• José Nêumanne
  • 20 Outubro 2016

 

(Publicado originalmente no Estadão)

A manchete do Estadão de domingo – Dezoito ex-ministros de Lula e Dilma são alvo de investigação por desvios – é a constatação factual do principal pecado do chamado "presidencialismo de coalizão" e da distinção entre a corrupção corriqueira de antes e o saque sistemático e completo de todos os cofres disponíveis da República.

O pacto da "governabilidade", eufemismo caridoso para justificar a ocupação dos ministérios por grupos de políticos profissionais que controlam o Congresso Nacional, não resulta de uma parceria de programas partidários para uma gestão de qualidade, atendendo a interesses republicanos, mero pretexto retórico. Mas, sim, da divisão de verbas orçamentárias para subvencionar interesses grupais e paroquiais de chefões de legendas, interessados apenas na permanência no poder, nos melhores casos, ou no enriquecimento pessoal, nos mais deletérios deles.

Na embriaguez da popularidade inesperada, o primeiro presidente eleito pelo povo depois da ditadura, Fernando Collor, confrontou esse paradigma e deu com os burros n'água por não aceitar dividir com os dirigentes partidários o butim dos cofres da "viúva", chegando a perder a Presidência na metade do mandato. Seu vice e sucessor, Itamar Franco, beneficiário de um acordão multipartidário, saiu de seu mandato-tampão ileso e ilibado, já que impôs a um Gabinete dos que apoiaram o impeachment do titular da chapa a execução de uma gestão austera dos negócios de Estado. Se não o fizesse, não teria deixado para a posteridade a maior revolução social da História, o Plano Real, baseado na responsabilidade fiscal. Esta não resistiria à dilapidação patrimonial da poupança pública, lema que elegeu o ministro da Fazenda que a planejou e realizou, Fernando Henrique Cardoso, para dois mandatos, legitimados por vitórias no primeiro turno. Mas ele perdeu a legitimidade ao forçar a barra da aliança parlamentar formada para gerir a gestão compartilhada na luta, eivada de suspeitas de corrupção, para obter a reeleição.

O desgaste causado pelas dúvidas sobre o segundo mandato ajudou a alçar o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. Nele ex-dirigentes sindicais, "padres de passeata", "freiras de minissaia" (apud Nelson Rodrigues) e ex-guerrilheiros, doutrinados por Marx a desafiar a ganância capitalista, justificando a "apropriação" da "mais-valia", aproveitaram-se das vantagens do acesso aos cofres da República. A propina dos corruptos de antanho foi, então, substituída pelo método do saque, mais premeditado e planejado do que propriamente organizado, do patrimônio público. Para realizar essa mudança contaram com uma oposição omissa, a prerrogativa de foro e a camaradagem no Supremo Tribunal Federal.

Nenhum tipo de corrupção deve ser perdoado. Se a denúncia do empreiteiro da Engevix José Antunes Sobrinho à Advocacia-Geral da União (AGU) for comprovada, os receptadores de comissões nas gestões estaduais paulistas dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin receberão com justiça tratamento penal igual ao dado a réus da Lava Jato. A notícia, publicada pela revista Época, revela o acerto da distinção feita no parágrafo anterior e põe por terra o mantra, exaurido pela esquerda pilhada em flagrante delito de furto, de que há delação premiada seletiva contra seus larápios de estimação. Da mesma forma, se não é aceitável a ladainha usada pelo PT e seus aliados de que as gorjetas dadas aos partidos configuram doações legais consignadas na lei eleitoral, idêntica desculpa amarelada não serve para tucanos de mãos leves pilhados.
Como também as citações de dirigentes do PSDB (o morto Sérgio Guerra e o vivo Aécio Neves) na Lava Jato não podem servir de pretexto para a fanfarra parlamentar, militante ou acadêmica da esquerda "delinquentófila" usá-las como justificativa para a ação deletéria de seus ícones do socialismo, cujos delitos causaram a maior crise da História do País.

Há defensores de pobres e oprimidos que falam e agem como cúmplices dos gatunos. A Associação dos Engenheiros da Petrobrás e os sindicatos do setor nada disseramcontra o desmanche da estatal pelo superfaturamento de contratos em troca de "adjutórios" para petroleiros, políticos e legendas receptadoras de doações.
Nenhum sindicato de bancários cobrou explicações sobre os financiamentos bilionários, investigados na brasileira Lava Jato e na Operação Marquês, portuguesa, para a obra da hidrelétrica de Cambambe, na Angola do ditador comunista José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. Aliás, a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga, da 4.ª Vara Criminal paulista, processou o ex-presidente da cooperativa dos bancários (Bancoop) João Vaccari Neto por ter usado o patrimônio da entidade para financiar o PT e bancar apartamentos na praia para petistas ilustres, entre eles Lula. E a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não deu um pio em contrário.

Dos 18 ex-ministros de Lula e Dilma citados neste jornal no domingo, dois foram da Fazenda. Um, Guido Mantega, é acusado de ter achacado empresários no gabinete. E Paulo Bernardo responde por ter cobrado propina de servidores do Ministério do Planejamento, sob seu comando, que pediram empréstimos consignados. Algum socialista reclamou?

Que nada! O PT, a defesa de Lula e parte daintelligentsia comparam Sergio Moro, da Lava Jato, ao dominicano Savonarola e dizem que, por ser moralista e intolerante, ele "persegue" o três vezes réu. Só que este também responde por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa, e não por crime político, a outro juiz, Vallisney Oliveira, de Brasília.

Nunca antes na História houve nada igual. É hora de aceitar a realidade, processar e punir os responsáveis. E sanar as distorções que desempregaram ou subocuparam 16,4 milhões de brasileiros (16% da força de trabalho). Não dá mais para perdoar ignomínias desse jaez.
 

 

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  • Michael James Nazir-Ali
  • 19 Outubro 2016

 

(Publicado originalmente em midiasemmascara.org)

A verdade é que a Europa precisa recuperar sua grande narrativa pela qual deva viver, pela qual deva determinar o que é verdadeiro, bom e benéfico para seu povo.

O grande número de pessoas desembarcando no litoral da Europa - sejam refugiados, sejam imigrantes em busca de melhores condições financeiras - assim como o maléfico advento do Estado Islâmico e de outros grupos extremistas muçulmanos, levou o historiador Niall Ferguson a comparar, no jornal britânico The Sunday Times, o estado atual da Europa com o da época da chegada das tribos germânicas e dos hunos da Ásia Central às portas de Roma, no século V.

Certamente existem pontos em comum entre a situação do então Império Romano do Ocidente e a da Europa de hoje. Nós possuímos a mesma cultura popular decadente e superficial, em que tudo é permitido e o "pão e o circo" mantém a população anestesiada com uma saraivada de esportes, entretenimento e jogos de azar sem fim. Em comum entre as duas épocas também há o cinismo em relação à fé e aos valores que dela advém, assim como a mesma acídia ou cansaço de culturas decrépitas. Mas devemos tomar cuidado em não sermos anacrônicos e atribuir a Roma todos os nossos vícios e todas as nossas virtudes. É impressionante como alguns, ao invés de enxergarem o Cristianismo como parte da resposta para as tribulações da Europa, estão aproveitando a oportunidade para caluniar a religião em geral, sejam quais forem os fatos da história.

É particularmente incorreto tomar o livro de teor extremamente anti-clerical "Declínio e Queda do Império Romano", de Edward Gibbon, como uma referência confiável na comparação do papel do Cristianismo no Império Romano e a chegada de extremistas islâmicos em nosso meio agora. Como Larry Siedentrop bem mostrou na obra "A invenção do Indivíduo", não houve culturas "seculares" na Antiguidade. Tudo o que havia eram religiões da família, tribo, cidade ou império, e Roma não era exceção. Desta forma, César, tal qual muitos governantes antigos, se considerava divino e, na época do surgimento do Cristianismo, foi denominado "Dominus et Deus".

Foi isso o que causou tantos problemas para a Igreja em seus primórdios. A Igreja podia honrá-lo como imperador, mas tinha que recusar prestar-lhe o culto divino. É totalmente errado alegar que a força da Roma "secular" foi sabotada pelo advento do Cristianismo monoteísta. Também é bastante enganoso comparar o Cristianismo em sua fase inicial com o ISIS e outros grupos terroristas islâmicos. Mais importante, o Cristianismo substituiu os cultos corporativos da família, da tribo e da cidade por uma espiritualidade profundamente pessoal e pela possibilidade de se pertencer a uma comunidade universal sem classes. Como Siedentop afirma, foi o Cristianismo que nos deu a idéia da "pessoa", da sua liberdade e do seu valor. Se os cristãos nem sempre foram fiéis a essa visão, não há motivo para fazer falsas comparações com um sistema totalitário, tal como o Islamismo radical, onde há pouco espaço para a liberdade pessoal e quase nenhum para o exame interior da consciência. Siedentop também demonstra que o reino secular surgiu a partir de idéias cristãs, como o respeito pela consciência, e da natureza não-coercitiva do Cristianismo primordial, e não de supostos antecedentes pagãos tão amados pelos intelectuais que o odeiam.

O fato é que Roma foi salva dos piores excessos dos vândalos e dos hunos pelo papa Leão I e, como lembra o filósofo Alasdair MacIntyre, as luzes do conhecimento foram mantidas acesas na Idade Média pelos beneditinos e por outras congregações religiosas. Nós certamente precisamos de estadistas como Konrad Adenauer e Robert Schuman, que viram a necessidade de uma base moral cristã para a integração da Europa do pós-guerra. Nós precisamos também de um João Paulo II, cujo papel na libertação de países da Europa Central e do Leste de outra ideologia antagônica (comunismo) não precisa sequer ser mencionado. Certamente existem trevas crescentes e que se aproximam, mas o Cristianismo é a luz que pode brilhar sobre elas e dispersá-las. Com certeza, devemos rezar por um Bento ou Wojtyla, mas quem iria querer outro Nero ou Domiciano?

Ferguson acertadamente observa o vazio da cultura do entretenimento e dos shopping centers. Porém, ele não menciona o estado caótico da vida familiar que foi criado após ter se confundido liberdade com libertarianismo. A isso ele poderia acrescentar o simbolismo empobrecido daqueles que tentam lamentar uma atrocidade horrenda, mas sem ter uma referência ou um sistema de crenças, possuindo apenas uma compreensão opaca de qualquer coisa que seja transcendente. Como John Henry Newman descreveu nas palavras do Apóstolo: "sem esperança e sem Deus no mundo". Por que a secular Quinta República tem de realizar o memorial em homenagem às 130 vítimas dos ataques feitos por terroristas do ISIS (o artigo foi publicado uma semana após os ataques de 13 novembro de 2015, em Paris – nota do tradutor), na gloriosa catedral de Notre-Dame, e não fazê-lo no completamente secular e sem graça Centro Pompidou? Pode isso ser um indício do papel que a fé cristã pode desempenhar em ajudar a Europa a despertar de sua letargia e se acalmar, e também a assisti-la na sua renovação espiritual e moral?

A verdade é que a Europa precisa recuperar sua grande narrativa pela qual deva viver, pela qual deva determinar o que é verdadeiro, bom e benéfico para seu povo. O marxismo e o fascismo trouxeram sofrimentos terríveis para os europeus. Agora, outra ideologia totalitária os ameaça. Um espaço plural real só pode ser garantido pelas idéias intrinsecamente cristãs da dignidade da pessoa humana, do respeito pela consciência, da igualdade de pessoas e da liberdade não apenas de crer, mas de manifestar nossas crenças em público, sem discriminação ou violência contra aqueles que não as compartilham. A autogratificação imediata e o entretenimento sem fim não irão mais contribuir para a sobrevivência da Europa contemporânea do que o fizeram para a da Roma Antiga. O que é necessário é uma ética de serviço, uma abnegação e um sacrifício em nome do bem comum. Muitos reconhecerão nisso os ensinamentos do Mestre da Galiléia, e não de um paganismo qualquer, antigo ou moderno, nem de qualquer ideologia secular ou religiosa.

Não existem coisas como a neutralidade ou o processo gratuito nessas questões. O extremistas decidiram quais são seus valores e de onde eles vêm. Possuímos nós algo para se opor a isso? As instituições, a cultura, as realizações, os valores da Europa podem ser entendidos com referências à tradição judaico-cristã, seus ensinamentos com relação ao valor da pessoa, ao bem comum e principalmente à necessidade de auto-crítica e renovação. Essa é a hora de se reapropriar dela, no seu sentido mais amplo, como a fonte de nossos valores; celebrá-la e oferecê-la a todos os de boa vontade como uma base para trabalharmos juntos por uma Europa aberta, mas unida. Alguém possui outras alternativas viáveis?

* Michael James Nazir-Ali é um bispo anglicano nascido no Paquistão e naturalizado inglês.
Artigo foi publicado originalmente na revista Catholic Herald.
Tradução: Alexandre Cegalla
 

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  • Luis Milman
  • 18 Outubro 2016

 

A resolução aprovada no dia 13 passado pela Unesco, com o voto do Brasil, escancara a modalidade de antissemitismo contemporâneo que circula com naturalidade em meios políticos e universitários, sendo apregoada pelos países árabes e recepcionada, em especial, pelo universo esquerdista. Trata-se do antissemitismo nacional, que nega aos judeus o direito de autodeterminação política. Esta modalidade de ódio aos judeus sucede ao antissemitismo religioso, característico do medievo ocidental cristão e presente também na orbe muçulmana, e à modalidade da perseguição racial nazista, que resultou no Holocausto. A resolução da Unesco revela, mais uma vez, que as instâncias de representação internacionais são dominadas pelo novo pensamento antissemita. Para os palestinos, cuja perspectiva, estampada no artigo 20 de seu Pacto Nacional originário, de 1968, é acolhida pela mentalidade de esquerda, Israel deve ser visto como uma não-nação e o nacionalismo judeu (o sionismo) como um fenômeno falso, artificial e reacionário. Em 1996, este artigo e os demais que negavam a Israel o direito de existência, foram considerados nulos pelo Conselho Nacional Palestino, em atendimento às demandas israelenses de implementar os Acordos de Oslo, que se fundamentavam no reconhecimento dos direitos nacionais recíprocos. Entretanto, a revogação não impactou a vida política palestina, que continua sendo balizada perla propaganda antissionista.

Esta posição já provocou repercussão internacional grave Em 1975, depois da vitória de Israel na Guerrado Yom Kipur, em 1973, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 3379, proposta pelos países árabes, que afirmava que o sionismo é uma forma de racismo e discriminação racial. O Brasil, então sob regime militar, apoiou a resolução. Somente em 1991, a Assembleia Geral da ONU, com a resolução 4686, revogou a decisão. Na época, estava sendo organizada a Conferência de Paz de Madrid, logo após a primeira guerra do Iraque, e Israel havia exigido a revogação da resolução 3379 como condição para que participasse das negociações.

Em 2001, no entanto, as discussões realizadas na Conferência da ONU sobre Racismo, em Durban, África do Sul, voltaram a assumir um tom marcadamente anti-israelense, o que fez com as delegações dos EUA e de Israel abandonassem o encontro. Devido aos esforços da diplomacia norte-americana e israelense, no entanto, o texto final da Declaração de Durban não apresentou ataques a Israel.

As correntes políticas de esquerda fartam-se em utilizar o exemplo destes fóruns como demonstração de que Israel patrocina um sistema de apartheid contra os palestinos. Trata-se de uma fantasia. No Brasil, partidos como o PT, o PSOL, o PC do B, o PSTU, o PCO, o Pátria Livre (ex-MR8) e grupelhos comunistas e anarquistas disseminados pelos campi universitários, sucessivamente repetem acusações viciosas contra o Estado Judeu, satanizando sua existência e patrocinado um festival delirante de antissemitismo nacional, cuja matriz pode ser rastreada na propaganda da extinta União Soviética dos anos 50 em diante, dos países árabes e dos palestinos. Estas correntes ideológicas assumem abertamente suas posições antissemitas, propondo revisões históricas insanas e descarregadas na forma de um antissionismo, que é a designação aceitável atualmente para a propagação do ódio aos judeus. O episódio da última semana da UNESCO é apenas mais um desta campanha, para a qual as forças políticas liberais e conservadoras devem estar sempre atentas.

 

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  • Mylla Sampaio
  • 17 Outubro 2016

 

O Brasil atravessa tempos turbulentos no âmbito político-econômico.Por isso, a Livraria Resistência Cultural Editora presta um grandioso serviço à nação ao lançar a terceira edição da obra Uma breve teoria do poder, de autoria do ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins.

Ao longo de vários capítulos enriquecidos com extensas e importantes notas, o autor debruça-se sobre temas conexos ao controle, exercício e manutenção do poder. Inicia afirmando quea busca pelo poder é um instinto de sobrevivência e inerente à natureza humana, para visitar a teoria de Montesquieu sobre a tripartição dos poderes (a qual julga tão importante que dedica o apêndice da obra a considerações sobre o tema) e então fazer uma valorosa distinção entre duas personagens da vida pública, sendo a primeira escassa e a segunda, abundante:“o estadista quer servir aos outros; o político quer servir-se dos outros; o estadista sonha alto no interesse da nação; o político sonha colocar-se no alto, por prestígio pessoal e, não poucas vezes, por dinheiro; o estadista preocupa-se mais com o povo e a nação, do que com ele; o político, mais com ele, do que com o povo ou com a nação”. Constata também que a demagogia é intrínseca ao sistema político e nem mesmo os louváveis estadistas escaparam da tentação de manipular as massas.

O Brasil tem padecido nas mãos de seus administradores pela incompatibilidade – nem sempre necessária – entre o poder e o servir. Para o autor, na realidade pátria, a busca pelo poder é feita por apreço ao domínio e às benesses nada republicanas que o acompanham, distanciando-se da obrigação em prestar serviços públicosde qualidade para o povo. Aduz, ainda, que o servir é apenas efeito colateral dos projetos pessoais dos políticos que vilipendiam o patrimônio comum, pois seu fim não é o desenvolvimento da nação, mas sua perpetuação no poder, o que remete ao populismo sintomático que impera na América Latina (cujos líderes das nações que a compõem são citados tantas vezes como exemplos da desastrosa afeição ao domínio e não às pessoas).

O livro é atemporal, mas pode-se identificar com facilidadea realidade brasileira em diversos momentos, a exemplo do capítulo em que discorre sobre a pouca eficácia da lei como limitadora do poder: no Estado Democrático de Direito, as ações dos governantes estão limitadas pela lei, mas basta que consigam apoio da maioria parlamentar para alterarem os diplomas normativos que estão em dissonância com suas vontades. Não foi isso que aconteceu quando o Congresso Nacional modificou a lei para admitir a reeleição e permitir que Fernando Henrique Cardoso se elegesse por mais quatro anos? Não foi isso que fez o governo petista ao conseguir os votos suficientes dos parlamentares para mudar o cálculo do superávit primário em 2015?

Por fim, a concepção de que o imposto é uma norma de rejeição social, que o progresso advém dos indivíduos e não dos burocratas, que o governo apropria-se das riquezas e benfeitorias criadas e promovidas pelos cidadãos ecríticas ao inchaço do Estado brasileiro dão um toque liberal à obra do advogado, quemais uma vez presenteia seus leitores com escritos da mais alta qualidade. Um monumento literário das Ciências Políticas.
 

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  • Guilherme Fiuza
  • 16 Outubro 2016

 

(Publicado originalmente em O Globo 21/10/2016)


Com a impunidade de Cunha, você podia até defender Lula e Dilma numa boa, por mais que eles roubassem o Brasil


A prisão do companheiro Eduardo Cunha deixou aturdidos os heróis da resistência democrática. Como vão explicar isso em casa?

Cunha era o grande vilão do golpe, a mente perversa que arquitetou a destituição da mulher honesta para entregar o poder aos brancos, velhos, recatados e do lar. A impunidade do Darth Vader do PMDB era o lastro da lenda, a prova de que estava tudo armado para arrancar do governo os quadrilheiros do bem. Mas eis que Sérgio Moro, esse fascista que só persegue os bonzinhos, prende Cunha. E agora?

É grave a crise. Eduardo Cunha era a reserva moral do PT. E do PSOL, da Rede e seus genéricos. Com a impunidade dele, você podia até defender Lula e Dilma numa boa, por mais que eles roubassem o Brasil na sua cara: bastava dizer que era contra o Cunha — o fiador do golpe, o homem do sistema. Mas que sistema é esse que põe seu articulador no xadrez? Ficou confuso. Melhor tomar uma água de coco, que o sol está forte.

Os juros começaram a cair depois de quatro anos. A inflação de outubro é a menor em sete anos, e ano que vem o desemprego começa a baixar. Isso não é mágica, é governo. Temer faz parte da mobília antiga do PMDB, e não tem nenhuma bandeirinha simpática para acenar. Se aparecer em alguma negociata, adeus. Mas, ao assumir o Planalto, resolveu escalar os melhores para tomar conta do dinheiro. Banco Central, Tesouro, Fazenda, BNDES, Petrobras — todos sendo desinfetados pelos melhores cérebros, mundialmente reconhecidos.

Por que Michel Temer fez isso, e não simplesmente substituiu os parasitas esganados do PT pelos velhacos do PMDB? Não interessa, perguntem a ele.

A vida no Brasil vai melhorar, e isso é muito grave. O que será daquelas almas puras que gritam “fora Temer” e se tornam instantaneamente grandiosas? O que será dos corações valentes que ficam bem na foto denunciando a entrega do país ao bando do Cunha? Talvez só uma Bolsa Psicanálise para fazer frente a tanto sofrimento.

Na época do Plano Real foi igualzinho. Na privatização da telefonia, que libertou a população dos progressistas retrógrados de sempre, esses mesmos que gritam contra o golpe (ou seus ancestrais) estavam lá nas barricadas — apedrejando quem chegava para os leilões. Eram os heróis da resistência democrática contra a ganância capitalista. Aí a privatização se consumou, a vida de todo mundo melhorou, e os heróis foram combinar a próxima narrativa — pelo celular.

A eleição no Rio de Janeiro, terra de Eduardo Cunha, apresenta um fenômeno surpreendente. No primeiro turno, a cidade confirmou a sua vocação de oposição a si mesma. No segundo turno, Marcelo Crivella disparou. Como pode? Gente esclarecida, eleitores de candidatos respeitáveis como Fernando Gabeira e que jamais votariam num bispo da Igreja Universal, cogitando votar em Crivella?

Talvez a resposta seja simples: Marcelo Freixo é o candidato contra o golpe. O bom entendedor fez suas contas: o discurso que cultiva a mística de esquerda, à prova de vida real, é exatamente o que destruiu o país nos últimos 13 anos.

Freixo surgiu muito bem na vida pública. Fez um trabalho corajoso de denúncia das milícias, num tempo em que muitos as viam como justiceiras contra os traficantes. Se tornou personagem real de “Tropa de elite”, clássico extraído do trabalho excepcional de Luiz Eduardo Soares — acadêmico de esquerda que jamais sujeitou sua honestidade intelectual às místicas lucrativas. Já Freixo preferiu se tornar o personagem de si mesmo. Seria ótimo, se fosse de verdade.

Falar a verdade dá trabalho. O próprio Gabeira correu o risco do suicídio político algumas vezes, para não trair suas convicções. Primeiro a fazer a crítica da luta armada ainda em plena ditadura, apoiou a privatização da telefonia pelo governo FH — e na época era difícil ao eleitorado de esquerda ver aquilo como o melhor para a coletividade, e não uma traição neoliberal. Depois desembarcou da base de Lula no auge, ao enxergar a putrefação do governo pré-mensalão: “sonhei o sonho errado”.

As viúvas do governo que caiu de podre 13 anos depois disso ainda tentam ver em Dilma (se lembram dela?) uma vítima inocente da direita: preferem embelezar o pesadelo a parar de sonhar.

No Rio, o sonho errado ainda rende um bom mercado eleitoral. Na ânsia de cultivar essa mística revolucionária, Freixo estimulou protestos violentos (nega, mas estimulou) — logo ele, que denunciou as milícias sanguinárias. Apoiou sindicalistas que bloquearam o trânsito e engessaram a cidade. Para vender o seu peixe humanista, ele prende e arrebenta — como diria o general Figueiredo.

Infelizmente, ainda há quem escolha candidato pelo crachá de progressista ou conservador (no sentido de moderno ou retrógrado). Então vamos lá, sem crachá: quem põe em risco seus votos para defender o bem comum, como fez Gabeira, é progressista; quem põe em risco o bem comum para defender seus votos, como faz Freixo, é conservador.

E não adianta botar o Cunha no meio, porque agora ele está ocupado.

 

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  • Ipojuca Pontes
  • 16 Outubro 2016


Os comunistas foram fragorosamente derrotados no plebiscito costurado na Ilha Cárcere para livrar a cara das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), bando narcoterrorista que há mais de cinco décadas vem detonando a vida da Colômbia e da América Latina. Para quem ignora os fatos, as Farc atuavam (e atuam) como braço armado do Partido Comunista Colombiano. De início, eram apenas um projeto esboçado durante os motins de “el Bogotazo”, em 1948, mas tornado trágica realidade dezessete anos depois sob o comando de Manuel Marulanda Velez, o “Tirofijo”, índio astucioso que entrevistei no final dos anos 1960 para documentário produzido pela TV alemã sobre as guerrilhas virulentas que, já então, tomavam conta do noticiário internacional.

(Uma pergunta: “Tirofijo” por quê? Bem, para desencadear a guerra de guerrilha na Colômbia, Marulanda e asseclas se apropriaram de um vastíssimo corredor de terras que atravessa boa parte do norte do país. Sua tática consistia em ocupar o alto dos morros próximos às estradas (“carreteras”). De lá, ele próprio, com incrível precisão, atirava nos motoristas que se recusavam a pagar pedágio. Dos que procuravam fugir da “contribuição”, Tirofijo, para dar o “bom exemplo”, cortava a garganta do recalcitrante e puxava a língua pela glote, compondo, no cadáver, uma máscara de horror. Depois de fotografá-los, mandava imprimir e distribuir cartazes de suas vítimas mundo afora).
Foi exatamente assim que as Farc, hoje uma das mais ricas e poderosas organizações criminosas do mundo, se impôs na América Latina.

Muito bem, voltemos à vaca fria. Como sabem todos, inclusive os comunistas, o que o povo colombiano repudiou no plebiscito não foi o badalado acordo de paz, sempre bem-vindo, mas, sim, a nefasta armação castrochavista bolada para fazer das Farc um arremedo do PT dentro da Colômbia. (Não esquecer que um dos primeiros atos de Juan Manuel Santos – presidente tido e havido como traidor – foi receber Hugo Chávez no Palácio Narino propondo, por baixo do pano, a legalização política do exército terrorista e sua transformação em organização partidária).

De fato, inculpar o bando terrorista dos milhares de crimes (hediondos) cometidos ao longo de cinco décadas, e ainda por cima declarar seus integrantes como habilitados para disputas eleitorais e o livre exercício do poder político seria o mesmo que cuspir na cara (e na alma) do povo colombiano.

Como esperado, os colombianos não se deixaram lograr pelas manobras fraudulentas de Santos e corriola. De fato, como poderia a população da Colômbia esquecer décadas de violência, sequestros, torturas, assassinatos em massa, narcotráfico, contrabando de armas, ocupação de terras pela força, roubo de cargas, bombardeios, incêndios, pagamento de pedágios, assaltos, estupros e devastações sem fim? Impossível. Passar por cima de semelhantes monstruosidades seria, no mínimo, um ato de alta traição. Assim, não derrotar pelo voto a farsa tramada em Havana (logo onde, meu Deus!) sob a orquestração capciosa de embusteiros fanáticos como Fidel, Raul, “Timochenko” e a anuência criminosa de Juan Manuel Santos – e, pior, sem um único representante do lado oposto – seria o mesmo que baixar a cabeça diante do algoz e aceitar como legais a perfídia, o logro e a servidão.

Conforme previsível, a mídia esquerdista mostrou-se frustrada com a vitória indiscutível do “não”. Diante do fato, foi de um cinismo colossal. Seus analistas e “formadores de opinião”, sem considerar a dor dos colombianos, torceram e distorceram tudo ao sabor das próprias aspirações ideológicas. E, tal como no caso do referendo em que o Reino Unido votou contra sua permanência na falida União Europeia, e derrotou na bucha a burocracia socialista de Bruxelas, a mídia amestrada cegou para a realidade mais elementar e desconsiderou o fato de que o colombiano devota desde sempre um profundo horror às Farc e ao Partido Comunista.

Simples assim.

PS – Segundo a contabilidade da oposição, as Farc, que já financiaram com polpudos dólares do narcotráfico as campanhas presidenciais de Lula e Hugo Chávez, via o “embaixador” Olivério Medina, têm escondidos e não declarados, por baixo, só em Cuba, mais de US$ 250 bilhões.

Se quiserem, compram a Petrobras, avaliada hoje em US$ 120 bi. E em dinheiro vivo.

(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempo.
 

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