Percival Puggina

02/04/2023

 

Percival Puggina

            Os primeiros, foram os eleitores. Levaram a sério a ideia de que um partido nascido da fusão do Democratas com o PSL forçosamente estaria alinhado na trincheira oposta àquela onde se instalasse o PT, se vitorioso na eleição presidencial. O União Brasil jamais seria parceiro de um governo petista. Em seguida, contados os votos, foi a vez de jornalistas, cientistas políticos, colunistas, palpiteiros, internautas no remo ou na cabine de comando, em ampla maioria, passarem recibo ao mesmo conceito: as cadeiras do União no Congresso ocupavam o quadrante direito dos gráficos.

Ninguém contava com a má-fé que, passada a eleição, levou o partido com a segunda maior bancada conservadora e liberal do Congresso a ocupar três ministérios no governo Lula. Verdade que o apoio prestado não está correspondendo ao que informam as tabelas usuais de conversão de cargos de governo em votos parlamentares nas casas legislativas do país. Sim, é desse jeito que a coisa funciona. No caso do União, é visível o desconforto de congressistas que se mantém fiéis às convicções com que se apresentaram aos eleitores em outubro do ano passado.

Nesse território se movimenta o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, filiado ao Novo. No horizonte político do centro para a direita, ele é um dos nomes que pode surgir como alternativa caso se inviabilize a apresentação de Bolsonaro em 2026. No entanto, o Novo que o reelegeu conquistou apenas três cadeiras na Câmara dos Deputados e nenhuma no Senado.

Ciente disso, Zema tem trabalhado para ampliar o partido no Congresso, ciscando nas insatisfações do União Brasil. No mês passado, atraiu o combativo senador Eduardo Girão, do Podemos. Nestes dias, tem conversado com o senador Sérgio Moro, do União. É obvio que o senador paranaense deve andar muito desconfortável sob uma legenda da base de apoio do Lula que regurgita anseios de vingança em relação a ele e o acusa de armar um autossequestro.

À medida que o desastre anunciado se for confirmando (coisa que, sinceramente, não desejo à nação) e o novo governo, em sua volta ao passado, atolar todos no pântano do qual havíamos conseguido sair, a colheita de Zema deve prosperar. E a oposição ganhará consistência no Congresso.

Felizmente, nem tudo se paga com cargos e nem todos por eles se vendem.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/04/2023

 

Percival Puggina              

         Ideologias são muitas. As mais radicais causam enfermidades psicológicas e geram indivíduos “sem noção”; grandes absurdos e grandes horrores têm nelas suas origens.

Recentíssimo exemplo de uma dessas enfermidades foi proporcionado pelo presidente da “Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos” Apex, ou ApexBrasil. O ex-prefeito de Rio Branco, ex-governador do Acre e ex-senador Jorge Vianna participou do Fórum Brazil-China Business (aquele a que Lula compareceria se não adoecesse novamente às vésperas do evento).  Coisa grande, portanto.

Nessa ocasião, na condição de encarregado de promover as exportações e investimentos brasileiros perante o principal importador de nossas commodities, o presidente da Apex abriu a cartilha petista sobre o tema ambiental. Esse novo catecismo da religião ambientalista entrou em vigor tão logo o Congresso Nacional retirou Dilma da presidência da República. Com o léxico esquerdista na ponta da língua, passou a atacar o agronegócio vinculando-o ao desmatamento da Amazônia. Creiam, para nossa sorte, os chineses certamente estavam mais interessados em tratar com os empresários presentes do que na fala do acreano ex-quase-tudo.

Aqui em Porto Alegre, o amigo jornalista Cléber Benvegnu comentou o fato na Rádio Bandeirantes aplicando, àquele merchandising às avessas, o diagnóstico correto: tara ideológica. Mas é bem isso! É uma compulsão que derruba a razão, faz desrespeitar o órgão que preside porque não há no mundo dos negócios brasileiros de exportação produtos mais relevantes que os do agro; e o Brasil não tem importador maior do que a China.

No entanto, o embaixador das exportações brasileiras, com dados de uma cartilha dodói da cabeça, que vê o ser humano que não seja de esquerda como inimigo da natureza e da humanidade, para alegria dos europeus, liga o desmatamento da Amazônia ao agronegócio brasileiro.

Não veem a própria incoerência: comem picanha e bebem cerveja. Em campanha eleitoral garantem disponibilizar seu consumo a todos... Mas são contra a criação de gado e as lavouras de cevada; querem que todos comam aves e suínos, desde que cereais e rações não sejam produzidos na escala necessária. Não perca seu tempo tentando entender.

Quanto ao agente chefe da nossa agência de promoção de exportações, vem a pergunta: recebeu a merecida carta de demissão no saguão do aeroporto, ao retornar ao Brasil? Não! Vai receber? Não! Nessa coisa lamentável que chamamos política, o Estado e suas instituições têm razões que, em situação normal se diria próprias de mentes perturbadas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

29/03/2023

 

Percival Puggina

 

         Responda para si mesmo, estimado leitor: se você fosse elaborar um projeto de lei de impeachment, colocaria essa tarefa, de algum modo, nas mãos do senador Rodrigo Pacheco? Convidaria, como ele fez, o ministro Ricardo Lewandowski para conduzir o trabalho junto com doze apóstolos da justiça humana escolhidos por eles?

Ah, pois é! Eu também não cometeria um atentado ao bom senso com tão gigantescas proporções. Mas foi de tais mãos que nasceu, como produto de um coletivo de judas, a proposta de uma nova Lei do Impeachment que reduz o poder da sociedade.

São simples as razões deles para assim agir e as nossas para discordar. Vivemos sob a dura experiência de ter nossos direitos reprimidos por meia dúzia de donos da verdade. A inteira receita da proposta para o novo estatuto do impeachment foi confeccionada por uns poucos felizes e bem sucedidos concessionários desse extraordinário bem.

Aos olhos dos autores do projeto, nossa longa experiência na lida com as narrativas que a esquerda usa para adoçar suas falácias e mistificações nos torna incompetentes. Apesar de pagarmos a conta de todos os desastres e trazermos o lombo ardido pelo chicote da censura, nos veem como destituídos de discernimento para os benefícios do livre exercício da cidadania. Assim, nos tomam o poder que hoje nos é concedido pela Lei do Impeachment e pelo Regimento Interno da Câmara de “denunciar o presidente da República à Câmara dos Deputados”.

Essa tarefa, ao que pretendem os autores da nova lei, fica reservada a um “pugilo de bravos” onde – surpresa! – alguns deles se contam, carregando para o futuro, a exitosa experiência acumulada no manejo das instituições a seu gosto e favor. Afinal, é uma escola com 20 anos de atividade.

Por outro lado, enquanto a onisciência do grupo retira prerrogativas das mãos do povo, a lista dos crimes de responsabilidade se alonga contra tudo e todos que se interpuseram ou resistiram aos objetivos políticos da esquerda nos últimos seis anos. Lá estão, marcando os alvos, as subjetividades e o espalha-chumbo retórico e frenético das “fake news” e “atos antidemocráticos”. Você sabe o que isso significa, não sabe?

Do que é realmente imperioso para a cidadania, não se trata: reativação do funcionamento de freios e contrapesos. Atualmente um está sem freio e o contrapeso do outro estragou há muitos anos. Caiu no chão, não funciona e ninguém conserta.

O retrato dos autores do projeto da nova Lei do Impeachment fornece o retrato de seus alvos. Não é assim que se legisla e há que pressionar (especialmente a Câmara dos Deputados) para que não legitime esse aleijão proposto pelo Senado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

  

Percival Puggina

28/03/2023

 

Percival Puggina

         Corria o ano de 1962 quando meu pai contou à família que decidira candidatar-se a deputado estadual. A novidade surpreendeu a todos porque ele sempre atuara no setor privado, como pequeno empreendedor ou como executivo de empresas de maior porte. De onde lhe saíra tal ideia? Vivíamos os anos que se seguiram à renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente João Goulart assumira o poder, o estresse político nacional se expandira na sociedade. A política era assunto recorrente, tanto em casa quanto no colégio. Mas a candidatura anunciada realmente surpreendeu a numerosa plateia familiar (éramos sete irmãos).

Iniciou-se ali, na sala de casa, minha experiência com campanhas políticas. Meu pai foi eleito naquele mesmo ano e por três vezes renovou o mandato. As campanhas do deputado Adolpho Puggina eram feitas no pó e na lama das estradas de então, a bordo de uma trepidante Rural Willys. Sua “plataforma de comunicação” era o serviço dos Correios que levava aos fundões do mundo rural, onde estavam seus eleitores, pequenos “santinhos” impressos, cuidadosamente empacotados durante sucessivos mutirões familiares.  

Para custear as despesas de eleição – cédulas, santinhos, gasolina e hospedagem – o “velho” fazia um empréstimo na antiga Caixa Econômica Estadual e o amortizava em prestações ao longo dos meses seguintes.

Dezesseis anos mais tarde, quando disputava o quinto pleito, ele comunicou que não seria reeleito. Seus antigos cabos eleitorais estavam querendo cobrar para angariar votos, pediam dinheiro, carro, material de publicidade vistoso, cartazes e os concorrentes estavam disponibilizando isso. Ele não iria fazer uma campanha milionária porque não tinha meios e não queria a política assim.

“O resultado disso será desastroso, meu filho”. Essas palavras do velho e experiente parlamentar me vêm de modo recorrente à lembrança quando observo a política como feita entre nós, em especial nos parlamentos. E de lá para cá essa situação só se agravou.

O leitor destas linhas pode estar pensando na corrupção que se instalou junto com a necessidade de custear campanhas caríssimas para um número crescente de partidos e de candidatos. Sim, é verdade. Mas a isso se agrega a corrupção da representação popular (equivalente à corrupção da democracia), sob o pujante impulso dos fundos públicos para custeio da política e das emendas parlamentares.

Este último e fatal elemento a fazer prova do “resultado desastroso” antevisto por meu pai permite, inclusive, que parlamentares se reelejam mesmo que, no desempenho do mandato, votem contra os interesses dos cidadãos entre os quais se incluem seus eleitores! Isso não importa, contanto que os recursos cheguem às bases e satisfaçam a relação de troca: para o candidato, voto é grana; para o eleitor, grana é voto. Com isso, corrompe-se a cidadania. Um desastre moral do qual poucos escapam, mas cujas consequências atingem a todos.  

Voto distrital melhoria bastante isso, mas quem se importa?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

24/03/2023

 

Percival Puggina

         Na onda do “empoderamento”, que parece ser a verdadeira força motriz das reivindicações identitárias destes dias tumultuados, mas pedagógicos, ganha espaço o empoderamento do narcoestado. Um poder sem regras que o reprimam tende a crescer como inço em jardim desmazelado. Em pouco tempo, acaba com o jardim e vira mato.

Certa vez, revisitando Nova Petrópolis, na Serra Gaúcha, depois de muitos anos sem por lá andar, encontrei a cidade transformada num jardim. Uma senhora que me reconheceu abordou-me e, após algumas palavras, perguntei a razão daquela transformação que me dava a sensação de estar em bem cuidada cidade alemã da Bavária. Ela me esclareceu, com forte sotaque regional: “Quando a chente passa por uma cassa mal cuidada, tiz pra tona: ‘A senhora é pem relaxada mesmo, non?’.”

Assim, na lata. No Brasil, protetores da criminalidade zelam pelo inço social! São os inimigos da ação policial, sempre prontos a criticar a polícia. Quando policiais e criminosos se defrontam numa operação, parecem querer um equilíbrio de forças que só se satisfaz se houver “equidade” no número de óbitos. Pedem políticas de desencarceramento. Afirmam que temos presos demais, como se os cidadãos, caminhando nas ruas ou navegando na internet, não fossem peças numa vitrine de frango assado à escolha da bandidagem. Dizem – na caradura – que roubar é um direito. Querem a liberação das drogas, como se o narcoestado, com livre comércio e consumo, fosse se transformar em alguma ONG benemerente. Odeiam as armas dos cidadãos de bem e têm contra eles palavras de repreensão jamais empregadas aos criminosos que veem como vítimas da sociedade e aos quais devotam cínico senso de humanidade.

Tudo se agrava quando: a) o STF proíbe o acesso da polícia a certos locais dominados pelo crime; b) quando o presidente da República entra choroso nesse discurso e constrói a imagem falsa de um “menino” preso e maltratado por roubar um celular; c) quando o ministro da Justiça ingressa no recinto privado e controlado pelo crime da favela da Maré para se reunir com uma ONG, em evento no qual não tratou de recadastramento de armas nem de desarmamento, mas de mortos em ações policiais”, segundo informação de um parlamentar.

O controle de estabelecimentos penais ou de inteiras galerias pelas facções do sindicato do crime; centenas de violentos ataques a unidades policiais, veículos estabelecimentos públicos e privados no Rio Grande do Norte; a ação planejada contra autoridades da República, entre as quais o senador Sérgio Moro e sua família, etc., são simples consequências do empoderamento que não encontra contenção e se propõe eliminar qualquer resíduo de resistência.

Não por acaso, à nossa volta, o narcoestado é uma realidade ou está em acelerada formação no Peru, na Bolívia, no Colômbia, na Venezuela e se você prestar atenção vai reconhecer parte expressiva dos países do Foro de São Paulo, da Pátria Grande etcétera e tal.

Tudo tem sua compensação. Não há um minuto sequer de leniência, tolerância, comiseração nem perdão para quem rezou e cantou na frente de um quartel.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

22/03/2023

Percival Puggina

         Agora se entende por que o governo Lula está, visivelmente, empenhado em um processo de destruição nacional. Após a fala do presidente é o que se depreende dos anúncios da área econômica, do retorno à política do bandido armado e do cidadão à própria sorte, da volta do MST aos negócios fundiários, do desemprego que cresce, das empresas que desistem do Brasil, da bolsa que despenca, da criminalidade que volta a se elevar, dos regabofes servidos ao setor privilegiado do mundo cultural, da partidarização das estatais.

Lula nunca leu uma vírgula de Alexandre Dumas. No entanto, cercado de amigos, sente-se como o personagem Edmond Dantès de “O Conde de Monte-Cristo” voltando afortunado do exílio para se vingar de seus malfeitores. Só não sabe que, diferentemente dele, o injustiçado personagem era inocente. E mesmo assim, a vingança o fez mais perverso e infeliz do que os homens que o acusaram em juízo.

         Ai! Que vale a vingança, pobre amigo. Se na vingança, a honra não se lava? (Castro Alves, no poema “Anjo”).

Ela está encardida. Todos os brasileiros sabem quem é Lula e metade não se importa com o que ele fez. “Essa gente” vai sofrer duplamente. Sofreu com as consequências do déficit moral de seus governos e agora padece com o preço da vingança do malfeitor. Assim vai a nação, cativa na trama de uma novela que parece não ter fim nem moral alguma.

O que ele falou, ocupando o cargo que ocupa – Chefe de Estado e Chefe de Governo – é o mais eloquente discurso de ódio que já ouvi. Por muito menos, um deputado federal foi preso e acabou perdendo seu cargo e seus bens; por muito menos, cidadãos comuns sofreram restrições de direitos enquanto outros estão no exílio.

Imaginem se Bolsonaro tivesse falado algo assim, o que não estariam dizendo a mídia do consórcio, os companheiros do mundo jurídico, o saltitante senador pelo Amapá e os acelerados ministros do STF.

Que tudo isso sirva para pensarmos sobre a tragédia institucional e moral do país.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

21/03/2023

 

Percival Puggina

         Corria o ano 2000 e a nação se preparava para festejar os 500 anos do Descobrimento. Nunca a esquerda foi tão indigenista! Cabral era vaiado nas salas de aula e na mídia. Se aparecesse alguma caravela, seria afundada. Aliás, fizeram uma que, de maneira muito suspeita, se recusou a navegar. Em Porto Alegre, o relógio que fazia a contagem regressiva serviu a culto indígena prestado por descendentes de europeus que copiaram performances apaches aprendidas do cinema ianque. Tocaram fogo no relógio, dançaram em torno da fogueira e foram comemorar num restaurante.

Quando escrevi criticando a representação teatral e o incêndio, que contou com proteção do oficialismo petista da época, respondeu-me um padre, reprovando minha posição. O que segue é um extrato dos argumentos que usei na réplica e atende solicitação de leitor do Instagram que, há alguns dias, me pediu informações sobre o tema.

Comecei a carta ao padre alertando para a obviedade tantas vezes mencionada por mim: o fato de o espaço físico do nosso subcontinente já estar povoado não significa que ele não tenha sido descoberto porque, de fato só se descobre o que já existe; o que não existe e passa a existir é criado ou inventado. Os portugueses descobriram algo que lhes era, em todos os seus aspectos, desconhecido.

São raríssimos os casos em que os atuais ocupantes de quaisquer áreas do globo estão nelas e as têm como suas desde os primórdios. Não era diferente aqui, antes de Cabral. As tribos disputavam o litoral, por ser mais aprazível do que o interior. Na Bahia, onde aportaram as caravelas, os tupiniquins haviam expulso os tapuias, nome que significa “índio do mato”.       

No Peru, os Chavins, os Nazcas, os Paracas, os Moches que ocupavam a costa do pacífico no século XVI, foram expulsos ou submetidos pelos Incas. E os astecas, a quantos expulsaram e sacrificaram? Que fizeram na Europa e norte da África, ostrogodos, visigodos, suábios, hérulos, vândalos, entre outros?

Por ser meu interlocutor da época um presbítero, pareceu-me oportuno lembrá-lo de que nem Deus conseguiu que a Terra Prometida estivesse desocupada e disponível para o povo da Aliança quando os israelitas se retiraram do Egito. Rolou sangue, muito sangue.

Aliás, é bom que os cristãos devotos desse tão engenhoso quanto inútil revisionismo histórico tenham presente o que aconteceu quando Constantino decretou e impôs o fim da religião do Império Romano. Nunca vi qualquer religioso “progressista” ou conservador, reclamando do que foi feito com a civilização e a cultura romana anterior ao Cristianismo. Coitados! Num canetaço imperial lhes tomaram a fé e os templos. Quantos deuses romanos ficaram ao relento! Tampouco vi alguém denunciando a ação evangelizadora e restauradora da civilização empreendida por cristãos junto aos bárbaros na baixa Idade Média. Nem sobre os procedimentos de Clóvis, rei franco, após seu batismo.

Lamentar o fim da “civilização” pré-cabralina, como tantas vezes ouço, é fazer uso totalmente inadequado da palavra civilização. Pode-se falar em “cultura”, mas tampouco esta teve um fim. Há tribos que vivem até hoje como viviam ao tempo do Descobrimento. Mas será isso positivo? Será bom que essas pessoas vivam privadas dos benefícios da civilização e sirvam de laboratório para estudos antropológicos? 

Por outro lado, tenta-se extrair dividendo político e moral de uma suposta descoberta petista sobre os problemas dos povos originários após o Descobrimento. Não subestimem os meus professores de escolas públicas nos anos 50, lá em Santana do Livramento! Aprendi deles e dos mais elementares livros de história da época que os índios foram vítimas de violência, tentativas de escravidão etc. Não sei de onde saiu o suposto mérito petista de, num furo de reportagem, trazer à superfície a verdade sobre tais fatos. Novidade é a tentativa de extrair, além do impróprio dividendo moral, o lucro ideológico disso, jogando brasileiros contra brasileiros, tentando simplificar a história para reduzi-la aos termos da interpretação marxista de luta de classes. Novidade é entrar de martelete e picareta no relato dos acontecimentos históricos para deslegitimar todos os títulos de propriedade do país. Que eu saiba, nem Engels pensou nessa!

Na Ibero América, a esquerda católica, conhecida na Itália como “cattocomunista” parece não reconhecer o valor da conversão, do batismo e da evangelização de um continente inteiro. Chego a crer, que muitos religiosos veem com maus olhos a cruz plantada nas areias de Porto Seguro, após a primeira missa, pelos nossos descobridores que ante ela se ajoelhavam para que os nativos (na forma da carta de Caminha) “vissem o respeito que lhe tínhamos” ...

Muitas vezes, nas datas nacionais que cultuam o verde e amarelo da nossa bandeira, quando a esquerda está na oposição, seus militantes costumam proclamar do alto de sua simulada benignidade que nada há a comemorar porque as coisas não vão bem. A gente os conhece, mas sempre me surpreende quando quem diz isso é um religioso católico ou cristão. Afinal, se fossem boas essas razões, as próprias festas cristãs deveriam ser suspensas porque estamos tão longe do Reino de Deus e de seus critérios que deveríamos entoar, em todas as missas, um cântico que iniciasse com “Nada a comemorar, Senhor!”.

Eu continuo crendo no valor do batismo e convencido de que há um bem intrínseco na evangelização e na civilização. E quando vejo essas dezenas de milhões de mestiços que compõem a parcela majoritária da população do norte, nordeste e centro-oeste brasileiro, trazendo nos cabelos, nos olhos, na estatura, as marcas de suas raízes indígenas, e os encontro nas missas e na vida civilizada, me alegro pela obra dos jesuítas e de quantos para cá vieram, com os recursos da época, fazendo a história como sabiam, com a coragem que nos falta e com os conhecimentos inerentes ao período em que viviam.

Todas essas manifestações de repúdio aos brancos que se intrometendo aqui não viraram índios e não trouxeram a bordo antropólogos, sociólogos, psicólogos e filósofos me suscitam uma dúvida: onde querem chegar? Devemos voltar para a Europa, confinarmos os brancos em reservas e devolvermos tudo para os índios? Nos juntarmos a eles no mato? Des-descobrir? Desconstruir? Desevangelizar? Deseducar? Desmestiçar? Retornarmos os brancos à Europa, os negros à África, os amarelos à Ásia? Não conheço pensamento mais racista do que esse.

Admito que muitos pensem diferente. Também eu preferia que essas coisas e muitas outras tivessem ocorrido de modo diverso. Mas não vou passar a vida remoendo fatos ocorridos em séculos passados, escrutinando-os anacronicamente. Menos ainda criando um impasse sem solução sobre nossa identidade nacional. Não podemos corrigir o passado, mas o futuro, sim.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

19/03/2023

 

Percival Puggina

         O Ocidente viveu milênios em que a guerra foi o estado natural dos agrupamentos humanos. Quem visita as mais antigas cidades europeias encarapitadas no topo de elevações pode observar as engenhosas e robustas fortificações que as envolviam. Seus habitantes não trocavam o conforto das planícies pelos panoramas que se descortinam desde seus mirantes, mas pela segurança que a ampla visibilidade dos arredores proporcionava.  Em sua origem, não eram cidades “com vista”, mas cidades com “melhor detecção de agressores externos”. Os ataques eram possíveis, prováveis e recorrentes.

Havia guerras de pilhagem e de conquista. Disputavam-se territórios, objetivos estratégicos, coroas que se vulnerabilizavam e os conflitos se foram tornando mais violentos e prolongados conforme se constituíam os reinos medievais. As guerras duravam anos, décadas e até um século inteiro, como a Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França pela hegemonia sobre a região de Flandres.

A História, porém, reservou o nome de Grande Guerra para os dois conflitos ditos mundiais travados fundamentalmente na Europa Ocidental no século passado. A primeira, de 1914 a 1919 e a segunda, de 1939 a 1945. A contagem das vítimas de cada uma foi às dezenas de milhões.

Escrevo sobre guerras e grandes guerras porque, na minha percepção, uma terceira guerra – grande, destrutiva e silenciosa – também se trava no Ocidente. Singularmente, é guerra do Ocidente contra si mesmo. Para designá-la, generalizou-se a expressão “Guerra Cultural”, que parece dizer pouco para o quanto há de catastrófico na gradual destruição de uma cultura. James Burnham tratou do tema em “O suicídio do Ocidente”, mas o fez numa perspectiva pessimista. Eu creio numa vitória da vida e do Bem.

Antes que o Império Romano enfrentasse o declínio, a antiguidade arquejava uma cultura que não resistiria ao exemplo e à mensagem da Cruz. Tito Lívio, historiador romano que viveu no tempo de Jesus, escreveu: “Chegamos a um ponto em que já não podemos suportar, nem nossos vícios, nem os remédios que os poderiam curar”. Quanto essa frase, passados vinte séculos, parece falar dos dias atuais! A cultura é a alma de uma civilização. Corrompida essa alma, a civilização se degrada e fragiliza.

Você pode esgotar todos os adjetivos do dicionário para descrever o que aconteceu em Roma.  No entanto, eles serão poucos para descrever o efeito daquilo a que se dedicam os “progressistas” se conseguirem destruir a alma cultural do Ocidente, que há dois mil anos começou a ser construída. Não é por acaso que ela se reflete nas grandes declarações internacionais sobre pessoa humana, sua dignidade e seus direitos, bem como sobre família, e sociedade. Todas beberam da mesma fonte.

Essa, porém, não é uma questão religiosa! O leitor pode ter esses mesmos apreços e não ter religião alguma, mas é certificada a procedência e a longa produção desse Bem que o atraiu. Na guerra peculiar guerra que descrevo não há muro, como dizia recentemente o jornalista Júlio Ribeiro em seu programa na Rádio + Brasil. Quem ama o Bem, a Beleza, a Justiça e a Verdade, tem lado e protege aquilo que ama. Muros são o habitat natural dos omissos.

O falso humanismo dito progressista é aquele que sistematiza ataques à inocência das crianças, terceiriza para o Estado a instituição familiar, protege o criminoso e criminaliza a vítima, quer desencarceramento e liberação das drogas, exige aborto “livre, público, gratuito e de qualidade”. Onde existe a União, levam a discórdia; onde a Verdade é apreciada, levam a narrativa; onde reina o Amor, levam o ódio; onde há Esperança e Alegria, providenciam o desespero e a tristeza. Sua arte é horrenda, sua ética condena a virtude e sua justiça, perversa.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

18/03/2023

 

Percival Puggina

         Minha primeira resposta a essa pergunta, no Brasil destes dias, encontra perfeita explicação em palavras de Cirano de Bergerac:

O que queres que faça? Almoçar cada dia um sapo e não ter nojo? Trazer os joelhos encardidos? Exercitar a espinha em todos os sentidos? Gastar o próprio ventre a caminhar de bojo? Não, muito obrigado!

Não, muito obrigado, mesmo! Sou conservador porque não me presto para ser aquilo em que nos querem transformar. Sou conservador porque vejo erodidos valores que tenho como sólidos e cuja eficiência comprovei em longas décadas de vida. Não sou um inexperiente nessa coisa de viver.

Sou conservador porque condeno as utopias, independentemente de quem as enuncie e sou capaz de identificar distopias, mormente quando querem me impor uma delas.  Sou conservador porque aprendo com a História, quero corrigir o que está errado, manter o que a experiência passada me comprova ser bom e corrigir o que pode ser aprimorado.

Sou conservador porque vejo o mundo cultural, a academia, os partidos de esquerda e o próprio aparelho judicial militante ocupados em dar forma a um falso humanismo que não recusa a cessação das liberdades com vista aos fins enunciados. Ou, quando piores, implícitos.

Vem perdendo muito vigor, aquele conjunto de princípios que nós, conservadores e liberais, mantemos em comum, a saber, entre outros:

- Democracia política,

- Limitação dos poderes,

- Universalidade dos direitos humanos,

- Igualdade de todos perante a lei,

- Liberdade de expressar o pensamento, ir e vir, reunir, empreender,

- Liberdade de culto e o respeito às religiões.

Tais princípios cedem lugar a um autoritarismo que, no Brasil, ganha proporções alarmantes, contaminando os compartimentos do poder. É o que percebo rotinizado, por exemplo, nas presidências das duas Casas do Congresso e de suas comissões e no topo do Poder Judiciário, com natural aquiescência do CNJ e do CNMP.

Em seu livro Teorias Cínicas, os autores Helen Pluckrose e James Lindsay, chamam a atenção para um dos efeitos desse autoritarismo: a infiltração de tais ideias no mundo acadêmico. Ali, ele desencadeia uma intolerância que se sente moralmente autorizada a liberar sucessivas tropas de choque à revolução cultural – um reset mundial cujas consequências ocupam espaços na imprensa conivente, que finge não ver as causas.

Intolerância, ativismo, ignorância, espírito de corpo e interesses pessoais na gestão do que é público ou privado fazem com que:

- a democracia perca espaço;

- os poderes sejam exorbitados;

- os direitos humanos sejam distribuídos a grupos politicamente organizados como tira-gosto de coquetel;

- a igualdade de todos perante a lei morra em abomináveis desigualdades, ou em favor de um igualitarismo de encomenda, ou sob medida, como roupa de alfaiate;

- a liberdade de culto e o respeito às religiões atinjam todos os níveis possíveis de negação e vilipêndio.

Vistas as consequências, como não perceber aí a existência de uma força motriz a impulsionar o pensamento revolucionário? É precisamente ela que promove a atual reviravolta no conceito dos direitos humanos, fracionados em pautas que mobilizam interesses grupais, sectários, subitamente convertidos em exigências morais que, ao serem enunciadas, catapultam o reclamante ao mais elevado altiplano da nobreza moral (mas não “moralista”, obviamente). Opa! Que moral é essa?

De que moral, falamos, camarada? Pode ou deve, essa “moral”, influenciar o Direito? É razoável que a moral não influencie o Direito?

Sei que abro um espaço para divergência e não penso que essa divergência vá ser resolvida aqui ou em qualquer outro ambiente jurídico ou filosófico. Jamais formarei consenso, porém, com a ideia de uma moral de arreglo, de credores autoindicados e de devedores indigitados, ou a que se chegue por acordos sucessivos, com concessões e mediações... Isso para mim não faz sentido porque nos atira nas trevas do relativismo! Sete bilhões de cabeças, sete bilhões de sentenças, sete bilhões de interesses pessoais.

Alguém poderá alegar, que estou promovendo, aqui, a defesa de um Direito Natural e, por consequência, de uma moral universal. Pois é exatamente isso! Estou mirando algo muito relevante ao conservadorismo.

Sei que o Direito Natural absorve, querendo-se ou não, a ideia de um Deus, de uma sabedoria universal, ou algo assim. Entendo que muitos compreendam isso como não adequado a um Estado laico. O problema da objeção é que ela, com o sonoro tsic de uma faca Tramontina, corta a palavra de quem fala e passa com a boiada sobre uma biblioteca inteira, que não por acaso contém séculos de sabedoria humana. Funciona mais ou menos como o moderno ter ou não “lugar de fala”. 

Por outro lado, o que vejo é que, com base na recusa ao Direito Natural por deitar raízes na tradição religiosa judaico-cristã do Ocidente, se vai legislando, mundo afora, contra a vida, a liberdade, a propriedade, a boa justiça e se afaste do debate democrático qualquer argumento rotulável depreciativamente como religioso.

Esses novos direitos, a imposição de códigos e convenções através do politicamente correto e do recentíssimo movimento woke, estão criando em pleno século XXI um deus ex-machina, difuso e confuso, com superstições, cultos e infalibilidades, com Cortes e inquisições, a controlar pensamentos, palavras e obras. Ou não? Sem lei que as defina como crime, qualquer pessoa pode ter sua vida devastada, ser jogado à desgraça por palavra imprópria ou ideia considerada politicamente incorreta.

Toda a sadia e louvável busca de realização da dignidade humana, de pluralismo, de proteção das minorias, foi deformada e politicamente apropriada para se converter em escalada à montanha do poder. Isso se torna mais evidente quando se percebe que o integrante de qualquer das frações identitárias em que a sociedade está sendo dividida só merece proteção se companheiro na militância pelo poder político.

Por vezes me pergunto: como não ser conservador vendo o colapso da democracia, o fracasso das instituições, a asfixia da liberdade, a cultura da morte, a criminalidade, a tolerância para com as drogas, o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores, o afrouxamento dos laços familiares, a abdicação ao papel pedagógico-moral das famílias, escolas e Igrejas, a perda da noção de limites, a manipulação ideológica do sistema de ensino? Hã?

Como não acontecer tal degradação quando se despreza o ensinamento da História e os conceitos morais se acomodam e relaxam no colchão d’água das consciências deformadas? 

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.