Percival Puggina

03/05/2024

 

Percival Puggina

 

         “Devemos condenar publicamente a ideia de que homens possam exercer tal violência sobre outros homens. Calando o mal, fechando-o dentro do nosso corpo para que não saia para o exterior, afinal semeamo-lo.” Soljenitsyn

         Quem diria!? Nós temos nossos gulags.

A experiência humana mostra que os mais mal tratados criminosos da história sempre foram os acusados de crimes políticos. Desagradar ao monarca ou, a quem encarnasse o Estado, custava caro. Pior ainda se o desagradado cuidasse do réu e da pena. Tal situação cobrava seu preço concentrando sobre o acusado os piores sentimentos do julgador. Não era incomum que orgulho, vaidade, medo, desejo de vingança cobrassem reparação que se cumpria nos padecimentos impostos ao réu e se prolongavam na condenação. Tudo tão medieval quanto perene...

Os gulags (campos de trabalhos forçados surgidos na Rússia tzarista com o nome de kengires) foram reintroduzidos pelo stalinismo e rapidamente se multiplicaram pelo país, povoados por presos políticos. O conhecimento sobre seus horrores chegou ao Ocidente com a obra de Alexsandr Soljenitsyn, ele mesmo um sobrevivente dessas instituições penais. Recentemente a editora Avis Rara entregou aos leitores o livro de outro russo que conseguiu sair vivo dessa sina – Wladimir V. Tchernavin, autor de “Nos campos de concentração soviéticos”. Em certo momento, quando ele iniciava sua trajetória em direção ao arquipélago de Soljenitsyn, ele descreve o próprio abandono ao perceber que seu destino e sua vida estavam inteiramente entregues à animosidade e ao total desprezo de um agente do Estado.

Instituições análogas foram ou ainda são habituais nos países comunistas.  Em Cuba se chamavam UMAPs (Unidades Militares de Ajuda à Produção), atrás de cujos arames farpados homossexuais, lésbicas, cristãos e opositores ao regime eram recolhidos para trabalho e correição. Esses campos foram pedidos a Fidel pela União dos Jovens Comunistas que não toleravam conviver com colegas não revolucionários. Que novidade! Muito piores, claro, eram os campos de concentração e de aplicação da “solução final” durante o nazismo.

Por que o título deste artigo fala em “nós e os gulags”? O que temos nós com isso? Trato, aqui, de uma analogia que me veio à mente ao pensar sobre o que acontece nos registros da história quando a sensação de superioridade moral, revolucionária, intelectual ou política leva ao desprezo da condição humana do divergente ou diferente. A escravidão veio daí e muita prisão política vem daí.

Uma universidade, por exemplo, pode se transformar num gulag onde se encarcera até a morte autores inconvenientes e se promove a extinção do pensamento divergente. Note bem: há todo um imenso “arquipélago gulag” na educação brasileira pós Paulo Freire. O identitarismo progressista, por seu turno, criou arquipélago próprio, de falsos amores e verídicos rancores.

Há inquéritos de gênese política abertos no STF cujos bolos de aniversário já contam diversas velinhas e se desdobram em outros inquéritos que já formam gulags e se assemelham a arquipélagos. Quem entra sofre uma espécie de morte cívica. Ali, no interior da cerca farpada dos sigilos, centenas de brasileiros entendem o sentimento que o russo Tchernavin descreveu.

Um pingo de sensatez não resolve mais o estresse institucional do Brasil. De tutores e mentirosos crônicos estamos fartos. Nada podemos esperar dos profissionais da isenção nem dos que transformam o diploma de seu mandato em alvará de empreendimento comercial para venda de votos, nem dos que, sendo menos lúcidos que Pirro, ainda festejam vitória. É com os outros que podemos contar para as lições e a prática da sensatez e da justiça, para as nossas liberdades e para a retificação de um estado de direito que anda bem torto. Sei que não nos faltarão em número e em inspiração. Que Deus os ilumine e guie seus passos.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

29/04/2024

 

Percival Puggina        

         Os recorrentes ataques ao conservadorismo com base na laicidade do Estado guardam relação apenas periférica com temas religiosos. O esquerdismo militante hoje oficial no país entendeu o que as pesquisas de opinião mostram: parcela crescente da sociedade percebeu os descaminhos por onde os “progressistas” a conduzem com muito más consequências. O argumento de que o “Estado é laico” não pega mais. A “progressista” CNBB se encarrega disso. Por fim, os limites entre Igreja e Estado já foram objeto de deliberação: em reta conformidade com a sintética determinação de Jesus, o Estado é laico, sim. A Deus o que é de Deus e a César o que é de César.

O rufo de tambores que ouvimos são os de uma guerra nada santa, a guerra pela completa anulação da influência do Cristianismo na cultura e nos valores morais dos indivíduos na Civilização Ocidental. Quem se dedica ao ateísmo militante, sabe que: 1º) é quase impossível "desconverter" as pessoas de uma fé em Deus para uma fé no Nada Absoluto; 2º) é inaceitável pela sociedade a ideia de um Direito moralmente isento, estéril ou que ignore os princípios e valores compartilhados pelos membros da sociedade.

Diante de tais dificuldades, os militantes do ateísmo cultural propuseram-se a algo muito mais sutil – querem esterilizar a moral nos próprios indivíduos. Como? Convencendo você, leitor, por exemplo, de que os princípios e valores que adota são, na origem, tão religiosos (e por isso mesmo tão pessoais) quanto a própria religião que porventura professe. Integrariam, então, aquele foro íntimo no qual se enquadrariam a religião e suas práticas. Pronto! Segundo o princípio da laicidade do Estado, tais princípios e valores só teriam vigência na sua vida privada.

As investidas contra símbolos religiosos são apenas a ponta do rabo do gato. O felino inteiro é muito mais amplo e pretensioso. Seu intuito é laicizar as opiniões e, principalmente, os critérios de juízo e decisão. Portanto, toda a conversa fiada sobre supostas infrações à devida separação entre o Estado e a Igreja precisa ser entendida como aquilo que de fato é: atitude de quem deseja alijar as opiniões majoritárias porque adotou o Estado, e só o Estado, por fonte de todo bem, baliza perfeita para o certo e o errado e vertente dos valores que devem conduzir a vida social. Convenhamos, é uma tese. Mas – caramba! – qual é, precisamente, a moral do Estado? Na prática, a gente conhece... Na teoria, é a que a sociedade majoritariamente determine, excluída a que moldou a civilização ocidental. Ou seja, aquela que deriva do Cristianismo, proclamada inadmissível perante a laicidade do Estado, blá, blá, blá.

Tal linha de raciocínio não resiste ao menor safanão. Precisa de reforços e apoios propiciados pelo relativismo moral. Cabe a esse filhote da pós-modernidade mostrar que a moral majoritária é apenas uma das tantas que andam por aí através do tempo, do espaço e da miséria humana. Saem às ruas, então, representações desse moderno mundo novo – Parada Gay, Marcha das Vadias, Marcha pela Maconha, ideologia de gênero para crianças.  Escandalosos? Escandalosos perante qual senso moral? O totalitarismo pós muro de Berlim, tipo Foro de São Paulo, precisa do ateísmo cultural e do relativismo para derrogar o cristianismo cultural e o Direito Natural, resíduos empobrecidos do Cristianismo.

Nada contra a liberdade, mas tudo contra o deliberado desvirtuamento moral da sociedade pelos meios institucionais. Destruídos os valores que as fundamentam, a liberdade, a democracia e a própria civilização acabam porque que não se sustentam numa sociedade sem princípios, sem valores e sem vergonha.

*         Artigo publicado em 11 de agosto de 2013, com pequenas atualizações.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

25/04/2024

 

Percival Puggina

         O esquerdismo militante convence seus agentes de que isso acrescenta importantes polegadas à sua estatura moral, induzindo-os a olhar a humanidade de cima para baixo. Cada um deles é o novo Adão que emergiu das trevas da injustiça, das opressões e das exclusões que até então “encobriam a superfície do abismo” (para usar a expressão bíblica).

Em suas ocupações e atividades profissionais, o esquerdista militante coloca a missão acima da função. Seja ele professor, jornalista, padre, pastor, artista, militar, burocrata, empresário – o que for – antes de tudo é um esquerdista empenhado no papel transformador e revolucionário que lhe cabe na construção dessa nova humanidade, bem ali, no lado esquerdo do palco das ideias.        

Em todas as muitas experiências históricas e atuais, essas premissas e seus fundamentos ideológicos levam, isto sim, a uma nova eugenia. A tal de direita (sempre dita “extrema”) precisa ser sufocada para perder expressão política. Há que quebrar esses ovos para a omelete da revolução. Daí a censura que sai do texto, da obra, e atinge o autor, a família e o ordenamento jurídico do país, com sucessivas e crescentes restrições de direitos. Daí termos modernos gulags nos tais inquéritos sigilosos. Daí, também, serem os alunos, os pacientes, os fiéis, os presos, os pobres, os negros, os pardos, os gays, os leitores e o público de esquerda os únicos merecedores de atenção e defesa. Infelizmente, de tanto ver, entendi, mas preferia não ter visto.

O ministro Luís Roberto Barroso, em recente encontro da OAB Nacional, fez uma série de afirmações que exigem reflexão (assista aqui). Disse ele, em síntese, que:

- a democracia enfrenta uma onda de populismo autoritário, anti-institucional e antipluralista que vem representando um risco em muitas partes do mundo;

- a referida onda se torna perigosa por ser “autoritária, xenófoba, racista, homofóbica e misógina”;

- o populismo autoritário é o responsável por uma divisão política “nós e eles”;

- no Brasil e noutras partes do mundo, a comunicação direta by-passa instituições intermediárias como o Legislativo, a imprensa, a sociedade civil, e com muita frequência elege as Supremas Cortes como adversárias;

 - as Supremas Cortes têm o papel de limitar o poder político das maiorias políticas;

- a articulação global extremista de extrema direita se utiliza das plataformas digitais para espalhar ódio, desinformação, teorias conspiratórias e destruir reputações.

O ministro parece ter retomado nesse pronunciamento o múnus ideológico e o esquerdismo militante que assumiu no último Congresso da UNE. O raciocínio, o vocabulário e a rotulagem dos opositores como “autoritários, xenófobos, racistas, homofóbicos e misóginos” o revelam.

Se há algo que conservadores e liberais não têm é uma articulação internacional que funcione em seu favor! Estaria o ministro se referindo a Elon Musk e à plataforma X quando menciona “articulação global da extrema direita”? Nesse caso, porém, não deveria levar em conta a atuação no sentido oposto dos notórios Facebook, YouTube, Instagram, Google, etc., que já reprimiam por conta própria e gosto os perfis e páginas de direita bem antes de serem instados a isso pelo STF e pelo TSE?

Esse by-pass às instituições intermediárias criticado pelo ministro não seria, em palavras mais claras, simplesmente a livre busca da verdade? Não seria o mero direito que assiste cada cidadão de interpretar e se expressar a respeito dos acontecimentos com liberdade, independentemente do que proclamem os oráculos oficiais?

Quando li sobre a tal “articulação global extremista de direita” me lembrei de que essa articulação sempre foi marca da extrema esquerda, com suas muitas e sucessivas “Internacionais” que até um belo hino próprio têm há um século e meio: (“De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!"). Ademais, como desconhecer o Foro de São Paulo, o Sul Global, a Pátria Grande e outras articulações semelhantes? Como ignorar o movimento Woke? Onde ficam, nessa narrativa, a Nova Ordem Mundial e seus bilionários promotores?

Por fim, num país onde o presidente proclamado eleito é petista, tem maioria de 9 a 2 no STF, compra maioria no Congresso, conta com ampla cobertura do jornalismo militante das grandes redações e comanda com o tilintar das moedas o setor cultural, o ministro vê necessidade de controlar o poder político das maiorias! E essa maioria – surpresa! - não é a maioria governista, mas a ameaçada e silenciada oposição.

Infelizmente, entendi, mas preferia não ter entendido.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

22/04/2024

 

Percival Puggina

        Está em curso no Brasil um câmbio radical nas relações entre a nação e o Estado. Na vida real, longe das enganosas narrativas e torcidas populistas, resta apenas um fiapo do ânimo que levou Ulysses Guimarães a identificar como “Constituição Cidadã” a carta de 1988. A entusiasmada definição dada pelo idoso e experiente político paulista, deputado federal por 11 legislaturas, refletia a expectativa de ter sido estabelecida a prioridade da nação sobre o Estado. No entanto, com um modelo institucional errado, saiu tudo ao reverso das expectativas.

Passados 35 anos, o cidadão – perdoem-me por dizê-lo – é o último pau do galinheiro nacional. Vive em servidão, a custear mordomias e disparidades infinitas com o suor de seu rosto sob um Estado que se cobre de sigilos enquanto lhe restringe as liberdades. A opinião dos brasileiros é a suprema inutilidade nacional, objeto de desprezo por parte daqueles que, seguindo o “Waze” de Gramsci, chegaram ao poder pela “longa marcha através das instituições”.

No trajeto, os princípios constitucionais foram transformados em massa de moldar manuseada segundo a estética das circunstâncias. No tempo do general Golbery, isso era chamado “casuísmo”.

Com o advento das redes sociais, os cidadãos erguidos em 1988 à condição de fonte da qual o poder emana puderam se expressar com eficácia. Na semana passada, porém, ficou-se sabendo que tais redes vieram acabar com a felicidade dos membros da oligarquia instalada. Que dó que dá! Em nome dessa felicidade habitual, as redes sociais ganharam mordaça, usuários pagaram multas e restrições de direitos, outros carregam tornozeleiras ou foram para o exílio. O ruído da senzala perturba o sossego da Casa Grande.

Hoje, querem nos convencer que o Estado é o oráculo, o deus da religião civil de Rousseau – onisciente, onipotente e onipresente. Ademais, alguns de seus sacerdotes veem a si mesmos como Charlotte, a última bolachinha do pacote.

Com o espírito abalado nos últimos dias por saber que nossa própria realidade política e institucional precisou ser escrita em inglês e descrita com sotaque, participei no último fim de semana, em Londrina, do 4º Fórum Educação, Direito e Alta Cultura. Falei sobre o “Eloquente silêncio de uma nação”.

O convite para ali estar me proporcionou uma experiência maravilhosa, desde o impacto causado ao ver, do alto, aquela metrópole que nasceu no início do século passado e já conta 600 mil habitantes. Acrescida de seu entorno, vai além de um milhão.

Durante o Fórum, realizado pela Editora E.D.A., com a amável e criativa regência de Cláudia Piovezan, vi a trajetória institucional e social brasileira ser esmiuçada por personalidades como Ricardo Vélez Rodríguez, Roberto Motta, Pe. Antônio Fiori, Sandres Sponholz, Filipe Regueira de Oliveira Lima, Ludmila Lins Grilo, Diego Pessi, Isabelle Monteiro, Araceli Alcântara e Henrique Cunha de Lima. Uau! Londrina me cativou e renovou meu ânimo. Quanta gente boa, não por acaso na terra do casal Edson e Cláudia Piovezan, de Paulo Briguet, de Bernardo Küster, de Silvio Grimaldo e tantos outros!

Que o Salvador os abençoe pelo bem que fazem, conduzidos pela fé legítima, a fé que conta, no Deus de amor.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

18/04/2024

 

Percival Puggina

         O ministro Alexandre de Moraes afirmou ao Senado Federal, sorrindo como quem se diverte no que diz: “Antes das redes sociais, éramos felizes e não sabíamos”.

É desconhecido o motivo pelo qual coube ao ministro a tarefa de levar para o Legislativo o anteprojeto do novo Código Civil. Já escrevi antes que o STF se tornou uma esponja de prerrogativas e que o ministro faz o mesmo dentro do STF. Em seu pronunciamento, ele retomou sua ideia fixa e proferiu a frase que repercutiu sobre tudo mais que tenha dito na solenidade. Primeiro, porque o sorriso contraria o dito; segundo, porque ninguém se dedica tanto a um combate sem trégua se não apreciar o enfrentamento.  

O episódio me levou a avaliar meu próprio estado de espírito perante a pretensa infelicidade de Sua Excelência. Eu era feliz antes das redes sociais. Escrevi durante quatro décadas, como articulista de opinião, para os dois principais jornais do Rio Grande do Sul. Eu tinha esse privilégio de pertencer ao reduzido grupo dos influenciadores da opinião pública do meu estado. Nos últimos 10 anos desse período, como articulista dominical de Zero Hora, fui um singular sinal de “pluralismo” diante do esquerdismo das opiniões impressas.

Com o advento das redes sociais, vi a luz da liberdade de opinião chegar às multidões. Isso me tornou ainda mais feliz! A liberdade abriu suas asas sobre nós e um pluralismo sadio iluminou as consciências para a efetiva liberdade de escolha. O que era possibilidade de uns poucos se multiplicou em proporções inimagináveis e vivi a graça de desfrutar da verdadeira explosão de talentos até então ocultos pela hegemonia dos grandes e velhos meios de comunicação.

Somente alguém insensível ou aferrado às conveniências daquela hegemonia pode se opor a tal liberdade impondo-lhe freios e arreios. Somente a sede de poder explica o anseio por reitorar essa liberdade entregando a verdade a seus usufrutuários como prato feito, em serviço de delivery, sob pena de pesadas, automáticas e irrecorríveis sanções.

Pior do que isso. Não são apenas a nebulosa e arisca verdade e o controverso fato que correm o risco de ser proclamados por um definitivo oráculo burocrático. Há algo ainda pior que sai embrulhado na mesma dicção: a análise do fato, a crítica à verdade selada e carimbada e o desagrado com a atividade do oráculo.

Não estamos felizes perdendo a liberdade. E sabemos.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

15/04/2024

 

Percival Puggina

         Na eleição nacional de 2022, dezenas de milhões de brasileiros sabiam o que queriam quando votaram contra a extrema-esquerda, contra o petismo, contra Lula fora da cadeia, contra inquéritos sem fim e excessos do Poder Judiciário, contra urnas sem impressora, contra a corrupção, contra a omissão do Congresso, contra o uso político-ideológico da Educação e contra a abusiva sexualização das crianças movida pela temática de gênero nas escolas.  Esses eleitores, então, votaram em conservadores, em liberais, em candidatos de direita, em apoiadores da Lava Jato e do combate à corrupção.

Se um dia houve uma eleição polarizada, essa foi a eleição de 2022. Todos os eleitores cujas motivações foram descritas acima sabem o quanto aquele pleito foi controlado. Sabem que ali se aprofundou o silêncio imposto durante a pandemia e reduzida a democrática atividade das redes sociais. Podem tapar os fatos com o manto do sigilo e das ameaças, mas esses eleitores viram, sentiram e choraram a mordaça dos conteúdos não compartilhados, dos bloqueios, das “violações dos termos de uso”, etc., sempre voltados ao objetivo comum: fazer com que as mensagens do grupo majoritário e preponderante nesses canais tivesse sua propagação desestimulada, reduzida ou impedida. Tudo previsível. Quem tivesse o poder de influenciar esse espaço de comunicação social à luz do resultado pleito de 2018 e da vitória de Bolsonaro, saberia o que fazer em 2022. E fez.

Pense naqueles milhões de eleitores e na traição de que a maioria deles foi vítima. Votaram em alguém que, no exercício do mandato, se revelou o oposto do que dizia ser. Quase dois terços dos representantes frustraram, roubaram as expectativas de seus representados! Convivem nos embalos do erário com os males e malefícios de que somos vítimas. Dos eleitos por aqueles anseios dos eleitores, não resta mais de uma centena. Todos os demais pularam o muro e sentaram no colo de Lula, do petismo corneteiro. E elegeram os tranqueiras Lira e Pacheco.  

Foi uma dura lição que não poderá se repetir novamente. A eleição de outubro vindouro é municipal, mas é tão relevante para o plano nacional de dois anos mais tarde que o ministro Alexandre de Moraes já remontou e aprimorou a estrutura que usou para apitar a partida de 2022 e quer manter ativa em 2026.

Ela deve ser importante também para nós. Os traidores devem ver nela a porta da rua que os eleitores lhes apontarão em 2026. Se aparecerem por aí no seu município com emendas liberadas e recursos federais, saibam que tais favores são o prêmio da traição. Não valem um infinitésimo do que os generosos doadores nos tomaram! Esses brindes foram pagos com injustiças que gritam aos céus, com vergonha nacional, com o nanismo diplomático, com o tacão do autoritarismo, com uso casuísta da Constituição, com dinheiro que sai da Educação e da Saúde e vai para os parceiros da guerra cultural, com perda de liberdades sem as quais a democracia é apenas uma ridícula “fumacinha” que ficou por aí, volátil resíduo de algo que passou.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

12/04/2024

 

Percival Puggina

       Duas perguntas. 1ª) Onde estão os jornalistas que você conhecia e respeitava por sua atuação inteligente, competente e independente nos principais órgãos de mídia do país? Expurgados de seus postos de trabalho – numa proporção que todos veem e pouco se comenta – migraram para as redes sociais e para as mídias digitais. 2ª) O que você acessa com maior frequência: jornal, rádio, TV ou fontes que já estão na memória de seu smartphone? Pois é.

As redes sociais democratizaram o direito de opinião e expuseram as narrativas fraudulentas da extrema-esquerda. Submetida a um contraditório para o qual não estava preparada, ela viu minguar seu apoio junto à opinião pública. Milhões de eleitores se descobriram liberais, conservadores, de direita.

Os antigos meios de comunicação sentiram a perda de influência e de receita. A mídia digital, para onde se mudou a maior parte dos grandes jornalistas, ganhou importante acréscimo de qualidade. Uma nova geração de jovens estudiosos e talentosos passou a ganhar bom dinheiro nessa atividade.

A revolução cultural, até surgir esse novo fenômeno, avançava sem encontrar resistência, contando com o aparelhamento das universidades, com a militância das redações, com as CEBs e pastorais dos teólogos da libertação e com a segregação de autores conservadores e liberais. Os revolucionários da cultura, em seu combate contra os fundamentos do Ocidente, sempre dispuseram de ativa e poderosa linha de frente formada pela multidão de seus censores. Sim, há muitos anos a censura sobre a divergência e o expurgo dos divergentes é instrumento cotidiano no meio cultural. O produto prático de seu trabalho e a razão de seu sucesso está em que milhões de pessoas foram compelidas a viver e formar suas opiniões sem acesso a qualquer conteúdo conservador ou liberal.

Vitimadas por essa censura cotidiana sobre autores e obras que não lhes era permitido conhecer, sucessivas gerações de alunos entraram e saíram das nossas universidades sem ouvir falar em João Camilo, Gustavo Corção, Mário Ferreira dos Santos, Oliveira Lima, Otto Maria Carpeaux, Nelson Rodrigues e tantos outros. O silencioso enterro de autores e suas obras é bem mais danoso que a crepitante fogueira de livros na praça. (Obs.: meu amigo Olavo de Carvalho era excessivamente notório para ser ocultado, mas era apedrejado.)

A extrema-esquerda é censora por natureza! Onde minoritária, usa a gritaria para impedir que seus adversários se manifestem. Onde majoritária, expulsa-os a gritos, xingamentos e corredores poloneses... Ou não? Coleciono centenas de depoimentos sobre a permanente reiteração dessas ações fascistas. Denomino Censura 1.0 o conjunto de tais práticas.

A Censura 2.0, turbinada, surgiu durante a pandemia, num modelo de teste, com controle exercido sobre as redes sociais e suas plataformas. Suprimir postagens, retirar perfis e/ou desmonetizá-los é um agravado misto de censura de conteúdo com censura prévia e simultânea penalização dos autores. O texto constitucional tornou-se uma anomalia. A novidade veio sob aplausos e intensa colaboração dos prejudicados pelo advento das novas tecnologias: partidos de extrema-esquerda e mídia tradicional.

A censura 3.0, de última geração, já está prometida e organizada para operar nos pleitos municipais de outubro. Para sua implementação, foi instalada, recentemente, a estrovenga tecnológica, policial e jurídica que atende pelo nome de Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia. É uma força tarefa para controlar redes sociais e serviços de mensagens como forma de “proteger a liberdade dos eleitores”. A grande vantagem de quem, prestativamente, se dispõe a tais serviços à nação é seu suposto convívio íntimo com a Verdade, assinalado por afagos no rosto e tapinhas nas costas. Acresça-se a isso o chamego com os fatos, causa do caráter impositivo do ponto de vista e da interpretação que os todo-poderosos lhes dão. Puxa vida! Comovente esse espírito de serviço à “democracia” e à “liberdade de escolha” do eleitor, entregando-lhe a verdade prontinha, tipo delivery, não é mesmo?

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

08/04/2024

 

Percival Puggina

         O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Por isso, os homens de grande poder, quase sempre são homens maus. (Lord Acton, in  Letter to Bishop Mandell Creighton, April 5, 1887)

Essa frase do conhecido historiador britânico que viveu no século XIX é mais conhecida do que ele mesmo. No entanto, em tempos de oligarquia, quando no elegante dizer de Ruy Barbosa se agigantam os poderes nas mãos dos maus, é importante mantê-la em nossa mente, soando seu alerta.

No Brasil onde vejo ladrões serem soltos e receberem de volta o produto de seu roubo, pessoas de bem serem presas e perderem seus direitos e sua liberdade, vejo também milhões de brasileiros de consciência rota, se divertirem com isso fazendo piadas e memes. Quanto tempo no sofá, assistindo à Globo, é necessário para obter esse desastre moral? Quanto tempo para um esquerdista achar que censura é coisa útil e boa, inerente ao regime democrático? Quanto tempo para nossas instituições terem de ouvir de um norte-americano, como Elon Musk, o quanto estão erradas? Por isso, repito: tudo que é podre, um dia cai no chão. Nosso trabalho como cidadãos é sacudir o galho que esteja ao alcance da mão.

No início dos anos 80 do século passado, diante do que víamos acontecer no país, nos reunimos num pequeno grupo de pessoas católicas para criar e ministrar cursos de Formação de Senso Crítico. O tema e o conteúdo se impunham. A sociedade se transformava e se moldava ao ditame dos grandes meios de comunicação, especialmente aos hábitos e condutas induzidas pela poderosa Rede Globo. As novelas comandavam os padrões de consumo, a moda, a linguagem e as rotinas sociais. O resultado podia ser medido em degradação, com afrouxamento dos laços familiares, instabilidade das relações parentais e esvaziamento da autoridade moral.

Os efeitos eram percebidos nas famílias, no embalo das madrugadas festivas, no abandono paterno, nas adolescentes grávidas, na zorra das salas de aula, no alcoolismo juvenil, na expansão do consumo de drogas, no abandono das práticas religiosas, no grande número de divórcios e nos consequentes desarranjos familiares. A lista já era grande.

A equipe do curso, ministrado em paróquias e escolas, tinha apenas cinco pessoas e a demanda ia muito além da nossa capacidade de atendimento. Ainda assim, conseguimos mantê-lo por alguns anos e só se extinguiu quando a atividade particular de seus membros os dispersou para destinos distantes da capital gaúcha.

A grande motivação para a missão que havíamos assumido era aquilo que, então, se chamava “crise dos valores”. Bastava usar a expressão para que todos entendessem a importância e a necessidade daquele conteúdo. Eu ministrava a palestra sobre Valores Morais, dos quais destacava cinco assuntos: Amor, Justiça, Liberdade, Respeito e Honestidade.

A juventude, desde sempre, é alvo prioritário dos inimigos do Bem e dos fraudadores da verdade, que se instruem e se preparam para avançar sobre ela. De nossa parte, cuidávamos de mostrar aos adultos aos quais falávamos que Valores, assim, com V maiúsculo, são bens que se planta e cultiva. Os principais semeadores são as famílias, as escolas e as igrejas.

Crianças, de modo especial, são verdadeiras esponjas de absorver e processar informação. Aprendem do que veem e sentem em palavras, imagens e exemplos, ações e omissões de pais, professores, religiosos, comunicadores.

Lembro que muitas vezes, os casais presentes naquelas palestras se entreolhavam, interrogando-se mutuamente, quando dizia que os pais são mestres, querendo ou não, por ação ou omissão. São mestres do amor ou do desamor, da verdade ou da mentira, da justiça ou da injustiça.

São reflexões que me vem de tempos antigos. Me faz feliz lembrar que, lá atrás, aquele pequeno grupo em Porto Alegre anteviu os primeiros sintomas do que iria eclodir nas décadas seguintes, transformando a crise de valores na guerra de uma civilização contra si mesma.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

03/04/2024

 

Percival Puggina

           Quantas horas no sofá assistindo à Globo são necessárias para levar um ser humano a esse estado de atrofia emocional?

         Minha esperança no Brasil perdeu alguns palmos de amplitude quando li no site do Senado que o placar da pesquisa on line sobre o projeto de anistia do senador Mourão contava 540 mil votos a favor e 532 mil contra. Meu Deus! O que tantos filhos teus têm na mente ou no coração que são capazes de achar de boa justiça sentenças de 14 a 17 anos de prisão para os capturados nos arrastões dos dias 8 e 9 de janeiro de 2023? Passou-lhes pela cabeça que aquelas pessoas – cuja imensa maioria estava pacificamente na praça manifestando opinião num ato de presença – têm família e têm direitos? Que efeitos daninhos produzem nas mentes essa política desajuizada e essa justiça politizada, que tomam para si tanto dinheiro e proteção? E note-se: são os mesmos cidadãos que, de repente, surgem cheios de amor para defender o desencarceramento de bandidos condenados por juízes com a cabeça no lugar!

Esses mesmos que aplaudem com as mãos as condenações em massa, prisões preventivas sem fim, sigilos e espalhafatos do STF afirmam, com a lógica dos cotovelos, que “no Brasil se prende demais”, exceto se os presos forem adversários, bolsonaristas “da direita” ... Como consequência, o Brasil, hoje, tem mais presos políticos do que Cuba. Do que Cuba! Devem achar que os companheiros do regime cubano amoleceram; contudo, “hay que endurecerse”, como receitou seu bem amado Che Guevara.

Não lhes ocorre clamar por penas mais graves quando um estuprador de vulnerável é condenado a somente 10 anos de prisão, dos quais apenas uns poucos serão cumpridos em regime fechado.

Ideologia maligna essa que protege criminosos e os reintroduz nas cenas dos crimes enquanto criticam a polícia, se dedicam a assassinar a reputação de gente de bem e combatem tudo cujo Valor se escreva com “V” maiúsculo.

Quantas horas no sofá assistindo à CNN são necessárias para levar um ser humano a esse estado de atrofia emocional?

Mesmo que lhe tenham tomado a esperança, caro leitor, lembre-se de que muitos se expõem para mantê-la viva. Fazem isso por eles mesmos, claro, e por você. Os acontecimentos são meus grandes motivadores. Sempre aprendi deles e neles nutro meu ânimo, aconteça o que acontecer.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

*      Sobre a pesquisa de opinião a respeito do projeto de anistia: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/160575