Percival Puggina

10/02/2024

 

Percival Puggina

 

      Entre as muitas marcas dos anos seguintes ao pleito de 2018, destacam-se quatro conhecidas e incontestáveis: o desgaste moral do petismo determinado pelos achados da Lava Jato; a transferência do protagonismo oposicionista para a folgada maioria que o PT escolhera a dedo para compor o STF; as imensas manifestações populares, confrontando o ativismo desempenhado pelo Supremo; o permanente suporte da mídia aos crescentes excessos da Corte.

Foi com base na relação amigo-inimigo (falarei mais sobre ela aí adiante) que se estabeleceu e se ampliou a animosidade entre o colegiado do Supremo e aquilo que ministros da Corte denominam bolsonaristas, golpistas, terroristas, extremistas (mais ou menos metade dos eleitores brasileiros, se não mais). Contra esses inimigos, inovações processuais, medidas drásticas e nada ortodoxas foram adotadas na forma de censura, cancelamentos, desmonetizações, restrições de direitos, prisões e inclusões nos pacotes dos inquéritos do fim do mundo, fonte de tormentos e ameaças aos discordantes.

Sobre os acontecimentos, paira o manto protetor bendizente proporcionado pelo grupo que ficou conhecido como “o Consórcio”, que eu prefiro chamar de “Rede Goebbels de Narrativas”. Também destes é a obstinação em minimizar a influência e a concorrência das redes sociais, para benefício próprio e dos amigos.

Sobre tal período, o ex-ministro Marco Aurélio Mello registra em seu livro mais recente, “O Tribunal”, que a Corte da qual foi membro e decano, ouviu o comando militar antes de (segundo palavras da Folha de São Paulo) “dobrar a aposta” contra Bolsonaro. Foi assegurado, ali, curso livre e seguro ao ativismo que assinalou a história daqueles anos. O vocabulário do Supremo era o vocabulário da oposição. Passo a passo, lendo os fatos com a ótica oposicionista e sempre dobrando a aposta contra o Poder Executivo, o STF cuidou de brecar o programa de governo consagrado na eleição de 2018. A sociedade elegeu um presidente e o STF não gostou de seu perfil nem do programa.

Diante do que se viu entre 2019 e 2022, alguém poderia imaginar uma condução do pleito de outubro passado diferente da proporcionada pelo TSE? Alguém poderia imaginar as redes sociais preservadas como espaço de opinião livre e democrática? Naquele período, o que já vinha mal desde a Covid, piorou e agravou a contrariedade de dezenas de milhões de eleitores.

Nada, absolutamente nada mais me surpreende. Inesperada, convenhamos, foi a vitória de Bolsonaro sobre Haddad em 2018. De então para cá, muito do que vejo corresponde ao exposto por Carl Schmitt sobre a relação amigo-inimigo a que me referi no início destas reflexões. Em definitivo, isso não é bom! Lembre-se: esse profeta do positivismo jurídico se filiou ao partido nazista em 1933. Segundo ele, quando uma relação sai do campo do objeto e, ganhando intensidade, vai para o campo existencial, ela se torna política. É fácil constatá-lo nas experiências sociais e familiares destes tempos conflituosos. Trata-se de fenômeno social tão intenso que evitar conflito, dissociação e ruptura requer grau elevado de afeição, moderação, equilíbrio, tolerância e de alguma reciprocidade não encontráveis em toda parte.

Tenho grande apreço aos valores da tradição religiosa e cultural do Ocidente, sinto os ataques multiformes e intolerantes da cultura Woke, do identitarismo, da Nova Ordem Mundial e do velho Iluminismo com harmonização facial e makeup. Consigo perceber o quanto as relações sociais estão politicamente afetadas e quanto o binômio amigo-inimigo está presente inspirando a infiltração, os desastres educacional e cultural e os discípulos de Paulo Freire. Tendo estado vivo e alerta nas décadas anteriores, sei quem atacou e sei quem, em todo o Ocidente, precisou se defender.

Na lógica do presidencialismo, no baixo padrão cultural e político da sociedade, no rocambolesco modelo institucional brasileiro, no desgaste dos freios e no enguiço dos contrapesos, quem vencesse o pleito presidencial de 2018 festejaria vitória dos amigos e a derrota dos inimigos. A gente podia desejar algo diferente ou não prever a avalanche dos desdobramentos, mas cada acontecimento estava, sim, no quadro das possibilidades consistentes.

Será que alguém esperava coisa diferente do complexo STF/TSE ou da mídia vassala após a vitória de Bolsonaro? São como flagrantes perpétuos os vídeos em que ministros do Supremo fazem afirmações do tipo “Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, “Nós derrotamos o bolsonarismo”, “Perdeu Mané”, “Missão dada, missão cumprida”.

Ministros do STF, em frequentes manifestações públicas, aplicavam ao governo adjetivos próprios do vocabulário esquerdista. Em setembro de 2020, o ministro Fachin vaticinou: “A sociedade brasileira precisa se preparar para fazer uma escolha entre essas duas agendas e esses dois projetos. E isso se dará em 2022”. Em sequência, proclamou a própria escolha, desqualificando a agenda inimiga como produto “de mentes autoritárias, de menosprezo à democracia, a questões vitais, como meio ambiente, povos indígenas, quilombolas”. Seis meses depois, o mesmo ministro anulou as condenações de Lula.

Por outro lado, quantos cidadãos brasileiros, olho na memória genética republicana, ansiaram por uma intervenção militar com Art. 142 etc.?

Estamos divididos como sociedade e o antagonismo, pelas razões mais amplas expostas, tem marcado os últimos pleitos em todo o Ocidente como reflexo da relação amigo-inimigo. É sensato o Poder Judiciário manter protagonismo político e ter parte nessa relação? Carl Schmitt diria que sim. O bom senso grita que não.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

09/02/2024

 

Percival Puggina

         Assisti parte das duas sessões do STF em que os ministros retomaram as deliberações sobre limites para a posse de maconha pelos consumidores. Não consigo me habituar à onipresença, onisciência e onipotência que caracterizam as atuações e manifestações de suas excelências. São predicados que ficam muito bem em Deus, mas soam alarmantes quando assumidos por seres humanos.

Os primeiros efeitos dessa inclinação são: a perda da noção dos próprios limites, a perda do senso de proporção (a “tabuada do 10” ajuda para isso) e a invasão de competência dos outros poderes (as tais quatro linhas que ninguém deveria ultrapassar).

No presente caso, o Supremo discute a diferença entre posse e tráfico na relação entre venda e consumo, a partir da quantidade de maconha em mãos de pessoa abordada em atividade policial. As apostas começam com 10g, passam por 25g e chegam a 60g e sinalizam que este último será o peso vencedor. Já que é para consumo pessoal, que não se restrinja a demanda.

Em diversos tipos penais existe relação entre fornecedor e consumidor, quer o objeto da venda seja arma sem origem, para-choque de fusca 1959 ou maconha. Em todos os casos, os dois lados do balcão cometem crime tipificados. No caso da maconha, o legislador já concede tratamento privilegiado ao consumidor, ao determinar que ele não seja preso, mas submetido a algum tipo de constrangimento que o tribunal vem chamando “administrativo”. 

A ralé conservadora e direitista, a quem o Estado não ouve, sabe que os estados paralelos do mundo do crime logo serão maiores do que o Estado e só existem com tal extensão e audácia porque existem os idiotas do consumo e seus protetores. A turma cuja opinião não interessa, paga as contas do Estado, os luxos das muitas cortes e sofre com as consequências do tráfico e do uso de drogas. Ela é inteiramente contra qualquer medida que possa ser entendida como “descriminalização” do consumo ou sinalize sua insignificância. Todos os dias, milhões de brasileiros são de algum modo infernizados por esse comércio infame, seus operadores e seus consumidores. Segundo a OMS, 12 milhões de brasileiros o são!

Não estou incluindo na lista dos incômodos que menciono as muitíssimas ocasiões em que, assistindo a algum filme Netflix ou Prime Vídeo, aparecem em cena simpáticos vovôs e vovós, papais e mamães, moderninhos e “progressistas”, compartilhando um baseado com filhos e netos, em meio a risos desconectados da realidade, tão frouxos quanto psicóticos. Tenho ganas de ir à polícia fazer um B.O.. Naturalizar o consumo de drogas é estimulá-lo.

Que o parlamento cumpra seu papel, reflita o pensamento majoritário da sociedade e seja sensível à ameaça que pesa sobre o país. Hoje, o Brasil caminha para se tornar um narcoestado.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

07/02/2024

 

Percival Puggina 

         Em qualquer placar, 10 a 1 ou 9 a 2 é goleada, com direito a flauta e volta olímpica.

Imagine um tribunal constitucional ser, também, última instância judicial, transformar-se em tribunal penal da sociedade e assumir-se como corte divina, ou seja, onisciente, onividente e onipotente, a emitir sentenças de Juízo Final. Imagine que nesse tribunal quase todos, num grau ou noutro, são "progressistas" ou marxistas, selecionados a dedo segundo a mesma cartilha. Um poder de Estado com tais características faz a revolução com o abanar das togas. Para cumprir seu querer, dispensa luta armada. Não usa barracas de campanha, não cava trincheiras e não precisa de arsenais. Opera a partir de luxuosos gabinetes. Seu material bélico está contido em meia dúzia de princípios constitucionais lançados para onde a ideologia aponta.  

Um tal poder prescinde de Gramsci, Escola de Frankfurt, movimentos sociais, patrulhamento, infiltração e doutrinação. Bastam onze homens e seus votos. E tudo fica parecendo Estado de direito enquanto se proclama servida a Democracia.

A bússola das decisões normativas sobre os grandes temas da vida nacional está saindo do Congresso onde opera a representação proporcional da opinião pública. Aquela história dos três poderes, este faz a lei, aquele executa e aquele outro julga - lembra-se disso? - vai para as brumas do passado. É como se ressoassem para o Brasil as primeiras palavras do Gênesis, pois as instituições estão sem forma e as trevas cobrem a superfície do abismo. Sob tal poder não há nem haverá luz e toda divergência será castigada. Quem ousaria dissentir do rufar das togas?

Sentado diante da tela do computador, ponho-me a pensar sobre o que vejo e me permito afirmar, na perspectiva de uma honesta divergência, que, a despeito de todos os rancores e maus humores:

- Ser conservador não é crime hediondo.

- Ser liberal não é crime hediondo.

- Ser cristão não é crime hediondo.

- Ser de direita não é crime hediondo.

- Ser lavajatista não é crime hediondo.

- Ser bolsonarista não é crime hediondo.

- Haver preferido Bolsonaro a Lula não foi crime hediondo.

- Amar a liberdade e divergir daqueles que a querem reprimir não é crime hediondo.

Cada dia traz novas trevas sobre o abismo produzido por aqueles que usurpam o lugar de Deus enquanto ouvem Hosanas! Canta quem neles crê porque convém e canta o poder por trás do poder. É ou não é, Centrão?

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Percival Puggina

05/02/2024

 

Percival Puggina

            Estávamos num programa de debates sobre direitos humanos. Lá pelas tantas, um dos meus interlocutores falou em “dignidade da pessoa humana”. Eu os sabia marxistas e, portanto, materialistas. Perguntei-lhes, então, como um desafio: qual o fundamento da dignidade da pessoa humana?

Sabia que essa questão coloca o materialismo e seus adeptos num beco sem saída. Para respondê-la, o microfone correu a mesa. Falaram, falaram e nem de longe trataram do tema. Quando retornou a mim, chamei a atenção para o fato de que não haviam me dado qualquer resposta. Mencionada por materialistas, a dignidade da pessoa humana é mera retórica.

Ante a provocação que fiz, um deles saiu-se com esta: "O fundamento da dignidade da pessoa humana é a reciprocidade nas relações". Ora, salta aos olhos que a reciprocidade, vale dizer, a equidade nas relações e trocas interpessoais e sociais, pode ser, em alguns casos, fundamento da justiça, mas nem de longe serve como alicerce para a dignidade do ser humano. Em determinadas situações talvez seja apenas consequência.

Entendamos isso porque é importante. Quem vive em situação de carência mental, material ou física tem, como pessoa, dignidade igual à da mais eminente celebridade e à da mais justa e generosa das criaturas. E em quase nada pode o desvalido contribuir para a tal reciprocidade. Exigi-la em certos casos pode ser puro e duro egoísmo. Há ocasiões em que a reciprocidade, como critério de justiça, se fundamenta na dignidade da pessoa humana, mas o que nela se sustenta não lhe pode servir, também, como suporte.

Enfim, a questão que propus é irrespondível pelo materialismo. Se tudo é matéria, instinto e razão, o ser humano é apenas o mais complexo dos animais. E somente isso. Resulta, assim, meramente retórica toda menção que marxistas façam à dignidade humana. A prova provada me veio logo após, quando, tendo eu comentado a animalização conceitual da pessoa, se vista apenas como ser material, meu interlocutor da ocasião afirmou que "os animais também têm dignidade". Foi ou não uma rendição? Homem e bicho é tudo a mesma coisa? Animais merecem respeito, mas a eminente dignidade, fundamento das melhores constituições, quem a tem é o ser humano.

Há muito proponho essa questão em debates e ainda não encontrei um materialista que fizesse a respeito dela qualquer afirmação consistente. Falam sobre direitos humanos como parte de uma agenda muito mais ideológica do que efetivamente humana. O humanismo sem Deus é um humanismo desumano, reafirmou recentemente Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate. Com efeito, somente o revelado à tradição judaico-cristã satisfaz como resposta à questão contida no primeiro parágrafo deste artigo. É por isso que nela se fundamenta toda uma civilização e o que há de melhor em sua cultura: o homem é imagem e semelhança de Deus, e objeto de Seu amor.

Alguém poderá dizer: “Eu sou ateu e trato com respeito os meus semelhantes”. Sei disso, no entanto, é preciso perceber: a conduta civilizada que independe de identitarismos tem base cultural. É a cultura de uma civilização que herdou princípios da preciosa fonte judaico-cristã. Reinstituir os identitarismos é, por assim dizer, um retorno ao paganismo.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

02/02/2024

 

Percival Puggina 

         Todos sabemos que os principais veículos de comunicação do país, à semelhança do sistema antimíssil de Israel, instalaram um iron dome (cúpula de ferro) de proteção ao governo Lula. Todos sabemos quem custeia essa abundante proteção e a repetição goebbeliana de narrativas e correspondentes adjetivos criados em laboratório e descarregados sobre a direita.

Nem mesmo esse pseudojornalismo, porém, conseguiu dissimular o tamanho do buraco que se tornou visível no fechamento das contas federais do 2023. Foi o segundo maior desde quando Tomé de Sousa inaugurou o Brasil instalando o Governo Geral na vila de Salvador em 1548. A bem da verdade, o número é ainda maior porque o governo incluiu como “receita primária” os R$ 26 bi esquecidos pelos trabalhadores no cofrinho do Fundo PIS/PASEP e transferidos para o Tesouro.

No final do governo anterior e com a legislatura eleita em 2018, o governo que assumiu em 2023 pressionou o Congresso para elevar em R$ 170 bi o teto de gastos. Ou seja, quis entrar no Palácio distribuindo favores como Papai Noel perdulário, pendurado no bilionário cartão de crédito corporativo que arrancou do Congresso.

Já nem falo nos pequenos e grandes luxos que reserva para si mesmo o casal governante quando, para o conforto próprio, esbanja no Brasil e no exterior. Refiro-me às despesas com 11 e 12 dígitos que surgem quando o senhor da Casa Grande se lembra da senzala e dá curso à política de distribuição de benefícios. Matéria do próprio governo destaca 75 programas, entre novos e retomados. Por exemplo: aumento do salário mínimo acima da inflação, o Desenrola, Minha Casa Minha Vida, Programa de Segurança Alimentar, Programa de Aceleração do Crescimento, Bolsa Atleta, Mais Médicos, Bolsa Família, Brasil Sem Fome, Brasil Sorridente, Luz para Todos, Voa Brasil. Por aí vai a lista, bilhões para cá, bilhões para lá, como se não houvesse amanhã para pagar. Nada, absolutamente nada, diferente do que já vimos em versões anteriores de Lula e de PT. 

O governo, porém, soma programas sem qualquer articulação, visando apenas a atender a autopromoção de Lula e da oligarquia que se serve da mesma mesa.

Por outro lado, manter de pé a ficção que levou Lula à presidência está cobrando da sociedade um outro preço, altíssimo. A confiança nas instituições despencou.  Por conseguinte, na mesma proporção, engrossou o tom das ameaças à sociedade e ganhou vigor a autoproteção do regime. Subiu a cotação do voto parlamentar enquanto se esculpiu em pedra, como para sempre, a inerte cara de paisagem das presidências da Câmara e do Senado.  

É o que a oligarquia quer que também a sociedade faça: que se mantenha inerte, muda, com cara de paisagem, enquanto a democracia morre e o futuro não é uma dádiva, mas uma dívida.   

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

29/01/2024

 

Percival Puggina 

         As presidências das casas do Congresso Nacional deveriam ser troféus que distinguissem seus titulares. Afinal, são o topo da pirâmide de nossa representação política. É no parlamento que ganha voz o pluralismo da sociedade. Seus presidentes, na Câmara e no Senado, recebem dos respectivos pares a honra de dirigir as casas legislativas e falar por elas.  

No Brasil, porém, mede-se em léguas a distância entre o que é e o que deveria ser. As presidências das duas Casas são favorecidas por um modelo institucional feito sob medida para dar errado e concentrar poderes nas mãos de seus titulares. Em relação a elas, ambos são senhores dos raios e dos trovões. Na Câmara e no Senado, só chove quando eles querem. Conhecendo os Regimentos Internos e o modo como funciona a política no Brasil, só poderia dar no que se vê. Imagine, então, no que não se vê...

Por isso, os dois parlamentos quase nada fazem do que a sociedade deseja que façam. Quando eventualmente isso acontece, estamos perante uma incomum coincidência entre o que a sociedade quer e o que eles querem.   

Este artigo, porém, se refere à Câmara dos Deputados. A Casa legislativa virou estande de tiro ao alvo político nos inquéritos do STF, poder de Estado onde esses inquéritos se dividem em dois tipos:  os por corrupção, parados em água de poço no aguardo da prescrição e os voltados ao polo direito do espaço político nacional, que tramitam em velocidade proporcional ao barulho que fazem.

Na Câmara dos Deputados vigora o absolutismo monárquico de Arthur, rei das duas Coroas – rei da Câmara dos Deputados e do Centrão. Não faltará quem sinta, em relação a isso, um déjá-vu de tempos passados, como, por exemplo, durante a presidência de Eduardo Cunha. A repetição da situação apenas sublinha a impropriedade desse acúmulo, pois a coroa da minoria ambulante chamada Centrão, território livre e paraíso fiscal da criptomoeda moeda chamada “Emenda parlamentar”, não se confunde com a Câmara dos Deputados. A sobreposição da coroa do Centrão à do Legislativo para atender às conveniências do rei faz mal à cabeça de Arthur. E ao Brasil. Como cidadão, protesto.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

27/01/2024

 

Percival Puggina 

         Lendo sobre Goebbels, lembrei-me da conversa pública entre Lula e Nicolás Maduro. Provavelmente, Hitler também recomendava a Goebbels que construísse uma boa narrativa e garantia a seus generais que ela seria melhor do que a narrativa dos que falavam mal dele – ingleses, norte-americanos e demais Aliados. Isto, porém, é mera especulação minha.

Através do trabalho de Goebbels, o Führer influenciou a estética e as expressões artísticas durante o Terceiro Reich, cobrando delas resultado político, ideológico e de afirmação da superioridade ariana. Joseph Goebbels sabia a importância dos meios culturais para a política e os usou para que a sociedade alemã refletisse a doutrina do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Impôs seu projeto ao cinema, ao teatro, à música, às artes plásticas, à arquitetura e à literatura. Com uma das mãos, criou a Casa de Arte Alemã e promoveu a exibição Grande Arte Alemã; com a outra, queimou milhares de obras ditas “degeneradas” porque não cumpriam o dever de espelhar e proclamar a superioridade biológica do mesmo povo que levavam para o abismo da guerra.

É curioso que, apesar da multiplicidade das competências de Goebbels em várias áreas de conhecimento, sua fama reverbere apenas o sujeito que falou sobre a eficácia da mentira contada mil vezes. Merecido epitáfio! De fato, a mentira foi eixo de sua sinistra existência, em cujos atos finais matou a mulher, os seis filhos e a si mesmo.

Enquanto ele se dedicava a tratorar culturalmente a Alemanha de seu tempo (1933 a 1945) para a colheita de Hitler, um grupo de marxistas judeus alemães criava e começava a operar a Escola de Frankfurt (1930). Nela, filósofos e cientistas sociais como Horkheimer, Adorno, Marcuse, Fromm, Benjamin, Pollock desenvolveram ideias anticapitalistas e avessas ao comunismo soviético. Seus trabalhos, nas décadas seguintes, foram usados para atacar pelo lado esquerdo as bases da tradição judaico-cristã. Nas bibliotecas universitárias, as obras desses autores estão, ainda hoje, na altura dos olhos de quem percorre suas prateleiras.

Naqueles mesmos anos trágicos da década de 30 do século passado, Antônio Gramsci escreveu os famosos “Cadernos do Cárcere” (1929-1939) na casa de reclusão de Turi onde cumpriu pena até dois dias antes de morrer. Suas anotações revolucionaram as estratégias comunistas, mostrando como a manipulação dos meios culturais permitiria estabelecer a hegemonia de “uma nova forma de consciência” e capturar a ordem política nas sociedades capitalistas. Há 90 anos, portanto, o pensamento revolucionário, totalitário e desumano, já conhecia a importância política da cultura.

Em 1933, a Escola de Frankfurt, fugindo da perseguição nazista, migrou para os Estados Unidos. Certamente por isso aquele país disponibiliza o maior arsenal bélico à guerra cultural contra si mesmo e contra o Ocidente. “Mas e o Brasil?”, perguntará o leitor. Como tenho repetido, a esquerda brasileira “copia, traduz e cola”. Copia do idioma inglês as receitas para desagregação da sociedade e demolição do Ocidente, traduz para o português pelo Google Translator e cola em seus estudos, cartilhas e bibliografias. Serve-se, pois, do mesmo arsenal norte-americano e com ele orienta a produção das narrativas feitas sob medida para a realidade brasileira. Por isso, na falta de mato para carpir, Lula pode dar “aula de narrativas” a Nicolás Maduro.

A insurreição cultural em curso tem gerado no Brasil uma decadência dos padrões de convívio social. Parte essencial de sua estratégia inclui exatamente o combate à beleza, à verdade e às virtudes. Ela exige a degradação do ser humano até sua desumanização, incluindo a bandidolatria, o aborto, a cristofobia, o desamor à pátria, o relativismo moral, a liberação das drogas, etc. Pessoas das quais não se poderia esperar um compromisso com a mistificação repetem narrativas fraudulentas por condicionamento “da nova consciência” imposto pela repetição.

O advento das redes sociais, caóticas por natureza, rompeu a hegemonia da comunicação que se estabelecera no Brasil. Isso criou problemas para a dominação cultural esquerdista que seguia os velhos ensinamentos da Escola de Frankfurt, dos Cadernos do Cárcere e das ações com que Goebbels implantou o conjunto ideológico do nazismo na cultura do povo alemão. Todo o empenho em “regulamentar as redes sociais” quer, mesmo, impor a elas um silenciador, minimizando seu impacto.

A oligarquia que retomou o poder no Brasil depende, fundamentalmente, da Rede Goebbels de narrativas. Ela faz o trabalho cotidiano de bate-bate na mesma tecla que ficaria enfadonho e insuficiente se assumido pelos oligarcas em suas manifestações. Na prática, eles constroem as versões e a Rede, com habilidade e boa técnica, repete em escala nacional não mil, mas milhões de vezes, há décadas, as ideias e narrativas esquerdistas, frankfurtianas e gramscianas, prendendo-nos a um passado tão perverso quanto corrupto.

Os males que disseminam não proporcionam, porém, fundamento estável ao êxito que, por enquanto, comemoram.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

24/01/2024

 

Percival Puggina 

        "Crês que a oposição vai derrotar a esquerda com discurso sobre ética? Com teses sobre o Brasil? Com visão de história? Com críticas construtivas? Papo furado, cara!". Meu amigo continuou a descrever suas observações:  "O PT começa a trabalhar o eleitor desde que ele entra na estufa da maternidade. Lá já tem uma atendente criticando "o sistema".

Essa conversa aconteceu em algum momento do final do governo Dilma I e, no fundo, as coisas ainda estão muito parecidas com isso. A apropriação das mentes começa cedo e passa pelas experiências coletivistas do maternal. Engrossa nos cursos fundamental e médio quando o sistema cai nas mãos dos pedagogos marxistas, dos discípulos de Paulo Freire, do politicamente correto e dos “coletivos” étnicos ou identitários. Vai promovendo a relativização da verdade e do bem, a tolerância com tudo que está errado e a intolerância para com quem se atreve a apontar quaisquer erros na ortodoxia esquerdista. E vai adiante com o controle dos sindicatos, dos fundos de pensão (oba!), dos movimentos sociais, de uma constelação de ONGs (oba!), dos cursos de graduação e de pós, das carreiras jurídicas, dos seminários e cursos de teologia, da CNBB, da Globo, da cozinha dos jornais, do escambau. Se o convidarem para um Clube do Bolinha, leitor, em seguida você descobrirá que o Bolinha que manda é companheiro.

Quando eu estava desfiando a lista, meu amigo perguntou: "Os sindicatos a que te referes são de trabalhadores ou patronais?", ao que eu esclareci - "De trabalhadores, claro". Mas ele me advertiu que também as organizações patronais se aparelham quando o partido assume o controle do Tesouro e do BNDES. Imagine o leitor: temos no Brasil empresários tão petistas quanto seus operários. E arrematou: "Por motivações opostas".

Ninguém pode acusar o PT e sua parceria esquerdista, quando fora do governo (de qualquer governo), de fazerem oposição cordial, bem educada, respeitosa, construtiva. Como o boxeador martela o fígado do adversário, sistematicamente eles cuidam de desfigurar a imagem do opositor. Nariz, lábio, supercílio, orelha. Vencido o pleito, ocupada a cadeira, o que passam a cobrar de seus opositores? Colaboração e fidalguias. Talquinho e perfume. E até a pequena oposição que no Congresso Nacional resiste às tentações inerentes ao cabaré do Erário passa a ser acusada de radicalização e impertinência, polarização (!) e discurso de ódio.

Aqui, desde meu ponto de vista, o nariz quebrado que vejo é o da Constituição, o supercílio aberto é o do Estado de Direito, olábio esmigalhado é o da liberdade de expressão e a orelha rasgada é a do direito à informação e do respeito à intimidade da vida privada.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

22/01/2024

 

Percival Puggina

         Durante três décadas contadas da redemocratização (1985), passando pela Constituinte (1988), até a eleição de Bolsonaro (2018), o pensamento conservador, assim como o liberal, estiveram emudecidos. Tal silêncio era quebrado apenas, aqui ou ali, por eventuais articulistas dispersos em veículos da “grande mídia”. Entre estes, se agigantou o inesquecível e emocionante Olavo de Carvalho, com sua extraordinária obra intelectual e pedagógica. O notável mestre tomou para si o encargo de formar, desde o exílio em Richmond, na Virginia, uma geração de intelectuais brasileiros.

Desde 1985, eu fui um daqueles articulistas dispersos. Escrevia para jornais e participava de programas de debates. Ao longo do período, quem queria me depreciar usava os adjetivos conservador e liberal como xingamento. Eu agradecia a observação, mostrava surpresa com o esquerdismo confessado pelo interlocutor e ia em frente.

O teatrinho das tesouras montado pelo PT e pelo PSDB, ou seja, por Lula e FHC, obstruiu a propagação e a organização de movimentos conservadores e liberais, disponibilizando à esquerda todo o tempo do mundo para submeter a nação ao pesadelo gramsciano – a hegemonia do espaço cultural. Simultaneamente, porém, as décadas de encenação proporcionaram o tempo de observação necessário para que a verdade fosse percebida, mesmo no denso nevoeiro das narrativas: levavam-nos aos portais do inferno descrito por Dante. Dezenas de milhões de brasileiros se descobriram conservadores, liberais, de direita!

Nesse momento, Bolsonaro emerge da cena política com meia dúzia de ideias cuja validade a nação reconheceu. A partir daí, como fogo morro acima, o povo o pôs nos ombros e o levou às ruas e à presidência.

Os anos subsequentes são de passado bem recente. Não é preciso rememorar os meios e os caminhos pelos quais os magos da esquerda – cartolas na cabeça, com prestidigitações, panos vermelhos, sigilos, coloridas explosões e baforadas de fumaça – restauraram sua hegemonia.

Hoje, sabemos que o Brasil é parte do grande teatro onde se desenrola a guerra contra o Ocidente. Toda uma cultura e civilização – não por acaso as mais elevadas que a humanidade já conheceu – está sob ataque. O inimigo não é externo, mas interno. Seu plano de poder precisa promover o suicídio do Ocidente, com a morte de seus princípios e valores fundantes! O confronto é cultural, é político e se trava por humanidade, liberdade e democracia.

Quem comanda o que está em curso não quer que você perceba. Quer você submisso na senzala. Não o quer ciente e consciente, tendo a audácia de se posicionar contra progressistas, iluministas, socialistas, comunistas, Nova Ordem Mundial ou lá o que for que se reúna nas Casas Grandes da Praça dos Três poderes. Ou em Davos.

A oligarquia brasileira, embora não tolere apaziguamento e despeje discursos de ódio e xingamentos aos microfones, condena a polarização como se não devesse haver confronto ao que está em curso. Mas é disso que necessitamos! Só a polarização bem definida e só o antagonismo esclarecido, atuante e organizado podem restaurar a democracia no Brasil. A polarização sadia é a chance da democracia!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.