Percival Puggina

24/05/2025

 

 

Percival Puggina

              Em recente encontro casual com pequeno grupo de cidadãos interessados em questões nacionais, falávamos sobre a educação no Brasil. Ao ser mencionado o modelo das escolas cívico-militares, alguém perguntou, provocativamente: “São aquelas escolas que preparam militarezinhos para o Brasil?”. Aceitei a provocação e transcrevo aqui o que disse então.

Durante toda a minha vida ouvi ser repetida uma frase atribuída a Rui Barbosa, segundo a qual a pior das ditaturas seria a do judiciário porque dela não haveria a quem apelar. Mas onde – raios – já houve uma ditadura assim, sem voto nem legitimidade, nem força armada, nem patrocínio econômico interno ou de potência estrangeira?

Pouca sorte a nossa, pois acabamos por conhecer essa bizarrice na atualidade brasileira. O Brasil vive uma ditadura imposta pela Suprema Corte ao se tornar não apenas um poder político, mas o poder que determina os rumos da política nacional. Ela se manifesta em mostruário de arbitrariedades que partem de um pressuposto típico de política estudantil: a vitória da direita em 2018 teria colocado a democracia brasileira sob risco de um golpe de estado (risos na plateia).

Por meios próprios, o STF se ergueu à condição de poder político dominante, passando a supervisionar e a conter a expressão da opinião pública. Daí a censura, a censura prévia, o bloqueio de contas nas redes sociais, o controle dessas redes e das plataformas, a intimidação e submissão do parlamento, os casuísmos, as ameaças e o cerceamento de políticas aprovadas na eleição de 2018. Surgiram, até mesmo, três dogmas de fé: dogma da vacina que não vacina, dogma das sagradas urnas sem impressora (urnas com impressoras é uma ambição satânica) e dogma da imaculada vida pública de Lula.

Isso acontece em virtude do domínio exercido pela esquerda nos ambientes culturais, notadamente nas salas de aula, onde, afirma com razão José Dirceu, estão os corações e as mentes. Elas, de fato, não proporcionam bons cidadãos ao Brasil! Não proporcionam cidadãos responsáveis e que usem a liberdade com responsabilidade. Não proporciona estudantes que estudem porque disponibiliza professores que não estudaram e estão mais preocupados com preparar militantes políticos. Quanto mais burros melhor. Quanto menos amarem o país, melhor. Quanto menores e mais frágeis forem seus critérios morais, melhor.

Toda rejeição às escolas cívico-militares está em que elas operam no contrafluxo dessa atividade. Não formam militantezinhos, mas preparam melhores cidadãos, recurso humano de que a nação hoje é carente. Por isso, comprovado em tantas e tantas votações dentro das comunidades, é o modelo preferido e desejado pela imensa maioria dos pais. É isso que as escolas cívico-militares fazem e é por isso que a esquerda quer acabar com elas.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

19/05/2025

 

Percival Puggina

         Se você quer vingança em serviço expresso, para começar a punir antes mesmo de julgar, a realidade nacional é uma sala de aula.

Cancelados na caneta os escândalos do petrolão, a nação descrê de si mesma a cada notícia sobre as fraudes do desconto em folha dos aposentados. Os valores, expressos em números astronômicos, impressionam as almas mais apáticas. A briga de cada idoso contra a miséria crescente suscita a solidariedade das pessoas de bem. É natural que o desejo de justiça clame por punição.

É igualmente comum que a corrupção em governos petistas, quando ocorra, seja qualificada pelo aumentativo: mensalão, petrolão e agora, a grande fraude, o fraudão dos descontos no INSS! A coisa sempre tem super tamanhos. Eventuais condenações, sempre brandas, habilitam alguns autores do crime à galeria dos “heróis do povo brasileiro”. Seus seguidores e eleitores riem sardonicamente dos condenados a desmedidas penas face à narrativa oficial do 8 de janeiro. Os mesmos cidadãos, perante criminosos reais, afirmam que prender não resolve e que no Brasil se prende demais...

Por isso, se conta que o senador Collor, ao entrar recentemente na Papuda, condenado pela Lava Jato, teria perguntado: “Cadê os outros?”. Ficou por ali algumas horas e foi para casa cuidar da saúde porque só a dos presos do dia 8 de janeiro é de ferro e deve aguentar quaisquer maus tratos.

Não é esse o Brasil que a gente quer! Não é mesmo! Esse é o Brasil das instituições clamando por reforma. Esse é o Brasil da conversa fiada, da rotulagem, das etiquetas pejorativas cujos poderes de Estado estão envoltos por uma bolha onde os mandachuvas e seus devotos perderam o contato com a realidade e onde, com ódio, se prega contra o discurso de ódio.

O assunto deste artigo é a importância da palavra. Tendo entendido que algumas, repetidas em refrão, adquirem a gravidade necessária para imposição de penas pesadas, eu tomo a liberdade de disponibilizar sugestões para esse específico refrão acusatório contra os réus do fraudão dos descontos no INSS.

Sugiro, para este caso, penas cumulativas, bem ao gosto da casa (e já vou antecipando: é sem anistia). Assim, teríamos quatro crimes: 1º) o crime de “golpe do Estado”, posto que foram agentes do Estado que possibilitaram o golpe por atacado aplicado pelos vigaristas no varejo; 2º) o crime de “abolição violenta” dos direitos dos aposentados, posto que perpetrado de forma traiçoeira, às costas das vítimas; 3º) o crime de “dano qualificado” ao patrimônio moral da nação; e 4º) o “crime de associação criminosa” armada das piores intenções.

Isso aí, bem repetidinho, deve dar cadeia com penas entre 14 e 17 anos. Pode chamar de Expresso da vingança dos idosos.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

10/05/2025

 

Percival Puggina

         Fascista, nazista, racista, xenofóbico, homofóbico, misógino, genocida, lavajatista, gado, bolsominion, terraplanista, golpista, terrorista, populista, extremista. Só que não.

Os vocábulos acima são algumas etiquetas, gastas por repetição, que me vieram de memória. É provável que um passeio pela Internet encontre mais algumas evidências (melhor seria dizer sintomas) do mal que afeta a esquerda brasileira. Como alguém mentalmente sadio pode dizer tudo isso de uma só mesma pessoa ou grupo de pessoas e se considerar convencido e convincente no uso que faz desse besteirol?

Embora a maioria dessas palavras, gramaticalmente, sejam substantivos, no dicionário esquerdista funcionam como adjetivos “desqualificativos”, depreciativos, aplicáveis a toda divergência. Esse não é, porém, seu único objetivo. No pequeno mundo intelectual em que veem sendo gastas, etiquetas cumprem outra função: operam como conceitos. Sim, poupam toda a exaustiva elaboração intelectual que seria necessária para definir aquilo de que se fala. Quem profere o xingatório se convence de manter com a sabedoria uma intimidade conjugal e se motiva para ir em busca do único objetivo permanente da esquerda brasileira: gerar animosidade e desentendimento. Por isso, não tendo o que dizer sobre o próprio governo, têm, como assunto único, o governo anterior.

Está longe de ser um privilégio esse caminho estreito e rápido da mente à motivação. Na vida social, mentes de trânsito rápido são perigosas, como perigosos eram, em sua habilidade, os pistoleiros do faroeste norte-americano. Gatilhos mentais céleres como os que acionam o percurso referido acima, são sintomas de pelo menos dois graves problemas. O primeiro é observável naqueles que o jornalista Augusto Nunes costuma designar como “bestas quadradas”. Sua ignorância é o expoente que potencializa sua ação.

O segundo, bem mais complicado, se caracteriza pelo complexo de superioridade e narcisismo. Na política, diferentes graus de psicopatia são identificados pelo desejo de encurralar a humanidade num cercado mental, campo de concentração sob rigoroso controle onde tudo será conforme quer o portador da enfermidade. “Isso é distópico!”, exclamará o leitor atento. Ora se é! É totalmente distópico, mas é a corrente verborrágica dominante nos níveis mais altos do poder político brasileiro.

É incrível a quebradeira de ovos que essas pessoas promovem para fazer sua hipótese de omelete em proporções nacionais.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/05/2025

 

Percival Puggina

         O governador da Bahia (dizê-lo petista seria redundância) quis motivar seu distinto público sugerindo um remédio nada santo aos problemas nacionais: colocar Bolsonaro e seus eleitores numa “enchedeira” e levar tudo para a vala.

Não se deu conta o enfezado baiano de que outros já fizeram isso por ele. Com palavras rebuscadas e por obra de suas canetas, definiram a vala como lugar adequado a quem não é de esquerda, a quem prefere urna com voto impresso, a quem defende a liberdade de expressão, a quem entende que todos são iguais perante a lei e, por senso natural de justiça, intui que quem investiga ou acusa não julga.

Ao ouvir as palavras do governador, me vi na multidão cativa pela caçamba da enchedeira. Senti-me erguido no ar e observei o giro do braço mecânico em direção à vala onde fomos jogados. Até aqui nada de novo, pensei; isto é uma metáfora da vida real sob um governo da pior esquerda que este país já teve. Uma esquerda que não se renova e não aprende; apenas fica mais velha e mais velhaca. Isto é, também, metáfora do que o STF vem fazendo já há vários anos com quem tem a audácia de considerar imprópria, excessiva e inconstitucional a ingerência da Corte na definição dos rumos políticos do país.

Nenhum poder arbitrário, nenhum ditador ou tirano deixou de aclamar as próprias ações como o mais elevado serviço de sua dedicação ao bem do povo. O fato de que o país vá de mal a pior e de que as aves de rapina tenham agigantado as asas na proporção da voracidade não altera a devoção à narrativa que repetem nem ao produto de suas mãos.

Expoente do Consórcio Goebbels de Comunicação, o jornalista Josias de Souza, quando soube do discurso do companheiro governador, descreveu a fala como ato de burrice política, que reforçava a pobreza que assola a política brasileira. Você entendeu, não é leitor?  Com uma frase, em cima do lance, antes mesmo que o governador pedisse desculpas, Josias declarou o empate e encerrou o jogo e o assunto. Afinal, esse seria o nível do jogo, certo?

Só que não! A imensa parcela da sociedade brasileira que está na vala, pensando, sabe que os interesses envolvidos no jogo do poder deformaram importantes instituições e manda mais quem não tem voto. Este período de nossa história será conhecido como a “República do rabo preso”, onde é evidente a perda da noção de ridículo e de limites e onde, “só por uns dias”, tudo ficou como o diabo gosta.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

30/04/2025

 

Percival Puggina

         O país é maravilhoso. O território, uma dádiva que evidencia a nacionalidade do Criador. Aqui, o trabalhador trabalha e o empreendedor empreende, mas a superestrutura estatal é uma vergonha. De cima para baixo, a Política é um desastre moral e operacional e a Justiça se politiza a olhos vistos; se houver para a palavra “politização” um sentido bom, não se aplica ao caso. O Estado empobrece a sociedade comendo a galinha nos almoços e os ovos de ouro nos jantares; suga e engessa o empreendedorismo, inibe a empregabilidade, instrumentaliza ideologicamente a pedagogia; a Educação é um fiasco, a cultura se degrada e a ignorância tem futuro. A dívida gerada pela falsa prodigalidade estatal não perdoa nem o nascituro. Ao berçário, o brasileirinho já chega endividado. Por essas e tantas outras, em 2023, cinco milhões de conterrâneos viviam no exterior e em 2024 outros 400 mil foram construir suas vidas fora daqui.

Penso que essa breve e ríspida introdução deixa claro o quanto é tenebroso por conta própria o território da política, onde a cúpula do Poder Judiciário foi buscar espaço e protagonismo, com intervenções que marcam de modo controverso a história desta última década. Eventos, aliás, que seus ministros mais falantes descrevem como se fossem observadores neutros, aparentando ignorar o peso determinante de sua própria atuação.

Nem mesmo os préstimos do Consórcio Goebbels de Comunicação, recitando a narrativa oficial como mantra, ao longo de mais de dois anos, conseguiu impedir que a sociedade desenrolasse o pacote acusatório e percebesse a distância que separa o muito dito do pouco realmente feito antes e durante o 8 de janeiro. Recentíssimo levantamento de opiniões elaborado por Paraná Pesquisas mostra que apenas três em cada dez brasileiros consideram ter ocorrido um golpe de estado no início de 2023, sendo conveniente prender essas pessoas por muitos anos. Ou seja, o mantra oficial levou um “capote” e a ninguém mais convence! 

Quando a Política e o Direito se entreveram num formato híbrido, para não dizer promíscuo, ambos ficam lesados! Reiterei essa convicção assistindo a sessão da 1ª Turma do STF que tornou réus os acusados correspondentes ao Núcleo I do inquérito relativo aos eventos. Ficou evidente a semelhança entre o que assistia e os muitos julgamentos políticos em regimes totalitários que o cinema, felizmente, vem exibindo como gritos de alerta que cruzam os tempos. Vi o mesmo ânimo nos julgadores, os mesmos tribunais acusadores, as mesmas ironias e o mesmo tom pouco condizente com o serviço da verdadeira justiça. Vi o ministro relator exibindo um compacto de cinco minutos que recortou cenas de vandalismo ocorridos naquela tarde e fiquei pensando em quantas horas de projeção teria um filme com todas as cenas de conduta cívica pacífica, que poderiam ser obtidas na mesma praça, na mesma hora! Pessoas caminhando, subindo à cobertura, conversando, rezando, cantando hinos, tirando fotos. Pessoas gritando “Não quebra!” quando os vândalos iniciaram seu ruinoso trabalho. Para mim, a parcialidade da seleção de imagens feita pelo ministro relator fortaleceu a convicção pró anistia e evidenciou a inadequação da Corte para tais julgamentos.

Então, chegou a hora de perguntar às bases de sustentação do regime se já precificaram os objetivos de hoje a médio e longo prazo, bem como seu dano aos mais carentes e às gerações futuras. A nação, senhores, já descrê de si mesma e das instituições! A estas alturas, até quem ainda faz o L sabe quanto a inflação está roubando do produto de seu trabalho, vê quanto mês já sobra no fim do dinheiro e vê a corrupção voltando.

O Brasil é um país maravilhoso e o Estado é seu problema!

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

27/04/2025

 

Percival Puggina

         Os animais que divertem as crianças num zoológico são os mesmos que a imaginação infantil, na escuridão da noite, transforma em monstros assustadores. Elas se acalmam quando a luz do quarto é acesa porque, como disse alguém, só a luz vence as trevas.

É sob o domínio do medo que povos vivem sua hora mais escura. Medo que a luz do dia não afasta. Ao contrário, esclarece melhor suas causas e seus efeitos. Onde mais evidente a tirania, onde mais sombria a noite dos tempos, mais binário, recíproco, é o medo, mais necessários se fazem e mais reduzidos ficam, em número, os homens virtuosos.      

Fidel Castro, por exemplo, tinha um sósia – Silvino Alvarez – que desfilava de carro pelas ruas de Havana simulando popularidade enquanto, na prática, a semelhança era seu meio de vida, ou de morte. Um alvo de aluguel, abanando sorridente. Embora Ponto Zero fosse sua moradia oficial, o tirano tinha vários domicílios na cidade. Usava uma escolta de 14 guarda-costas em quatro viaturas e nunca se sentiu seguro, mesmo tendo se livrado dos três ex-comandantes da revolução que o superavam em popularidade. Ainda em 1959, Camilo Cienfuegos morreu num misterioso “acidente” aéreo e Huber Matos. por ser anticomunista, foi condenado a 30 anos de prisão integralmente cumpridos.  A revolução tinha apenas sete anos quando Che Guevara foi enviado à Bolívia para uma missão abortada, na qual o executaram.   

Da tirania à paranoia é um passo de dedo. A autoestima narcisista, que chega a autoadoração e se protege com violência, sabe que, de modo simétrico, cresce a repulsa social. Vem daí a rejeição à mínima divergência, o delírio persecutório e as teorias ou narrativas sobre conspirações que ensejam penas brutais. Mussolini, Hitler, Mao, Saddam, a coreana dinastia Kim e tantos outros unem-se pelas mesmas características.

Na Rússia Soviética, com Lênin e Stalin, sempre havia muitos a prender e executar. Afora os milhões de mortos por etnia errada, profissão errada, crença errada, visão de mundo errada e opinião errada, também os grevistas, críticos e adversários eram submetidos a julgamentos fajutos, enfiados em balsas com pedras no pescoço e jogados no rio Volga. 

Tiranias não moderam a si mesmas. Sua dinâmica é bem outra. Mantendo-se pelo medo que suscitam, é natural que, na mesma proporção, cresça o medo da reação da sociedade. O medo de uma parte faz crescer o medo da outra e vice-versa. A insegurança se torna condição comum e franquia instalada a todos os excessos e abusos.

De quanto pude puxar da memória não lembrei de qualquer caso em que uma tirania tenha se deixado extinguir. Elas só se encerram por causas externas ou por falência estrutural dos sistemas que as sustentam.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

23/04/2025

 

Percival Puggina

         Entendi perfeitamente o ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, quando se referiu ao populismo autoritário em videoconferência dirigida a evento brasileiro na Universidade de Harvard. Populismo autoritário, no vocabulário do ministro, é uma síntese elegante para tudo que não presta. O que pensar de ruim se encaixa na moldura, mais ou menos como, de modo rasteiro, o esquerdismo universitário faz com a palavra fascismo e com o adjetivo fascista. Democrático, por outro lado, é tudo que ele aprecia, incluídas as descriminalizações do aborto e do porte de drogas para uso pessoal.

Claro que isso também soa como autoritário quando decidido à margem do Congresso Nacional. Impossível não perceber a manipulação de conceitos em modo discursivo, criando ilusões, como a do grão de ervilha em três cascas de noz. O autoritarismo sempre está onde interessa na hora do discurso. Por isso, quando fala sobre aborto, o ideal democrático correspondente considera a sociedade brasileira ainda despreparada para tratar do assunto... e decide por ela. Decide que feto com três meses está pronto para morrer.  

Imagino, então, que o oposto do populismo autoritário deva ser um elitismo iluminista, civilizador, que decide por todos, visto que o atributo ignorância não pode ter peso numa democracia de excelência (ou seria melhor dizer “de excelências”?).

O que mais me chama a atenção na fala do ministro não é tanto o que diz, mas o silêncio sobre o alinhamento de nosso país com China, Irã, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Hamas e com organizações políticas do Foro de São Paulo. Algumas destas últimas chegaram ao poder e se afundaram nas negociatas verde-amarelas da Odebrecht, proporcionadas bem se sabe por quais influências. Será que aos olhos e cuidados proativos da atual composição do STF, esses parceiros não se caracterizam como extremistas nem autoritários, nem populistas? Transitam, então, sob simétrico silêncio, as consequentes rupturas, por desalinhamento, com nossos históricos parceiros do Ocidente civilizado e democrático. Meninos de Harvard, it’s complicated.

O iluminismo elitista nada diz sobre a mácula do descrédito que exceções e excessos causaram às instituições republicanas. Nem sobre a notoriedade mundial a que se alçou a ação política da instituição, por meios próprios, com estupor externo e apreensão interna.

Com a devida vênia, é impossível não comparar a conferência do ministro em Harvard com a história do sujeito que, no confessionário, se jactou de seus pecados.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

18/04/2025

 

Percival Puggina

 

         Há alguns anos, ao sair de uma solenidade de formatura, assumi o irrevogável compromisso de nunca mais comparecer a tais atos. Aquelas horas de consternação e aborrecimento haviam esgotado minha paciência. Cada formando que cruzou o palco do Salão de Atos tinha uma lição a dar à plateia sobre o “estado das coisas” no Brasil e no mundo. Como quem escolhe itens de um cardápio, despejavam clichês e inutilidades avulsas sobre desigualdade, diversidade, discriminação, inclusão, opressão, meio ambiente, dominação cultural, mal costurada história universal etc. Ficassem a nação e o planeta advertidos de que eles, elas e elus estavam chegando!

Na sequência, falou o paraninfo. Se ninguém é profeta na própria terra, aquele senhor, consagrado pela moçada, de corpo presente, no palco dos acontecimentos, driblou o preceito. Seu discurso derrubou cercas, muros e muralhas. Como ante um Vesúvio em chamas, tudo veio abaixo para ele se erguer vitorioso sobre... sobre o quê, mesmo? Dedo em riste, atacou como um patético Procurador de Justiça do Juízo Final. Observei silenciosos sinais de discordância da plateia, certamente ocupada numa avaliação de perdas e danos causados por quatro anos de tais doutrinações sobre seus pimpolhos. Tarde demais.

O pior, porém, ainda estava por vir. Ergueu-se o diretor da faculdade. Limpou a garganta com um gole de água e começou outro falatório de teor semelhante, com esta inesquecível declaração: “O ‘coletivo’ da faculdade subscreve integralmente as palavras proferidas pelo professor paraninfo”. Bah! Aquele não era um ato acadêmico de conclusão de curso superior, mas a celebração da morte das individualidades, do pluralismo sem o qual não há o que dizer sobre diversidade. O coletivo cumprira sua missão! Ao mesmo tempo, estava ali o grito de guerra da intolerância e do cancelamento de toda divergência.

Em crônica de 1970, Gustavo Corção conta o diálogo sobre a burrice moderna que entreteve com um amigo que lhe disse, em telefonema: “A burrice não é novidade, é antiquíssima. Garanto-lhe que ao lado do artista genial que pintava touros nas cavernas de Espanha, anunciando há quarenta mil anos a brava raça de toureiros, havia dois ou três idiotas a acharem mal feita a pintura”. Laconicamente, Corção apontou a diferença: - “Mas calavam-se!”.

Sim, os burros de antigamente se calavam. Já a burrice moderna é vistosa e arrogante. Dou razão ao leitor que, outro dia, me observou ter ela deixado de ser atributo de uso pessoal e se disseminado. O mecanismo de disseminação é o moedor de cérebros, cujas consequências testemunhei naquela assustadora solenidade acadêmica porto-alegrense.

Há quem diga ser ilegal a iniciativa do governo Trump de cortar a destinação de recursos públicos para instituições universitárias privadas dos Estados Unidos que se transformaram em “coletivos” esquerdistas. Não sei se as medidas são ilegais ou não. Sei é que não deve ser legal impor verdadeiro apartheid mediante políticas de cancelamento da divergência, nem usar o espaço acadêmico como comitês eleitorais de candidatos de esquerda. Nesses espaços e instituições que recebem verbas públicas, menos legal ainda há de ser a formação de núcleos antissemitas, pró terroristas e de animosidade contra os Estados Unidos – gigantescos cavalos de Troia da revolução cultural. Saudades do Olavo de Carvalho!

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

13/04/2025

 

Percival Puggina

 

           Na narrativa que construiu e o Consórcio Goebbels de imprensa acolheu como revelação divina, o Supremo redige os eventos dos últimos anos como se estivesse tão equidistante do jogo político quanto deveria efetivamente estar. Descreve “o cenário mais amplo” como se não fosse intensa e reconhecida por todos os jornalistas do país sua atividade no palco dos acontecimentos! Aliás, quando seus membros não querem falar por si mesmos, há profissionais da imprensa, selecionados a dedo, que se prestam à função de meninos e meninas de recados nunca desmentidos. De resto, são os ministros, eles mesmos, que reconhecem tais atividades quando, ante públicos seletos, querem destacar seu protagonismo. Foi o ministro Barroso quem melhor explicitou o vulto dessa atuação ao sublinhar à “vertiginosa ascensão política do STF”.  

Dão prova disso as múltiplas interferências do Supremo em decisões do governo Bolsonaro, a natureza política de tantas manifestações espontâneas dos ministros, a animosidade crescente, o enviesamento ideológico da Corte, que bem antes de 2021 já ganhara o nome de ativismo judicial.  Também marcam presença do Supremo num palco de operações integral, não recortado nem híbrido: o antagonismo em relação aos conservadores, as práticas “contramajoritárias”, a censura, as multas, as ameaças e prisões, os bloqueios de canais, as desmonetizações, o combate às redes sociais e os múltiplos ataques à liberdade de expressão. Há todo um pacote de anomalias políticas que vêm sendo normalizadas pela prática continuada, com irrestrito apoio da base do governo e do Consórcio Goebbels com seus paninhos.

Ao abrir a porta para a atividade política, o Supremo importou, sem tarifa nem abatimento, certas consequências que lhe eram alheias. Por metáfora, se pode explicar a situação dizendo que, nesse jogo da política, as chuteiras têm travas e todo mundo tem canela e a consequência, também metaforicamente, vem sendo chamada de crise institucional. Eis por que é de bons modos e boas práticas ser intransponível a distância entre o apito e a chuteira. Quem apita não chuta.

O Congresso Nacional é o coração político do país, não o Supremo, não o Palácio do Planalto. O parlamento é o poder efetivamente representativo do povo brasileiro – este sim, fonte de onde “emana todo poder”, mediante a representação parlamentar que elege. A submissão do Congresso acorrenta e algema a democracia. Festeje-se, então, ter sido ultrapassado com folga, em poucos dias, o número de assinaturas (257) necessárias para impor às instáveis convicções do presidente Hugo Motta que submeta ao plenário o PL da Anistia.

Se quem sabe faz a hora, como cantou Vandré, ponderem os deputados e senadores: ou assumem as rédeas da política ou continuarão, por muitos anos, servindo de montaria a um poder sem votos. Ou aceitam a doma ou corcoveiam e restauram a representação que lhes corresponde.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.