sacrifícios desde sempre praticados” pela “espécie” humana. Não se sabe em que sentido a politização da potência de fazer o mal poderia servir para corrigir essa tara inata dos indivíduos humanos, que se atualiza pari passu com seu tratamento “politizado”. Mas por que não buscar reduzir os “martírios e sacrifícios” provocados por tantos criminosos “empoderados” pelo discurso justificador e pela cultura da bandidolatria, de cuja conduta resulta o sacrifício de 60.000 brasileiros por ano? Pois, alheio a isso, Menegat propõe que “é hora de nos entregarmos à realização da liberdade e, para isso, o fim das prisões torna-se imperativo”, sem esclarecer a liberdade de quem seria “realizada” com o fim das prisões e a consequente libertação de toda sorte de assassinos, assaltantes, traficantes e estupradores. No entanto, há algo a comemorar no discurso, que encerra, com chave de ouro, o trailer do inferno coletado com luvas de laboratorista pelo mestre Puggina: a confissão espontânea, compartilhada pelos desencarceramentistas, da mais descarada apologia do abolicionismo penal. É evidente que convém a esse grupo ideológico travestido de científico, em sua “sanha” laxista e seu abolicionismo “colérico”, que as prisões sejam lugares cada vez mais inabitáveis, para que possam berrar neuroticamente, aos quatro ventos, a “falência” do sistema e exigir de modo autoritário sua extinção. Quando um porta-voz dessa ideologia afirma que o sistema carcerário “faliu”, é algo como Caim avisar candidamente que Abel “morreu”.

Para esses intelectuais orgânicos, apontar racionalmente a necessidade de uma punição adequada aos crimes cometidos voluntariamente por agentes individuais - abordando do ponto de vista empírico a chaga da impunidade - torna-se, num grotesco truque de mágica, “desejo” de punição, “cólera” e “sanha” persecutórias, “neurose” e delírio de onipotência. Exclui-se da esfera do pensamento racional a argumentação do oponente de ideias para jogá-la indevidamente na seara da psicopatologia. Sobre isso, diria Pirandello: ma non è uma cosa seria! Nesse campo, quanto mais a vítima da artimanha maliciosa se defende, mais louca parece aos desavisados. Ante tamanho grau de impostura com verniz de pseudociência, só resta render-me à “metodologia” desses doutos ilusionistas e desmascará-los: “é golpe!”.

Sempre desconfiei que esses senhores julgassem idiotas todos os demais membros da humanidade, à exceção dos iniciados nos ritos de sua igrejinha acadêmica. Mas não imaginava que fizessem tão pouco da inteligência alheia, ignorando ao mesmo tempo a catastrófica situação de sua própria. Esse paradoxo é muito bem observado e descrito por Flávio Gordon, para quem esses intelectuais são as primeiras vítimas do fenômeno que ele denomina, em seu extraordinário livro homônimo, “a corrupção da inteligência”, espécie de corrupção não criminalizável porque não se refere a um fenômeno causal, mas é fruto de uma alteração substancial do ser que afeta de forma trágica o intelecto e a personalidade do agente-vítima. Quem quer que pretenda nunca mais entender coisa alguma, que ingresse resoluto nessa prisão mental e jogue a chave fora, como fazem esses homens. Sendo essa uma decisão livre, de nada adianta buscar culpados que não sejam as próprias vítimas desse longo e doloroso processo de suicídio intelectual.

Essas observações aparentemente irreverentes não constituem de maneira alguma insultos ou adjetivações gratuitas. Busca-se uma descrição que só adquire contornos ácidos justamente por respeitar o objeto, descrevendo-o com fidelidade. Vimos que esses intelectuais ousam sugerir, senão afirmar, que impunidade não existe neste paraíso perdido. Não passaria de um “discurso midiático” forjado para gerar “autoritarismo” e “criminalizar” os “excluídos”. É perceptível que, não dispondo de meios racionais para refutar uma realidade indesmentível e brigar com os fatos (4), somente resta-lhes um apelo emotivo: imputar intenções malignas e soturnas, temperadas de estupidez e ignorância, àqueles que ousam descrever o que qualquer um vê com os olhos da cara. Arrogam-se a condição de defensores de uma humanidade que só amam em abstrato. A impunidade real cuja ostensividade e feiúra estampada em seus frutos cotidianos é insuportável à visão daqueles que se comportam ao modo avestruz, deve ser, juntamente com a humanidade de carne e osso que sofre com a criminalidade, convenientemente posta de lado e excluída do debate. Em seu lugar, entra em cena uma “impunidade” prêt-a-porter, mistificada, retórica e evanescente, moldada como espantalho para uso dos “defensores” de um humanismo sem humanidade, abstrato, insípido, inodoro, incolor e sem sangue. Assim, esperam tornar politicamente incorreto o uso da própria palavra “impunidade” e estigmatizar quem dela se vale como instrumento de descrição dos fatos.

É preciso estar demasiado fora da realidade para crer haver “punitivistas encolerizados” à mancheia, como lobos perseguidores, prontos a devorar pobres cordeirinhos marginalizados (5) pela sociedade e empurrados inexoravelmente para a criminalidade por culpa de entidades etéreas como “capitalismo tardio” e “sistema burguês”. De fato, parafraseando o professor Percival Puggina, a imagem do restante da biblioteca deve ser imprópria para menores, e aqueles que sustentam nossas universidades com o suor do próprio rosto, na vã ilusão de estar investindo em conhecimento e ensino “superior”, devem atentar para esse tipo de conteúdo nefasto e imbecilizante, a ser neutralizado não mediante censura, mas pela persistente exposição dessas ideias, por si aptas a causar repulsa, e pela contínua análise crítica desse pensamento destrutivo. Somente assim serão criados anticorpos intelectuais para defesa de mentes incautas, expostas ao fluxo torrencial desse ideário maligno nas artes, nos meios de comunicação e nos ambientes acadêmicos.
 

(1)  http://www.puggina.org/artigo/puggina/conheca-o-pensamento-dos-defensores-da-impuni/10951
(2)  http://emporiododireito.com.br/backup/a-sanha-punitivista-eou-a-bocalidade-do-discurso-da-impunidade-por-leonardo-isaac-yarochewsky/
(3)  ROGER SCRUTON, “Uma Filosofia Política: Argumentos para o Conservadorismo”. É Realizações, p. 137.

(4) Vivemos em um país cujos níveis de elucidação de homicídios atinge até 8% (ainda assim superior à taxa de esclarecimento dos crimes em geral), que registra mais de 1.700.000 roubos por ano (dos quais um Estado como o Rio de Janeiro consegue apurar menos de dois por cento dos autores), em que há cerca de 700.000 mandados de prisão em aberto (o número de foragidos supera o de encarcerados em nosso país “autoritário”), e onde a punição efetivamente aplicada dilui-se em progressões de regime carcerário cuja velocidade é turbinada com remições, “prisões” domiciliares, monitoramento eletrônico, fugas etc.
 (5) Uma dessas “vítimas do sistema” é o hoje “jurista” Marcinho VP, líder da facção criminosa Comando Vermelho. Recentemente, VP anunciou que irá lançar um livro sobre o que entende por “direito penal do inimigo”, que muito bem poderia ser prefaciado por qualquer um dos doutos aqui citados: as ideias defendidas pelo novel “doutrinador”, atualmente hóspede da Penitenciária Federal de Mossoró, RN, muito se assemelham aos excertos analisados no presente texto.

 

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  • Ênio Meneghetti
  • 18 Janeiro 2018

 

Mesmo não sendo advogado, semana passada redigi e enviei uma representação à primeira instância do MPF aqui no RS, pedindo providências legais sobre o flagrante descumprimento, por Dilma e Lula, do disposto no Artigo 49 de nossa Constituição, quando governantes.

O Artigo 49 da CF determina como competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

A questão é elementar e pode ser compreendida com a resposta a três simples quesitos:

a) O Brasil emprestou dinheiro a países da África e América do Sul nos governos Dilma Vana Roussef e Luiz Inácio Lula da Silva? Sabe-se que a resposta é SIM.
b)Tais empréstimos a países estrangeiros foram submetidos e tiveram a aprovação do Congresso Nacional, conforme determina o Artigo 49 de nossa Constituição? Sabe-se que a reposta é NÃO.
c) Foi dada PUBLICIDADE dos CONTRATOS, de suas cláusulas até hoje secretas e detalhes, como taxas de juros subsidiadas, firmados pelos dois presidentes brasileiros, conforme determina nossa Legislação? Sabe-se que a resposta é NÃO.

Várias vezes foi noticiado que “investigações” estariam sendo feitas sobre este assunto gravíssimo, onde foram enterrados bilhões que estão nos fazendo falta agora. “Pedidos de explicações”, foram encaminhados, só resultaram em informações vagas e insuficientes. De concreto, até hoje, apenas a certeza que o Brasil jogou uma enorme quantia de dinheiro fora, por ordem de Dilma e Lula.

Moçambique é o primeiro de uma série de calotes que o BNDES levará, dentre todos os empréstimos ilegais concedidos nos governos Lula e Dilma a países da África e da América Latina sem as mínimas condições de honrarem os pagamentos.

Entre os países que dificilmente honrarão os pagamentos temos Argentina, Angola, Bolívia, Costa Rica, Equador, Gana, Honduras, Guatemala, Moçambique, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, Venezuela, etc.

Por absurdo que possa parecer, não há informações precisas sobre o montante do abuso cometido. Consta que o valor médio de cada obra ficou em mais de um bilhão de reais e que vários dos países agraciados tiveram mais do que apenas uma intervenção.

A quantia final da orgia com o dinheiro do contribuinte brasileiro literalmente posto fora chega a muitos bilhões de reais.

Isto é muito grave, é ilegal e não pode ficar impune.

Quando receber resposta sobre o andamento da representação enviada, imediatamente informarei.

 

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  • Alexandre Garcia
  • 18 Janeiro 2018

 

As ameaças, intimidações e pressões que a Justiça Federal vem recebendo, fazem lembrar a intervenção chavista na Suprema Corte da Venezuela. A Presidente do PT faz alusões a “mortes”; militantes fanatizados prometem quebrar a cabeça de juízes; partidários do réu anunciam que não vão aceitar uma eventual confirmação da sentença do Juiz Sérgio Moro. São manifestações que me fazem lembrar de 1963, quando eu ouvia discursos sobre a reforma agrária “na lei ou na marra”. O grupo que ameaçava com isso, acabou sendo retirado na marra. Quando se sai do caminho civilizado, democrático, entra-se na lei das selvas, onde prevalece quem tem o calibre mais grosso.

Agora chega-se ao cúmulo de o desembargador presidente de um Tribunal Federal precisar pedir garantias para a incolumidade dos juízes daquele foro e de suas famílias. Isso rebaixa ainda mais o Brasil no nível da democracia. Juízes com frequência têm precisado de guarda-costas para exercerem seus encargos, o que mostra o avanço do crime. Faz lembrar dos atentados, na Sicília, em que a Máfia explodiu juiz e procurador. E não vale atribuir apenas à ignorância, ao fanatismo, ao desconhecimento de como funciona uma democracia, porque até dirigentes de partidos e detentores de mandato popular têm pregado a violência e o desrespeito à Lei e à Justiça como reação.

O diálogo e a argumentação que nos foram legados há mais de 2 mil anos pelos gregos, estão sendo esquecidos no Brasil, assim como a organização dos poderes do estado, demonstrada por Montesquieu, há 300 anos. E há um silêncio significativo por parte dos políticos citados na Lava-jato. Eles devem estar pensando: se pegarem um líder popular como Lula, o que vai ser de nós? Como estão em pecado, são solidários com os que estão atirando pedras. Por outro lado, seus contrários igualmente convocam reações violentas para conter os manifestantes. Coisa do mesmo nível grosseiro e violento de torcidas organizadas que se engalfinham.

Há lei para tudo isso. O Código Penal prevê crime de ameaça e crime de obstrução à Justiça, assim como pune agressão física ou dano ao patrimônio público. Parece um desespero que o Doutor Freud explica. Perderam a matriz, quando acabou a União Soviética, perderam a alternativa, quando a China virou capitalista; caiu o Muro de Berlim, Cuba e Venezuela afundaram e agora podem perder aquele que finalmente lhes deu poder, ainda que não fosse movido pela ideologia. Mas houve o devido processo legal e não há tribunal de exceção, como nas ditaduras extremistas. O jus sperneandi – o direito de espernear – é limitado pela lei, na prática da democracia.

• Publicado originalmente em www.sonoticias.com.br

 

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  • Ipojuca Pontes
  • 18 Janeiro 2018

 

Ia escrever sobre a nova revolução cultural da China, nação escravocrata transformada em poderosa máquina de guerra cujo principal objetivo (já denunciado por inúmeros analistas militares) é avançar sobre o mundo livre e estabelecer a hegemonia comunista em escala planetária. Como se sabe, a China do ditador Xi Jinpíng - que está comprando o Brasil a preço de banana - virou potência econômica vendendo produtos ordinários mal copiados da indústria dos EUA para investir pesado em ogivas nucleares e estoques de bombas atômicas em quantidades inimagináveis por russos ou norte-americanos desde os tempos da Guerra Fria (que, de resto, nunca terminou).

Em âmbito interno, mas com repercussão mundial, foi anunciado que a ditadura de Xi, reeditando as coordenadas da sangrenta revolução cultural do pedófilo Mao Tsé-tung, vai reunir escritores, artistas e intelectuais num retiro dos cafundós de Hangzhou a fim de que assimilem os meandros do “novo pensamento socialista com características chinesas” – uma deliberação do 19° Congresso do PCC que enquadra a cultura e as artes nos cânones adotados pela nefasta ortodoxia marxista-leninista. Para tanto, mais de cem cineastas, atores e cantores pop foram reunidos num “colégio doutrinário” para que “não cometam desvios” e aprendam a “exaltar nosso partido, nosso país, nosso povo e nossos heróis”. A catequese, ou lavagem cerebral, como queiram, está sendo administrada por teóricos do PCC especializados em formular estratégias para o acirramento de “luta de classes”.

                                                                                                   ****

Dito o que, passemos à “Polícia Federal – A lei é para todos”, um filme decente, imprevisível no atual panorama do cinema brasileiro (totalmente dominado por militantes políticos às esquerdas há, pelo menos, quatro décadas). Negócio sério. (Por essas bandas, creio, seria jogar dinheiro fora, como faz hoje o PC chinês, reunir nos cafundós do Judas gente de cinema para fazer qualquer tipo de lavagem cerebral. Por razão elementar: no capítulo “seguir os ditames do marxismo-leninismo” a rapaziada cabocla tem a cabeça feita – por vocação ou malandragem - desde a mais tenra infância).

Confesso que, por preconceito, só agora vi “Polícia Federal – A lei é para todos”. Sabe como é: cinema político brasileiro filtrado na grana pública pode ser uma furada. Depois, por acaso, vi O Globo ilustrar a avaliação crítica do filme com o Bonequinho dormindo. “Bem” – pensei comigo – “se a mídia global (amestrada) se manifesta contra é porque temos, no mínimo, um filme decente”. E não deu outra.

 “Polícia Federal”, pela clareza e integridade (vide leis estéticas de Aristóteles) é obra lapidar. No futuro, quem quiser ver algo confiável sobre a Era Lula, terá no filme, oportuno, um documento único, incontornável e imprescindível.

Trata-se de um thriller político muito bem produzido (Tomislav Blazic, sem dinheiro público), eficientemente dirigido (Marcelo Antunez) e excepcionalmente adaptado (do livro homônimo de Carlos Graieb e Ana Maria Santos) e melhor roteirizado (Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein). A correção, a harmonia e o empenho do elenco asseguram a depurada credibilidade interpretativa difícil de encontrar em filmes do gênero, aqui ou lá fora (com destaque para o trabalho de Ari Fontoura, no papel de Lula, um caso de osmose reversa). Enfim, em termos de fluência narrativa e escritura fílmica (cinegrafia), a fita só encontra paralelo no admirável thriller (de idéias) “Margin Call – O dia antes do fim” (EUA, 2011 – de J. C. Chandor), obra-prima sobre os percalços do rombo financeiro de Wall Street, em 2008).

Parafraseando Nelson Rodrigues, só a má cínica ou a obtusidade córnea da crítica engajada pode acusar “Polícia Federal – A lei é para todos” de alguma parcialidade. Um desses “opiniáticos”, curiosamente de jornal cujo controle editorial é mantido a ferro e fogo por proto-esquerdistas, chega a sugerir que o melhor seria não fazer o filme e “esperar o fim da Operação Lava-Jato” para fazê-lo – uma idéia de asno, claro.

Muito bem, admitamos, por hipótese, que o filme só fosse realizado quando o processo de Lula chegasse ao fim. Quanto tempo ele poderia demorar? É público e notório que Lula (e sua quadrilha) nomeou 7 dos 11 ministros que compõem o STF (um deles, Toffoli, advogado e cria do PT). De fato, com os bilhões (de dólares) que surrupiou da nação poderá procrastinar tal julgamento com chicanas advocatícias durante pelo menos 10 anos. Sem desprezar a hipótese – implausível, mas não impossível - do velho predador, com o apoio da mídia camarada, voltar ao poder.

Em suma: neste caso, “Polícia Federal” jamais seria produzido e o distinto público, aqui e no exterior, ficaria sem saber se, no Brasil, depois de assistir ao firme relato da tramoia socialista, a “lei é para todos” ou não.

Para não ser preso, Lula, com Dirceu e asseclas, vem “fazendo o diabo” para ver o circo pegar fogo.

Na sua guerra de guerrilha, intimida juízes e ameaça desembargadores, explora fake news em profusão, arma o exército de Stedile e atiça milhares de militantes integrados no aparelho do Estado com o propósito de, em Porto Alegre, no dia 24, explodir o “Dia do Ódio”. Grana e aliados não lhes faltam. Resta saber se os 59% dos brasileiros que querem ver Lula por trás das grades vão ficar de braços cruzados.

Lula, sujeito indecente, sem nenhum compromisso moral, ético ou religioso, corrompeu e transformou a própria vida e a vida da nação num charco de lama purulenta. O Brasil, depois de treze anos sob sua tutela, acanalhou-se numa escala sem precedentes. Hoje, já não há esperança possível para arrancá-lo da degradação.

Mas, há uma certeza: ver Lula, o Chacal, por trás das grades!


*Publicado originalmente no Diário do Poder
     

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  • Guilherme Fiuza
  • 16 Janeiro 2018

 

 

Dizem que o Brasil vive uma nova onda de censura e moralismo conservador. Já temos inclusive vigilantes guardiões da liberdade de expressão e dos bons costumes atuando vigorosamente. Eles denunciaram, por exemplo, a queima de uma boneca representando a feminista Judith Butler em frente ao Sesc Pompeia, em São Paulo, onde a filósofa americana palestrava. Os arautos da liberdade disseram que os reacionários usaram métodos medievais para reprimir a defesa dos direitos da mulher.

É isso aí. Cada um tem o direito de falar o que quiser, onde quiser, dentro das regras da democracia. Não é isso? Bem, mas então surge a pergunta: onde estavam esses mesmos ativistas libertários que não toleram a censura quando a blogueira cubana Yoani Sánchez foi impedida de falar, no grito, nessa mesma cidade de São Paulo?

Diferentemente de Judith Butler, Yoani não conseguiu nem fazer a palestra para a qual fora convidada – onde, sintomaticamente, denunciaria o autoritarismo e a falta de liberdade na ditadura socialista da ilha. E ela estava dentro de uma livraria. Não teve conversa: aos berros, os manifestantes progressistas, libertários e adversários da sociedade moralista e conservadora calaram a palestrante. Impediram na marra que ela expressasse suas ideias. Reacionários são os outros.

Não houve nenhuma grita contra a censura por causa disso. Ao contrário, de lá para cá surgiu um movimento – organizado pelas mesmas figuras desse 342 contra as trevas – chamado Procure Saber, nascido basicamente para lutar pela censura prévia a biografias não autorizadas. Um primor de liberdade, estrelado por esses mesmos heróis da MPB que estão aí gemendo contra a onda conservadora. Reacionários, obscurantistas, autoritários e medievais são os outros. É proibido proibir – a não ser que estejam atrapalhando meus negócios, minha lenda, meu presépio de bondade tarja preta.

Não deixa de ser comovente todo esse esforço para a construção de um inimigo imaginário. Agora os arautos de laboratório estão gritando contra o tabu da nudez. Tabu de quê? No ano de 2017? Depois de tudo que a TV e a internet escancararam para todas as idades e em todos os lares, eles resolveram querer chocar a burguesia de novo ficando pelados... Nostalgia é fogo. Melhor nem contrariar. Como você vai conversar a sério com alguém que quer ser vanguarda de museu? Outro dia no Rio de Janeiro havia um grupo de mulheres fazendo topless contra a onda conservadora. Uma graça, parecia foto de época. Daqui a pouco elas descobrem a pílula anticoncepcional.

Enfim, inventaram a luta pela liberdade de cativeiro. O sujeito quer de qualquer maneira ser herói da contracultura e se propõe obstinadamente a uma masturbação cenográfico-temporal para fingir que o mundo vive dilemas de meio século atrás. É a mais completa definição do reacionário, coitado, mas ele ainda encontra plateias aplaudindo sua modernidade mórbida. Normal. Atrás dos muros altos também há vários Napoleões ganhando guerras entre um banho de sol e outro.

Os ativistas intrépidos das liberdades não se importaram com a ideologização vagabunda das provas do Enem. Não há problema transformar educação em panfleto. E ainda surgiu o requinte da ameaça de nota zero para o estudante que afrontasse os direitos humanos – e se você quiser imaginar quem, nesse caso, decidiria o que são direitos humanos, basta lembrar do bando que calou Yoani Sánchez no berro. É isso aí. Professores simpatizantes do PSOL, dos black blocs, do MST, do Maduro e grande elenco da fofura revolucionária avisando: quem desrespeitar os direitos humanos leva porrada.

Não tinha o general que ameaçava prender e arrebentar quem fosse contra a abertura política? Então por que os Napoleões de hospício da contracultura não podem barbarizar os subversivos que ousarem atrapalhar a lenda deles?

Os novos heróis da liberdade de cativeiro não gritam contra a campanha medieval para matar os aplicativos de transporte, não gritam contra a tentativa de censura da exposição sobre as vítimas de Stálin, não gritam contra a repressão sexual às mulheres e a escravização do povo nos regimes que seus amiguinhos do PT, PSOL e companhia apoiam. Censura é o que eles apoiam todas as noites nos seus travesseiros.


• Publicado em 16/11/2017 na revista Época
 

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  • Nivaldo Cordeiro
  • 16 Janeiro 2018

 

Certos liberais estão apegados ao sucesso econômico da China como se ali tivéssemos a prova empírica das verdades liberais, um suposto triunfo do liberalismo. Um grande equívoco. O liberalismo chinês é, no dizer de Mark Lilla, um “mercantilismo despótico”. Despótico sim, porque o regime político chinês é de partido único, sem independência do Legislativo e do Judiciário. Tudo é de cima para baixo. Um belo dia o dirigente decidiu abrir o país aos investimentos estrangeiros e fez da China uma plataforma de exportação. Obviamente isso não é capitalismo, é o velho mercantilismo de guerra, tanto assim que o país acumulou uma fortuna em saldos comerciais, que parece ser o seu objetivo permanente. Acumula mais papel-moeda norte-americano a cada período.

A China juntou três ingredientes que a tornaram imbatível no mercado internacional: mão de obra barata, baixos impostos e câmbio “administrado”, artificialmente baixo. Ninguém consegue competir com os produtos produzidos na China. Sem esquecer que conta com a tecnologia ocidental em quase tudo, sem ter concorrido para produzi-la. Virou uma máquina de exportação de muito sucesso, mas isso é insuficiente para fazer da sociedade chinesa um ente liberal. E conta também com baixa taxa de regulação, facilitando a vida das multinacionais que lá produzem e barateando ainda mais os seus produtos.

Obviamente que a experiência chinesa não confirma a ideologia liberal, centrada no indivíduo e no Estado mínimo. Poderíamos dizer que na China vige o Estado mínimo? Jamais diríamos isso de uma sociedade comunista, mesmo que nominalmente a participação do Estado no PIB seja baixa. O paradoxo é compreensível porque quem manda é o agente do partido, mesmo que a empresa seja, por alguma forma, tida como privada. Quanto ao individualismo, basta ver a foto do último congresso do partido comunista: todo mundo (os delegados) vestido igual, cabelo pintado igual e incapaz de sorrir, pois é a seriedade do partido que os torna iguais. Uma caricatura de evento democrático.

O espanto é a paixão com que certos liberais, ignorando os fatos óbvios, declaram o crescimento da China como vitória do liberalismo. Teve um, amigo de antigos duelos de ideias, que chegou a mandar para mim o mapa do metrô de Pequim, construído recentemente, como a provar a sua prosperidade liberal. Retruquei que qualquer Odebrecht da vida pode construir metrôs, os mais bonitos, mas não a liberdade. Os faraós também construíram pirâmides! É bem conhecida a queda dos déspotas pela arquitetura monumental, os exemplos são sobejos ao longo da história. A própria muralha chinesa é uma relíquia que prova que grandes projetos arquitetônicos mais provam o despotismo de uma sociedade do que sua liberdade.

Obviamente que o ciclo de desenvolvimento chinês passa por um pico e não vai durar. Há o ciclo econômico inexorável e só o capitalismo soube lidar com ele, pelo método da “destruição criadora”, que mantem o processo de desenvolvimento de maneira orgânica, trazendo sempre de volta novos picos de desenvolvimento. Sem contar a impossibilidade orgânica de formação de preços quando há interferência política no processo econômico. O desenvolvimento chinês tem pés de barro e mais depõe contra o liberalismo do que a seu favor.

Eu me recuso a ver justificativa para a tirania pelo processo econômico, porque sei que ele não dura. É uma riqueza com data para desaparecer. Contra isso se insurgiram os liberais clássicos que fizeram ciência justamente para mostrar que o mercantilismo não tinha futuro e que liberdade política rimava com liberdade econômica. Eles ensinaram que o Estado é o mal por definição e precisa ser mantido em seu tamanho mínimo. Recusar essa lição dos pais do liberalismo é destruí-lo. Toda ciência econômica, que é liberal (o marxismo é pura enganação), desmoronaria se se aceitasse a experiência chinesa como válida para a causa liberal. Enriquecer não é liberalizar. O certo é ver o fato como é: a China moderna é um produto do mercantilismo despótico que até pode ser ameaçador, na medida em que todo despotismo tende a ser imperial e expansionista.

José Nivaldo Gomes Cordeiro, colunista do MSM, é economista e mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), ocupou vários cargos na administração federal, e hoje é empresário em São Paulo.

* Publicado originalmente em midiasemmascara.org

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