Percival Puggina

16/04/2023

 

Percival Puggina

         O fenômeno aqui descrito é gravíssima causa de múltiplas tragédias humanas e sociais. Não me refiro apenas aos educadores, embora o que digo inclua muitos deles. Refiro-me ao que acontece no sistema como um todo. São nefastas a cultura pedagógica, a visão de Economia e a interpretação da História, a posição ideológica, filosófica, sociológica e pedagógica dominantes. Geram miséria. O livro “Pedagogia do Oprimido” cria oprimidos por opção e sua ideologia, hoje oficialmente conduzindo a nação, estimula a tolerância e as causas dos crimes contra o patrimônio e a vida. Basta ouvi-los.

Dezenas de milhões de brasileiros não percebem isso porque é um tipo de informação que não recebem. No entanto, o fenômeno vai se tornando crescente e as consequências se ampliam quando entramos no mundo acadêmico e nos espaços do poder. Nesses ambientes, ouvimos ao longo de tantas décadas que “prender não resolve”, que o “criminoso é a vítima e a sociedade é a culpada”, que “o sistema penal é vingativo”, que “é preciso legalizar as drogas”, que “família já era”, que “é proibido proibir” e blá blá blá.  Inevitavelmente a criminalidade ganha extensão quando a má lição vem de baixo e o mau exemplo vem de cima.

De modo simultâneo, poderosa máquina publicitária trabalha para deslegitimar a função orientadora da Igreja e das famílias, transferindo a formação de crianças e jovens para si mesma e para o aparelho do Estado, já infiltrado, capturado e manipulado pelos agentes da guerra cultural. Grosseiro caldo em que se multiplicam a criminalidade e o número de seus dependentes. 

Há os dependentes químicos. Por vezes, é dito que são um fato novo na cena social, agravando a criminalidade. Errado. As drogas sempre existiram. Seus dependentes cresceram em número quando a sociedade perdeu suas referências. Eles são o numeroso grupo daqueles de quem tudo foi tomado ou que de tudo se extraviaram: conhecimento, família, limites, possibilidade de trabalho honrado, futuro e esperança.

Há os dependentes econômicos do grande criminal business. Quando a atividade criminosa é de baixíssimo risco, conta com simpatia social, chega a ser glamourizada, desfila nas passarelas, ganha manchetes e proporciona mandatos eletivos, é evidente que mais e mais atores se instalem nessa nova e multiforme “Hollywood” de celebridades.

Há, os dependentes ideológicos. Compraram a utopia pelo preço de capa e apostaram nela o futuro de uma nação. Onde depositam suas apostas políticas, criam em vida um inferno de Dante, sem porta de saída e sem poesia. A estes eu interrogo, perguntando como percebem sua cumplicidade com as consequências de suas ações e omissões, do que ensinam e do que deixam de ensinar, do que protegem e do que deixam à própria sorte?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

 

Percival Puggina

13/04/2023

 

Percival Puggina       

         Não se requer muita imaginação para perceber uma certa ordem (no sentido filosófico da palavra) quando se rememora a sequência de decisões judiciais que iniciou com aquele voto do ministro Gilmar Mendes. Em 2016, com Lula e outros réus graduados soltos, o ministro votou a favor da prisão após condenação em segunda instância. Em 2019, com Lula e seus amiguinhos, o ministro mudou de ideia e prisão de quem tem bons advogados ficou para a véspera do Juízo Final.

Essa foi a ponta de uma corrente de decisões judiciais ordenadas e irrecorríveis. Na outra, aparecem duas bizarrices da política brasileira: 1ª) Lula candidato à presidência da República e 2ª) interdição judicial a quaisquer referências a seu passado recente. Sobre todo um período triste da nossa história se impôs silêncio. Recaiu sobre aqueles “malfeitos” uma espécie de sigilo de cem anos, servilmente obedecido pela mesma mídia que cobriu as denúncias, investigações e julgamentos a que se submeteram corruptos e corruptores.

Como se sabe, há uma diferença importantíssima entre as palavras casual e causal. “Casual” se diz do que acontece por acaso; já a palavra “causal” refere algo que dá causa a determinado efeito. Acontecimentos fluem quando se abre a torneira das causalidades.

De outro lado, tenho bem presente o estupor nacional quando irrompeu na pauta política a impensável aproximação entre Luiz Inácio e Geraldo Alckmin. Muito foi dito sobre isso, ao longo de vários meses, sempre na sessão de curiosidades. Tratou-se como loucura, devaneio, coisa de terraplanistas a ideia de que essa aproximação fosse possível.  Que curvatura precisaria ter a espinha dorsal de alguém que, um dia disse ser a volta de Lula à presidência o retorno do criminoso à cena do crime e, noutro dia, ambicionava ser seu vice-presidente?

A linha das causalidades seguia seu curso. Tudo que parecia impossível se foi tornando provável e o provável se convertendo em fato, como se os movimentos fugissem das leis da mecânica política. Só que não! As consequências do ingresso de Alckmin na chapa da oposição, mobilizou os caciques partidários e os “donos do poder” (nas palavras de Faoro) que farejam habilmente a atmosfera política e institucional mesmo quando rarefeita. E isso ela não era. Verdadeira enxurrada de siglas partidárias e patrões da Economia, com apoio das grandes máquinas da comunicação social, fechou fileiras com a dupla.

Os primeiros cem dias do novo governo, se para algo serviram, foi para mostrar que o Poder Executivo, sob a regência do petismo e de Lula, age com uma obstinação: destruir. Destruir não apenas o que foi feito após sua saída do poder, mas, até mesmo, a memória do que foi feito. Editados com furor missionário, decretos e medidas provisórias destes cem dias lembram marretas, marteletes demolidores e rompedores, furadeiras e cortadores de concreto. Derruba tudo!

As atenções se voltam para Geraldo Alckmin e as especulações do ano passado sobre os planos dos donos do poder ganham consistência. E se a sequência de causalidades estiver seguindo seu curso? Se Alckmin for, desde o início, o Plano A de quem realmente manda, continua sendo e tudo que acontece contribui para ele?

Como Miguel de Cervantes, “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”...

*         Revisado às 21h30min do dia 13 de abril. 

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/04/2023

 

Percival Puggina

 

         Há bem poucos dias, num dos programas da Jovem Pan, uma senhora jornalista foi solicitada a apontar os maiores problemas que via na direita. Ela mencionou três: a defesa da posse de armas pela população, as manifestações a favor do policiamento armado das escolas e “essa mania de criticar as instituições”. Enquanto eu pensava sobre qual motivo ela teria para supor imunes ao debate político instituições tão ativas na vida ... política, ela resolveu fazer a seguinte observação: “Olha só como, em três meses, o novo governo não teve qualquer incidente com o STF”.

A ingenuidade, às vezes, tem uma essência poética, um leve perfume de sabedoria presumível nas mentes puras. No entanto, a ingenuidade da senhora era uma mistura de obviedade e astúcia, ou de Conselheiro Acácio e José Dirceu.

Pergunto: alguém neste país supôs, em noite de insônia, que esse Supremo, repleto de devotos do demiurgo de Garanhuns, fosse criar problemas para Lula? Claro que não! Sorrisos, afagos e tapinhas no rosto! Bem ao contrário do que aconteceu no governo anterior, o STF tem ajudado a resolver problemas de Lula no Congresso. O teto de gastos era duríssima lex! Coisa séria, benéfica, votada pelo Parlamento, em pleno vigor. Lula, porém, pretendia assumir como Midas retornando para criar ouro puro com tinta de caneta. Como o Congresso se recusasse, Gilmar Mendes, sinalizando que, a exemplo da Economia, o amanhã a gente vê depois, autorizou o rombo de R$ 200 bi para suprir demandas sociais.       

O PT e o STF mudam de convicção conforme sopra o vento da temporada. Numa decisão que, por mera casualidade, como se sabe, resultou na soltura de Lula, o Supremo mudou de opinião e voltou atrás sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.  O PT, na oposição, foi totalmente favorável à quarentena para políticos estabelecida na Lei das Estatais. Agora, no governo, mudou de opinião e considera que, em vez de três anos, a quarentena deveria ser de 30 dias. Com impasse no Congresso, alguém atravessou a rua levando uma ADI na mão, e o ministro Lewandowski acabou com a celeuma: quarentena coisa nenhuma! Assim, petista que dormiu deputado, ou coisa que o valha, acordou banqueiro.

Mais fácil do que surgir uma encrenca entre o STF e o governo é o STF criar caso com a oposição. Mas a senhora jornalista, cujo nome não sei, acha que a direita é uma criadora de encrencas com as pobres instituições republicanas, tão fofas e benquistas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

10/04/2023

 

Percival Puggina

              Ainda que eu tivesse boa vontade – e desta não me resta um pingo –seria impossível não gritar, como se neste texto escrevesse em negrito e caixa alta: no Brasil, as leis más são protegidas pela espada de Themis (as que se referem à prisão de criminosos, por exemplo) e as leis boas (a das estatais, por exemplo) sujeitas a tratamento desdenhoso. Agentes políticos têm uma face para cada ocasião, como se o rosto fosse parte do vestuário que vai da bermuda ao black tie, com todos fingindo não notar. Eu noto.

Uma das melhores leis votadas pelo Congresso na última década foi proposta e sancionada pelo presidente Temer. Refiro-me à Lei das Estatais. Ela foi rigorosa em proteger tais empresas da pirataria política. À época, a nação parecia ascender a um patamar ético superior com o resultado das investigações da Lava Jato. Dinheiro roubado era espontaneamente devolvido, ou judicialmente recuperado. Corruptos e corruptores, presos. Hoje, sabe-se, os ladrões estavam certos; errada era a Lava Jato. E essa é uma história que não sou louco para contar.

As quarentenas de 36 meses para políticos em atividade proverem cargos de direção e conselhos de administração, bem como as exigências técnicas e de experiência para tais funções, resultaram em estatais lucrativas e fim dos escândalos. Mas o petismo retornou ao poder e, de repente, mudou de traje e de rosto, tratando de reduzir de 36 meses a quarentena que servia aos outros, para 30 dias, agora suficientes aos seus parceiros ... Senhor! Dá-me forças pra viver!

Se você acompanhou o período em que as notícias nacionais focavam aquela multidão que compunha a comissão de transição, certamente sentiu ali o tamanho do problema por vir. Havia uma inadequação entre o recipiente (a máquina estatal) e o conteúdo (número de companheiros e parceiros) a ela destinados. Faltava máquina e sobrava parceria.

A dificuldade está provisoriamente resolvida por decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowsky, que deixa o Supremo agora, no dia 11 de abril. Em meados de março, o ministro acolheu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PCdoB e derrubou parte importante de uma boa lei aprovada pelo Congresso Nacional, com votos do governo e da oposição, vigente há quase sete anos! Representação popular, para quê? Enquanto o colegiado do STF não decidir, ficamos sem quarentena: nem 36 meses, nem 30 dias; basta sair de uma cadeira para sentar na outra. E muito espumante foi aberto em alegres comemorações.

O fato é que nos reencontramos com o passado de 2003, cujo futuro é a íntegra de uma história já contada. Bem-vindos ao passado! Ele está apenas recomeçando.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

09/04/2023

Percival Puggina

         O fenômeno é visível. A cada episódio eleitoral, aumenta o número de candidatos vinculados a instituições militares e policiais. O motivo é evidente. Desses grupos são esperadas virtudes inerentes à sua formação: respeito à lei, disciplina, valores consolidados, amor à pátria, civismo, honra, coragem, entre outros. Deles também se presume compromisso com a segurança da sociedade e do país. Sim, assim se presume. Quanto mais ameaçada se sentir a sociedade, mais ela voltará sua atenção aos candidatos procedentes das instituições voltadas à sua segurança. Em 2022, elegeram-se 87 policiais e militares para o Congresso Nacional!

Por motivação análoga, todo ano cresce o número de candidatos oriundos das atividades pastorais. É notável a dimensão que esse fenômeno adquiriu ao longo de sucessivas eleições em todo o país. Há hoje partidos políticos vinculados a igrejas que dividem o pentecostalismo original em um número sempre crescente de fragmentos e tendências.

Legendas como o PL, o Republicanos e o PSC reúnem bancadas numerosas, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Qual a razão disso? Por que aumenta a cada pleito o número de pastores com mandato parlamentar? É simples: pessoas que se sentem desprotegidas na segurança de sua vida e de seus bens, não raro se percebem, também, crescentemente ultrajadas em sua fé e em seus bens espirituais e afeições morais. Então, buscam proteção política da igreja que frequentam. A Frente Parlamentar Evangélica contabiliza 132 deputados, 14 senadores!

Embora tenha sido rejeitada pelos tribunais a tese de um suposto “abuso de poder religioso” por candidatos das igrejas, bem como a de impedir propaganda eleitoral durante os cultos, essa é uma ideia que ronda os pleitos. Não preciso dizer quem mais se agrada das propostas que coibiriam tais práticas.

Se os militares e policiais eleitos se penduram, de modo muito preponderante, do centro para a direita no varal ideológico, o mesmo não se pode dizer dos evangélicos. Em muitos casos, estes formaram base com governos petistas mostrando que a orientação religiosa nem sempre acompanha a política.

Indo para a conclusão. Quando o eleitor vota em militares e policiais, está pedindo socorro. E quando o PT se propõe impedir a participação de militares e policiais em disputas eleitorais e funções de governo, está, simplesmente, querendo se livrar de uma oposição com crescente êxito eleitoral. Quando eleitores votam cada vez maior disposição em pastores e em raros católicos que manifestam sua fé, estão apoiando quem se dispõe a enfrentar a sistemática destruição moral e cultural do Ocidente empreendida pela esquerda.

Partidos de esquerda fariam grande bem, até a si mesmos, se ponderassem os motivos pelos quais tantos eleitores os rejeitam. E a hierarquia católica faria melhor se, depois de cantar “Vitória, tu reinarás!”, pensasse no motivo pelo qual vem perdendo todas as batalhas da contemporaneidade, inclusive dentro dos educandários católicos.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

08/04/2023

 

Percival Puggina

         O evangelista Lucas, em 22,8-13, faz um relato instigante sobre a preparação da ceia que antecedeu a Paixão. Pedro e João foram incumbidos por Jesus das providências necessárias e perguntaram-Lhe onde ela deveria acontecer. A resposta – vejam bem – foi assim:

"Logo que entrardes na cidade, encontrareis um homem levando uma bilha d'água. Segui-o até a casa onde ele entrar. Direis ao dono da casa: O Mestre te pergunta: onde comerei a Páscoa com meus discípulos? E ele vos mostrará no andar superior uma grande sala provida de almofadas. Preparai ali".

Não é uma determinação incomum? Quem era aquele personagem que entra visto pelas costas na história da humanidade? Personagem anônimo estava, na hora certa, no lugar certo, cumprindo sua missão. Usando uma expressão que ganha popularidade nestes dias tumultuados e de tão pouca fé humana nas pessoas das instituições, aquele homem me representa. Nos representa. Como ele, temos que palmilhar o caminho para a casa do Pai, e devemos fazê-lo de tal maneira que outros livremente nos sigam.

O homem com a bilha d’água, de certo modo e do modo certo, serviu a Cristo como a Igreja O deve servir, sem perguntar qual seria seu lugar na mesa, sem posar para a fotografia. O que transcorreu naquela casa, transformada no mais importante templo material do cristianismo, seria mais do que suficiente para impor ao evangelista uma identificação bem precisa. Mas não. Não é assim que as coisas acontecem na história da Salvação.

Também os sacerdotes por uma graça superior à sua condição humana, comparecem ao altar da Santa Ceia como o homem da bilha d’água. Abrem as portas da grande sala e a confiam ao Mestre para que opere, ali, o imenso dom da Eucaristia, “como aquele que serve”. Na eternidade, assim como no tempo humano – eis que sempre, em algum lugar, ela está sendo celebrada – a Eucaristia faz permanente a Aliança, o sacrifício da Cruz e a Ressurreição.

Feliz Páscoa!

Percival Puggina

06/04/2023

 

Percival Puggina       

         Ao saber da chacina ocorrida em Blumenau pensei naquela constatação proporcionada pela História: as sociedades dominadas por algum processo revolucionário foram, antes, submetidas pelo medo. Coagidas por ele, pelo terror, abrigaram-se sob seus algozes. Vale para cidadãos em relação ao Estado e vale para os moradores de áreas dominadas pelo tráfico em relação às respectivas facções criminosas.

A sociedade brasileira vive assim. A criminalidade atormenta nosso cotidiano. Bandidos, quando por azar são presos e levados à audiência de custódia, retornam dali para sua tenebrosa faina. Em muitos casos, nem a lei permite prendê-los porque protege melhor os fora-da-lei do que zela pelos cidadãos de bem. Estes, além de tungados pelo crime e achacados pelo Estado (vem aí mais um aumento de impostos), são vítimas de um tratamento discriminatório por parte dos intelectuais de foice, martelo e estrela, que o veem como causa de todos os males.

Os meios de comunicação fazem coro ao coitadismo do bandido-padrão da retórica hoje oficial no país: o “menino” que rouba um celular e “apanha da polícia”. A polícia é maltratada nas manchetes. A situação, de tão recorrente, se tornou típica. Criminosos recebem polícia à bala. Após violenta troca de tiros, morrem dois policiais e dez bandidos. Pronto! As manchetes destacarão a injustiça do placar! Ora, bandido que atira contra a polícia só é visto como vítima por quem é tão bandido quanto ele.

O Brasil é o único país do mundo onde os réus só cumprem pena de prisão após “trânsito em julgado da sentença condenatória”. E os processos podem ser postergados até a prescrição. Por que? Porque o Congresso Nacional, em sucessivas legislaturas, incorpora em seu plenário congressistas com problemas na Justiça em número suficiente para barrar iniciativas que revertam qualquer dessas aberrações.

Então, desarma-se a vítima. Propõe-se o desarmamento das polícias, sua desmilitarização e normas para inibir sua atuação. Propõem-se, insistentemente, políticas de desencarceramento e de liberação das drogas. O ambiente cultural romantiza a vida criminosa, rompem-se os laços familiares e, nas famílias (como nas escolas), os códigos de boa conduta. Ensina-se nas faculdades de Direito que o bandido é potencialmente bom, a sociedade objetivamente má e sua justiça, vingativa. Apaga-se na vida social a simples menção a Deus.

O medo prospera. Quando o terror se instala, os fracos clamam pelo Estado, vocacionado para a omissão e a leniência. E fecha-se o cerco. Pense comigo: quais os crimes que hoje, no Brasil, suscitam a mais obstinada e célere persecução penal judicial, sem contraditório, ampla defesa e devido processo? Pois é... São os voláteis e subjetivos crimes de opinião, típicos dos regimes revolucionários. Ou não?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

        

Percival Puggina

05/04/2023

 

Percival Puggina

         Quando o Papa Francisco emite alguma opinião política, a esquerda vive um comovente surto de arrebatamento espiritual. Aquilo que é mera e imprudente adesão do Pontífice a uma narrativa se transforma em objeto de culto, é envolto em incenso e exibido como relíquia canônica. Mas isso só vale se o Papa for Francisco. Não se aplica a qualquer outra opinião política, seja de Bento XVI, João Paulo II, Paulo VI, João XXIII, Pio XII e assim, regressivamente, até São Pedro.

Nunca imaginei que um dia veria esquerdistas invocando a infalibilidade papal! “Como pode um católico questionar as afirmações do Papa se ele é infalível?”, muitos escreveram comentando um vídeo que gravei sobre a entrevista em que Francisco se manifestou sobre assuntos institucionais brasileiros.

Opa! Não corram com esse andor! A infalibilidade papal não se aplica a meras opiniões de quem calça as “sandálias do Pescador”, para usar a expressão de Morris West. É óbvio que não.  O dogma da infalibilidade é uma dedução teológica com origem no próprio ato de instituição da Igreja por Jesus Cristo após pedir a tripla confirmação de Pedro. Graças ao que ali aconteceu, a Igreja Católica, exceção feita ao sempre lamentável Cisma do Oriente, se manteve hígida e como tal chegou até nós.

O dogma da infalibilidade foi proclamado em 1870 por Pio IX através da constituição dogmática Pastor Aeternus. O documento estabelece como dogma que, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, ao definir uma doutrina de fé ou de moral, o Romano Pontífice conta com a assistência divina prometida a seu antecessor Pedro e esta lhe assegura a infalibilidade desejada por Jesus à sua Igreja.

Para que estes requisitos se verifiquem, a proclamação de um dogma – repito: sempre sobre doutrina de fé, ou de moral – é preciso que o Papa o faça na precisa e anunciada condição “ex-cathedra”, vale dizer, desde a cadeira de Pedro. Fora isso, ele tem a falibilidade inerente à condição humana.

Resta claro, portanto, que a opinião do Papa sobre a política brasileira é mera opinião pessoal, notoriamente de esquerda, transparente nas suas manifestações. Em virtude das repercussões, muitas passam longe das funções da “cathedra” e, obviamente, abastecem o arsenal das narrativas mundo afora.

Na longa tradição que acompanhei de perto, como leigo católico estudioso dos documentos oficiais emitidos pelos pontífices de meu tempo, eu os reverenciei e admirei pela prudência e contenção de suas manifestações públicas.

Eu seria o último a negar, a quem quer que seja os diretos de opinião, palpite e achismo. Mas se quem opina, palpita ou acha é meu líder religioso e diz um disparate, alimentando a tensão política local, eu me permito opinar, palpitar ou achar que perdeu uma oportunidade de ficar calado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

04/04/2023

 

Percival Puggina

       No dia 16 de março, a CNN publicou o balanço das prisões efetuadas em Brasília após os atos criminosos de 8 de janeiro. O ministro Alexandre de Moraes concluíra, então, a análise dos últimos 129 pedidos de liberdade provisória e a situação era a seguinte:  

Dos 2.182 presos por participarem ou terem envolvimento nas manifestações, 294 permaneciam na prisão (86 mulheres e 208 homens). Os primeiros a serem postos em liberdade provisória, a pedido da Polícia Federal, foram 745 idosos, ou com comorbidades, ou mulheres com filhos menores de 12 anos. Todos os presos nessa condição são cidadãos pacíficos que estavam acampados diante do QG do Exército e “poderão responder à Justiça por incitação ao crime e associação criminosa”. Terão que cumprir as seguintes medidas:

Uso de tornozeleira eletrônica;

Proibição de deixar a comarca de origem;

Permanecer em casa no período noturno e nos finais de semana;

Obrigação de apresentar-se ao juízo da Execução da comarca de origem semanalmente;

Proibição de deixar o Brasil;

Cancelamento de passaportes;

Suspensão imediata de quaisquer documentos de porte de arma de fogo e de certificados CAC (caçador, atirador e colecionador)

Proibição de usar redes sociais;

Proibição de comunicar-se com os demais envolvidos nos atos.

Exceção feita aos vândalos e aos que os orientaram, contrataram, financiaram, etc., e que, com certeza, se contam entre os que continuam encarcerados, aguardando penas que bem merecem, os demais muito provavelmente integraram o coro do “não quebra, não quebra, não quebra!”.  Por quê? Porque não são delinquentes, porque são tias do Zap, são chefes de família, que, acampados diante do quartel, ou indo à Esplanada, de modo civilizado, cantavam hinos e rezavam.

Contudo, são cotidianamente humilhados pelo noticiário que os trata como malfeitores. Enfrentaram o trauma da prisão, da restrição de direitos e o constrangimento de responderem a um processo por – vejam bem! – incitação ao crime e associação criminosa.

Qual o crime que esses nossos conterrâneos cometeram num país onde o governo compra congressistas, onde estão soltos os que enriqueceram roubando empresas estatais, onde é perigoso andar nas ruas, onde a vida humana e seus bens não merecem consideração e onde bandidos de verdade vão direto da audiência de custódia para casa e novos crimes?

Cometeram o crime de pedir socorro onde lhes pareceu que poderiam ser ouvidos quando, durante quatro anos, exercendo condição de cidadãos, não foram ouvidos pelo Congresso Nacional nem pelo Supremo Tribunal Federal.  Sei que no esquizofrênico universo jurídico brasileiro deve existir alguma lei afirmando que desistir de falar às instituições e pedir socorro à porta dos quartéis é crime de pedir socorro e que juntar-se a outros para fazer isso é “associação criminosa”. Algo análogo, já se vê, a integrar facção tipo Comando Vermelho ou PCC, ou a planejar, com outros, o assalto a uma agência bancária, ou a organizar um mecanismo para tungar a Petrobrás.

Note-se: não tinham o menor poder de fazer acontecer algo, como, de fato, não conseguiram. Agiram de modo pacífico, fazendo o que lhes pareceu necessário ao bem do país, dedicados ao que entenderam como tarefa cívica diante de tudo que viram acontecer nos meses anteriores. Cantaram diante dos quarteis, inútil e sentimentalmente, como galo que cantasse ao entardecer para que o sol não se pusesse.

As cenas do retorno desses presos e presas ao lar, passados mais de dois meses sob as condições de uma prisão, só não ferem a sensibilidade de quem perdeu em algum lugar do passado atributos preciosos ao ser humano, como empatia, condolência, comiseração, misericórdia. São sentimentos que, nuns, morrem com a cobiça; noutros, com a ira; noutros, com o vício; noutros, ainda, com a experiência inebriante do poder. 

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.