(Publicado originalmente em http://spotniks.com/)
O carro de som passa pela rua. O anúncio é estarrecedor.
“Querem dar um golpe no povo”, diz. “Acabar com o Bolsa Família, com o Minha Casa, Minha Vida, com o Prouni, o Pronatec, e várias conquistas sociais. Querem dar um golpe no povo e acabar com o aumento anual do salário mínimo e da aposentadoria. Querem dar um golpe no povo e acabar com o SAMU, o Mais Médicos e as UPAs. Querem dar um golpe no povo e acabar com a distribuição de renda para manter os privilégios dos banqueiros. Somos contra o golpe. Venha, traga a sua família. Sexta-feira, dia 18, às 14 horas, em frente ao Lyceu Paraibano.”
Em pouco tempo, a mensagem chega aos ouvidos de dezenas de milhares de moradores de João Pessoa, na Paraíba. A convocação é clara: há uma tentativa de golpe em curso no país que busca tirar todos os direitos sociais e entregar o poder aos inimigos do povo. A única solução: protestar. E nas ruas.
João Pessoa está longe de ser uma exceção. Logo, a mensagem se espalha às pressas por todos os cantos feito notícia ruim. Do Monte Caburaí ao Chuí, milhares de moradores de algumas das maiores periferias do país são convocados a ir às ruas com o mesmo propósito – lutar contra um golpe iminente que tem como seu grande objetivo derrubar as pessoas mais pobres. O governo nisso tudo? Acusa um clima de ódio no país. E sabe o pior? Ele está certo.
Sim, há um evidente clima de ódio por aqui – e você sabe perfeitamente do que estou falando. Há gente que sai às ruas quase todo dia babando feito cão raivoso, entoando enlouquecidamente palavras de ordem contra a presidente. É só ligar a tv. Eles estão em todas as esquinas, em cada noticiário. Cuspindo, franzindo a testa, suando, cerrando os dentes, vomitando palavrões. Há uma convulsão social em plena atividade, forçando gente comum a sair de suas casas com um único objetivo: protestar contra o governo.
E as ruas estão longe de serem os únicos lugares. Olhe ao seu redor. O clima de ódio está muito provavelmente nesse exato momento em uma das abas do seu navegador, na sua rede social favorita, nos comentários dessa página. Ódio ao governo é provavelmente o novo esporte nacional. E o motivo disso? Se você pensou na oposição, apostou errado. A razão é muito mais próxima da sua vida do que você imagina. E o carro de som paraibano ilustrado acima ajuda a entender como isso se dá.
Há algum tempo, essa vem sendo a grande fórmula mágica do governo: dividir para conquistar. Mas não se engane, essa não é uma tática recente na história. Pelo contrário. Foi usada muito antes de direita e esquerda serem orientações políticas, do imperador romano Julio César (divide et impera) a Napoleão Bonaparte (divide ut regnes). Por aqui, ela se repete. Dividir para conquistar vem sendo a fórmula adotada pelo populismo latino americano há pelo menos dois séculos.
Foi exatamente dessa forma que o atual governo chegou a poder. Fracionando, separando, partindo ao meio, dividindo. Para ele, sempre houve dois caminhos muito claros a seguir, como se todos fôssemos estrelas de uma grande história em quadrinhos. De um lado, os vilões típicos: os coxinhas, a elite branca, gente sectária e ignorante que não gosta de ver gente pobre crescendo na vida. Do outro, os super-heróis de capa: os grandes líderes do partido, o mito de suas cores e suas bandeiras, e a burocracia oficial, construída com o único objetivo de defender os interesses dos mais pobres contra as tratativas malignas dos mais ricos. E foi nesse ponto da história que o governo criou aquilo que ele mesmo acusa – o tal clima de ódio.
Você se lembra da última eleição? Ele estava lá o tempo todo. Aécio era um filhinho de papai, machista, que cheirava cocaína, batia na mulher, arriscava retirar direitos sociais, defendia que os jovens estivessem na cadeia ao invés das escolas, ameaçava a democracia,defendia a escravidão, o genocídio da juventude negra e pregava ódio contra os nordestinos. Marina Silva não deixava por menos – era uma serviçal dos interesses dos banqueiros, tinha desvio de caráter, ameaçava tirar comida da mesa dos mais pobres e acabar com os programas sociais, era simpática à ditadura militar e cumpria um script que logo a transformaria numa versão feminina de Fernando Collor.
Criar uma cultura de ódio contra tudo aquilo que ameaçasse o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores assumiu o tom por toda campanha oficial em 2014, e quem passasse pelo seu caminho era logo taxado de anti-povo e inimigo dos mais pobres (mesmo Marina, uma ex-seringueira e empregada doméstica, criada no interior do Acre por uma família humilde e que aprendeu a ler e escrever aos 16 anos).
E isso era escancarado. Rui Costa, o atual governador petista da Bahia, à época da eleição disse que “o antipetismo é a insatisfação da classe média”. Para ele, “o Brasil está vivendo um segundo período de fim da escravidão”, com a derrota de “pessoas [que] veem como um absurdo o porteiro chegar de carro ao trabalho e se incomodam ao ficar atrás de um agricultor ou uma empregada doméstica em uma fila de aeroporto; acham que pobre não pode ter carro, não pode andar de avião, não pode entrar em uma universidade”. Como política é essencialmente identidade de grupo, todo essa lenga-lenga pegou. Afinal, quem se importa com propostas quando a discussão está presa a questões morais como a luta do bem contra o mal e seguir cegamente as ordens de um líder messiânico?
Desta forma, o PT cooptou em seus discursos a narrativa religiosa para angariar a simpatia dos incautos e permanecer no poder. Assim, em suas sentenças sempre foi possível reconhecer dois caminhos antagônicos – de um lado, os grandes profetas milagrosos do partido, guiando o povo à salvação e à compreensão das verdades divinas; de outro, os demônios que os combatiam, condenando todos à danação eterna e obscurecendo o entendimento do homem a respeito da verdade. Não por acaso, a cada vez que uma nova denúncia surgisse, que escancarasse a falibilidade celestial do partido, era logo encarada como uma artimanha demoníaca, uma manipulação astuta daqueles que insurgiam dos porões do inferno para confundir seu sacro dogmatismo – e o diabo (do grego diábolos, aquele que acusa, que intriga, que separa), como pai da mentira, logo assumia diferentes formas: ora como mídia golpista, ora como cacique da oposição, ora como organização de um pretenso movimento neoliberal, ora como direita, ora como classe empresarial.
Para condenar a astúcia dos inimigos, não raramente figuras escrachadas que representavam o arquétipo vilanesco da oposição eram expostas como a representação fidedigna dos que combatiam o governo. Logo, os infiéis que questionavam a santidade oficial eram tratados como cães adestrados para servir aos interesses de organizações profanas como a Rede Globo ou a Veja, Eduardo Cunha, Aécio, e de empresários bonachões ianques de almanaque interessados em sugar cada gota do nosso petróleo. Todos babões mesquinhos condenando o país ao impiedoso Armagedom, manipulando um exército satânico em verde e amarelo. Todos irremediavelmente condenados ao fracasso no juízo final graças à ressurreição do grande líder.
Longe da campanha eleitoral, o nós contra eles permanece mais atual do que nunca. Resumir a insatisfação de milhões de brasileiros a uma mera luta golpista de uma minoria branca e rica, desiludida com a ascensão dos mais pobres, ainda dá o tom do discurso oficial, mesmo na maior crise de popularidade do Planalto na história republicana. Na sexta-feira, na Paulista, Lula disse que o protesto contra o governo pertencia à elite, enquanto a manifestação em sua defesa era obra dos trabalhadores. O que tudo isso alimenta? A inevitável ira de quem é excluído dos discursos oficiais – aquela turma que subitamente se vê acossada como a vilã da história. Com tantas razões para ir às ruas, não se espanta que tanta gente tratada nos últimos anos como inimiga, sobrecarregada com a cizânia repetida incansavelmente nos discursos governistas, proteste agora com tamanho furor.
E os políticos não são os únicos a sofrer com isso. Pelo contrário. Há nesse exato instante uma multidão de intolerantes no país ante o cinismo de uma classe em especial – a artística e “intelectual”, que se esconde atrás de uma pretensa ideia de defesa da democracia pra fazer proselitismo governista. Uma classe que faz campanha em período eleitoral pelo partido, que convoca manifestações em defesa do partido, que aplaude lideranças do partido, que critica duramente oposicionistas do partido e que silencia ante as barbáries cometidas pelo partido, covarde em assumir sua condição partidária, fingindo uma isenção pra inglês ver.
Uma classe que, ante todo maniqueísmo de uma luta do bem contra o mal travada violentamente pelo governo nos últimos anos, que insiste em permanecer de pé, perseguindo e condenando de forma hostil, rebaixando à categoria de anti-povo qualquer um que não reze sua cartilha, fingir despudoradamente sair às ruas para lutar pelo amor e pela paz, contra o “clima de intolerância” que invade as esquinas. Uma classe predatória que toma as ruas de vermelho para manifestar-se em defesa de um governo que não raramente lhe rende dividendos, fingindo apartidarismo num ambiente homogêneo, enquanto questiona a isenção de milhões de pessoas, que saem às ruas livremente para protestar e são inevitavelmente tratadas como golpistas de direita comprometidas com um discurso único de violência.
Agora, o clima de ódio é inevitável, ainda que boa parte das pessoas que provocaram essa situação nos últimos anos finjam desavergonhadamente fazer de conta que nada tem a ver com isso. Como resolver a situação? Sem devoção. O petismo se transformou na maior religião de nosso tempo. É preciso lutar por laicidade, em defesa da racionalidade das instituições do país. Desmantelar o clero de artistas, intelectuais e sindicalistas pelegos – classes sacerdotais que há uma década sobrevivem com o dinheiro dizimático dos pagadores de impostos. Lutar contra o clima inquisidor a que se submeteu o Judiciário, pelo fim da condenação de juízes, investigadores e promotores previamente catalogados como hereges e feiticeiros. E finalmente condenar ao inferno das páginas dos nossos livros de história quem prometeu o céu sem ser divino.
(Publicado originalmente em fernandabarth.com.br)
Os ataques terroristas do Estado Islâmico (EI) ao aeroporto e ao metrô de Bruxelas (Bélgica), hoje de manhã(22/03), deixando pelo menos 34 mortos e mais 138 feridos, não podem ser tratados como uma surpresa. A Bélgica estava em alerta máximo há quatro dias, desde a prisão de Salah Abdeslam, líder do EI e principal suspeito de ter organizado os ataques terroristas de 13 de novembro do ano passado em Paris, que deixaram 130 mortos e mais de 200 feridos.
Autoridades belgas declararam ter ficado surpresos com o nível de organização e complexidade que o Estado Islâmico parece ter dentro do continente, descobriram após interrogar alguns suspeitos pegos junto com Salah. O primeiro ministro belga Charles Michel e as autoridades locais estão sendo duramente criticados por aparentemente terem subestimado a ameaça, mostrando não estarem preparados para lidar com o terrorismo. Isto é muito preocupante porque imaginamos que está recém começando a ofensiva do ISIS sobre o continente europeu. Segundo informações do jornal egípcio Al Watan, citando a agência de notícias dos jihadistas Amaq News Agency, no texto em que reivindica os dois ataques ocorridos em Bruxelas, o grupo terrorista afirmou que irá realizar “muitas outras operações na Europa”.
Mas, afinal, existe surpresa nisto tudo? Quem se informa ou se interessa por geopolítica e relações internacionais, sabe que a Europa vem chocado o ovo da serpente há anos.
Os europeus são tão civilizados que não compreendem a sede de barbárie dos radicais islâmicos e sua luta contra a democracia e os infiéis. A democracia é um regime que preza a liberdade individual, religiosa, sexual, a liberdade política, enquanto a teocracia não o é. Alimentados pelo multiculturalismo e pelo politicamente correto, com medo de serem taxados de islamofóbicos, estão pagando com a vida. Querem tratar como iguais quem lhe despreza as leis nacionais e vive com suas próprias regras em guetos cada vez mais fechados. Querem ser tolerantes com quem prega a intolerância. Querem ser civilizados com quem não compactua com a mesma agenda de civilidade. Quanta benevolência por parte do Velho Mundo. Deve ser muito complexo de culpa.
No ritmo que cresce a imigração e com a baixíssima taxa de natalidade das europeias (no máximo 1 filho) em comparação com as islâmicas (cerca de 8 filhos), em 20 anos a Europa irá sucumbir ao islamismo. Com a cidadania eles poderão assumir o poder político no continente e converter às leis aos seus costumes. Os movimentos de esquerda dentro do continente parecem fazer gosto que isto aconteça. Unidos em torno do que consideram inimigos comuns, como o “capitalismo opressor” e o “imperialismo”, os marxistas não percebem que serão o próximo alvo, pois também são infiéis perante a sharia.
A Alemanha, a Inglaterra e a França ensaiam uma resposta ao terror, tentando reverter a situação no bloco. Provavelmente terão que aderir a leis mais duras, restrições à liberdade de vários tipos, novas regras para imigração e política de fronteiras. Temo que seja tarde demais. De qualquer forma todo o mundo civilizado já sai perdendo, pois nestes casos de ameaça do terror, a segurança sempre deixa a liberdade em segundo plano.
(Do ex-blog de Cesar Maia)
1. Como este Ex-Blog já comentou, a ausência de partidos e líderes puxadores das manifestações cria um desconforto político para o PT, CUT, Lula e Dilma. Numa política de personalidades, é simples escolher o alvo. Mas as Redes Sociais, nas ruas, não têm personalidades, não têm líderes, são horizontais e desverticalizadas, não têm partidos.
2. Então, PT, Lula, CUT, Dilma fizeram ajustes. Passaram a chamar as manifestações de fascistas. Fascistas, sem líder e sem organização política? Bastava olharem para os anos 20 e 30 e para os populismos de direita e veriam que a categoria usada é absurda. Já tentaram isso em 2013, inclusive com artigos escritos por professores e politólogos. Caiu no vazio. O Ex-Blog, na época (2013), focalizou esses artigos e demonstrou que as manifestações poderiam ser o que quisessem, menos fascistas.
3. Na crise de 1954 e 1963 e mesmo nas de 1989 e 1992, os alvos recíprocos eram fáceis de nominar: Getúlio, Jango, Lacerda, Comunistas, Imperialismo norte-americano, Sarney, Collor, UDN, PTB, PCB... Os tiros vinham com os endereços abertos com nome e sobrenome.
4. No caderno Aliás, do Estado de S. Paulo de domingo, o brasilianista britânico Anthony Pereira, diretor do King’s Brazil Institute do Kings College of London, analisou essa fixação da política brasileira nos líderes. “Vejo um investimento muito forte na figura do líder, do presidente – e isso para o bem ou para o mal. Em uma democracia, elevar ou negar o líder é perigoso. Em um artigo de Joshua Rothman para a revista The New Yorker, o autor cita um livro de Elizabeth Samet que menciona uma carta escrita por John Adams, presidente dos Estados Unidos no século 18: ‘(Adams) sugeriu, numa carta a um amigo, que havia algo antidemocrático e imprudente na idolatria da liderança’.” “Vejo no Brasil ciclos de ‘salvadores da pátria’ e ‘inimigos número 1’. Vi isso muito claramente com José Sarney, Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso. Talvez a única diferença em relação a Lula é que está acontecendo após o seu período na presidência.”
5. As Redes Sociais não são personalizáveis. Nesse sentido, são invisíveis. O que se debate e se multiplica são palavras de ordem. Sem ter alvo para atirar, buscam desesperadamente algo que se enquadre na lógica do século 20. E encontraram o Judiciário, Ministro Mendes –e o Juiz Moro- e o Ministério Público e o Procurador Geral Janot. E recolocaram sem desfaçatez alguma a PEC 37 em cima da mesa, apesar de ter sido demolida por milhões de manifestantes em junho de 2013.
6. E a pesquisa nacional do Datafolha divulgada domingo mostra que as tendências pró-impeachment e de rejeição a Dilma e a Lula só fizeram crescer em um mês, de fevereiro para cá. As manifestações de rua a partir e através das Redes Sociais colocaram suas teses, suas palavras de ordem, seus alvos num patamar de apoio de 70% da população. O patamar de rejeição a Collor e pró-impeachment na véspera da votação de seu impeachment era de 75%. Na margem de erro é o mesmo patamar de Dilma e seu impeachment hoje.
Transcrevo abaixo trechos do editorial do Estadão (21/03). O texto aponta para a perversão retórica do partido governante. Mas o partido já mostrou o que é. A operação Lava Jato andou apenas 25%, segundo tem sido dito, mas ficou perfeitamente definido o cenário moral e criminal, através de confissões, devoluções de recursos, provas documentais, prisões, etc.. O que mais me tem surpreendido são as manifestações de juristas, professores e alunos de Direito. Como é possível tamanha contaminação com a vilania? Seguem, abaixo, alguns trechos do referido editorial.
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"O PT mostra que é capaz de ir ainda mais longe em sua perversa retórica. Diante dos avanços da Operação Lava Jato, o partido não tem se contentado em dizer que o que fez não foi ilegal ou que seu líder e seu séquito não são criminosos. Apregoam abertamente a ideia de que os criminosos estão do outro lado do balcão. Nessa tresloucada visão, os contrários à lei seriam a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário – muito especialmente o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Fernando Moro (...)
Parece maluquice, mas é apenas a exacerbação da sem-vergonhice: o PT anda querendo criminalizar a Operação Lava Jato. Tal tentativa só pode ser a reação desesperada de quem não tem fatos nem argumentos a apresentar em sua defesa. Afinal, responde pelo saque do Brasil. Manifesta completo desespero, pois o movimento de criminalizar o Poder Judiciário, a Polícia Federal e o Ministério Público não tem qualquer respaldo jurídico, nem muito menos apoio popular (...)
Nos últimos dias, a campanha contra o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba recrudesceu sensivelmente, após a retirada do sigilo do processo envolvendo o ex-presidente Lula e a consequente divulgação de áudios gravados. Como o que foi revelado não agradou nem a Lula nem a Dilma – afinal, a cafajestagem explícita nas conversas faz corar frades de pedra –, o PT e o Palácio do Planalto tentaram tratar como criminosa a decisão de Moro.
Pura encenação. Sabe-se bem que as escutas foram feitas de acordo com a lei e, portanto, podem ser usadas em juízo como prova contra Lula. A tentativa de criminalizar a decisão de Moro de levantar o sigilo das gravações é coisa de aloprados. Entre os pilares da isenção do Poder Judiciário está o princípio do livre convencimento do juiz. Pretender que uma decisão judicial fundamentada – com amplos e sólidos argumentos, diga-se de passagem – seja tratada como se fosse um crime, pela simples razão de haver produzido efeitos políticos contrários aos interesses dos inquilinos do Palácio do Planalto, equivale a querer que o País volte aos tempos do absolutismo. Um Estado Democrático de Direito tem muitas garantias, mas entre elas não está a imunidade para o ilícito".
Na dinâmica do jogo político todos os atores cometem erros. O problema mais sério dos erros políticos é que são públicos nas suas causas e consequências. Há erros de toda ordem; na escolha dos auxiliares de confiança, nas decisões equivocadas, na formulação da estratégia e, lastbutnotleast, nas declarações e pronunciamentos.
Esses últimos são alguns dos erros mais graves que Lula vem praticando, neste momento decisivo e crítico para o governo de Dilma para o qual foi convocado com a missão de salvá-lo do impeachment.
São erros provindos da incontinência verbal, que é uma das características do político Lula.
São, contudo, erros boomerang: ele os atira contra seus alvos, mas o boomerang faz a volta e retorna para atingi-lo.
Curiosamente são agressões expressas em linguagem chula, baixa e grosseira a que recorre quando enfrenta uma situação que o ameaça e o assusta. São declarações autodestrutivas que provocam estragos na sua imagem e criam constrangimento (quando não revolta) naqueles a que são dirigidos.
Lula parece ter escolhido para agredir com uma linguagem muito ofensiva todos os que ou vão julgá-lo ou aqueles de cuja boa vontade vai depender.
Assim, além do Juiz Sérgio Moro, ele ofendeu o Procurador Geral da República, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, a Receita Federal, a Polícia Federal, atacou as redes de TV, Presidente da OAB, Presidente do Senado.
Para eles, Lula, implícita ou explicitamente acrescenta, com termos e expressões estranhos à política civilizada, a acusação de traição, de ingratidão e de falta de reconhecimento, como se a indicação ou nomeação de uma autoridade trouxesse consigo a obrigação da submissão aos seus desejos e interesses.
Não haverá tempo suficiente para Lula reatar suas relações com a realidade o que, até agora, era um dos traços mais fortes da sua personalidade política.
Falar mal de políticos (e de política em geral) é um hábito de todos nós. Fazer críticas e comentários sobre improbidades e roubalheira é uma constante.
O que pouquíssimos de nós percebe é que, todo é qualquer político, que são representantes dos cidadãos, são nossos parentes, parentes de alguns parentes, amigos de parentes, gente que conhecemos ao longo da vida; foram nossos vizinhos ou estudaram na mesma classe ou na mesma escola. Quem sabe trabalharam nas mesmas empresas ou foram colegas, diretos ou indiretos.
De um modo ou outro estamos ligados a todos os políticos eleitos, sem exceções.
A distância que projetamos dos homens e mulheres da classe que atua na política, nos remete ilusoriamente à um planeta distante, como se não vivêssemos nas mesmas cidades, estados ou país.
O que mais pesa na nossa falta de consciência, é que agimos como se a culpa sempre fosse de outros, e não nossa própria. Tal como se políticos brotassem em árvores ou surgissem por geração espontânea, que é um fenômeno da biologia.
A TEORIA DA GERAÇÃO ESPONTÂNEA E A POLÍTICA
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Percebam a relação direta que existe, quando refletimso sobre a geração espontânea, da qual muitos acreditam (inconscientemente) ser a origem de agentes políticos, que é conhecida como abiogênese. Esta é um teoria tão antiga que existe desde Aristóteles.
De acordo com ela, a vida poderia surgir espontanea e continuamente da matéria bruta. Algumas observações feitas por pessoas comuns, no dia-a-dia, pareciam reforçar essas ideias: o fato de aparecerem larvas de insetos sobre o lixo em decomposição, por exemplo, alimentou a ideia de que as larvas teriam “brotado” do lixo, pois não se conheciam os detalhes da reprodução dos insetos.
A circunstância de girinos surgirem na água de uma poça, de um dia para outro, parecia ser a prova de que tinham se originado diretamente da lama da poça. A descoberta dos microrganismos, depois da construção do microscópio pelo holandês Anton Van Leeuwenhoek, no século XVII, representou mais um argumento a favor da geração espontânea: não se podia imaginar que seres tão simples pudessem possuir qualquer método de reprodução.
A situação chegou a tal ponto que, por volta do século XVII, o belga Van Helmont anunciou uma famosa “receita” para obter ratos, a partir da mistura de roupa suja com sementes de trigo! Pouco tempo depois, no entanto, o italiano Francesco Redi demonstrou por meio de um engenhoso experimento, que o surgimento de larvas na carne em decomposição não se dava espontaneamente, mas sim a partir de moscas que ali depositavam seus ovos.
Uma famosa polêmica entre os defensores e os atacantes da doutrina da abiogênese iria instalar-se, no século seguinte, entre o inglês John Needham (defensor das ideias de geração espontânea) e o italiano Lazaro Spallanzani. O inglês realizou várias experiências utilizando-se de variados “caldos nutritivos”, constatando seguidamente a proliferação de microrganismos em seus recipientes.
Spallanzani acusou, então, Needham de não ter procedido com a total eliminação dos micróbios em seus caldos. Para demostrá-lo, repetiu os experimentos de Needham levando os caldos à fervura e em seguida fechando-os bem: não havia, nesse caso, o crescimento de microrganismos enquanto os frascos não fossem novamente abertos. Mas Needham retrucou, acusando Spallanzani de ter destruído, pelo calor, o “princípio vital” de suas infusões nutritivas.
Por mais estranho que nos pareçam essas ideias hoje, a crença na geração espontânea perdurou até meados do século XIX, quando finalmente o francês Louis Pasteur conseguiu derrubar essa teoria da maneira definitiva, por meio de alguns experimentos simples porém muito corretos em sua formulação.
Esta é a eterna discussão entre a ilusão propagada como verdade absoluta a um grande grupo de ignorantes - que a aceitam como serviçais imbecis –, e alguns que defendem a divulgação da verdade para eliminação de insetos, germes e bactérias.
O maior de todos os problemas é que a infecção nas coisas da política não é bacteriana, mas viral, e para a qual não há vacina conhecida desde a invenção da urna eletrônica. Enquanto as moscas depositam ovos para criação de vermes, nós depositamos votos.
Todos nós somos os propagadores de uma praga que deveria servir como remédio.
*Jornalista