• Cristiano Rodrigues e Vinícius Gouveia
  • 06 Junho 2015

 

            O PT e o PMDB, depois também o PSDB - originário da espinha dorsal deste último, são ainda os sócios majoritários e controladores da Nova República, forjada no início dos anos 80 no movimento das Diretas Já.

           Ao longo dos últimos trinta anos, essas três legendas têm comandado a República (Partidos Cartel), exceção ao interregno 1990-92, quando Fernando Collor subiu e desceu a rampa do Planalto em meio a denúncias que hoje seriam nada mais do que gorjetas tendo em vista a avalanche de escândalos bilionários que assombram o País. PMDB, PT e PSDB comandam metade dos municípios brasileiros, 2/3 dos Estados e são as três maiores bancadas no Congresso.

            Pois bem, a eleição de FHC foi um momento histórico para o tucanato, que chegou ao poder sem ter construído uma narrativa eleitoral, mas teve como pano de fundo o sucesso do Plano Real. Posteriormente, uma conjugação de fatores internos (morte de lideranças da base de sustentação como Mario Covas, Montoro, Luiz Eduardo Magalhães e Sergio Motta, bem como a crise econômica de 1999 e o apagão de 2001) e externos (crise dos países emergentes) ruíram a base de apoio do PSDB, jogando no colo do PT a eleição de 2002.

           Após quase oito anos de ajustes e reformas institucionais na era FHC, somado a um período de bonança das commodities internacionais, o então Presidente Lula pôde por em prática a tão sonhada agenda de elevação do salário mínimo, bem como a ampliação acelerada do já existente programa de renda mínima aos menos favorecidos. A elite que antes tinha um pé atrás em relação à Lula, cantava em verso e prosa nas colunas dos jornais sobre a inteligência e sensibilidade do líder. Era o Cara! Mas, o escândalo do mensalão - mostrou o lado sombrio do PT-, conhecido como a compra de bancadas no Parlamento nacional, solapou a elite do partido dos trabalhadores. A linha de sucessão havia sido quebrada. Dirceu e Pallocci foram abatidos, sem fazer menção a outros integrantes do alto escalão do PT, como João Paulo Cunha, Genoino, Delúbio Soares - todos homens de confiança de Lula.

            Sob o comando hegemônico de Lula, e uma pífia atuação da oposição formal, eis que surgiu na arena política uma nova estrela do time. Era ela a ponta esquerda do partido, mãe do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a gerentona da Casa Civil e do Conselho da Petrobrás. A irascível e competente Dilma Rousseff. Os adjetivos anteriores, cunhados por Lula, foram coadunados pela grande mídia que, por sua vez, exaltava a possível eleição da primeira mulher presidente do Brasil. Ou seja, alguém de fora do núcleo político - jamais tinha participado de uma eleição - iria tomar conta da sétima economia mundial, e dos pobres como mãe. Mais: lá pelos idos de 2008 (crise financeira mundial), ensaiou a Nova Matriz Econômica (desenvolvimentista), já que foi posta em prática em sua plenitude, só a partir de 2011 pelo quarteto Dilma-Mercadante-Mantega-Coutinho. Matriz essa, que nada mais era do que reinvenção do II PND - programa de Ernesto Geisel dos anos setenta, que dava ao Governo a prerrogativa de gastar mais e mais, a fim de fazer a economia crescer. O resultado da segunda metade dos anos 70 todos sabem qual foi: crowding-out. Ou seja, estatismo, inflação galopante, década perdida (anos 80) na economia e no social.

            Lula, político hábil, era "inconteste" ao final de seu mandato - 90% de aprovação segundo os institutos de pesquisas. Assim, fez sua sucessora, que, após 8 meses de sinalização de "ajuste", impôs a sua marca ideológica (Nova Matriz Econômica). Política econômica essa, fundamentalmente intervencionista, heterodoxa e desenvolvimentista, que deveria estimular a economia brasileira, segundo os economistas que acreditavam nesta escola. Ledo engano, mais uma vez em nossa história os desenvolvimentistas falharam. Resultado: crescimento pífio, inflação em aceleração e aumento de endividamento do Estado e das famílias. Digressão: a elite patrimonialista ganhou muito com os empréstimos subsidiados do BNDES.

Diante de tal cenário, Lula percebeu ao final de 2013 e início de 2014, que as coisas não iam bem com a gestão da gerentona, e com um grupo de amigos lançou o balão de ensaio do "Volta, Lula", a fim de salvar seu projeto político. Coincidentemente ou não, no mesmo período, surgiu em Curitiba denúncias sobre um tal de Petrolão que sacudiu o meio político-empresarial. As denúncias foram tímidas no começo - a Copa era mais importante -, mas cresceram de dentro para fora em uma espiral sem controle, arrastando a elite política e parte da elite empresarial para o núcleo da crise, às vésperas da eleição de 2014. Mal explicado ou não, Dilma venceu a queda de braço interna, e garantiu a indicação como candidata pelo PT.

Apesar de todo o cenário econômico em desaceleração e de fortes denúncias (Petrolão), não houve alternância de poder na eleição de 2014. Na reta final do primeiro turno, PT e PSDB uniram esforços, a fim de derrotar Marina Silva (PSB). Já no segundo turno, houve forte embate entre PT x PSDB. Por fim, a base aliada venceu as eleições, por pequena margem é verdade. Essa vitória, em parte, ocorreu, pois Dilma possuía coligação mais ampla, mais tempo de TV no agregado dos dois turnos, mais marketing político, mais recursos financeiros, além, é claro, do conjunto de promessas irrealistas, que após o pleito fora completamente alterado, caracterizando assim o denominado "estelionato eleitoral".

Após a eleição, como a economia já mostrava claros sinais de deterioração e o cenário para 2015 não era alvissareiro, foi então escalado para a Fazenda, pelo novo-velho governo, alguém que agradasse o mercado financeiro e as agências de rating: Joaquim Levy. A hegemonia petista - dentro do Cartel - estava prestes a ser completada quando a presidente e seu comandante em chefe, Aloisio Mercadante, apostaram de forma aloprada em eleger o Presidente da Câmara de seu partido (Arlindo Chinaglia), o que seria um ippon em seu aliado, o PMDB. Daí em diante veio o caos, com a avassaladora vitória de Eduardo Cunha e da Lista do procurador-geral Rodrigo Janot. Assim, formou-se o triunvirato político (Temer-Cunha-Renan), que impôs sua agenda. A Presidente não controlava mais a economia nem a política. As denúncias do Petrolão aceleravam a derrocada do governo.

Soma-se a esse quadro, as manifestações de rua contra a Presidente, que começaram tímidas na Av. Paulista, ainda em novembro/dezembro de 2014, e depois se alastraram pelo país. Os tucanos, dentre eles figuras de alta plumagem, gravaram vídeos de apoio às manifestações, inclusive aproximaram-se do líder de um dos movimentos, o Vem Pra Rua liderado por Rogério Chequer, que instantaneamente virou "porta-voz" do movimento para o grande público, aparecendo em jornais e revistas. Para o PSDB, como em 2005, a intenção era sangrar o governo. Essas palavras foram proferidas por Aloysio Nunes, fiel escudeiro de outro tucano, José Serra. Era preciso para o PSDB, de alguma forma, manter o controle ou tentáculos sobre as ruas.

No dia 15/03/15, milhões foram às ruas. O Palácio do Planalto tremeu. Todos tremeram em Brasília - vide entrevista dos ministros após as manifestações. Estaria a manifestação botando em risco os sócios-controladores da Nova República e os Donos do Poder? Como ficaria o cartel nesse cenário imprevisível? A sucessão estaria pronta? Quem assumiria? Povo na rua em um país patrimonialista é um "problema" adicional, pois exige resposta rápida das autoridades. Ninguém sabia o que fazer. A Faria Lima temeu pelo pior. Outro elemento se juntou a tudo isso: os panelaços que ecoavam pelas sacadas dos prédios nas grandes cidades, sempre que Dilma ou PT apareciam na TV. O Planalto foi às cordas – nível de ótimo/bom despencou para a faixa de 10%.

Eis que entra em campo o salvador da pátria, é claro, FHC. Com a pauta de que impeachment seria como uma bomba nuclear, ou seja, jamais deveria ser utilizada. Curiosamente, após entrar em campo, o apoio tímido inicial às manifestações foi minguando nas redações dos jornais, até desaparecer na Novílingua Orwelliana. Quase ninguém falava em povo nas ruas. As manifestações seguintes de 12/04 foram dadas como mortas. Eram apenas protestos de "coxinhas". Eis que segmentos da mídia tentavam controlar na fonte, o maior movimento civil independente dos partidos políticos com pauta organizada que o Brasil já teve. Mais: a marcha dos "meninos" para Brasília, do Movimento Brasil Livre (MBL), praticamente só foi vista por quem acompanhava-os pelas redes sociais, talvez por se tratar de jovens liberais ou conservadores que há tempo haviam desaparecido do espectro político-acadêmico.

Diante disso, era possível sentir um cheiro de "acordão político" no ar. Quase todos se faziam de desentendidos, em Brasília. As denúncias apesar de estarem presentes na mídia, não eram encadeadas de forma a constituir uma narrativa clara de que o atual modelo e gestão estavam levando o país para o buraco institucional. Parte da mídia, nas entrelinhas, classificou que ruim seria com Dilma, pior seria com o conservadorismo do PMDB. Sim, segmentos da mídia até estariam dispostos a fomentar o impeachment e/ou a queda da chapa Dilma-Temer, desde que o dia seguinte não fosse de posse para um governo conservador. A elite, de forma tácita, temendo greves (caminhoneiros), sindicatos e MST, e sabendo da força do PT junto aos sindicatos optou por manter Dilma/PT, desde que condicionado à manutenção do ajuste de Levy, e assim, tentar-se-ia salvar o investment grade do país. Enfim, o Brasil sempre foi vítima de miopia política, quando os Donos do Poder estão em perigo. É da nossa tradição patrimonialista. A justiça eleitoral, por sua vez, pouco se manifestou após os escândalos das gráficas supostamente fantasmas e de financiamento de campanha, basta acompanhar as delações da Lava Jato. Não há como negar: o País vai muito mal institucionalmente, com raras exceções e economicamente as incertezas são enormes

Em suma, o Brasil, atualmente, encontra-se regido na política pelo triunvirato às custas da deterioração da instituição da Presidência da República e da democracia. A imagem do Brasil colapsou no exterior. O mercado financeiro comprou a solução provisória do "ajuste". Digressão: ajuste fiscal, com governo sem credibilidade, em geral, tem pouca chance de dar certo. O povo, por sua vez, foi alijado do processo (ruas foram esvaziadas). E o país caminha a passos largos para mais uma década perdida - produtividade em baixa e fim do bônus demográfico. E a oposição, como em 2005, acha que vai deixar o petismo sangrando para voltar ao comando do país, em 2018. É mais do que sabido, que o Cartel não gosta de ruptura, mesmo quando essa dar-se-ia pela via constitucional (impeachment ou queda da chapa de Dilma). Num cartel, por definição, todos têm de certa forma o rabo preso e, por isso, se auto ajudam em momentos de crise. O tal "acordão" empurra com a barriga a atual crise política-econômica-institucional. O Brasil precisa de um choque de gestão e de credibilidade. Precisa, portanto, de um novo governo.

Enquanto isso, a mídia ocupa-se, principalmente, em escrever editoriais/colunas sobre o que está acontecendo na FIFA/CBF, do que a respeito dos escândalos políticos, CARF e lista HSBC (esses últimos dois, muito mal explicados). Colunistas pedem efusivamente a renúncia de Del Nero - pauta justa -, mas esquecem de cobrar, com a mesma intensidade, uma solução para a atual crise política que vive o País. Do ponto de vista institucional, largaram o Brasil, na banguela, ladeira abaixo.

Para finalizar, citamos uma breve passagem do pensador Alexis de Tocqueville que fala sobre a liberdade e a missão da imprensa em uma sociedade em desenvolvimento:
"A liberdade de imprensa não faz seu poder sentir-se apenas sobre as opiniões políticas, mas também sobre todas as opiniões dos homens. Ela não modifica apenas as leis, mas os costumes... Em certas nações que se pretendem livres, cada um dos agentes do poder tem a faculdade de violar impunemente a lei sem que a constituição do país dê aos oprimidos o direito de se queixar diante da justiça. Nesses povos, não se deve mais considerar a independência da imprensa como uma das garantias, mas como a única garantia que resta da liberdade e da segurança dos cidadãos."


Cristiano Rodrigues
Economista (USP) / Ciência Política

Vinícius Gouveia
Economista (USP) / Ciência Política
 

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  • Ênio Meneghetti
  • 04 Junho 2015


Não foi mau para o governo o surgimento do escândalo da FIFA. Ele ajuda muito a desviar a atenção sobre outros escândalos mais graves.
Muito mais do que eventuais desvios realizados por autoridades esportivas, afetam muito mais aos brasileiros os escândalos diários sobre desvios ocorridos nas obras de estatais e do próprio governo.
É claro, sem deixar de lado o fato de que, coincidentemente, as mega obras de construção de estádios inúteis como o de Manaus e outros foram realizadas pelas mesmas empreiteiras que atualmente monopolizam o noticiário. Isso é bem mais importante do que conhecer as peripécias dos cartolas do futebol.
Enquanto o assunto FIFA desviava a atenção, uma das revelações do final de semana que passou veio em reportagem de "O Estado de S.Paulo". O fato de que os investigadores da força tarefa da operação Lava Jato encontraram indícios de desvios de dinheiro na construção do Estaleiro Rio Grande, aqui pertinho, iniciada em 2006, e nos contratos fechados para produção de cascos de plataformas e sondas de exploração de petróleo, a partir de 2010. A WTorre construiu o Estaleiro, mas em 2010, vendeu seus direitos no negócio para a Engevix.

Estão sendo investigados pagamentos da WTorre e Engevix às empresas de consultorias de quem? Antonio Palocci e José Dirceu.

Palocci alega que os pagamentos da W Torre à sua empresa, a Projeto Consultoria, foram referentes a quatro palestras aos diretores da empresa, cada uma por R$ 20 mil. A empreiteira apresentou 18 notas fiscais, num total de R$ 350 mil, emitidas pela Projeto, em 2007, 2008, 2009 e 2010.

A JD Assessoria e Consultoria, de José Dirceu recebeu R$ 2,6 milhões da Engevix, entre 2008 e 2012 – parte diretamente e outra parte por meio da Jamp Engenheiros Associados, do lobista Milton Pascowitch.
Às partes citadas, é claro, negaram que os contratos de consultorias prestados tiveram qualquer relação ou possibilidade de pagamento de propina.
Agora, o que preocupa mesmo o Planalto é a questão sigilo das operações de crédito do BNDES. A pressão para que seja aberta uma CPI do BNDES é e tem de ser, cada vez maior. É assunto muito mais do que arrasa-quarteirão.

A questão é: por que o governo se esforça tanto em esconder os detalhes dos investimentos financiados pelo BNDES com nosso dinheiro em Cuba, Angola e outros países?
"Estes segredos cheiram mal", chegou a declarar o deputado Onyx Lorenzoni.
Por que esta insistência governamental em descumprir o artigo 49/1 da Constituição Federal, que diz claramente:
"É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
 Mais claro que isso, impossível. Mas o governo além de descumprir este dispositivo legal, ainda se dá ao requinte de sonegar as informações ao público. Por que?
Isso ainda vai render muito.
 

http://eniomeneghetti.com/

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  • Gilberto Simões Pires
  • 04 Junho 2015


HISTÓRIAS DA CAROCHINHA
Das principais agências internacionais de -classificação de risco-, ao menos a Moody's já deu a entender, pelo relatório que divulgou nesta quarta feira, que não está muito disposta a se deixar levar por fantasias, frases de efeito e/ou histórias da carochinha, do tipo que o irresponsável governo Dilma adora contar para seduzir para as mais diversas plateias.

FORMA DE RECONQUISTAR CREDIBILIDADE
No seu relatório, o vice-presidente da Moody's, Mauro Leos, deixa bem claro que não acredita que o Brasil vá atingir a meta fiscal estabelecida pela equipe econômica para 2015 e 2016. Segundo Leos, "a administração Dilma estabeleceu uma meta de superávit de 1,2% do PIB para 2015 e 2% para 2016, mais como uma forma (falsa) de -reconquistar credibilidade das políticas econômicas".

PESQUISOU O PONTO CRÍTICO
Confesso que até cheguei a imaginar que Leos proferiu a sua -sentença- depois de ler alguns editoriais do Ponto Crítico (que tal a modéstia?). Principalmente quando sugere que mesmo considerando que as metas de superávit primário venham a ser atingidas, só o aumento nas taxas de juros vai proporcionar um rombo maior do que o montante definido pelo -corte de gastos-.

CRÍTICO -COM CAUSA-
Como os leitores estão cansados de saber e reconhecer, o meu posicionamento tem sido sempre CRÍTICO - COM CAUSA. Por isso continuo afirmando que o governo Dilma está, pela enésima vez, tentando enganar a opinião pública. Repito: a situação do país é grave. Muito grave. Maior, insisto, do que as (tímidas) medidas poderão alcançar.

INVESTMENT GRADE
Pois, enquanto Dilma insiste com MENTIRAS, me posiciono com VERDADES. Uma delas é que as agências internacionais -de classificação de risco- têm se posicionado de forma muito tolerante com relação ao Brasil. Se fossem decididamente sérias e menos tolerantes, já deveriam ter cassado o -INVESTMENT GRADE- do nosso pobre país.

INCAPACIDADE DE ADMINSTRAÇÃO
Reforço essas minhas expectativas -ruins- diante da dificuldade histórica que o PT tem para fazer as coisas certas. Isso para ficar restrito apenas à declarada INCAPACIDADE PARA ADMINISTRAR, ou seja, não estou levando em conta a expressiva taxa de CORRUPÇÃO que está destruindo o país.
 

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  • Raphael De Paola
  • 04 Junho 2015

 

O senso comum a respeito do ensino na sociedade moderna, repetido como dogma indiscutível por ministérios, ONGs, educadores e pais, é o de que a educação de crianças e jovens tem de ser universal. Com isso, todos querem dizer que acreditam existir um núcleo mínimo de valores e conhecimentos que devem ser compartilhados por toda a sociedade e passados de geração a geração através de instituições desenhadas especificamente com esse fim. Essa premissa se funda, por sua vez, numa outra, a de que, sem aquele núcleo mínimo, o tecido social será corroído desde dentro por indivíduos que instaurariam o caos e a desordem.
Ora, quem poderia ser contra essas premissas? O que pode haver de ruim em tentar manter um denominador comum de ordem e harmonia na sociedade? E de fazê-lo através, entre outros, do legado às próximas gerações daquilo que as anteriores aprovaram e confirmaram na prática? Como não concordar, por exemplo, que o crime é ruim e deve ser combatido com vigor, que os valores religiosos e familiares são a base para a formação dos valores cívicos, que é preciso respeitar o amadurecimento sexual das crianças em seu devido tempo, e que se deva nutrir, se não o amor pelo saber, ao menos o respeito por quem o conserva? Se esses são valores compartilhados pela grande maioria das pessoas, por que não disseminá-los também a partir da escola?
Mas é impossível o observador atento não perceber que nas últimas décadas caiba justamente à escola, mais que à televisão e à cultura em geral, o papel principal na destruição, nos corações e mentes das novas gerações, de tudo aquilo em que a população adulta acredita. Foi a partir de práticas pedagógicas abomináveis que se forjaram a justificação, se não a própria glamorização, do crime como forma de luta contra as “injustiças”, com os corolários óbvios da vitimização do criminoso, da disseminação do consumo de drogas e da subida ao poder do partido mais criminoso da história ou então a destruição dos valores familiares e religiosos e a concomitante relativização dos valores cívicos ou ainda a sexualização acelerada de crianças através de aulas de “educação sexual” em que crianças de 9 e 10 anos são ensinadas a se masturbarem e camisinhas são colocadas nas suas mãos e, contra tudo o que se pudesse esperar de uma instituição de ensino, o total desprezo a qualquer forma de saber e de autoridade, com o concomitante desrespeito, quando não o ódio puro e simples, a seus portadores, acompanhado da elevação de verdadeiras deformidades aos postos de representantes da “alta cultura”.
O que vem dando errado, então? Como pode a instituição que fora projetada para servir de depósito e propagação dos valores compartilhados pela maioria voltar-se contra ela e passar a servir precisamente ao propósito contrário? Como é possível o espaço social construído justamente com o objetivo de preservar a moralidade ser sistematicamente empregado para destruí-la?
É que há pelo menos dois enganos na aceitação passiva daquelas premissas do primeiro parágrafo. O primeiro engano é o de que a elite dirigente e a população em geral têm o mesmo objetivo e que, portanto, as políticas públicas refletirão a vontade da maioria. Não importa se na escola pública ou privada, se no nível superior, secundário ou primário, o que se tem assistido na educação é a uma enxurrada de teses e comportamentos absurdos impostos goela abaixo dos filhos de uma população atordoada que, se entendesse o que está acontecendo e se pudesse intervir, ensinaria o contrário do que as escolas têm feito. Legalização de drogas, aborto, feminismo, casamento gay, racialismo e cotas, bolsa-bandido, desarmamento civil, aulas de “educação sexual”, agigantamento do estado, maioridade penal, substituição da religião tradicional por um panteísmo ecológico de quinta categoria – todo o cardápio, enfim, da elite politicamente correta- são temas nos quais a opinião majoritária da população é frontalmente desafiada pelo ensino atual. Em todos esses temas, a opinião da maioria da população é uma, mas invariavelmente o que seus filhos aprenderão na escola é o oposto.
O discurso da classe política, que se reflete integralmente nas faculdades de educação e, portanto, na formação dos professores, é o de que a “sociedade precisa avançar nas questões atuais”. Mas o que isso efetivamente significa na prática é que eles vão, a contragosto da população a quem têm a obrigação de servir, substituir todo o conjunto de valores tradicionais por uma pasta mental incapacitante planejada milimetricamente para deprimir a inteligência. A população rejeita qualquer um desses “avanços”, dando mostras claras disso em qualquer enquete. Mas governos e ONGs usam seu poder para impor às novas gerações valores e pensamentos em total discordância com as anteriores. No julgamento dos luminares da classe dirigente, o povo, tal como está, não serve, é muito “conservador” e precisa dos “avanços” ditados pela elite iluminada. Na nova democracia do politicamente correto não é mais o povo que escolhe o governante, é o governante que escolhe o povo.
O segundo engano consiste em acreditar que, se os valores tradicionais e a ordem vigente forem derrubados, reinarão na sociedade o caos e a desordem. Mas o caos não existe. E muito menos ainda está nos planos da classe dirigente instaurá-lo. O que temos testemunhado é a meticulosa substituição de um tipo de ordem por outro: em lugar da ordem tradicional, a ordem dos psicopatas e seus seguidores histéricos (http://www.olavodecarvalho.org/semana/131118dc.html). O que dá à população desavisada a impressão de ser um estado de caos é, na verdade, um passo adiantado na transição para a nova ordem.
Pouco importa que para a população adulta os temas e as vontades absurdas das classes dirigentes nos cheguem como propostas a serem debatidas “democraticamente” pela “sociedade civil”, porque, através de toda a rede de ensino e cultura, elas já estão sendo impostas ditatorialmente sobre as novas gerações e implementadas com a precisão de um projeto de engenharia. A nova ordem é gestada desde dentro da antiga. A revolução não precisa de um motor externo, é só fazer a máquina já existente trabalhar para o propósito oposto.
As práticas pedagógicas mais eficazes nesse processo de mutação social são os badalados “socioconstrutivismo” de Lev Vygotsky e a “educação para a crítica” de Henry Giroux, inspirada, entre outros, na “teoria crítica” dos intelectuais da Escola de Frankfurt e na “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, o maior produtor de analfabetos funcionais com diplomas universitários do universo. O slogan é o de que, ao invés de simplesmente expor o conteúdo de uma matéria para que os jovens a absorvam “apenas de modo passivo e monótono”, supostamente agora os faremos refletir “criticamente” acerca das origens e conseqüências sociais, políticas, ideológicas e psicológicas daquele conhecimento novo. A “crítica” levaria então à “construção social” do conhecimento na mente do jovem, supostamente com interferência mínima por parte do professor.
Ora, o garoto acabou de receber uma informação pela primeira vez, mal guardou os nomes dos conceitos e fatos e porcamente conseguiu estabelecer as relações requeridas para o correto entendimento do assunto, e já se espera que ele faça uma “abordagem crítica” daquela massa de dados. É óbvio que isso é impossível.
E nem é esse o intuito. O que esse estímulo à crítica vazia cria na mente dos alunos é ansiedade e um impulso histérico de debater por debater, de falar do que não entende nem estudou, de não ouvir o contraditório porque “cada um tem sua opinião”, e de agradar o professor e tentar adivinhar qual a opinião dele para terminar logo a aula sem levar nota baixa. É então que se perfaz o verdadeiro objetivo, não declarado mas óbvio, da “pedagogia crítica”: os alunos passam a aceitar passivamente a opinião do professor, ou como um dogma infalível acima de qualquer crítica(!), ou, pelo menos, como uma opinião que deva ser discutida em si, por mais absurda e contrária aos fatos que seja. E a perversão maior é que o aluno ainda sai com a ilusão, forjada pela condução socioconstrutivista da aula, de que é ele quem está pensando.
O resultado todo mundo conhece: seu filho sai da escola sem saber colocar uma crase nem fazer contas com decimais, mas com a plena convicção de que o socialismo é bom e de que, não somente o aquecimento global é um fato “científico”, como a culpa ainda é do George W. Bush.
O objetivo da nova educação não é necessariamente persuadir racionalmente ninguém de nenhum daqueles pontos de vista, mas dissuadir a todos da idéia de que exista a possibilidade de uma arbitragem racional a respeito. Afinal, a quem pode interessar criar um ambiente em que se coloca absolutamente tudo em discussão “crítica”, senão àqueles que já sabem de antemão que vão propor o indefensável racionalmente? É impossível não perceber que as tais “críticas” são sempre dirigidas às coisas menos criticáveis. Os alvos de sempre são o capitalismo (nunca o socialismo), os Estados Unidos (nunca a URSS ou a China), a direita (nunca a esquerda), a Igreja Católica e as religiões em geral (nunca o ateísmo organizado), o Estado de Israel (nunca o terrorismo palestino), a família tradicional (nunca o “poliamor”), o tabaco e o álcool (nunca a cocaína e a maconha), a ditadura e as Forças Armadas brasileiras (nunca as cubanas), e por aí vai. Críticas ao melhor, sempre ao pior, nunca.
A meta é acostumar a platéia ao absurdo, legitimar debates entre um ponto de vista razoável e outro quase sempre insano no qual nem mesmo seus defensores acreditam. O que para uma geração é totalmente inconcebível, a seguinte já discute com ares de seriedade socrática. Exagero? Aguarde: discussões sobre pedofilia, zoofilia e casamento entre N pessoas já estão na ordem do dia. A próxima geração vai discutir histericamente essas novas “propostas” e considerar a existência mesma da discussão um enorme “avanço democrático”.
Bella Dodd, uma professora americana, que no livro The School of Darkness (Devin-Adair Pub, 1963) fez uma autocrítica maravilhosa de seus anos de comunismo na juventude, demorou para entender aquilo que, vez após vez, lhe diziam os dirigentes do partido: “Toda derrota é uma vitória.” Sempre que uma elite de psicopatas consegue impor uma discussão séria em torno de uma proposta absurda, esta sair vencedora é o que menos importa, porque o objetivo principal é criar uma militância histérica que finja acreditar nela e manter o adversário ocupado em debater civilizadamente uma proposta cínica. A frase mais repetida pelo establishment esquerdista é: “A sociedade precisa discutir esse tema”.
A ambição dos luminares da “educação universal” era a de produzir milhões de cidadãozinhos bem comportados da nova ordem mundial, um tipo de ser que aceitasse polidamente as discussões políticas mais absurdas ao mesmo tempo em que, pelo menos nas áreas mais técnicas, um mínimo de racionalidade e competência fosse reservado para a manutenção mais ou menos equilibrada da economia. Em suma, a produção de milhões de tucanos. Mas é óbvio que, quando baixa o nível geral de inteligência, é impossível resguardar qualquer domínio que seja. O resultado é a pífia qualificação técnica de engenheiros, economistas, administradores, médicos e advogados, comprovada ano após ano nos mais variados testes nacionais e internacionais de conhecimento.
A equiparação do grotesco ao belo dentro do próprio ensino só poderia mesmo produzir essa incapacidade intelectual geral das últimas três gerações. Uma vez iniciado o processo deliberado de estupidificação dos jovens, não há freio que o segure: o mesmo rebaixamento que testemunhei em sala de aula na minha geração, em que se substituía Chico Buarque a Camões, e que nos anos 90 levou a hermenêuticas seríssimas sobre as letras das músicas de Gabriel Pensador, culminou, nos últimos anos, com enxurradas de teses universitárias sobre o Racionais MC e funkeiros de todo tipo.
Fundo do poço? E se tiver gente cavando mais fundo? Max Horkheimer, diretor da Escola de Frankfurt por décadas e seu principal teórico, rejeitou a inclusão de um novo associado baseado em que lhe faltava “o olhar aguçado pelo ódio a tudo o que está no lugar” (Rolf Wiggershaus, A escola de Frankfurt. História, desenvolvimento teórico, significação política. DIFEL, 2002). A cultura moderna é uma declaração de guerra permanente contra “tudo que está no lugar”, é uma aposta insana de que sexo, drogas e rock’n’roll redimirão o mundo e que o “mundo melhor” virá pelas mãos das piores pessoas.
Não espanta que, com o imaginário construído pela educação e pela cultura modernas, e não suportando o peso da responsabilidade pessoal pela condução de suas próprias vidas, milhões de pessoas permaneçam décadas a fio naquele estado de adolescência eterna onde até mesmo os protestos aos quais recorrem “contra o sistema” são postiços porque os canais de rebeldia estão todos instrumentalizados pela classe dirigente.
O único conselho que se pode dar é aquele do Pe. Paulo Ricardo quando perguntado sobre o que a Igreja esperava dos jovens de hoje: “Que se tornem adultos”!

 

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  • Rodrigo Constantino
  • 04 Junho 2015

Importante entrevista nas páginas amarelas de VEJA essa semana, com o matemático Nuno Crato, ministro da Educação e da Ciência em Portugal (favor não comparar seu currículo ao de Aloizio Mercadante, para não humilhar tanto a ex-colônia). Crato tem atacado o “eduquês”, a pedagogia romântica e construtivista nas escolas. Ele está certo! Logo no começo, ele explica melhor o que está condenando:

Minha crítica bate de frente com uma linha muito celebrada nas escolas de hoje. É uma corrente que dá ênfase excessiva às atitudes e à formação cívica do aluno e deixa em segundo plano o conhecimento propriamente dito. Pergunto: como investir em educação cívica se o estudante não consegue nem ler o jornal?

Infelizmente, muitos educadores levaram suas ideologias esquerdistas para dentro da sala de aula. Antigamente, ensinava-se a ler e a escrever, a fazer contas, enquanto hoje se “ensina” que é preciso ter “consciência social”, sem falar de toda a doutrinação ideológica absurda.

Alunos, cada vez mais cedo, são expostos à visão de mundo desses professores, que enfiam goela abaixo desses imberbes indefesos a noção marxista de “opressores e oprimidos”, tão disseminada por Paulo Freire e sua “pedagogia do oprimido”. Pelo visto, “aprender” que o homem branco ocidental era malvado e dominou as pobres minorias é mais importante do que saber ler direito e fazer contas.

Além disso, os métodos tradicionais de ensinar e cobrar dos alunos são atacados por esses pedagogos modernos. Eles partem da premissa de que os alunos não devem ser tão cobrados, que cada um tem seu próprio ritmo, que não é correto instaurar competição em sala de aula por meio de provas e coisas do tipo. Crato responde:

Muitos batem na tecla de que prova faz mal. Acham que ela submete o aluno a um alto grau de stress, sem necessidade. Vão aí na contramão do que afirmam os grandes pesquisadores. Eles já sabem que, ao ser questionada e posta a refletir sobre um conteúdo, a criança consegue absorvê-lo melhor, avançando no conhecimento.

Mais à frente, ele argumenta que essa visão que, no fundo, parece idealizar a criança e rejeitar qualquer forma de autoridade em sala de aula, acaba produzindo apenas desordem:

Esse grupo de educadores admite que o aluno pode ser no máximo incentivado a respeitar a ordem na sala de aula, mas nunca, sob nenhuma hipótese, ele deve ser forçado a fazer isso. Nesse caso, não é preciso de muita ciência para saber que o resultado final será muita bagunça e pouco aprendizado.

O construtivismo, ou a modalidade atual da idéia de Piaget, é alvo de mais ataques legítimos na entrevista:

Um mestre tem o dever de transmitir a seus alunos os conteúdos nos quais se graduou. E, sim, precisa ter objetivos bem claros e definidos sobre o que vai ensinar. É ingênuo achar que o estudante vai descobrir tudo por si mesmo e ao seu ritmo, quando julgar interessante. Quem de bom-senso tem dúvida de que, se a criança puder esperar a hora que bem lhe apetecer para mergulhar num assunto, talvez isso nunca aconteça?

Nuno Crato ainda defende a memorização, a imposição de leitura, algum grau de decoreba, a importância de excessivos exercícios de matemática para fixar bem a matéria, que é cumulativa, enfim, trata-se de um resgate dos métodos mais tradicionais de ensino, hoje tão rechaçados pela pedagogia moderna. Crato reconhece o obstáculo:

As sociedades hoje frequentemente não valorizam o conhecimento rigoroso, aquele que exige método, empenho e exercício para ser bem sedimentado. Acham que as crianças vão acabar aprendendo matemática por osmose. Mas elas não aprendem. As avaliações costumam ser impiedosas ao escancarar as deficiências.

Por fim, como não poderia faltar, Nuno defende a meritocracia, repudiada pelos “igualitários” da atualidade. Ele diz:

A utopia do igualitarismo, essa que muitos na educação defendem, só seria possível num único e não desejável cenário – aquele em que todos são medíocres. Esse é ainda um tabu. Dizer que uma criança precisa de um apoio especial não significa que ela será excluída. Num outro espectro, os ótimos alunos também não devem ser escondidos, mas, sim, radicalmente incentivados a seguir em frente. É um fundamento básico da meritocracia, de eficiência provada no setor privado.

Ou, como dizia Thomas Sowell, “Você não pode ensinar a todos no mesmo ritmo, a não ser que esse ritmo seja reduzido para acomodar o menor denominador comum”. Complicado é enfrentar os sindicatos corporativistas, que detestam a idéia da meritocracia em sala de aula e fora dela. Mas é necessário partir para esse enfrentamento, caso contrário, seremos medíocres. E não adianta jogar mais dinheiro público nesse modelo falido, como o próprio Nuno Crato reconhece:

Acho que nossos desafios dependem menos de dinheiro e mais de objetivos claros, ambiciosos e de organização. Para avançarmos, precisamos formar mais e mais engenheiros, médicos e cientistas. As crianças devem ser despertadas desde cedo para o interesse por essas áreas. Não será à base do velho e empolado “eduquês” que conseguiremos dar o grande salto.


Enfim, precisamos de mais engenheiros, médicos e cientistas, e menos gente das “ciências humanas” que adora divulgar ideologias ultrapassadas e igualitárias. Portugal parece ter a pessoa certa para lutar por esse caminho. Espero que consiga. Cá no Brasil, com o PT no poder e Mercadante como ministro da Educação, acredito que teremos de esperar mais um pouco para ao menos sair da direção errada e apontar na correta. O problema é que esse tempo custa caro. Muito caro.
 

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  • Augusto de Franco
  • 03 Junho 2015

( www.alertatotal.net)

O que está acontecendo com o PT não é um fenômeno isolado. Aconteceu com vários grupos da esquerda autocrática depois da queda do muro de Berlim. Sobretudo na América Latina, em que muitos dirigentes de organizações ditas revolucionárias enveredaram para o crime.

Conheci vários desses militantes que viraram bandidos. Daniel Ortega, da Frente Sandinista, hoje presidente da Nicarágua, foi um deles. Me lembro como se fosse hoje. Ele foi convidado de honra no I Congresso do PT (que coordenei), no final de 1991. Chegando lá, no Hotel Pampa, em São Bernardo, Daniel pediu logo ao tesoureiro do PT à época, se não podia arranjar umas prostitutas.

Esse Daniel e seu irmão Humberto, eram teleguiados de Fidel, que lhes passava pitos, aos berros. Reuniões decisivas para o futuro da chamada revolução sandinista foram realizadas em Havana, sob o comando de Fidel. E enquanto as bases petistas da Igreja idolatravam por aqui os sandinistas como expoentes de uma nova espiritualidade dos pobres, esses bandidos assaltavam patrimônio público (inclusive passavam para seus nomes propriedades imóveis) do Estado nicaraguense.

O mesmo ocorreu com gente da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional de El Salvador, que também está no governo. Aconteceu com o Mir chileno (e com o Mir Militar) com alguns Tupamaros. com as FARC colombianas e, é claro, com a nova leva de bolivarianos, que não tinham tanta tradição de esquerda, como Chávez, Maduro e Cabello (mas aí já estamos falando de delinquentes da pior espécie, que inclusive chefiam o narcotráfico na região) e como Rafael Correa e Evo Morales. Bem, para resumir, aconteceu com boa parte das organizações e pessoas que frequentam as reuniões do Foro de São Paulo (fundado, não por acaso, um ano depois da queda do muro - e eu estava presente na reunião de fundação, no Hotel Danúbio).

Não dando certo a revolução pela insurreição, pelo foquismo ou pela guerra popular prolongada, essa galera chegou à conclusão de que seria preciso fazer a revolução pela corrupção. Bastaria adotar a via eleitoral contra a democracia e depois assaltar o Estado para financiar um esquema de poder de longo prazo. O plano era simples: conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. O objetivo era claro: chegar ao governo pela via eleitoral, tomar o poder e nunca mais sair do governo. Para isso, entretanto, era necessário, além do tradicional caixa 2, fazer um caixa 3, encarregado de custear ações legais e ilegais, ostensivas e clandestinas, para controlar as instituições, comprar aliados, remover ou neutralizar obstáculos...

Afinal, pensaram eles: as elites não fizeram sempre assim? Para jogar o jogo duro do poder não se pode ter escrúpulos. Foi essa a conclusão de Lula, Dirceu e dos dirigentes petistas que tomaram o mesmo caminho. É claro que, como ninguém é de ferro e como não se pode amarrar a boca do boi que debulha, alguma compensação em vida esses bravos revolucionários mereciam ter. E foi assim que enriqueceram, abriram contas secretas no exterior para guardar os frutos dos seus crimes, adquiriram bens móveis e imóveis em nome próprio ou de terceiros e foram levando a vida numa boa enquanto o paraíso comunista não chegasse.

O ano de 1989 foi decisivo para essa degeneração política e moral da esquerda. Mas o que aconteceu não foi um resultado do somatório de desvios individuais. Não! Eles viram que seria muito difícil conquistar o mundo e assumir o comando de seus próprios países, contrapondo um bloco a outro bloco. O bloco dito comunista se desfez. A União Soviética derreteu em 1991. Ruiu tudo. E agora? Bem, agora - pensaram eles - seria necessário ter uma nova estratégia. E eis que surgiu uma ideologia pervertida, baseada numa fusão escrota de maquiavelismo (realpolitik exacerbada) com gramscismo. Eles, como operadores políticos, conduziriam a realpolitik sem o menor pudor, enquanto que pediriam ajuda aos universitários para dar tratos à bola do gramscismo (e reproduzir mais militantes nas madrassas em que se transformaram as universidades).

No Brasil, porém, parece que erraram no timing. Precisariam de mais uns três ou quatro anos para ter tudo dominado, dos tribunais superiores, passando pelo Congresso, pelo movimento sindical e pelos fundos de pensão, pelos (falsos) movimentos sociais que atuam como correias de transmissão do partido, pela academia colonizada, pelas ONGs que se transformaram em organizações neo-governamentais, por uma blogosfera suja financiada com dinheiro de estatais e por grandes empresas (com destaque para as empreiteiras, atraídas pela promessa de lucros incessantes quase eternos se estivessem aliadas a um sólido projeto de poder de longo prazo).

Não deu tempo. O plano foi descoberto antes que as instituições fossem completamente degeneradas. E chegamos então a este agosto de 2015, ano em que alguns desses dirigentes vão começar a assistir, de seus camarotes na prisão, o desmoronamento do esquema maléfico que urdiram.

Augusto de Franco é escritor, palestrante e consultor. É o criador e um dos netweavers da Escola-de-Redes - uma rede de pessoas dedicadas à investigação sobre redes sociais e à criação e transferência de tecnologias de netweaving. É autor de várias dezenas de livros e textos sobre desenvolvimento local, capital social, democracia e redes sociais.
http://www.alertatotal.net/2015/08/por-que-esquerda-enveredou-para-o-crime.html

 

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