Percival Puggina

23/03/2025

 

Percival Puggina

                 A eleição de Bolsonaro em 2018 surpreendeu os “estrategistas” da política e da justiça. Como alguém com aquele perfil, sem tempo de TV, de partido nanico e sem dinheiro, poderia se eleger presidente, derrotando as oligarquias políticas tradicionais do país? Como obteve ele esse resultado com um discurso conservador, falando em Deus, Pátria, Família e Liberdade?

Neste artigo, pretendo rolar o calendário político desde 18 de fevereiro de 2016. Naquele dia, sete dos onze ministros do STF decidiram criar nova jurisprudência, permitindo que réus condenados por órgão colegiado, em grau de recurso (segunda instância), pudessem ser recolhidos para cumprimento de penas privativas de liberdade. Foi quando a Lava Jato viveu um surto de produtividade, atendendo, em fila de confessionário, os pecados próprios e alheios dos penitentes, acompanhados de vultosas restituições de dinheiro roubado. Aquela importante e aguardada decisão – prisão após condenação em segunda instância, que mais tarde valeria contra Lula – foi aprovada com votos de quatro ministros indicados por Dilma (Teori, Fachin, Barroso e Fux), dois ministros indicados por Lula (Cármen Lúcia e Toffoli) e um indicado por FHC (Gilmar).

No dia 31 de agosto daquele mesmo ano (2016), após três meses de tramitações e numerosas manifestações populares, o Senado Federal aprovou o impeachment de Dilma Rousseff. Tão logo Michel Temer assumiu a presidência, iniciaram as especulações e tratativas sobre a futura eleição presidencial. Em dezembro (2016), as intenções de voto mostravam Lula com 28%, Marina com 17%, Alckmin e Jair com 8% cada um. 

Em 12 de julho de 2017, o juiz Sérgio Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de reclusão por crime de corrupção no caso do triplex de Guarujá. Em novembro, pesquisa Datafolha atribuía a Lula 37% das intenções de voto, 18% a Jair, 8% a Alckmin, 7% a Ciro.

Em março, já correndo o ano eleitoral, números levantados por CNT/MDA mostravam Lula 33%, Jair 17%, Marina 8%, Alckmin 6%. No início de abril, o TRF 4 confirmou a condenação de Lula pelo caso do triplex e ele foi preso no dia 7. Não obstante, ao longo do ano, as pesquisas continuavam mostrando Lula como candidato. No dia 26 de julho, os partidos do centrão (PSDB, DEM, PP, PRB, PR e Solidariedade), numa tentativa de restaurar o teatro das tesouras, oficializaram apoio a Alckmin.

Em 15 de agosto, a PGR impugnou a candidatura de Lula. Cabia ao TSE acolher ou não. No entanto, ainda em agosto, uma pesquisa Datafolha atribuía a Lula 39%, Jair 19%, Marina 8%, Alckmin 6% e Ciro 5%. Em 1º de setembro, um mês antes da eleição, o TSE confirmou a impugnação e Fernando Haddad foi ungido candidato do PT. Uma semana antes da eleição, pesquisa contratada pela TV Globo e Folha de São Paulo mostrava, no primeiro turno, Jair vencendo Haddad por 28% a 22%, mas ... perdendo no segundo turno para Haddad, Alckmin e Ciro.

Foi ali, na mesa do segundo turno da eleição de 2018, entre os dias 8 e 29 de outubro, que a democracia e a liberdade do povo brasileiro subiram no telhado. Foi por seu papel decisivo naquele pleito, mais do que em virtude da COVID, que as redes sociais entraram na UTI e começaram a viver por aparelhos estatais controladores de seus conteúdos e seus visitantes. Contra as malditas redes sociais, antes das quais os donos do poder “eram felizes e não sabiam”, e contra seus usuários, todos os meios se tornaram válidos, inclusive os constitucionalmente proibidos.

Na derrota para Bolsonaro em 28 de outubro de 2018, foram traçados os planos que tirariam Lula da cadeia e o levariam pela mão, passo a passo, ao exercício dessa presidência grotesca, vivida longe do povo. Difícil imaginar que tudo tenha sido uma sequência indesejada de decisões inevitáveis.

Quatro anos depois, na posse de Lula, os que se disseram contramajoritários durante o governo conservador, se tornaram contraminoritários! Paradoxal, não? Para conter a oposição supostamente minoritária, posto que derrotada, os garantistas de ontem tratam, também, de acabar com garantias constitucionais. Profética, a estátua de Themis, em Brasília, não usa a balança da Justiça; carrega apenas espada e corta para um lado só.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

17/03/2025

 

Percival Puggina

         O perigo voltou, de novo. Voltou de Cuba em 1971, mas voltou à ilha para cirurgias plásticas que alteraram sua fisionomia. Voltou ao Brasil em 1975, quando se instalou como comerciante no interior do Paraná. Nem a mulher sabia sua verdadeira identidade. Voltou à política, anistiado, em 1979. Participou da fundação do PT, acumulou mandatos e posições partidárias até ser preso, em 2013, por crimes no escândalo do Mensalão. Acumulou sentenças condenatórias, prisões e solturas até o ministro Gilmar Mendes anular suas condenações na Lava Jato em 2024. Volta agora à política, ficha "limpa", e pode disputar a eleição que quiser. Meu Deus, eu já vi esse filme!

Na semana passada, esse retorno marcou a festa de seu 78º aniversário. A comemoração, quase poderia dizer sagração, atraiu uma lista de personalidades suficiente para destruir o Brasil três vezes.

Em Cuba, onde viveu de 1969 a 1971, pode-se dizer que fez seu “pós” nas habilidades de um agente treinado para atuar no Brasil. Agora, retoma lugar no lado esquerdo do tabuleiro político nacional.

Em certo momento do discurso que fez, atacou a aliança entre Bolsonaro e o governo Trump, mas afirmou, logo em seguida, que não existe mais eleição nacional, pois todas acabam sendo globalizadas. Temos aí a velha estratégia: globalização pela direita é feia, coisa de Trump, Elon Musk e Bolsonaro; pela esquerda, é linda, fofa, coisa de gente da melhor qualidade, como a turminha do Lula mundo afora, Joe Biden incluído.. A questão, contudo, vai bem além do duplipensar esquerdista.

Pense na eleição de 2018. Em um dos melhores momentos da economia mundial, seus governos haviam quebrado o motor de um país que rodava bem. O PT morava no fundo do poço do descrédito. É muito difícil fazer campanha eleitoral do fundo de um poço, pois a mensagem não se propaga.  Em vista disso e de muito mais, perdeu a eleição. Aos empurrões na História, voltou ao poder em 2022 e, passados apenas dois anos já mostra que o fundo do poço fica um pouco mais abaixo. O governo é um navio fantasma. A imagem também cabe: uma tripulação que perdeu a confiança, passageiros e roedores abandonando o barco. Pelas próprias forças, fica à deriva e não vai a lugar algum.

Se o petismo olha o exterior pedindo forças para uma campanha globalizada, a oposição olha o exterior pedindo socorro porque hoje, para ela, no jacobinismo instalado no país, não há Justiça nem Direito no Brasil, só maus tratos, interdição e punição.

A eleição de 2026, contudo, não será globalizada. A esquerda no poder não importará aquela ruinosa parceria que em 2022 sequer podia ser mencionada! Há de ser uma disputa política entre brasileiros, como deve ser, cada um com seu passado. Oposição versus governo. Os abusos e interdições de 2022 não se reproduzirão. Para que a Liberdade e o bom Direito renasçam das cinzas, o Terror jacobino não prevalecerá. A tanto nos ajude o Senhor da História!

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

13/03/2025

 

Percival Puggina     

          Nos dias de mormaço que já ficaram para trás, assisti a três filmes muito interessantes no Prime Video. Em “Uma mulher contra Hitler” conheci a história e os eloquentes exemplos de solidez moral da jovem mártir alemã Sophie Scholl. Seus vários diálogos com o interrogador sob o tacão da Gestapo são instigante defesa de princípios e valores. Às noites, no silêncio pétreo da cela, a mocinha sofre antevendo o que poderia acontecer com seus pais por ter ela cometido o gravíssimo delito de usar a palavra escrita em defesa da liberdade de expressão... Como não pensar em nosso país, depois de assistirmos, aqui, o que desgraçadamente temos assistido?

As outras duas preciosidades do tórrido veraneio: o filme sobre a obra de Judith Kerr, “Quando Hitler roubou o coelho cor de rosa”, e “A conferência”, um quase documentário sobre a reunião do alto comando nazista ocorrida em Wannsee para tratar da “solução final” da “questão judaica”. Nas duas obras, a degradação do arbítrio totalitário, a brutalidade do Estado e a superioridade moral de suas vítimas. Relembro o que afirmei no título do meu vídeo da semana passada: “os príncipes de Machiavel estão no Inferno de Dante”.

Quando tantos missionários do absurdo usam seus poderes no Estado para lutar contra fantasmas que brotam das próprias narrativas, eu me pergunto se é o PT que instrumentaliza o Supremo. Ou se é o Supremo que instrumentaliza o PT. Ou se, em algum nível, eles se confundem. Ou, ainda – suprema ironia –, se vamos descobrir, ao final, que as raposas felpudas do Senado instrumentalizavam os dois em benefício próprio.

Como cidadão que reconhece a importância das instituições de Estado e o valor do papel reservado ao STF pela Constituição, qualquer das quatro situações me causa indigestão cívica. Tornou-se sombria a realidade nacional a partir do momento em que a Corte decidiu se tornar um poder que atua decisivamente no cenário político e eleitoral com objetivos e estratégias.

A partir desse momento, o ativismo que já era observado em setores do Poder Judiciário foi ficando cada vez mais parecido, no STF, com o petismo que viabilizou as indicações de 7 dos seus 11 ministros, graças à convergência das convicções, à identidade das conveniências e às características dominantes no petismo. Entre estas, o uso abusivo do poder quando dele dispõe e a odienta desfiguração da imagem de quem o antagoniza, tão nítidas, agora, na conduta da Corte pela expressão de seus membros mais loquazes.

É bom não esquecer que o PT entrou para o pleito de 2022 disputando a eleição no fundo do poço das quatro sucessivas gestões petistas. Faltava-lhe, por isso, credibilidade para uma oposição que paralisasse o adversário. Tornou-se visível, então, que o núcleo da ação oposicionista se deslocou para o STF, de modo exitoso, pela via de uma judicialização militante empreendida pela bancada de extrema esquerda no Congresso. Acolhidas, as demandas transformaram o Supremo numa verdadeira esponja de prerrogativas que só podia dar no que deu.

O passaporte para os excessos que passaram a constranger as consciências bem formadas foi fornecido pela “excepcionalidade das circunstâncias”. No entanto, circunstâncias complicadas exigem homens excepcionais e não medidas excepcionais ou regimes de exceção.

Tornou-se impossível, para quem escreve, dizer que não percebe o STF e o PT agindo em perfeita sintonia para remover do quadro político as mais destacadas e eleitoralmente promissoras figuras da oposição. Cada um com seu inquérito, cada um com sua guilhotina armada e uma bacia no chão, à espera. Nem frei Gilson escapa! As analogias nacionais com o totalitarismo presente nos três filmes que mencionei são inevitáveis: inquéritos, ameaças e danos às famílias, passaportes tomados, prisões para intimidar, transporte obrigatório e enganos para o degredo, total desabrigo de direitos fundamentais e práticas de censura apresentadas como elevada contribuição do Estado ao bem estar social e à democracia.

A sensatez exige um Parlamento politicamente ativo e um Judiciário inerte, que só age quando provocado; a mediocridade nos legou um Parlamento inerte e um judiciário politicamente ativo. Insisto: momentos complicados exigem pessoas excepcionais; regimes de exceção é que geram momentos complicados.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

09/03/2025

 

Percival Puggina

           Cinco séculos após sua morte, o filósofo italiano Niccolò Machiavelli prossegue fazendo príncipes no mundo dos vivos. Seu nome entrou para a história da Política e dificilmente alguém dedicado a essa ciência ou ao Direito desconhecerá “O Príncipe”, obra máxima do autor. Em ambas, na Política e no Direito, seu gênio suscita debates de natureza moral que tornaram o adjetivo “maquiavélico” sinônimo de ardiloso e perverso.

Convido os leitores a ponderar as seguintes frases do fazedor de príncipes:

“As pessoas devem ser acariciadas ou esmagadas. Se você lhes causar danos menores, elas se vingarão; mas se você as aleijar, nada há que elas possam fazer. Se precisar ferir alguém, faça isso de tal forma que não tenha que temer sua vingança.”

“Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, convém recorrer ao segundo”.

“É necessário que um príncipe que deseje se manter saiba como fazer o bem, e usá-lo ou não, conforme a necessidade”.

“O primeiro método para observar a inteligência de um príncipe, é observar os homens que o cercam”.

Em O Príncipe, Machiavel retratou com crueza cínica, vê-se bem, a política de seu tempo. Escreveu sem pruridos morais o que aprendeu da História sobre conquista e preservação do poder. Aliás, lido o pequeno texto, fica-se com a impressão de que Machiavel aprovava e recomendava o que seu conterrâneo Dante reprovara 200 anos antes ao colocar em diferentes círculos do Inferno personagens que exerceram, sem freios, grande poder político, econômico, religioso e cultural. 

Note-se que na perspectiva dele – homem de Florença nos esplendores do século XV – observando os príncipes de seu tempo, virtuosa era a conquista e a preservação de poder e de território. As regras de ouro do Príncipe eram conquistar para não ser conquistado e impor-se para não ser submetido. Aquilo que chamamos vício ou perversão seriam, para ele, meios úteis se servissem a esses fins considerados virtuosos em si mesmos. Assim pensando e escrevendo, Machiavel não abre a caixa de Pandora da política porque ela sempre esteve aberta. Seus males voam em círculos através dos milênios, como aves de carniça, em torno do poder.

Tem razão o leitor quando pensa que, em várias nações, muitos desses males retornaram à caixa de Pandora. O fim do absolutismo monárquico levou o Ocidente a descobrir que a Liberdade é o grande escudo das democracias. No século XIX, porém, enquanto as monarquias constitucionais se consolidavam como democracias estáveis, repúblicas presidencialistas suscitam descontinuidades e novas tiranias. A partir de meados do século XX, outras formas de poder surgiram e, nelas, em todas elas, se foram tornando nítidas, como que gravadas na rocha, as palavras que Machiavel dirigiu aos “príncipes” deste mundo.

Pensou em algo ou alguém?

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

 

 

 

 

Percival Puggina

07/03/2025

 

Percival Puggina

                O prêmio atribuído ao filme de Walter Salles Jr. na recente cerimônia do Oscar não é dos que me encheriam de orgulho pátrio. Um Nobel – unzinho só – em Literatura ou Ciências me faria bem mais feliz. Nosso longo jejum de 124 anos junto à Real Academia Sueca diz muito sobre um país onde os melhores talentos naturais vão embora, a começar pelos craques da bola, que, ainda imberbes, seguem direto do campinho da vila para a Europa.

O filme “Ainda estou aqui” reproduz o velho truque usado pelo mesmo diretor, com muito sucesso político, na produção de “Diários de motocicleta (2004)”. Naquele início de milênio, curioso por conhecer um país comunista, eu fizera minhas primeiras andanças por Cuba em voos baratos da Cubana de Aviación. Lera muito sobre a revolução e seus dois principais personagens – Fidel e Che – e publicara, no mesmo ano, a primeira edição de “Cuba, a tragédia da utopia”.

O truque do laureado cineasta consistiu então, como agora, em contar de modo talentoso a parte politicamente conveniente de uma história real. É um recorte, um short, um mero tik tok extraído do que realmente aconteceu, porque contar a história inteira arruinaria o efeito político desejado.

“Diários de motocicleta” conta a viagem que os jovens mochileiros Ernesto Guevara de la Serna e seu amigo Alberto Granado fizeram em 1952, saindo de Buenos Aires rumo a Caracas. No percurso de moto, entre aventuras e vicissitudes, os dramas sociais vistos ao longo do percurso andino vão alterando o espírito de Ernesto, levando-o a gastar o tempo livre na leitura de obras marxistas e na redação do diário de viagem.

Um de seus trechos mais expressivos se reporta ao curto período em que o Ernesto e Alberto passaram à margem do Amazonas num leprosário cuidado por religiosas peruanas. Do que ali aconteceu, Salles ressalta dois episódios: a) os viajantes se recusaram a utilizar as desnecessárias luvas que as freiras exigiam para contato com os pacientes; e b) no domingo, por ausência à missa, foram punidos com supressão do almoço porque a regra das irmãs era a de que “quem não alimenta o espírito não merece o alimento do corpo”.

Os dois relatos, como desejava o cineasta, induzem o telespectador a concluir que Ernesto foi mais cristão do que as freiras, mais generoso nas suas relações e mais sensível do que elas aos problemas dos doentes... Ou seja: o argentino era um anjo de bondade e as irmãs um bando de mulheres perversas.

No entanto, à semelhança do que acontece mundo afora em tantos leprosários mantidos há séculos por ordens religiosas, as irmãs de San Pablo passaram suas vidas num recôndito da selva amazônica cuidando, anonimamente, dos portadores da terrível enfermidade. Não mereciam que Walter Salles Jr., em seu intuito de construir o mito do Che, exaltando o comunista e zombando do cristianismo, as apresentasse ao público como insensíveis megeras.

O filme de 2004 termina abruptamente, quando os dois amigos se separam. Uma mensagem na tela informa que Ernesto Guevara de la Serna se incorporaria à revolução cubana e se tornaria um de seus comandantes. Mas que diabo! É ali que sai o adolescente mochileiro e entra o vulto histórico tomado pelo ódio mortal aos adversários, transformado em fria “máquina de matar”. E esse é apenas um dos maus resultados da ideologia que as duas realizações querem mostrar virtuosa, pois “Ainda estou aqui” faz a mesmíssima coisa. Os dois filmes com a história inteira de seus personagens Walter Salles Jr. não fez e jamais fará.

Achou ruim? Pior, muito pior, é saber que nas salas de aula do Brasil a mesma extrema esquerda aplica idêntico truque para enfeitar os recortes, os tik toks, proclamados como inteiras verdades históricas sobre os mais variados assuntos.

*       Este artigo usa trechos de dois artigos que escrevi para o Correio do Povo em maio e julho de 2004.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

01/03/2025

 

Percival Puggina

         Nestes últimos anos, tenho mantido o ânimo com base na certeza de que haverá chuva depois da seca e sol depois da enchente. Um dia, a tragédia brasileira haveria de passar e o principal papel do mero cidadão, como eu, era não fornecer um recibo de silêncio aos malefícios de cada momento. Se quem cala consente, então, resta o brado: “Não com nosso consentimento!”

Inúmeras vezes, recebi mensagens de leitores tão afoitos quanto acomodados reclamando que “Só falar não resolve!”, como se silenciar e reclamar de quem fala resolvesse... Nessas ocasiões, cuidei de advertir que se falar não resolvesse, as tiranias não fariam da censura o mais comum de seus documentos de identidade. Elas mesmas, simetricamente, se valem muito da palavra, da comunicação, para sua própria consolidação. Por isso, todo tirano é um falastrão, um boquirroto.

Desde meados de 2022, repassando em pensamento e sentimentos as impressões deste período, nunca os fatos sinalizaram qualquer otimismo em relação ao futuro nacional de curto prazo. Agora, porém, eles mostram que a mudança começou e me vêm à mente os versos que o grande Evaristo da Veiga escreveu à brava gente.

Os sinais promissores são evidentes. O governo petista, levado pela mão ao Palácio do Planalto, convive com a mais profunda rejeição já experimentada por qualquer outro governo de que me lembre. Segundo a última pesquisa do Datafolha (10 e 11 de fevereiro), apenas 24% dos brasileiros ainda consideram o governo petista como bom e ótimo. Como consequência, hóspedes das cabines de luxo somam-se aos tradicionais habitantes do porão e abandonam o barco.

Em Washington, as reiteradas visitas de parlamentares brasileiros passaram a produzir efeito após a vitória de Donald Trump. Cobras e lagartos aparecem na inspeção em curso na USAID. Inusitada comitiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA), vem ao Brasil e até militantes de esquerda se declaram impressionados com as denúncias ouvidas. No Brasil, esses fatos só não constrangem e revoltam àqueles que usam dos direitos humanos como prerrogativa de companheiros e camaradas.

Embora Marx, Engels e seus seguidores ensinem o contrário, a luta de classes não é o motor da História. Seus discípulos brasileiros “empurram a História”, mas o motor não pega. Então, sua excelência, o imprevisto, entra no Salão Oval com a desenvoltura de Elon Musk. Marco Rubio se torna Secretário de Estado. Como resultado, os Estados Unidos colocam sobre o balcão um arsenal de dispositivos legais já existentes, outros em tramitação e um compromisso de acioná-los em defesa dos direitos humanos contra quem os atropela. A situação se agrava para aqueles que abandonam as vítimas sem lhes dar atendimento.

Fora das especulações, há, sim, um conjunto de fatos reais a comemorar.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

  

Percival Puggina

27/02/2025

 

Percival Puggina

            Poucas situações tão ridículas quanto o esquerdista radical se apresentar em versão trans, mãos limpas, unhas feitas, voz de monge e vestes alvas, a condenar discursos de ódio e notícias falsas. Sustenta, em tom solene, que a mentira [alheia] põe em risco a democracia e a boa política. 

A carreta da história vivida me traz lembranças do bandido Fidel Castro durante visita oficial aos Estados Unidos em 1959, imagem de “mocinho”, afirmando à imprensa mundial que o movimento revolucionário cubano não era comunista. Semanas antes, ao entrar vitorioso em Havana, afirmara às mães cubanas que, por sua causa, “nunca iriam chorar”. Dias depois, os fuzis começavam a espocar no “paredón” revolucionário. Fidel e a esquerda pedagógica brasileira, aprenderam de Lênin, Goebbels e Stalin: com a verdade, os totalitarismos não dão um passo. Hoje, mentem para nossos estudantes nas salas de aula do Brasil.

Não quero fulanizar o texto. Mas todos sabem o quanto é incomum encontrar fiapo de verdade em qualquer afirmação que Lula faça. Uma das consequências dessa condição de existência política é a introdução no vocabulário corrente das palavras “narrativa” e “fake news”. O relato histórico sempre conviveu com a diversidade de interpretações. Narrativa é outra coisa: é a adulteração do fato. Foi o que Lula, entre afagos, recomendou ao amigo Maduro – lembram? – que criasse a sua “narrativa”. E o venezuelano fez isso mesmo: enfiando a faixa no próprio peito, mentiu que ganhou a eleição perdida. A mentira é frequentadora assídua do embate político. A esquerda, porém, tem nisso uma longa história e disseminada escola. Na prática nacional, o vocábulo “fake news” entrou para o vocabulário brasileiro como forma de criminalizar a mentira (quando não a simples opinião) proveniente da direita porque só a esquerda tem os poderes para oficializar “verdades”. Ficou claro, agora?

Não é diferente com o “discurso de ódio”. Quanto ódio nasceu do fracionamento social causado pelas políticas e estratégias identitárias abraçadas pela esquerda! E quanta censura foi imposta colando etiquetas e sanções de “discurso de ódio” contra meras e legítimas expressões humanas de indignação ante os excessos do Estado!

“E o futebol do título do artigo?”, perguntará o leitor atento. Pois então... Você já percebeu como são incomuns a mentira e o discurso de ódio no jornalismo futebolístico? Sabe por quê? Porque a comunicação é livre por todos os meios disponíveis, o interesse popular pelos temas é grande, os fatos da bola circulam amplamente e não existe censura nem sigilos de cem anos para preservar mentiras, gerar suspeitas e jogar no acostamento a carreta da história. Pense nisso.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

Percival Puggina

23/02/2025

 

Percival Puggina

           

         O desabrigo da lei foi uma característica comum aos campos de concentração e aos gulags soviéticos.

         Corporativismo, colegialidade e espírito de confraria, tão percebidos na atual composição do Supremo Tribunal Federal, não são expressões de reverência e apreço pela instituição.

Os autoelogios e o narcisismo, bem como o gosto por homenagens, luzes das câmeras e protagonismo político não combinam com a discrição inerente à missão judicante. Se “a boca fala daquilo que está cheio o coração”, pergunto: podem cumprir bem sua missão judicante pessoas cujo vocabulário profissional convive bem com adjetivos como “extremistas”, “terraplanistas”, “negacionistas”, aplicados àqueles que ainda não foram julgados e que ainda irão julgar?

Tivessem suas excelências a reverência e apreço que tenho pela instituição do Supremo Tribunal Federal não fariam distinção de pessoa, não se deteriam na “capa do processo” (para usar analogia aplicada pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello ao referir certas condutas). Ou numa outra que me vem à mente agora: “Pau que não bate em Palocci não deveria bater em Cid!”. Ou ainda esta contradição: “Se Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio de Janeiro, pode sair da prisão para cuidar dos filhos, por que o mesmo direito é negado à cabelereira Débora dos Santos?”.  E ainda esta pergunta dirigida às consciências: “Onde fica mais imprópria e alarmante a expressão ‘Perdeu Mané’? Na boca de um ministro do STF ou escrita por uma cidadã, com batom, na estátua de Têmis?”. Quando é maior o dano: ao serem vandalizados bens materiais públicos ou ao serem afrontados repetidamente direitos individuais e preceitos constitucionais?

Eu poderia me alongar tediosamente na lista de atos explícitos de censura prévia, de ameaças que redundaram em conveniente autocensura, à qual poucos, muito poucos, ficaram corajosamente imunes. Quem acompanhou o noticiário sobre as audiências da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil certamente formou uma boa ideia do tamanho dessa lista. Não posso deixar de lado, porém, a responsabilidade direta do Senado. Ela acaba de ser ratificada por palavras do “novo” e notoriamente omisso presidente, senador Davi Alcolumbre, para quem a anistia “não é assunto dos brasileiros”.

Intoxicado pelos vícios que provocam esse desinteresse do Senado, o Brasil – máxima vergonha! – tem e mantém um campo de concentração ou um gulag onde cidadãos vivem ao desabrigo da Constituição e das leis, privados dos direitos que elas conferem aos piores criminosos. Quanto foi que os fins passaram a justificar os meios?

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

20/02/2025

 

Percival Puggina

           Todos os males destes dias têm uma causa esquecida.

Ao longo de décadas, por centenas de vezes, observei certas decisões políticas serem criticadas como “burrice”. Tal juízo sempre me pareceu precipitado. Mandatos eletivos podem ser obtidos por pessoas despreparadas, de fala tosca e inadequada, desonestas, oportunistas, mas burras, raramente serão.

O que mais tenho observado é a esperteza se fantasiar de burrice e passar a trote, zurrando. Pense, por exemplo, na Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Estava concebida para ser exclusiva, ou seja, os eleitos fariam a nova constituição e iriam para casa. Não disputariam um mandato parlamentar na Câmara ou no Senado. Era uma condição importantíssima, pois faria com que os eleitos para escrever a Constituição tivessem em foco apenas a elaboração de uma Carta para o melhor futuro da nação brasileira. A opção por uma constituinte congressual fez seus membros priorizarem um melhor futuro político para eles mesmos.

Foi assim que a esperteza preservou a cabeça de burro enterrada no centro do ordenamento político nacional desde a proclamação da República. Por isso, temos uma Constituição com tantos direitos e tão poucos deveres. Por isso, estamos submetidos ao pior sistema eleitoral do mundo. Por isso, pagamos os custos populistas do presidencialismo. Por isso, o voto distrital (um modelo mais sábio) sequer entra em discussão, posto que com ele extinguiria a confortável distância entre o representante e o representado. Por isso, as dinastias se sucedem carregando pelo tempo costumes da Casa Grande. Por isso, as emendas parlamentares se formalizam como “instrumento da governabilidade”. Por isso, custeamos muitos partidos de poucas ideias. Por isso, nossa permanente instabilidade econômica, política e jurídica.

Por isso, também, a PEC que acaba com o foro especial por prerrogativa de função – “o foro privilegiado” – teve aprovação unânime pelo Senado há sete anos, mas jaz em total abandono na porta do plenário da Câmara dos Deputados. Nenhum presidente a põe em votação. Aquela unanimidade no Senado de 2017 não foi um mérito, mas uma vergonha! Os senadores sabiam que a Câmara jamais acolheria a batata quente que lhe repassaram e ninguém mais lembra que a crescente impopularidade do STF tem origem nessa esperteza. Os senadores continuam aprovando, em inúteis “sabatinas” para inglês ver, as mais absurdas indicações feitas pelos governos para a corte.

Agora, os supremos olham com preocupação para a eleição do Senado em 2026. Tudo indica que uma provável nova maioria possa dar um basta à “vertiginosa ascensão política” do STF, fazendo que ele volte a ser o que lhe corresponde como poder judiciário: poder inerte e imparcial, agindo apenas quando provocado.

O vigor da democracia vem da qualidade das escolhas e da proximidade entre o representante e o representado. Os verdadeiros disparates que hoje desativam freios e contrapesos constitucionais se devem à ruptura da comunicação entre representantes (eleitos) e os representados (eleitores). Para quem não lembra, estes últimos, não por acaso, são a fonte de onde emana todo poder.

Boa parte do mundo civilizado faz eleições distritais. São menos burros? Não! Eram melhores as intenções de quem fez as regras.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.