Percival Puggina

16/03/2023

 

Percival Puggina

         Era o ano de 2016. A Lava Jato havia exposto as vísceras da corrupção promovida pela exploração partidária dos recursos das grandes empresas controladas pelo governo federal. A prisão após condenação em 2ª instância estava em vigor. Corruptos e corruptores recolhiam as unhas. Muitos culpados e condenados iam sendo presos. A esperança de um país decente brilhava nos olhos das pessoas de bem (não vou explicar o conceito porque quem sabe sabe e a quem não sabe não adianta explicar).

Nesse clima, um Congresso Nacional penitente aprovou a Lei das Estatais. Como consequência imediata de sua aplicação, do clima emocional do país e das ações penais em curso, acabou a corrupção e as estatais saltaram dos prejuízos cobertos com recursos da sociedade para os resultados operacionais positivos. Qual o motivo? Não podem mais ocupar cargos de direção ou integrar os conselhos dessas empresas os ocupantes de certos cargos públicos ou que tenham atuado na estrutura de partidos políticos, ou, ainda, em campanhas eleitorais.

É o ano de 2023. O petismo retornou à presidência da República, o país despenca e a esperança de sete anos passados exige, aos valentes de hoje, o mais aceso vigor moral para um imenso trabalho político.

O Estadão, que já foi um bom jornal até ficar parecido com a Folha de São Paulo, publicou em fevereiro um editorial criticando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo PCdoB para extrair do STF uma decisão que derrube dispositivos da Lei das Estatais. Sim, o PCdoB e o governo querem isso!

Nestas horas em que escrevo, aliás, os ministros do STF estão votando remotamente sobre a matéria. A Advocacia Geral da União se manifestou no processo em apoio à iniciativa dos camaradas que propuseram a ação. O governo precisa desses cargos para albergar companheiros que estejam numa pior, desempregados, ou como mimos aos partidos em recompensa por apoio parlamentar. Na aritmética financeira do governo há uma proporcionalidade numérica entre a força financeira do cargo oferecido e o número de votos acrescidos à sua base no Congresso.

O editorial do Estadão lembrava que, antes da eleição, Lula dizia: “Nós temos culpa de tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”. Mas Lula a gente conhece. É muito superficial, quando não inamistosa, a relação dele com o que diz.

O jornal via a necessidade de “estancar a judicialização da política” e reprovava o acolhimento de tantas ações de congressistas contra decisões do próprio Congresso, sugerindo ao Supremo, “em respeito à separação dos poderes”, que rejeite de modo liminar as Adins manifestamente improcedentes.

Observando o Brasil de hoje, o que se vê e o que não se vê, o que se diz e o que não se diz, é impossível não lembrar do Conselheiro Acácio, inesquecível personagem de Eça de Queiroz no livro “O primo Basílio”. Refinado cultor de obviedades, não diria diferente do Estadão. E jamais mencionaria que, para acabar com a judicialização da política, seria necessário, antes, acabar com a politização do Judiciário.  

Mais uma vez, o Supremo mandou às urtigas a decisão do Parlamento. No popular, “deu uma banana” ao anseio nacional expresso em decisão de seus representantes.

*       Atualizado em 17 de março de 2023, às 19h55min.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

15/03/2023

 

Percival Puggina

         Raymond Aron, filósofo francês do século passado, em entrevista que recentemente assisti, questionado pelo repórter sobre como explicar que parcela da intelectualidade francesa justificasse o stalinismo, disse: “Você conhece a expressão inglesa ‘wishfull thinking’ (pensar segundo o que se deseja)?” E mais adiante conta se haver interrogado durante muito tempo sobre os motivos pelos quais era tão difícil para certos intelectuais aceitar que 2 +2 seja igual a 4 e que o gulag não era uma democracia.

Esse breve trecho da conversa, que adoraria assistir na íntegra, me fez pensar nos presos do arrastão do dia 9 de janeiro e me perguntar sobre o motivo pelo qual, para certas pessoas, é tão difícil entender que aquilo não é coisa que se faça. E, por isso mesmo, tão inédita na história de nossa justiça.      

No dia 10 de janeiro, ao tomar conhecimento dos relatos e queixas dos presos arrebanhados na véspera e depositados em condições desumanas no ginásio da PF de Brasília, o ministro Alexandre de Moraes, numa espécie de wishfull thinking, chamou-os indistintamente de “terroristas” e ironizou: “Até domingo, faziam baderna e cometiam crimes. Agora reclamam porque estão presos, querendo que a prisão seja uma colônia de férias” (aqui).

Recentemente, transcorridos dois meses dos fatos, Alexandre de Moraes e Rosa Weber visitaram o presídio feminino Colmeia (não foram à Papuda). Três dias depois, o ministro declarou que a comida servida há dois meses “é caótica”. Matéria do UOL do dia 9 de março informa que

“Um relato obtido pela reportagem, por exemplo, descreve um cenário de "refeições com larvas, cabelos". Já um dos relatórios da Defensoria diz que a "esmagadora maioria dos reclusos apontou que uma das proteínas fornecidas é absolutamente intragável".

A alimentação é apenas uma das penosas consequências de se arrebanhar mais de duas mil pessoas em locais não preparados para isso, sendo que a imensa maioria delas não deveria ter sido presa como foi nem permanecido presa além da audiência de custódia (de regra, efetuada logo após a prisão).  

Todo rigor se compreende em relação aos vândalos e à sua conduta, tão estúpida e delinquente na forma quanto enigmática quanto aos fins. Mas manter presos os demais, por tanto tempo, em péssimas condições, sob severas restrições pelo “crime” de rezarem e cantarem hinos diante do quartel pedindo algo que não tinham o menor poder de fazer acontecer? Francamente!

Então, o ministro fala com a governadora que se compromete a resolver o problema da alimentação dos presos num local que, de fato, não é uma colônia de férias. E lembra, o ministro, haver o STF, em 29 de junho de 2020, apontado como um Estado de Coisas Inconstitucional” a situação dos presídios brasileiros. Você entendeu? Eu não entendi.

A frase de Raymond Aron, mencionada acima, me remete a uma conclusão bem sintética: há coisas que não se explicam. O Brasil é um mostruário de enigmas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

12/03/2023

 

 

Percival Puggina

         Uma das melhores iniciativas do curto mandato presidencial desempenhado por Michel Temer após o impeachment de Dilma Rousseff foi a aprovação da Lei das Estatais. E as determinações mais eficazes dessa lei foram as que restringiram drasticamente a influência política na gestão das empresas estatais.

Fique claro: foi o próprio Congresso Nacional, diante do corpo de delito da corrupção exposto pela Lava Jato, que decidiu dar um basta à instrumentalização política e partidária das estatais. Quanto a isso, parabéns aos congressistas eleitos em 2014.

Na nossa melhor tradição patrimonialista, as empresas controladas pela União sempre foram aproveitadas politicamente. Os governos petistas, porém, perderam a noção de limites. Em quatro sucessivos mandatos dispuseram de tempo para formar verdadeira escola de má gestão que se propagou pela base de apoio do governo. Durante aqueles 14 anos, o número dessas empresas, que vinha regredindo na era FHC, voltou a crescer, chegando a uma centena e meia no final do governo Dilma. Somando-se aos postos políticos e administrativos, tornaram-se, elas também, numerosa e atrativa moeda de troca na formação da cada vez mais onerosa maioria parlamentar.

O produto da instrumentalização das estatais foi medido em gestão ineficiente, corrupção, prejuízos financeiros e péssimos serviços.

Expostas as consequências pela Lava Jato, o Congresso Nacional foi compelido a reagir e restringiu de modo radical as condições para provimento de cargos de gestão e dos conselhos de administração dessas empresas, cobrando formação técnica compatível, experiência em atividade análoga à da nomeação e longo distanciamento de funções políticas e partidárias. Bingo! Não houve mais casos de corrupção e as empresas voltaram a apresentar lucros.

Com a volta do PT ao governo, essa situação deu causa à choradeira da elite companheira e parceira, que saiu do poder em 2016 habituada aos bons cargos das estatais e às amplas possibilidades que proporcionavam.

Então, os camaradas do PCdoB resolveram ajudar os companheiros do PT e demais integrantes da base do governo Lula e entraram no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade para destrancar as portas dos gabinetes agora vedados. A votação pelo Supremo ocorre em plenário virtual e se prolonga até as 23h59min do dia 17. O ministro Ricardo Lewandowski abriu a votação acolhendo a ação, em parte, e permitindo que agentes públicos – ministros de estado, secretários e assessores especiais – e dirigentes partidários possam ser indicados para as diretorias e Conselhos de Administração de empresas estatais, sociedades de economia mista e subsidiárias. O ministro votou para dispensar, também, a exigência de afastamento por três anos de atividades político-partidárias.

Qual a base constitucional dessa decisão? Bem, o ministro afirma (segundo diversos veículos que noticiaram o fato), que as medidas suprimidas “estabelecem discriminações desarrozoadas e desproporcionais – por isso mesmo inconstitucionais”.

Fatos como esse representam a relativização do Congresso Nacional, retirando-lhe o poder de decidir sobre a razoabilidade ou não das matérias que vota. Esse é um assunto sobre o qual o Congresso deliberou com inteiro conhecimento de causa. Tinha diante de si a completa anatomia da situação; deputados, senadores e seus partidos conhecem essa realidade desde o interior dos diversos organismos que a compõem.

Mas... por vezes, parece haver na Constituição algum preceito segundo o qual a corrupção precisa preservar frestas. A abertura dessas frinchas e fissuras estruturais é proporcional à relação entre a pressão partidária e à sujeição dos escolhidos para cargos de comando. Idêntica orientação deveria ser imposta a tribunais de contas e andares superiores do Judiciário.

Desconsiderado pelo Judiciário, comprado pelo Executivo, atacado desde dentro, com parlamentares pedindo as cabeças uns dos outros e inibindo sua liberdade de opinião e expressão, o Legislativo luta para sobreviver e se tornar significativo perante a nação.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

 

 

 

Percival Puggina

10/03/2023

 

Percival Puggina

         Os ministros do nosso Supremo são os trabalhadores-modelo de qualquer reforma da Previdência. Podendo aposentar-se antes, só saem do cargo quando, por terem completado 75 anos, a lei os expele para os chinelos e para o aconchego do lar. Joaquim Barbosa foi a exceção que me ocorre. Pouco adepto da tal colegialidade (nome simpático para o velho e astuto “espírito de corpo”), ele se retirou prematuramente após o julgamento do Mensalão e a saída foi festejada por seus pares.

Misteriosa atração pelo trabalho árduo e pelas tribulações inerentes ao exercício do poder! Dessa prisão dos autos, os titãs da juristocracia invertem a norma e só se libertam, mesmo, em última instância.

No próximo dia 11 de maio, Ricardo Lewandowsky soprará um fogaréu de velinhas e deixará o STF. Essas labaredas eu conheço bem porque meu mais recente bolo tinha 78 delas e um vizinho diligente chegou a chamar os bombeiros. A aposentadoria de Lewandowsky poderia ser um momento nacional relevante, não houvesse a certeza de que Lula designará ao Senado o seu substituto.

A escolha de ministros do STF e das cortes superiores tem evidenciado ser uma dessas ocasiões em que PT faz o de sempre: pensa em si mesmo. Quer alguém integrado à esquerda-raiz e evidências de fidelidade. Para afastar quaisquer riscos, o partido aprendeu a escolher gente nova, disposta a entregar no mínimo um quarto de século às fainas e vigílias do poder.

A disputa pela cadeira vaga já deve estar em curso nos bastidores jurídicos e judiciais do país.

O novo ministro pode sair da USP, que produz esquerdistas como forno de padaria faz cacetinhos de 50 gramas; pode sair dos sempre agradecidos e festeiros juristas do grupo Prerrogativas (Prerrô para os íntimos); pode sair da turma sempre ouriçada da AJD – Associação Juízes para a Democracia; e pode sair dos tribunais superiores, menos provável porque formado por pessoas mais idosas.

Vindo da caneta de onde vem, é inevitável que o futuro ministro seja esquerdista e marxista. Só rogo a Deus que não seja stalinista.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/03/2023

 

Percival Puggina      

         Hoje é o Dia Internacional das Mulheres. A crônica que segue tem a pretensão de as homenagear ajudando os homens a melhor entendê-las. Difícil minha tarefa? Certamente. Afinal, lido com a maior beleza da Criação e nosso maior fascínio ao longo da vida. Ao mesmo tempo, sei que o encanto feminino passa pelas diferenças anatômicas e vai muito além. Quebrar a casca grossa da insensibilidade masculina, que tanto confundimos com a condição de macho da espécie, possibilita mergulhar na essência dessas desigualdades. Uma vida mais feliz e o acesso a aprazível catálogo de experiências existenciais abrem-se então.

Conto um fato que me descortinou esse conhecimento. Aconteceu por volta do ano de 1980. Naquela época, tínhamos um carro só e três filhos pequenos. Para dedicar-se a eles, Mariza deixara seu trabalho como professora e assumiu o encargo diário de me levar e buscar no escritório. Chegando ao carro, eu assumia a condução.

Nesse dia, nossa caçula, Mariana, com seus três anos, me esperava de pé, no banco traseiro, com o corpo projetado sobre o encosto do banco onde eu iria sentar. Em movimentos simultâneos, beijei-a, sentei-me e fechei a porta. Ouvi um grito de dor seguido de um choro convulso. Enquanto, em pânico, reabria a maldita porta, pensei nos dedinhos da minha filha espremidos contra a lataria e assumi todas as culpas, remorsos e penitências do universo. Um segundo depois, vi que ela voltara a sentar e que sua mãozinha não estivera no batente da porta. O motivo do choro era outro, e persistia.

Até hoje, passado quase meio século, sempre que lembro aqueles instantes de agonia, seguidos de infinita gratidão a Deus, meus olhos se enchem de lágrimas. Enquanto o pranto de dor seguiu convulso, Mariza me explicou, num murmúrio: “Levei-a ao salão onde cortou o cabelo. Ela quis te exibir o cabelo cortado e tu não reparaste, Percival”.

Três aninhos, marmanjos que me leem! Três aninhos tinha minha filha quando me transmitiu essa peculiar lição sobre a alma feminina, e esses exóticos anseios, tão naturais para as mulheres, mas tão inescrutáveis por nós.

Que neste 8 de março elas recolham nosso pedido de perdão por todas as flores que não lhes demos, pelos elogios que julgamos desnecessários, pela atenção que lhes recusamos, pelos versos que não fizemos, pelos afagos que não lhes proporcionamos. A todas, ninhos da humanidade e maravilhas da natureza, minha sempre encantada admiração.

***

Nota: Pouco depois do fato aqui relatado, eu escrevi para o Correio do Povo uma crônica a respeito. Não havia computador à época, por isso não o encontrei na memória do PC. Tampouco o achamos, Mariza e eu, revirando duas caixas cheias com centenas de recortes de jornais do século passado. Queria reproduzir, aqui, o que escrevi a respeito quando jovem. Na falta, vai este, redigido com o peso dos anos. Se alguém tiver o texto antigo fará grande bem me enviando uma cópia.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

 

           

 

        

Percival Puggina

07/03/2023

 

Percival Puggina      

         Você já reparou? As mesmas pessoas e instituições de estado, os mesmos meios de comunicação, os mesmos que atacam com ferocidade as ditas fake news, botam uma pedra em cima de toda opinião, informação ou fato que os desagrade ou contradiga. E se têm poder, censuram, ou impõem sigilo e vão atrás de quem o penetre.

Existem condutas tão frequentes que, tornando-se corriqueiras, passam despercebidas em meio às tragédias nossas de cada dia.

Na semana que passou, li na Gazeta do Povo importantíssimo artigo do deputado Deltan Dallagnol sobre os méritos e a consequente tempestade que desabou sobre o juiz Marcelo Bretas. Assisti a sucessivos relatos sobre a desgraceira em que vivem centenas de bons e honrados brasileiros presos no arrastão judicial de 9 de janeiro. Vi provas robustas, em vídeo, das notáveis contradições e absurdos afirmados por Lula. Nada disso tem espaço no militante jornalismo nacional.

Dei-me conta, então: a outrora conhecida “Era da informação” colocou nas mãos da sociedade uma arma tão poderosa que passou a enfrentar antagonismo idêntico ao que se opõe à posse de armas pelos cidadãos.  As razões são essencialmente análogas e os agentes, os mesmos.

O Estado só consegue impor sua supremacia à sociedade e só pode inverter a soberania constitucionalmente definida se e quando controla o que a sociedade é autorizada a ficar sabendo. Se as novas mídias ameaçam a estabilidade do poder instalado, a necessidade de seu controle vira instrução normativa do partido que se pretende tornar hegemônico.

Meus leitores, que são pessoas esclarecidas, graças a Deus, devem estar querendo argumentar: “Mas as pessoas não apenas ‘se informam’. Há nelas, também, um conhecimento que procede da própria formação”. É verdade, e por esse motivo todo o sistema de formação (educação e cultura) do país está tomado pela hegemonia esquerdista, algo que se materializa pela censura, cancelamento e bullying da divergência e dos divergentes.

É por isso que o jornalismo brasileiro, de modo amplamente majoritário, silencia sobre o que não lhe convém. Bate o bumbo das narrativas. Toca a corneta das fake analysis. É por isso, também, que tanto insisto na necessidade de que conservadores e liberais, amantes, todos, da liberdade e da democracia, promovam a vacinação em massa da sociedade contra a pandemia totalitária que se avoluma no Ocidente.

Os elementos estão dados, os efeitos são conhecidos, os mecanismos com que se vai concretizando são de nosso convívio diário. Contam com apoio das mesmas plataformas que foram saudadas como a “democratização do poder de opinião” e assim funcionou até que esse poder ameaçou, primeiro nos EUA e, depois, no Brasil, o projeto maior de poder ao qual elas mesmas se integram.

O Brasil não precisa de uma guerra para se destruir. O Estado faz isso sozinho.      

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

06/03/2023

 

Percival Puggina

         A notícia que li meio por acaso na página SWI (Swissinfo) do dia 1º de março me emocionou. Congressistas democratas e republicanos dos Estados Unidos apresentaram projeto de lei para homenagear o falecido opositor cubano Oswaldo Payá (1952-2012) dando seu nome à rua fronteira à Embaixada de Cuba em Washington. Diz a informação:

"Mudar o nome da rua em frente à embaixada de Cuba em D.C. vai homenagear os bravos mártires do movimento cubano pela liberdade. Também será um lembrete permanente de que, graças ao trabalho de bravos ativistas como Oswaldo Payá, os dias do regime estão contados e o povo cubano será livre", disse o congressista republicano Mario Díaz-Balart em um comunicado.

Além de Díaz-Balart, os defensores do projeto de lei "Oswaldo Payá Way" são os deputados republicanos Carlos A. Giménez, Nicole Malliotakis e María Elvira Salazar, além da democrata Debbie Wasserman Schultz.

A versão do Senado deste projeto de lei foi apresentada pelos senadores Ted Cruz, Marco Rubio e Rick Scott, republicanos, e Bob Menendez, Dick Durbin e Ben Cardin, democratas.

Quem leu meu livro A Tragédia da Utopia sabe que Oswaldo Payá foi, até sua morte, o principal, o mais lúcido, corajoso e moralmente inatacável líder oposicionista cubano. Minha experiência com a vida em um regime onde a liberdade é concessão do Estado a quem se comporta como o partido determina começou em 2001 quando, chegado em Havana, telefonei para ele e para a também dissidente Marta Beatriz Roque.

Falar com dissidentes não é um desses comportamentos tolerados. Menos ainda se quem os procura é estrangeiro. Então, passei a ser seguido e perdi imediatamente minha liberdade. Não via a hora de voltar para o Brasil, onde, à época, havia liberdade. Agora também aqui isso acabou.

Nosso encontro, marcado para um jantar que sucessivamente mudou de endereço até que ele se sentisse seguro, foi um desses momentos que ficam para a vida. Conheci um homem curtido por longos anos de sofrimento sob um regime ao qual se opôs desde jovem, ao ponto de ser levado para uma UMAP (campos de concentração que atendiam pelo nome de Unidades Militares de Ajuda à Produção). Ali padeceu por dois anos e, posteriormente, cumpriu outros dois na prisão da ilha de Pinos.

Católico e militante anticomunista nunca lhe permitiram cursar a universidade. Contudo, sua vocação política e seu anseio pela redemocratização fizeram dele um redator de manifestos, um publicista muito além dos estreitos limites impostos pelo regime. Criou o MCL (Movimento Cristiano de Liberación). Tentou  concorrer a deputado, mas os nada democráticos processos de formação das candidaturas em Cuba jamais lhe facultaram essa possibilidade nas assembleias de postulação. Em 1991 sua casa foi invadida, ofensas foram pintadas nas paredes e seu telefone, então grampeado, ainda permanecia assim quando telefonei para ele em 2001.

Durante um bom jantar, que afortunadamente tive a honra de lhe proporcionar e no qual pude desfrutar de sua companhia, Payá me forneceu anotações e documentos elaborados pelo MCL entre os quais seu Projecto Varella, para a restauração da democracia em Cuba. Ao despedir-nos, ele me agradeceu por transmitir ao Brasil o sofrimento do povo cubano. O abraço que nos demos foi fraterno e sólido. Fraterno na fé e sólido nas convicções comuns.

Quando voltei a Cuba em 2010, quis retomar contato. O caminho seguro passava por seu irmão que vive na Espanha e me deu um telefone para o qual eu poderia ligar quando chegasse em Cuba.  Payá seria avisado e marcaria local e hora para nosso encontro. Ligações para lá e para cá, ficou acertado que me buscaria no hotel. Em algum momento, porém, essa ligação foi interceptada porque a porta do hotel Mercure Sevilla amanheceu policiada e não conseguimos nos encontrar.

Menos de um ano depois ele foi morto num “acidente” de carro, a caminho de Santiago de Cuba, em companhia de Harold Cespero, outro líder do MCL, também morto. A bordo, ainda, um jovem do Partido Popular espanhol e um sueco. Na 2ª edição de A tragédia da Utopia conto essa história em detalhes.

Por todas essas razões, alegrou-me o espírito saber que o endereço da embaixada cubana talvez carregue, para o túmulo do maldito regime, o nome de Oswaldo Payá – herói e mártir que um dia abracei.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/03/2023

 

Percival Puggina      

         Não é má vontade minha, não, ainda que a tenha por tantas razões que seria exaustivo listá-las.

Percebemos estar diante de uma ignorância que causa dor e produz males à sociedade quando o presidente da República afirma, com enorme ênfase, que se o Brasil produz comida para toda sua população e, ainda assim, alguns passam fome, é porque “deve haver alguém bem gordo por aí”.

Não seja tão injusto com seu ministro da Justiça, presidente!

Não é porque as prateleiras estejam vazias (e não estão) que alguns passam fome. O número dos tais carentes, ao contrário do que o petismo maliciosamente repete com insistência para transformar mentiras em verdades, caiu aos níveis mais baixos da história. E esse tipo de carência pode e deve ser atendida pelos programas de renda mínima.

A ignorância de Lula é obesa de malícia marxista. Ele precisa explicar a pobreza de uns pelos bens de outros. Jamais pelos bens dele mesmo ou  pelo que recebeu de um amigo dele. Como todo líder de esquerda, Lula prega uma coisa e faz outra; nunca dá exemplo daquilo que cobra dos demais. Por isso, reforma o Palácio da Alvorada, se hospeda nos melhores hotéis e indagado em juízo sobre seus rendimentos disse não saber o que recebia ou gastava por mês. Quantos brasileiros se permitem tamanha prodigalidade?

Milhões de brasileiros não percebem, em fatos como esses, a distância que separa o político presidente da República da vida real dos cidadãos, especialmente daqueles que mourejam pelo próprio sustento, contam dinheiro para pagar seus boletos, ou correm aos bancos para quitar seus impostos e remunerar seus colaboradores na empresa de onde sai o sustento seu e de outros.

Se tivesse qualquer interesse com a verdade, Lula já está suficientemente experiente para saber que gordo, gordo mesmo, obeso de tanto transformar o suor do trabalho alheio em lipídios para consumo próprio é o estado brasileiro. E é a esse estado que Lula trata de engordar ainda mais, criando ministérios e distribuindo com facilidade entre as “nações amigas” os recursos do trabalhador brasileiro.

Para sustentar essa megalomania histriônica, os impostos sobem, o dinheiro foge, os combustíveis encarecem e o dragão inflacionário ruge nas proximidades.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

28/02/2023

 

Percival Puggina

         A receita do totalitarismo não começa com a censura da opinião. Esta é uma fase posterior, abrutalhada e menor. O primeiro ingrediente da receita é a censura do pensamento. Sei que você dirá, leitor, ser impossível impedir as pessoas de pensar. No entanto, é perfeitamente viável restringir, com determinação e êxito, o acesso das mentes ao contraditório, ao pluralismo, às fontes da sabedoria, à informação ampla sobre o passado, o presente e as perspectivas para o futuro. Ou seja, é possível trazer o horizonte do saber para a ponta do nariz do cidadão, encurralando sua mente e confinando seu pensamento a uma preconcebida gaiola. E isso está em pleno curso.

Não estou falando de alguma distopia. Estou descrevendo, enquanto posso, o que vejo acontecer através dos mais poderosos mecanismos de formação e informação em nosso país: Educação, Cultura, Imprensa e Igrejas (Teologia da Libertação). A censura, em fases que vão dos direitos do texto aos direitos individuais do autor, é o arremate, o retoque sobre o trabalho de um mecanismo de ação muito mais intensa, extensa e profunda. A primeira fase é dos intelectuais; a segunda, dos brutamontes.

Não deixa de ser contraditório que, no Brasil, a censura seja exercida, notoriamente pelos andares mais altos do Poder Judiciário. Afinal, o direito à liberdade de expressão do mais humilde e derrotado mané é superior ao de qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal. Não se zanguem estes, nem se surpreenda o leitor: os manés não exercem atividade jurisdicional, não têm qualquer compromisso ético e funcional com imparcialidade, neutralidade, isenção, equanimidade, equilíbrio, etc. Ministros do STF e magistrados, por todas as razões, deveriam evitar a própria expressão pública, falar nos autos e deixar para os políticos as tagarelices e ativismos da política.

Dezenas de milhões de brasileiros perceberam que, proclamada a vitória de Lula na eleição presidencial, fechava-se o cerco às divergências. Anteviu que a inteira cúpula dos três poderes de Estado estaria trabalhando conjunta e afoitamente na criação de distintas e múltiplas estruturas de controle das opiniões expressas pelos manés da vida. A judicialização da Política coligar-se-ia com a politização da Justiça. Passaram a pedir socorro. Silenciosamente, muitos, em diálogo com seus travesseiros; outros, em desacertos e desconcertos familiares; outros ainda acamparam às portas dos quartéis. Inutilmente, como se viu.

O vandalismo de uns poucos foi o instrumento para o inacreditável arrastão judicial do dia 9 de janeiro, mas – estranho, não é mesmo? – em quase dois mil brasileiros cumpriu-se a profecia do ministro Alexandre de Moraes quando, no dia 14 de dezembro, apenas três semanas antes, com um sorriso irônico, anunciou haver ainda muita gente e multa para aplicar. Estranho, também, que sobre todos incidiu a mesma acusação comum: foram arrebanhados porque expressavam diante dos quartéis medo do que, bem antes do esperado, acabou se abatendo sobre eles de modo impiedoso.

Só não se angustia com isso quem aceita que a liberdade seja protegida com a supressão da liberdade. E só aceita esse contrassenso quem, usando neologismo da moda, apoia a esquerdonormatividade que, em outubro, fechou cerco e tomou o Estado brasileiro.

“E qual é a saída?”, perguntará o leitor afoito. Meu caro, não há porta de saída. O que há é caminho. Porta da esperança é programa de auditório, crença que levou à derrota em outubro. Há o caminho da política, percorrido com coragem, determinação, formação, organização e ação contínua.  

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.