• Luiz Felipe Pondé
  • 15 Maio 2016

 

(Publicado originalmente na Folha)

Sem apoio ao pensamento liberal, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série.

A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha

A "batalha do impeachment" é a ponta do iceberg de um problema maior, problema este que transcende em muito o cenário mais imediato da crise política brasileira e que independe do destino do impeachment e de sua personagem tragicômica Dilma.

Mesmo após o teatro do impeachment, a história do Brasil narrada pelo PT continuará a ser escrita e ensinada em sala de aula. Seus filhos e netos continuarão a ser educados por professores que ensinarão esta história. Esta história foi criada pelo PT e pelos grupos que orbitaram ao redor do processo que criou o PT ao longo e após a ditadura. Este processo continuará a existir. A "inteligência" brasileira é escrava da esquerda e nada disso vai mudar em breve. Quem ousar nesse mundo da "inteligência" romper com a esquerda, perde "networking".

Ao afirmar que a "história não perdoa as violências contra a democracia", José Eduardo Cardozo tem razão num sentido muito preciso. O sentido verdadeiro da fala dos petistas sobre a história não perdoar os golpes contra a democracia é que quem escreve os livros de história no Brasil, e quem ensina História em sala de aula, e quem discorre sobre política e sociedade em sala de aula, contará a história que o PT está escrevendo. Se você não acredita no que digo é porque você é mal informado.

O PT e associados são os únicos agentes na construção de uma cultura sobre o Brasil. Só a esquerda tem uma "teoria do Brasil" e uma historiografia.

Esta construção passa por uma sólida rede de pesquisadores (as vezes, mesmo financiada por grandes bancos nacionais), professores universitários, professores e coordenadores de escolas, psicanalistas, funcionários públicos qualificados, agentes culturais, artistas, jornalistas, cineastas, produtores de audiovisual, diretores e atores de teatro, sindicatos, padres, afora, claro, os jovens que no futuro exercerão essas profissões. O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos.

Erra quem pensa que o PT desaparecerá. O do Lula, provavelmente, sim, mas o PT como "agenda socialista do Brasil" só cresce. O materialismo dialético marxista, mesmo que aguado e vagabundo, com pitadas de Adorno, Foucault e Bourdieu, continuará formando aqueles que produzem educação, arte e cultura no país. Basta ver a adesão da camada "letrada" do país ao combate ao impeachment ao longo dos últimos meses.

Ao lado dessa articulada rede de agentes produtores de pensamento e ação política organizada, que caracteriza a esquerda brasileira, inexiste praticamente opção "liberal" (não vou entrar muito no mérito do conceito aqui, nem usar termos malditos como "direita" que deixam a esquerda com água na boca).

Nos últimos meses apareceram movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL que parecem mais próximos de uma opção liberal, a favor de um Brasil menos estatal e vitimista. Ser liberal significa crer mais no mercado (sem ter que achá-lo um "deus") e menos em agentes públicos. Significa investir mais na autonomia econômica do sujeito e menos na dependência dele para com paternalismos estatais. Iniciativas como fóruns da liberdade, todas muitos importantes para quem acha o socialismo um atraso, são essencialmente incipientes. E a elite econômica brasileira é mesquinha quando se trata de financiar o trabalho das ideias. Pensa como "merceeiro", como diria Marx. Quer que a esquerda acabe por um passe de mágica.

O pensamento liberal no Brasil não tem raiz na camada intelectual, artística ou acadêmica. E sem essa raiz, ele será uma coisa de domingo a tarde.

A única saída é se as forças econômicas produtivas que acreditam na opção liberal financiarem jovens dispostos a produzir uma teoria e uma historiografia do Brasil que rompa com a matriz marxista, absolutamente hegemônica entre nós. Institutos liberais devem pagar jovens para que eles dediquem suas vidas a pensar o país. Sem isso, nada feito.

Sem essa ação, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série.

A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha.
 

* Filósofo

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  • Sonia Zaghetto
  • 15 Maio 2016

 

(Publicado originalmente no Blog do Augusto Nunes)

Sob o sol inclemente, milhares de pessoas enfrentam uma fila para entrar na área cercada diante do Planalto. Índios, funcionários públicos, velhos militantes de longos cabelos brancos e jornalistas se comprimem contra as grades. Muitos vestidos de vermelho, com camisas da CUT, bandeiras da UNE e uma espécie de avental do MST. Há gente fina, elegante e, creio, sincera, com óculos Ray-Ban e iPhone, mas a maioria traz na roupa e na expressão o selo da pobreza. Cheiro do suor e balões vermelhos, rosas meio murchas nas mãos das mulheres. Celulares registrando cada movimento, como convém a esses tempos.

Palavras de ordem de repente rebentam no meio da multidão. “Dilma, guerreira da pátria brasileira” e “Golpistas não passarão” soam mais modernos, mas “O povo não é bobo: abaixo a rede Globo” parece ressuscitar algum fantasma da década de 70 que deveria estar morto e enterrado, não fossem os interesses da hora. Entre os que estão fechados no espaço gradeado há reclamações sobre crianças e idosos sedentos. Seus pedidos por água são ouvidos com total impassibilidade pelos seguranças do Planalto.

Nem bem encosto na grade e ouço uma moça, com crachá de funcionária de um dos Ministérios, comentar com a amiga: “A luta continua. Eles vão ter que nos matar. Nós, servidores públicos, mulheres, negros e trabalhadores rurais enfrentaremos tempos muito difíceis. Mas nós resistiremos“. A frase me soa surreal. Eles. Quem seriam eles? Temer? As perversas elites? Não me contenho e indago. “Eles, os que sempre mandaram no Brasil e agora não admitem que os pobres estejam no comando. Esses coxinhas, claro!“, é a resposta.

Um silêncio se faz em mim. Coxinhas. Sob esse rótulo – mais um dos que nos separam – vi o rosto de cada um de meus muitos amigos que combatem, com todas as forças, o governo petista. São médicos, garçonetes, taxistas, engenheiros, porteiros e professores. Alguns têm filhos recém-nascidos, outros estão desempregados, há os que estão abatidos com o noticiário interminável sobre corrupção e os que apostaram tudo o que tinham em pequenos negócios. Todos temem a sombra da grande crise que nos engolfa. Além de posts no Facebook e participação em manifestações, são inofensivos como borboletas. E menciono borboletas propositalmente, pois tenho um ridículo medo delas. São incapazes de me fazer qualquer mal, mas, em algum momento de minha vida, aprendi a temê-las e até odiá-las, coitadas.

Exatamente nessa hora recebo uma mensagem da Paula, que me confidencia: “Por que estou constrangida em dar uma leve comemoradinha em público!? Será que é respeito pelos colegas de esquerda, queridos, ou porque não há o que comemorar de verdade? Depois de tanto tempo eu deveria estar mais eufórica, mas não estou”. Paula, coxinha e borboleta, cuja doce sensibilidade até em comemorar traduz bem o instante e o perigo de julgar desconhecidos. Paula e sua mensagem são uma demonstração de que nem todo “coxinha” toma champanhe em copinhos de plástico na Paulista.

“Olha essas flores, vem aqui que eu te dou. Essas duas cercas não podem nos separar!“, grita um rapaz com sotaque gaúcho para uma garota do outro lado da grade. Não ouço a resposta, mas registro no rosto dele, se não o amor, mas a pura atração em tempos de cólera. Ele insiste: “Vem pra cá com a sua câmera. Aqui não tem ladrão nem golpista“. Atrás de mim, uma voz responde: “Há golpistas aqui, também“.

O ruído aumenta, punhos erguidos, mãos fechadas. Os ânimos se acirram, a grade é derrubada, um grito alto se eleva e o povaréu invade a cena. A jornalista americana está visivelmente tensa, assim como o cinegrafista musculoso, de óculos de sol e coberto de suor. Juntam os equipamentos e correm. Apenas um susto. A segurança intervém e põe a grade de pé novamente.

Olho para o lado e vejo dois militantes de meia idade – Tomás e sua companheira – que carregam cartazes em russo e alemão falando sobre o suposto golpe. Vieram do Ceará e querem alertar o mundo sobre o que acreditam ser um atentado à democracia. Atrás deles, um homem idoso, de longos cabelos totalmente brancos, compra um pacote de amendoim na barraca do ambulante (sempre os há). Veste uma regata branca. Os cabelos empapados de suor grudam na pele clara e no rosto vermelho.

De repente, um burburinho: o ex-presidente Lula chega. Começam a cantar um olê-olê-olê-olá-Lulá-Lulá. Apesar da saudação, Lula mal olha para os apoiadores. Passa direto, sem disfarçar o abatimento.

Pouco depois, Dilma começa a falar. Cada frase transmitida pelo sistema de som desperta reações na plateia. Chama o processo de impeachment de golpe e repete que não cometeu crime de responsabilidade. Quando se diz “vítima de uma grande injustiça” vários manifestantes começam a chorar, principalmente as mulheres. A presidente afastada pede várias vezes para que os seguranças mudem de lugar para que ela enxergue as pessoas do outro lado da grade. “Quero ver o pessoal!”, repete.

Atrás dela, Lula se mantém alheio, acariciando o bigode com um gesto mecânico e aquela expressão de descrença que todos temos nos velórios dos amados. Lula assiste ao enterro de seu projeto. Pergunto a mim mesma no que estará pensando. Lembro do líder carismático, domador de multidões de outrora, e tenho certeza que, naquele instante, ele está enfrentando a si mesmo: as escolhas equivocadas, a voracidade de seu grupo que lhe corroeu a popularidade, os planos de poder destruídos. Parece muito, muito velho. E cansado.

Volto novamente minha atenção para Dilma, que responsabiliza por sua queda não os erros que cometeu, mas os adversários, “os que não conseguiram chegar ao governo pelo voto direto do povo”, os que perderam as eleições e “tentam agora pela força chegar ao poder”. É aplaudida em delírio.

Em meio ao discurso de Dilma, disperso-me de novo. Noto um rapaz. Muito jovem, negro, vestido com simplicidade. Soluçava abraçado à mãe, que o consola. Eu e outra jornalista os fotografamos (a imagem era irresistível). A mãe nota as câmeras e quase sorri, abraça-o mais, conferindo pelo canto dos olhos se os celulares registram a cena. O rapaz afunda a cabeça no pescoço dela, as lágrimas encharcando a camisa. Balbucia frases sobre futuro incerto, desesperança, portas fechadas e perdas. Sinto uma brutal vontade de chorar. Uma compaixão imensa por aquele rapaz, tão jovem, acreditar que apenas um governo é capaz de erguê-lo.

Penso imediatamente em meu tio-avô, Deoclécio, negro, com seu impecável uniforme branco da Marinha Mercante, muito engomado, desfilando perante a vizinhança, orgulhoso de só dever sua carreira a si mesmo. E sofro, muda, por aquele rapaz estar tão vitimizado e dependente. Minha dor imensa é por terem roubado dele o que temos de mais esplêndido: o espírito independente, altivo. Abatido, ele agora acredita que não é nada. Sem a mão do governo, que seria dele? E isso, penso, é uma coisa inominável.

Isso, sim, é a restauração da escravidão. Uma escravidão que não atinge apenas a uma raça, que não vitima uma epiderme: a escravidão da alma, que é subjugada até não mais acreditar em si mesma, em seu esforço e capacidade. Alguém disse àquele rapaz – quase menino – que só sob a tutela do grande pai governamental ele seria algo na vida. E ele acreditou. Ao microfone, Dilma repete que é um dia muito triste.

Uma espiada em torno e vejo novamente os tipos clássicos que deveriam estar ali, obrigatoriamente. Alguns com jeito de classe média alta, mas que carregam uma culpa ancestral pela desigualdade social que testemunham. São sonhadores como Lennon e querem mudar o mundo como Cazuza. Dividem o planeta entre capitalistas feios e socialistas bondosos; acreditam que ser de esquerda é um certificado de “ser do bem”. Demoro algum tempo observando a moça que tudo fotografa com um iPhone: corte de cabelo moderno, óculos de sol e um colar de miçangas alaranjadas enrolado no braço direito.

Volto a atenção para Dilma pela terceira vez. Ela está dizendo que sofreu a dor da tortura, da doença e, agora, a da injustiça e da traição. Um coro se eleva: “Fora Temer!”. Ouço o discurso pensando que ela também foi vítima da própria arrogância. A primeira mulher a presidir o Brasil pecou por falta de humildade, por inabilidade, por não saber ouvir.

A presidente se aproxima de onde estou. Abraça e beija as mulheres que estão ao meu lado. Sorri muito. Noto seus cabelos escovados, a face coberta de pesada maquiagem. Terá dormido? Estará medicada para enfrentar a dureza da hora? Começo a sentir piedade, mas lembro que, poucos minutos antes, ela havia, ainda uma vez, insinuado a toda aquela gente desesperançada que eles perderiam tudo o que tinham conquistado: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Fies, Prouni, cotas raciais e sociais. E a imagem do rapaz que chorava absorve toda a minha capacidade de sentir compaixão.

A presidente se afasta e começo a retornar. O caminho está impedido por muitos índios que cantam, dançam e gritam pela demarcação das terras indígenas. Penso nos treze anos em que o autointitulado governo das minorias e dos desamparados não resolveu a questão indígena, a mortandade dos Guarani-Kaiowá e a reforma agrária.

Abro caminho entre os índios, os jornalistas que correm e uma parte do povo que se dispersa. De repente eu me apanho rindo e tentando decifrar uma imagem: caminha à minha frente um objeto de chita onde está escrito “Dilma”. Penso comigo: parece algo que faria parte de uma encenação de bumba-meu-boi, mas era apenas um guarda-chuva que tinha uma espécie de sainha costurada nele. A pessoa andava e a sainha ia sacolejando pela Praça dos Três Poderes, com suas letras de tecido colorido costuradas. Tão pueril, tão brasileiro.

E pensei, como Vinicius, poeta e brasileiro como eu:
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
 

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  • Genaro Faria
  • 15 Maio 2016

 

"Por que não sou cristão" é o titulo de uma obra filosófica de Bertrand Arthur Willian Russel, conde nascido na Gália que foi matemático e se proclamava liberal, humanista e socialista. Foi considerado o maior expoente do ateísmo desde Voltaire. E exerceu uma enorme influência nos meios intelectuais do seu tempo, o século XX. Ontem, portanto.

Eu li, na minha juventude, esse livro dele. E gostaria de ter lido sua réplica – PORQUE EU SOU CRISTÃO. Mais do que gostaria, eu precisava, porque confesso que seus argumentos me impressionaram.

Segundo eu entendi, ali não estava um filósofo defendendo o materialismo, alguém que atribuísse à religião cristã uma brutalidade que estaria desviando a humanidade de um destino fraterno e luminoso que os ateus desbravam com a lanterna da razão e da ciência. Ele só queria esclarecer que nós não precisamos cogitar a hipótese de um deus. O homem é o seu próprio deus.

Como disse, eu era jovem, e confesso que não revisitei essa obra filosófica de Bertrand Russel. Mas se ele foi um discípulo de Voltaire, convém lembrar o que o famoso ateu francês confessou, quando sentiu que estava prestes a falecer: “Eu me reconciliei com Deus”. O que me reporta a Chesterton: “Nada torna a mente do homem mais lúcida do que a visão do cadafalso”.

Por que ser cristão? Eis a questão.

Que eu não pretendo responder com a profundidade que ela mereceria, pois não sou teólogo e, mesmo que o fosse, não caberia enveredar, aqui, nesta senda.
Limito-me a anotar que o cristianismo, a filosofia grega e o direito romano são os alicerces de nossa civilização. E sobre eles se ergueram as instituições do Estado que não se confunde com a ambição de seus governantes. Não lhes obedece como um lacaio, ao contrário, submete-os à nação que eles governam sob o império da lei, votada pelo povo soberano.

Numa palavra – a DEMOCRACIA. Ela é o resultado do cristianismo, da filosofia grega e do direito romano. O tripé de nossa civilização ocidental que evoluiu até os nossos dias. Retirado qualquer um deles, não há como ela se sustentar.

Então, cuidemos de examinar o que está sendo feito para abalar essa estrutura.

Karl Marx disse que “o Direito é a ciência dos burros”, e que a “lei é o instrumento de opressão da classe dominante”. Nada mais coerente a quem pretendia fazer a revolução que levaria à ditadura do proletariado. Que pressupõe a necessária eliminação da lei.

Lá se foi uma perna do nosso tripé: o direito romano que evoluiu por milênios. De alicerce de nossa civilização, ele foi convertido em carrasco da humanidade.

Mas ainda restariam outras duas para a gente se equilibrar.

Os marxistas, porém, são muito previdentes. Não deixariam outra perna sem lhe passar uma rasteira.

“Os filósofos tentaram explicar o mundo;nós vamos modificá-lo”, prometeu Karl Marx.

O que teria lhe dado essa convicção? A descoberta filosófica de que o espírito é uma fantasia humana. A matéria é que dita nossa vontade, sabiamente, e que nos realiza como seres humanos.

Já destituída desses dois pés, não custava nada poupar a civilização ocidental ao menos um apoio para morrer com alguma dignidade, de pé, não é mesmo?
Nem pensar. Não se espere de um revolucionário a mais ínfima condescendência com quem eles consideram inimigos da humanidade, que eles amam apaixonadamente. Só o túmulo de seus inimigos pode assegurar a plenitude sua convicção como construtores de um futuro que os infiéis chamavam de utopia.

Então, foi preciso fulminar o cristianismo. O “ópio do povo”, segundo o mesmo Karl Marx. Tirar da civilização ocidental o último pé. Que, tardiamente, eles perceberam que era o mais forte. O pé que lhes passou uma rasteira na Polônia e derrubou todo o império soviético.

Por quê? Talvez por um erro histórico de Nikita Kruschev.

Focado na Guerra Fria, ele encomendou a confecção de uma teologia que apresentasse Cristo como um ativista, um revolucionário que defendia os pobres contra os ricos. Em síntese, um marxista intuitivo que viveu numa época em que a religião, não a ciência, dominava o mundo. Uma doutrina para o consumo da América Latina, onde recebeu o nome de Teologia da Libertação.

Digo talvez, mas provavelmente ele já sabia que perdia a guerra ideológica dentro dos seus muros. Como sabe o PT, e por isso procura, lá fora, quem ainda possa lhe dar algum crédito.

Certo, porém, é que, aqui, os três fundamentos de nossa civilização caíram. E o primeiro deles foi o do cristianismo,numa investida que surpreendeu, covardemente, uma população que sabe muito pouco da filosofia e do direito, mas confia naqueles que pregam a religião cristã.

Por que eu sou cristão? E católico.

Pelo mesmo motivo que sou brasileiro. Não será porque uma organização criminosa tomou o poder que eu haveria de abdicar da herança da pátria que meus antepassados me legaram e pretendo legar aos meus descendentes. Ou não poderia merecer essa herança bendita.

Assim como a história da nossa Igreja foi construída por mártires, a história de uma nação só pode ser construída por seus patriotas.
 

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  • Editorial do Estadão
  • 14 Maio 2016

 

Fiel seguidora de uma ideologia que faz da mentira descarada e renitente um meio “legítimo” para atingir os fins, Dilma Rousseff manteve-se coerente até o seu afastamento temporário da presidência: continuou a agredir a inteligência dos homens de bem do país, oferecendo-lhes uma versão delinquente dos fatos, com o objetivo de passar à história como pobre vítima de uma tramoia golpista. Felizmente, tal versão só encontra guarida entre aqueles militantes sectários do lulopetismo ou os que estão desesperados ante a perspectiva de perderem sua boquinha – uma minoria insignificante. A maioria da população do país que trabalha e está cansada da malandragem retórica dos petistas quer apenas seguir adiante, deixando para trás o caos criado pelas fantasias do chefão Lula e de sua patética pupila.

No pronunciamento que fez ontem no Palácio do Planalto, Dilma tornou a invocar os 54 milhões de votos que recebeu, como se estes, por si, fossem a garantia absoluta daquilo que chama de sua “legitimidade”. Segundo a petista, Michel Temer, que assumiu a presidência interinamente, fará o “governo dos sem-voto”.

Trata-se de grosso embuste. Temer foi companheiro de chapa de Dilma nas eleições de 2010 e 2014, sendo decisivo em ambas as campanhas ao pôr em funcionamento a formidável máquina eleitoral do PMDB para obter os votos que deram a vitória à petista – os mesmos votos que ela diz que são só dela. Mas Dilma foi adiante e disse que um governo Temer “não terá legitimidade para propor e implementar soluções para os desafios do Brasil”. Tal conclusão, proferida por uma chefe de governo que não consegue o apoio nem de um terço do Congresso e que enfrentou manifestações de rua em razão de sua incapacidade política e administrativa, soa como escárnio.

Como se fosse uma líder democrata lutando contra uma tirania, Dilma incitou seus defensores a se mobilizarem nas ruas e insinuou que o governo Temer “pode se ver tentado a reprimir os que protestam contra ele”. Eis aí mais uma fraude típica do cardápio de artimanhas petistas. Em primeiro lugar, é dever das autoridades de segurança pública conter manifestações de rua que ferirem o direito de quem delas não participa, conforme o que prevê a lei. Em segundo lugar, um governo Temer não teria como reprimir nada, pois a manutenção da segurança pública é tarefa dos governos estaduais. Mas nada disso interessa. O que importa aos petistas, como sempre, é criar tumulto e com isso alimentar sua propaganda.

Dilma disse também que seu governo foi alvo de “incessante sabotagem” dos opositores, a quem responsabiliza pela criação de um “estado permanente de instabilidade política, impedindo a recuperação da economia com um único objetivo: tomar à força o que não conquistaram nas urnas”. Dilma quer fazer acreditar que a corrupção entranhada na administração pública, os dois anos de recessão, o desemprego que atinge mais de 10 milhões de trabalhadores, a alta da inflação, a perda de credibilidade internacional e o rombo nas contas públicas não são resultado de sua inépcia, mas de uma conspirata da oposição para derrubá-la.

Por fim, Dilma, a exemplo do que fizera Fernando Collor de Mello quando sofreu impeachment, em 1992, queixou-se da “dor da traição”, referindo-se, é claro, a Temer. Collor creditou seu afastamento a um “complô” dos deputados que antes o apoiavam, e não ao formidável escândalo de corrupção que protagonizou. Do mesmo modo, Dilma entende que está sendo afastada não pela série de crimes de responsabilidade que cometeu – e aqui nem se está falando da rombuda corrupção em seu governo e em seu partido –, mas sim porque seu vice tramou para tomar dela o poder.

No entanto, do mesmo modo que Collor traiu os que confiaram a ele a honra de ser o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do regime militar, é Dilma quem trai os milhões de eleitores que acreditaram em suas promessas de prosperidade e bem-estar social. O impeachment, portanto, é e continuará a ser a punição adequada para quem fez da irresponsabilidade e da burla um método de governo.
 

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  • Luis Roberto Ponte
  • 13 Maio 2016

Toda ação de governo exige disponibilidade de recursos financeiros, sem os quais ele não pode cumprir qualquer das suas responsabilidades. Prometer fazer sem ter os recursos para cumprir é a matriz dos desmoralizados compromissos de campanha, de que a sociedade não suporta mais nem ouvir falar. O objetivo derradeiro de um governo responsável é viabilizar a todas as pessoas um posto de trabalho e os bens indispensáveis à dignidade humana, ambos somente gerados de forma sustentável através do desenvolvimento econômico, para o qual os governantes deveriam concentrar suas maiores energias. O elemento básico do desenvolvimento econômico é o empreendedor, utilizando-se do lucro digno advindo do seu trabalho. As empresas, criadas pelos empreendedores, são a fonte da geração dos postos de trabalho, essa dádiva que é o maior fator da elevação da dignidade humana, no dizer de Getulio Vargas. São elas, mediante o esforço e a dedicação dos que as comandam e dos demais trabalhadores, que produzem os bens indispensáveis à erradicação da miséria.

É com os impostos cobrados sobre o lucro que obtêm, o trabalho que geram e os bens que produzem, que o governo pode cumprir suas obrigações de assegurar à população segurança, tratamento da doença e educação. A sociedade precisa urgentemente perceber quem, de fato, ajuda a eliminar as carências que atormentam os desvalidos. Não são os que fazem discursos comoventes a favor dos pobres; nem os que propugnam pela ampliação dos empregos públicos desnecessários; nem os que lutam por aposentadorias precoces; nem os que denunciam o lucro e a riqueza dos empresários como a causa das carências sociais; nem os que impedem as pessoas que nada têm a ver com suas pertinentes ou indevidas reivindicações de irem às emergências hospitalares e aos locais do trabalho; nem os que paralisam a prestação de serviços essenciais para reivindicar melhorias salariais já reconhecidas como justas pelo governo, que não as atendem por absoluta impossibilidade. Não são os que supõem que as carências de uma sociedade se extinguem com apenas vontade e decisões políticas, como a multiplicação das pedaladas, a tomada ilimitada de empréstimos ou o calote naqueles já vencidos e nos fornecedores do Estado, a paralisação das obras públicas necessárias, o uso permanente dos depósitos judiciais.

A revisão da ideia, predominante no pensamento da esquerda, de que o lucro e o empresário são a causa da pobreza, quando, ao revés, são eles a única possibilidade da sua superação, será a maneira mais eficaz de reverter a estagnação da atividade econômica, aliás, dificultada por regras e ações governamentais inspiradas nesse pensamento ideológico impregnado de equívocos.

* Empresário
 

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  • Ricardo Noblat - O Globo
  • 13 Maio 2016

 

Gula
Dilma emagreceu 20 quilos no período de pouco mais de um ano e emagreceu o país ao fazê-lo mergulhar na pior recessão econômica de sua história desde os anos 30 do século passado. Nem por isso deixou de atentar contra o pecado da gula.
Presidente algum, nem mesmo os da ditadura de 64, se empenhou tanto em concentrar o poder como Dilma o fez. Seu apetite era insaciável. Confiou em poucos auxiliares. E mesmo desses costumava duvidar quando lhe diziam o que não queria ouvir. “Não, você não entende de nada disso”, gritava se a opinião de um a contrariasse.
Dilma jamais inspirou ternura ou respeito entre os que a cercavam. Inspirava temor. Certa vez, de tão assustada com o que ela lhe disse, uma ministra da área social fez pipi na calça.
Um executivo de empresa moderna delega poderes, estabelece metas e cobra resultados. Dilma cobrou resultados sem delegar suficientes poderes. Foi uma gerente à moda antiga e, como tal, ineficiente.
Na organização de esquerda na qual militou nos anos 70, ganhou fama como tarefeira. Fazia o que lhe mandavam. E só se distinguiu por isso.

Avareza
Ganha um fim de semana com Dilma no Palácio da Alvorada quem apontar uma dezena de pessoas alvos de elogios feitos por ela.
Risque a palavra elogio do vocabulário capenga de Dilma.
O que move gente, o que a leva a superar limitações, é o reconhecimento. Sem ele não se consegue desempenho acima da média.
A maioria dos ministros escolhidos por Dilma destacou-se por sua mediocridade ou falta de iniciativa. Mas mesmo os que não eram medíocres, acabaram se igualando aos demais por falta de incentivo.
Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo, largou o Ministério da Educação. Nelson Jobim, o Ministério da Defesa para não ter que brigar com Dilma. O ex-ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, resignou-se a tocar um ministério com nomes indicados por Dilma para os cargos mais estratégicos. Aproveitou o tempo disponível para fazer negócios e se dar bem. É hoje investigado pela Lava-Jato.

Luxúria
O desejo egoísta por todo o prazer corporal e material está longe de marcar o desempenho de Dilma como presidente. Mas o desejo de sentir-se superior em relação aos seus semelhantes é também uma forma de luxúria, e desse mal ela padeceu.
Enquanto foi ministra de Lula, comportou-se face a ele como uma humilde cumpridora de ordens. Uma vez, acertou-se com Geddel Vieira Lima, então ministro da Integração Nacional, sobre o trecho por onde deveria começar a transposição das águas do rio São Francisco. Depois, ela o acompanhou à uma reunião com Lula. Ouviu Geddel dissertar sobre as vantagens do trecho escolhido, mas calou-se quando Lula discordou. Então passou a defender o ponto de vista de Lula.
A necessidade de afirmação de Dilma agravou-se tão logo ela foi eleita para suceder Lula. Exigiu, a partir dali, ser tratada como “presidenta”. Jamais furtou-se a humilhar os que somente tolerava. Expulsou um general do elevador privativo do Palácio do Planalto. Fez chorar José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras. E deixou em pânico o jardineiro do Alvorada ao culpá-lo pela bicada de uma ema no cachorro que ela ganhara de presente do ex-ministro José Dirceu.

Ira
Um dos ministros do governo inicial de Dilma deu-se ao prazer de anotar os frequentes surtos de ira que a acometia. Quando já colecionava 16 episódios em dois anos, abdicou do trabalho. Os surtos haviam se banalizado. Alguns se tornaram famosos em 13 anos de governos do PT.
Dilma era ministra das Minas e Energia e recebia um deputado da oposição quando Erenice Guerra e um assessor irromperam em seu gabinete. Erenice limitou-se a estender um papel para Dilma, que depois de lê-lo, explodiu: “Esses caras estão pensando o quê? Que vão botar aqui?” – e apontou para a própria bunda. “Aqui, nem a ditatura pôs”. Tão logo Erenice e o assessor saíram, Dilma começou a gargalhar. Virou-se para o deputado e disse: “Essa gente tem de ser tratada assim”. Picou o papel e retomou a conversa.
Como presidente, Dilma protagonizou o que ficaria conhecido como “A guerra dos cabides”. Irritada com a arrumação do seu guarda-roupa no Alvorada, começou a jogar cabides em Jane, a camareira. Que reagiu jogando cabides nela. Jane acabou demitida, mas depois presenteada com outro emprego em troca do seu silêncio.

Inveja
Quem se acha não inveja seus semelhantes. A não ser que reconheça que pelo menos um deles possa lhe ser superior.
A inveja de Lula responde por uma série de atritos que Dilma teve com ele, prejudicando seus governos. No primeiro, logo de saída, ela quis mostrar que não seria tolerante como Lula fora com suspeitos de corrupção. Nascia, ali, a “faxineira ética”, capaz de demitir sete ministros em menos de um ano. Nos anos seguintes, aconselhada por Lula, ela readmitiu alguns e empregou representantes dos outros para garantir apoio à sua reeleição. A faxineira ética teve vida curta.
Havia um pacto não escrito firmado por ela com Lula que permitiria o retorno dele à presidência em 2014. Dona Marisa, mulher de Lula, jamais perdoou Dilma por ter passado seu marido para trás. Dilma é mulher de confronto. Lula só confronta da boca para fora. Ela ganhou a parada, mas, por pouco, não perdeu a eleição para Aécio Neves, candidato do PSDB. Ganhou, também, a mágoa de Lula para sempre. “Eu errei, não deveria ter escolhido essa mulher”, repete ele à exaustão.

Preguiça
De dar longos expedientes, certamente não. De ler relatórios e de anotá-los, também não. De meter-se em tudo, inclusive no que não deveria, tampouco. A preguiça de Dilma, talvez a forma mais perversa de preguiça, foi de ouvir, de conversar, de trocar ideias, de conviver com pessoas.
Dilma é uma mulher solitária e atormentada por seus demônios. Amava o pai. Não se dava bem com a mãe, e ainda não se dá. Considera a filha “insuportável”, como uma vez confessou. A mãe mora com ela no Alvorada. Mas antes morava com o ex-marido de Dilma em Porto Alegre.
Quando a Câmara aprovou o impeachment, o ministro Jaques Wagner sugeriu a Dilma que telefonasse para cada um dos 137 deputados que haviam votado contra. Seria um gesto simpático. Wagner entregou a Dilma a lista dos 137 com pelo menos dois ou três números de telefone de cada um. Destacou quatro telefonistas para fazerem as ligações. Dilma não quis.
O vice Michel Temer telefonou para quase todos os 367 deputados que votaram a favor do impeachment. Muitas razões explicam a queda de Dilma, mas talvez a principal seja o fato de ela não gostar de ninguém e de ninguém gostar dela.

Soberba
A vaidade é o pecado preferido do carismático personagem vivido por Al Pacino no filme “Advogado do Diabo”. A soberba talvez tenha sido o pecado preferido de Dilma. Por soberba, ela desprezou os políticos em geral, e a maioria deles em particular. Evitou aproximar-se deles. Evitou recebê-los. Tratou-os como cargas que era obrigada a carregar. Ao então deputado Paulo Rocha (PT-PA), referindo-se à sua atividade na Câmara, uma vez ela observou: “Não sei como você suporta isso”. Há mais de três anos que o ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pede para ser recebido por ela – sem sucesso.
Diante do risco de a Lava-Jato bater à sua porta antes da reeleição, Dilma divulgou uma nota que afastava qualquer culpa dela, mas que deixava Lula exposto à suspeita de que a roubalheira na Petrobras fora obra dele, sim. Pode ter sido. Mas pode ter sido de Dilma também.
Por mais que a soberba a impeça de reconhecer, ela e Lula estarão ligados para sempre pela história do país. Para o bem ou para o mal. Hoje, são as conveniências, apenas elas, que os fazem encenar uma parceria que já se desfez.

 

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